Berlusconi, fase 'Braghettone'


Ao mandar cobrir seio em quadro, premier é comparado a Cuecão, o conterrâneo que 'vestiu' anjos nus de Michelangelo

Por Sérgio Augusto

Já não eram boas as notícias recém-vindas de Nápoles (o lixo ainda se acumula nas ruas) e da Catânia (às escuras por falta de pagamento da conta de luz). Em Roma, Milão, Turim e Palermo, um susto nos turistas: milhares de soldados foram mobilizados para dar combate ostensivo à bandidagem e proteger os tesouros históricos do país, as embaixadas e os consulados. "Não estamos em Beirute", protestou em vão o senador Achille Serra, ex-prefeito com doutorado em lei & ordem, um dos muitos políticos contrários ao emprego das Forças Armadas em atividades policiais. Se o senador tivesse dito "Não estamos no Rio de Janeiro", o efeito teria sido o mesmo. Na última vez que algo parecido aconteceu na Itália (Sicília, 1992), 20 mil soldados saíram dos quartéis para encurralar a Máfia, que acabara de despachar para o além os magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone. Agora, apenas 3 mil militares terão de dar conta de tarefas que, proporcionalmente, exigiriam a presença de 80 mil. As Forças Armadas italianas estão operando em casa abaixo da linha d?água. "Quem mandou enviar tropas ao Líbano e ao Afeganistão?", fustigou um blogueiro de L?Espresso. Nada parece dar certo na Itália. A economia estagnou; o consumo caiu; a inflação cresce; a produção industrial declinou; o PIB não deve engordar mais do que 0,4% este ano; a corrupção atinge novos patamares - e o governo preocupado em tirar dinheiro do contribuinte para tentar salvar a falida Alitalia. Bem que Umberto Eco alertou: "Se tivermos de passar mais cinco anos governados pela coalização de direita encabeçada por Silvio Berlusconi, o declínio de nosso país será inexorável e, possivelmente, definitivo". A Itália não merece, mas os italianos, sim. Votaram outra vez no gomalinado buffone, agüentem. Sinais do declínio só não vê quem não quer. Da aprovação, pelo atual ministro da Agricultura, do vinho em caixas de papelão, como um suco de uva, à censura ao seio da alegórica Verdade exposta no Palazzo Chigi, passando pelas saudações fascistas publicamente dispensadas ao prefeito de Roma, Gianni Alemanno, por onde quer que ele passe com sua pose de "duce", tudo sugere que os bárbaros já venceram a muralha. O episódio da censura ao seio da Verdade ao menos foi divertido - pateticamente divertido -, expondo uma nova faceta demagógica do premier italiano. Ninguém o supunha pudico, nem ele o é, longe disso, o que pode ser verificado assistindo-se a alguns programas de variedades de sua rede de televisão, repletos de mulheres peladas, ou ouvindo uma de suas conversas, sexualmente explícitas, com a boazuda ministra da Igualdade, Mara Carfagna, grampeadas pela polícia. Berlusconi censurou a nudez da Verdade para, em última ou penúltima instância, fazer média com o eleitorado mais conservador e puritano. "Un caso di moralismo sciocco", protestou o historiador bolonhês Eugenio Riccomini, sem conseguir conter o riso. Pouco importa que a censura tenha sido efetuada por um puxa-saco de gabinete, preocupado com a imagem do chefe. Ao aprová-la, Berlusconi a oficializou. Para os efeitos que importam, foi o fogoso amante da signorina Carfagna (ex-Miss Itália, 34 anos, saidinha e homofóbica) quem cobriu com uma diáfana renda o seio nu pintado por Giovanni Battista Tiepolo no século 18. Segundo a versão chapa-branca, assessores do primeiro-ministro queriam evitar que, durante as entrevistas coletivas no Chigi, sede do governo, sempre realizadas diante do quadro de Tiepolo, o busto arredondado da figura feminina que representa a Verdade (nua e crua, certo?) pairasse sobre a calva do chefe "como se fosse uma auréola". Um jornalista de La Stampa já havia chamado atenção para esse pândego trompe l?oeil, cuja comprovação instalou o pânico entre os áulicos do palácio, todos carecas de saber que o complexo de inferioridade de Berlusconi não se mede apenas em centímetros (de altura! de altura!), mas também em fios de cabelo. A tela de Tiepolo (felizmente uma reprodução; a Verità Svelata dal Tempo original está num museu de Vicenza) foi posta na sala de imprensa do Chigi por determinação de Berlusconi, que muito a aprecia. Mas, pelo visto, não o suficiente para poupá-la de uma adulteração. De resto, inútil. E, sobretudo, contraproducente. Com tantas acusações nas costas, Berlusconi não precisava de uma desairosa comparação com Daniele de Volterra, escultor e pintor de segunda que, a pedido do Vaticano, então premido pelo Concílio de Trento, sujeitou-se a esconder as vergonhas dos anjos pintados por Michelangelo no afresco da Capela Sistina, e, graças a essa proeza, baixou sepultura com o apelido de Braghettone (cuecão). Uma tempestade de críticas e gozações abateu-se sobre o primeiro-ministro italiano, já apelidado de "Silvio Braghettone" e suspeito, mais uma vez, de "ocultar a verdade". No quadro de Tiepolo, a Mentira é representada por um velhote que fecha os olhos à nudez da Verdade. "Os políticos da oposição podem dizer agora que, uma vez retocada a Verdade pelos assessores de imagem de Berlusconi, as mentiras vão se sentir mais à vontade no gabinete do primeiro-ministro da Itália", maldou o correspondente em Roma do jornal britânico The Guardian, John Hooper. A piada é boa, mas as mentiras nunca precisaram de licença para circular à vontade nos gabinetes de Berlusconi.

Já não eram boas as notícias recém-vindas de Nápoles (o lixo ainda se acumula nas ruas) e da Catânia (às escuras por falta de pagamento da conta de luz). Em Roma, Milão, Turim e Palermo, um susto nos turistas: milhares de soldados foram mobilizados para dar combate ostensivo à bandidagem e proteger os tesouros históricos do país, as embaixadas e os consulados. "Não estamos em Beirute", protestou em vão o senador Achille Serra, ex-prefeito com doutorado em lei & ordem, um dos muitos políticos contrários ao emprego das Forças Armadas em atividades policiais. Se o senador tivesse dito "Não estamos no Rio de Janeiro", o efeito teria sido o mesmo. Na última vez que algo parecido aconteceu na Itália (Sicília, 1992), 20 mil soldados saíram dos quartéis para encurralar a Máfia, que acabara de despachar para o além os magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone. Agora, apenas 3 mil militares terão de dar conta de tarefas que, proporcionalmente, exigiriam a presença de 80 mil. As Forças Armadas italianas estão operando em casa abaixo da linha d?água. "Quem mandou enviar tropas ao Líbano e ao Afeganistão?", fustigou um blogueiro de L?Espresso. Nada parece dar certo na Itália. A economia estagnou; o consumo caiu; a inflação cresce; a produção industrial declinou; o PIB não deve engordar mais do que 0,4% este ano; a corrupção atinge novos patamares - e o governo preocupado em tirar dinheiro do contribuinte para tentar salvar a falida Alitalia. Bem que Umberto Eco alertou: "Se tivermos de passar mais cinco anos governados pela coalização de direita encabeçada por Silvio Berlusconi, o declínio de nosso país será inexorável e, possivelmente, definitivo". A Itália não merece, mas os italianos, sim. Votaram outra vez no gomalinado buffone, agüentem. Sinais do declínio só não vê quem não quer. Da aprovação, pelo atual ministro da Agricultura, do vinho em caixas de papelão, como um suco de uva, à censura ao seio da alegórica Verdade exposta no Palazzo Chigi, passando pelas saudações fascistas publicamente dispensadas ao prefeito de Roma, Gianni Alemanno, por onde quer que ele passe com sua pose de "duce", tudo sugere que os bárbaros já venceram a muralha. O episódio da censura ao seio da Verdade ao menos foi divertido - pateticamente divertido -, expondo uma nova faceta demagógica do premier italiano. Ninguém o supunha pudico, nem ele o é, longe disso, o que pode ser verificado assistindo-se a alguns programas de variedades de sua rede de televisão, repletos de mulheres peladas, ou ouvindo uma de suas conversas, sexualmente explícitas, com a boazuda ministra da Igualdade, Mara Carfagna, grampeadas pela polícia. Berlusconi censurou a nudez da Verdade para, em última ou penúltima instância, fazer média com o eleitorado mais conservador e puritano. "Un caso di moralismo sciocco", protestou o historiador bolonhês Eugenio Riccomini, sem conseguir conter o riso. Pouco importa que a censura tenha sido efetuada por um puxa-saco de gabinete, preocupado com a imagem do chefe. Ao aprová-la, Berlusconi a oficializou. Para os efeitos que importam, foi o fogoso amante da signorina Carfagna (ex-Miss Itália, 34 anos, saidinha e homofóbica) quem cobriu com uma diáfana renda o seio nu pintado por Giovanni Battista Tiepolo no século 18. Segundo a versão chapa-branca, assessores do primeiro-ministro queriam evitar que, durante as entrevistas coletivas no Chigi, sede do governo, sempre realizadas diante do quadro de Tiepolo, o busto arredondado da figura feminina que representa a Verdade (nua e crua, certo?) pairasse sobre a calva do chefe "como se fosse uma auréola". Um jornalista de La Stampa já havia chamado atenção para esse pândego trompe l?oeil, cuja comprovação instalou o pânico entre os áulicos do palácio, todos carecas de saber que o complexo de inferioridade de Berlusconi não se mede apenas em centímetros (de altura! de altura!), mas também em fios de cabelo. A tela de Tiepolo (felizmente uma reprodução; a Verità Svelata dal Tempo original está num museu de Vicenza) foi posta na sala de imprensa do Chigi por determinação de Berlusconi, que muito a aprecia. Mas, pelo visto, não o suficiente para poupá-la de uma adulteração. De resto, inútil. E, sobretudo, contraproducente. Com tantas acusações nas costas, Berlusconi não precisava de uma desairosa comparação com Daniele de Volterra, escultor e pintor de segunda que, a pedido do Vaticano, então premido pelo Concílio de Trento, sujeitou-se a esconder as vergonhas dos anjos pintados por Michelangelo no afresco da Capela Sistina, e, graças a essa proeza, baixou sepultura com o apelido de Braghettone (cuecão). Uma tempestade de críticas e gozações abateu-se sobre o primeiro-ministro italiano, já apelidado de "Silvio Braghettone" e suspeito, mais uma vez, de "ocultar a verdade". No quadro de Tiepolo, a Mentira é representada por um velhote que fecha os olhos à nudez da Verdade. "Os políticos da oposição podem dizer agora que, uma vez retocada a Verdade pelos assessores de imagem de Berlusconi, as mentiras vão se sentir mais à vontade no gabinete do primeiro-ministro da Itália", maldou o correspondente em Roma do jornal britânico The Guardian, John Hooper. A piada é boa, mas as mentiras nunca precisaram de licença para circular à vontade nos gabinetes de Berlusconi.

Já não eram boas as notícias recém-vindas de Nápoles (o lixo ainda se acumula nas ruas) e da Catânia (às escuras por falta de pagamento da conta de luz). Em Roma, Milão, Turim e Palermo, um susto nos turistas: milhares de soldados foram mobilizados para dar combate ostensivo à bandidagem e proteger os tesouros históricos do país, as embaixadas e os consulados. "Não estamos em Beirute", protestou em vão o senador Achille Serra, ex-prefeito com doutorado em lei & ordem, um dos muitos políticos contrários ao emprego das Forças Armadas em atividades policiais. Se o senador tivesse dito "Não estamos no Rio de Janeiro", o efeito teria sido o mesmo. Na última vez que algo parecido aconteceu na Itália (Sicília, 1992), 20 mil soldados saíram dos quartéis para encurralar a Máfia, que acabara de despachar para o além os magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone. Agora, apenas 3 mil militares terão de dar conta de tarefas que, proporcionalmente, exigiriam a presença de 80 mil. As Forças Armadas italianas estão operando em casa abaixo da linha d?água. "Quem mandou enviar tropas ao Líbano e ao Afeganistão?", fustigou um blogueiro de L?Espresso. Nada parece dar certo na Itália. A economia estagnou; o consumo caiu; a inflação cresce; a produção industrial declinou; o PIB não deve engordar mais do que 0,4% este ano; a corrupção atinge novos patamares - e o governo preocupado em tirar dinheiro do contribuinte para tentar salvar a falida Alitalia. Bem que Umberto Eco alertou: "Se tivermos de passar mais cinco anos governados pela coalização de direita encabeçada por Silvio Berlusconi, o declínio de nosso país será inexorável e, possivelmente, definitivo". A Itália não merece, mas os italianos, sim. Votaram outra vez no gomalinado buffone, agüentem. Sinais do declínio só não vê quem não quer. Da aprovação, pelo atual ministro da Agricultura, do vinho em caixas de papelão, como um suco de uva, à censura ao seio da alegórica Verdade exposta no Palazzo Chigi, passando pelas saudações fascistas publicamente dispensadas ao prefeito de Roma, Gianni Alemanno, por onde quer que ele passe com sua pose de "duce", tudo sugere que os bárbaros já venceram a muralha. O episódio da censura ao seio da Verdade ao menos foi divertido - pateticamente divertido -, expondo uma nova faceta demagógica do premier italiano. Ninguém o supunha pudico, nem ele o é, longe disso, o que pode ser verificado assistindo-se a alguns programas de variedades de sua rede de televisão, repletos de mulheres peladas, ou ouvindo uma de suas conversas, sexualmente explícitas, com a boazuda ministra da Igualdade, Mara Carfagna, grampeadas pela polícia. Berlusconi censurou a nudez da Verdade para, em última ou penúltima instância, fazer média com o eleitorado mais conservador e puritano. "Un caso di moralismo sciocco", protestou o historiador bolonhês Eugenio Riccomini, sem conseguir conter o riso. Pouco importa que a censura tenha sido efetuada por um puxa-saco de gabinete, preocupado com a imagem do chefe. Ao aprová-la, Berlusconi a oficializou. Para os efeitos que importam, foi o fogoso amante da signorina Carfagna (ex-Miss Itália, 34 anos, saidinha e homofóbica) quem cobriu com uma diáfana renda o seio nu pintado por Giovanni Battista Tiepolo no século 18. Segundo a versão chapa-branca, assessores do primeiro-ministro queriam evitar que, durante as entrevistas coletivas no Chigi, sede do governo, sempre realizadas diante do quadro de Tiepolo, o busto arredondado da figura feminina que representa a Verdade (nua e crua, certo?) pairasse sobre a calva do chefe "como se fosse uma auréola". Um jornalista de La Stampa já havia chamado atenção para esse pândego trompe l?oeil, cuja comprovação instalou o pânico entre os áulicos do palácio, todos carecas de saber que o complexo de inferioridade de Berlusconi não se mede apenas em centímetros (de altura! de altura!), mas também em fios de cabelo. A tela de Tiepolo (felizmente uma reprodução; a Verità Svelata dal Tempo original está num museu de Vicenza) foi posta na sala de imprensa do Chigi por determinação de Berlusconi, que muito a aprecia. Mas, pelo visto, não o suficiente para poupá-la de uma adulteração. De resto, inútil. E, sobretudo, contraproducente. Com tantas acusações nas costas, Berlusconi não precisava de uma desairosa comparação com Daniele de Volterra, escultor e pintor de segunda que, a pedido do Vaticano, então premido pelo Concílio de Trento, sujeitou-se a esconder as vergonhas dos anjos pintados por Michelangelo no afresco da Capela Sistina, e, graças a essa proeza, baixou sepultura com o apelido de Braghettone (cuecão). Uma tempestade de críticas e gozações abateu-se sobre o primeiro-ministro italiano, já apelidado de "Silvio Braghettone" e suspeito, mais uma vez, de "ocultar a verdade". No quadro de Tiepolo, a Mentira é representada por um velhote que fecha os olhos à nudez da Verdade. "Os políticos da oposição podem dizer agora que, uma vez retocada a Verdade pelos assessores de imagem de Berlusconi, as mentiras vão se sentir mais à vontade no gabinete do primeiro-ministro da Itália", maldou o correspondente em Roma do jornal britânico The Guardian, John Hooper. A piada é boa, mas as mentiras nunca precisaram de licença para circular à vontade nos gabinetes de Berlusconi.

Já não eram boas as notícias recém-vindas de Nápoles (o lixo ainda se acumula nas ruas) e da Catânia (às escuras por falta de pagamento da conta de luz). Em Roma, Milão, Turim e Palermo, um susto nos turistas: milhares de soldados foram mobilizados para dar combate ostensivo à bandidagem e proteger os tesouros históricos do país, as embaixadas e os consulados. "Não estamos em Beirute", protestou em vão o senador Achille Serra, ex-prefeito com doutorado em lei & ordem, um dos muitos políticos contrários ao emprego das Forças Armadas em atividades policiais. Se o senador tivesse dito "Não estamos no Rio de Janeiro", o efeito teria sido o mesmo. Na última vez que algo parecido aconteceu na Itália (Sicília, 1992), 20 mil soldados saíram dos quartéis para encurralar a Máfia, que acabara de despachar para o além os magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone. Agora, apenas 3 mil militares terão de dar conta de tarefas que, proporcionalmente, exigiriam a presença de 80 mil. As Forças Armadas italianas estão operando em casa abaixo da linha d?água. "Quem mandou enviar tropas ao Líbano e ao Afeganistão?", fustigou um blogueiro de L?Espresso. Nada parece dar certo na Itália. A economia estagnou; o consumo caiu; a inflação cresce; a produção industrial declinou; o PIB não deve engordar mais do que 0,4% este ano; a corrupção atinge novos patamares - e o governo preocupado em tirar dinheiro do contribuinte para tentar salvar a falida Alitalia. Bem que Umberto Eco alertou: "Se tivermos de passar mais cinco anos governados pela coalização de direita encabeçada por Silvio Berlusconi, o declínio de nosso país será inexorável e, possivelmente, definitivo". A Itália não merece, mas os italianos, sim. Votaram outra vez no gomalinado buffone, agüentem. Sinais do declínio só não vê quem não quer. Da aprovação, pelo atual ministro da Agricultura, do vinho em caixas de papelão, como um suco de uva, à censura ao seio da alegórica Verdade exposta no Palazzo Chigi, passando pelas saudações fascistas publicamente dispensadas ao prefeito de Roma, Gianni Alemanno, por onde quer que ele passe com sua pose de "duce", tudo sugere que os bárbaros já venceram a muralha. O episódio da censura ao seio da Verdade ao menos foi divertido - pateticamente divertido -, expondo uma nova faceta demagógica do premier italiano. Ninguém o supunha pudico, nem ele o é, longe disso, o que pode ser verificado assistindo-se a alguns programas de variedades de sua rede de televisão, repletos de mulheres peladas, ou ouvindo uma de suas conversas, sexualmente explícitas, com a boazuda ministra da Igualdade, Mara Carfagna, grampeadas pela polícia. Berlusconi censurou a nudez da Verdade para, em última ou penúltima instância, fazer média com o eleitorado mais conservador e puritano. "Un caso di moralismo sciocco", protestou o historiador bolonhês Eugenio Riccomini, sem conseguir conter o riso. Pouco importa que a censura tenha sido efetuada por um puxa-saco de gabinete, preocupado com a imagem do chefe. Ao aprová-la, Berlusconi a oficializou. Para os efeitos que importam, foi o fogoso amante da signorina Carfagna (ex-Miss Itália, 34 anos, saidinha e homofóbica) quem cobriu com uma diáfana renda o seio nu pintado por Giovanni Battista Tiepolo no século 18. Segundo a versão chapa-branca, assessores do primeiro-ministro queriam evitar que, durante as entrevistas coletivas no Chigi, sede do governo, sempre realizadas diante do quadro de Tiepolo, o busto arredondado da figura feminina que representa a Verdade (nua e crua, certo?) pairasse sobre a calva do chefe "como se fosse uma auréola". Um jornalista de La Stampa já havia chamado atenção para esse pândego trompe l?oeil, cuja comprovação instalou o pânico entre os áulicos do palácio, todos carecas de saber que o complexo de inferioridade de Berlusconi não se mede apenas em centímetros (de altura! de altura!), mas também em fios de cabelo. A tela de Tiepolo (felizmente uma reprodução; a Verità Svelata dal Tempo original está num museu de Vicenza) foi posta na sala de imprensa do Chigi por determinação de Berlusconi, que muito a aprecia. Mas, pelo visto, não o suficiente para poupá-la de uma adulteração. De resto, inútil. E, sobretudo, contraproducente. Com tantas acusações nas costas, Berlusconi não precisava de uma desairosa comparação com Daniele de Volterra, escultor e pintor de segunda que, a pedido do Vaticano, então premido pelo Concílio de Trento, sujeitou-se a esconder as vergonhas dos anjos pintados por Michelangelo no afresco da Capela Sistina, e, graças a essa proeza, baixou sepultura com o apelido de Braghettone (cuecão). Uma tempestade de críticas e gozações abateu-se sobre o primeiro-ministro italiano, já apelidado de "Silvio Braghettone" e suspeito, mais uma vez, de "ocultar a verdade". No quadro de Tiepolo, a Mentira é representada por um velhote que fecha os olhos à nudez da Verdade. "Os políticos da oposição podem dizer agora que, uma vez retocada a Verdade pelos assessores de imagem de Berlusconi, as mentiras vão se sentir mais à vontade no gabinete do primeiro-ministro da Itália", maldou o correspondente em Roma do jornal britânico The Guardian, John Hooper. A piada é boa, mas as mentiras nunca precisaram de licença para circular à vontade nos gabinetes de Berlusconi.

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