Chumbo ou ouro?


Livro sobre os anos Médici insiste na metáfora redutora que nega a reflexão e serve para nutrir ressentimentos

Por JANAINA CORDEIRO É DOUTORA EM HISTÓRIA PELA UFF, COM UMA TESE SOBRE OS ANOS MÉDICI, AUTORA DO LIVRO DIREITAS EM MOVIMENTO: A CAMPANHA DA MULHER PELA DEMOCRACIA, A DITADURA NO BRASIL (FGV e 2009)

JANAINA CORDEIRONa curta história republicana do País, talvez não haja trajetória presidencial como a do general Médici. Quando seu nome foi lançado para a sucessão de Costa e Silva, era um ilustre desconhecido do público. Costumava dizer que aceitara a Presidência como uma missão atribuída pelos colegas de farda. Cumpriu-a como bom militar e tratou de pôr fim à ameaça comunista. Seu governo entrou para a memória nacional como o mais violento da ditadura civil-militar. Tenebrosos anos de chumbo. Mas não foram também anos de ouro, do chamado milagre brasileiro e das expectativas pelo Brasil grande? Médici foi, à sua época, extremamente popular. Pesquisas do Ibope davam-lhe, em 1972, índice de aprovação de 90% em São Paulo; foi, inúmeras vezes, ovacionado em estádios de futebol e homenageado por entidades da sociedade civil. Quando terminou o mandato, no entanto, foi rapidamente relegado ao ostracismo, à medida que o País caminhava para a redemocratização. A memória dos anos de chumbo se sobrepunha à dos anos de ouro e ninguém mais queria se lembrar de Médici.Foi como um "desagravo ao homem e ao estadista" que foi relançado nessa semana o livro póstumo do general de divisão Agnaldo Del Nero Augusto, Médici - A Verdadeira História (Formato). A obra, que saiu em outubro, pretende contar o que, para Del Nero, seria a verdade sobre o governo Médici. O autor baseia o relato no projeto de modernização econômica e social conduzido por Médici e sua equipe. Um resgate do milagre. O outro objetivo, de acordo com o coronel Flávio Souto, prefaciador do livro, é desmistificar "os relatos mentirosos em que guerrilheiros, assaltantes e terroristas são apresentados como vítimas da 'cruel repressão'".A narrativa contrasta obras e números do milagre com o quadro de avanço da guerrilha urbana no Brasil para, ao fim, demonstrar como, à medida que o projeto político e econômico do governo se consolidava, a repressão vencia o terrorismo e a subversão. De fato, quando se encerrou o governo Médici, os grupos que aderiram à luta armada estavam praticamente derrotados, à exceção da guerrilha do PCdoB no Araguaia. Motivo pelo qual, segundo o autor, Médici não teria passado o poder a um civil. O livro não traz grandes novidades. Não se diferencia em grande parte do que está no depoimento do filho do presidente, Roberto Médici, de 1995. Mesmo assim, é relançado num momento em que as disputas políticas e de memória ganharam particular centralidade no cenário nacional. O evento, às vésperas do 48º aniversário do golpe, estabelece mais uma tentativa por parte dos militares de marcar posição contra a instalação da Comissão da Verdade, prevista para abril. De outro lado, e em oposição, crescem também movimentos na sociedade contra a tortura e a favor da comissão. Hoje, talvez mais que nunca, a polarização entre os anos de chumbo e os anos de ouro se evidenciam, dividem a sociedade. Ambas as metáforas são representativas de polos extremamente simplificadores entre os quais se estrutura a memória social sobre a ditadura. No entanto, se a sociedade quiser aproveitar os trabalhos da Comissão da Verdade para promover um debate de fato esclarecedor sobre o passado, será preciso superar as polarizações e compreender que a realidade social de então foi mais complexa do que sugerem tais metáforas. Os anos do milagre precisam ser recuperados se quisermos compreender a dimensão social da ditadura, sua permanência por longos anos e a sobrevivência de uma cultura política e de práticas autoritárias no País. Além disso, refletir sobre os frenéticos anos 70 a partir do viés dos entusiasmos que a ditadura suscitou pode ser produtivo - e um necessário contraponto a uma memória dos anos de chumbo que silencia sobre a complexidade do pacto social sob a ditadura.O livro do general Del Nero é uma tentativa de substituir os anos de chumbo pelos anos de ouro. Ali, a metáfora aparece igualmente redutora e serve apenas para manter e nutrir ressentimentos, surdos monólogos, negando-se à reflexão de que a sociedade precisa para, de fato, compreender e superar o passado.

JANAINA CORDEIRONa curta história republicana do País, talvez não haja trajetória presidencial como a do general Médici. Quando seu nome foi lançado para a sucessão de Costa e Silva, era um ilustre desconhecido do público. Costumava dizer que aceitara a Presidência como uma missão atribuída pelos colegas de farda. Cumpriu-a como bom militar e tratou de pôr fim à ameaça comunista. Seu governo entrou para a memória nacional como o mais violento da ditadura civil-militar. Tenebrosos anos de chumbo. Mas não foram também anos de ouro, do chamado milagre brasileiro e das expectativas pelo Brasil grande? Médici foi, à sua época, extremamente popular. Pesquisas do Ibope davam-lhe, em 1972, índice de aprovação de 90% em São Paulo; foi, inúmeras vezes, ovacionado em estádios de futebol e homenageado por entidades da sociedade civil. Quando terminou o mandato, no entanto, foi rapidamente relegado ao ostracismo, à medida que o País caminhava para a redemocratização. A memória dos anos de chumbo se sobrepunha à dos anos de ouro e ninguém mais queria se lembrar de Médici.Foi como um "desagravo ao homem e ao estadista" que foi relançado nessa semana o livro póstumo do general de divisão Agnaldo Del Nero Augusto, Médici - A Verdadeira História (Formato). A obra, que saiu em outubro, pretende contar o que, para Del Nero, seria a verdade sobre o governo Médici. O autor baseia o relato no projeto de modernização econômica e social conduzido por Médici e sua equipe. Um resgate do milagre. O outro objetivo, de acordo com o coronel Flávio Souto, prefaciador do livro, é desmistificar "os relatos mentirosos em que guerrilheiros, assaltantes e terroristas são apresentados como vítimas da 'cruel repressão'".A narrativa contrasta obras e números do milagre com o quadro de avanço da guerrilha urbana no Brasil para, ao fim, demonstrar como, à medida que o projeto político e econômico do governo se consolidava, a repressão vencia o terrorismo e a subversão. De fato, quando se encerrou o governo Médici, os grupos que aderiram à luta armada estavam praticamente derrotados, à exceção da guerrilha do PCdoB no Araguaia. Motivo pelo qual, segundo o autor, Médici não teria passado o poder a um civil. O livro não traz grandes novidades. Não se diferencia em grande parte do que está no depoimento do filho do presidente, Roberto Médici, de 1995. Mesmo assim, é relançado num momento em que as disputas políticas e de memória ganharam particular centralidade no cenário nacional. O evento, às vésperas do 48º aniversário do golpe, estabelece mais uma tentativa por parte dos militares de marcar posição contra a instalação da Comissão da Verdade, prevista para abril. De outro lado, e em oposição, crescem também movimentos na sociedade contra a tortura e a favor da comissão. Hoje, talvez mais que nunca, a polarização entre os anos de chumbo e os anos de ouro se evidenciam, dividem a sociedade. Ambas as metáforas são representativas de polos extremamente simplificadores entre os quais se estrutura a memória social sobre a ditadura. No entanto, se a sociedade quiser aproveitar os trabalhos da Comissão da Verdade para promover um debate de fato esclarecedor sobre o passado, será preciso superar as polarizações e compreender que a realidade social de então foi mais complexa do que sugerem tais metáforas. Os anos do milagre precisam ser recuperados se quisermos compreender a dimensão social da ditadura, sua permanência por longos anos e a sobrevivência de uma cultura política e de práticas autoritárias no País. Além disso, refletir sobre os frenéticos anos 70 a partir do viés dos entusiasmos que a ditadura suscitou pode ser produtivo - e um necessário contraponto a uma memória dos anos de chumbo que silencia sobre a complexidade do pacto social sob a ditadura.O livro do general Del Nero é uma tentativa de substituir os anos de chumbo pelos anos de ouro. Ali, a metáfora aparece igualmente redutora e serve apenas para manter e nutrir ressentimentos, surdos monólogos, negando-se à reflexão de que a sociedade precisa para, de fato, compreender e superar o passado.

JANAINA CORDEIRONa curta história republicana do País, talvez não haja trajetória presidencial como a do general Médici. Quando seu nome foi lançado para a sucessão de Costa e Silva, era um ilustre desconhecido do público. Costumava dizer que aceitara a Presidência como uma missão atribuída pelos colegas de farda. Cumpriu-a como bom militar e tratou de pôr fim à ameaça comunista. Seu governo entrou para a memória nacional como o mais violento da ditadura civil-militar. Tenebrosos anos de chumbo. Mas não foram também anos de ouro, do chamado milagre brasileiro e das expectativas pelo Brasil grande? Médici foi, à sua época, extremamente popular. Pesquisas do Ibope davam-lhe, em 1972, índice de aprovação de 90% em São Paulo; foi, inúmeras vezes, ovacionado em estádios de futebol e homenageado por entidades da sociedade civil. Quando terminou o mandato, no entanto, foi rapidamente relegado ao ostracismo, à medida que o País caminhava para a redemocratização. A memória dos anos de chumbo se sobrepunha à dos anos de ouro e ninguém mais queria se lembrar de Médici.Foi como um "desagravo ao homem e ao estadista" que foi relançado nessa semana o livro póstumo do general de divisão Agnaldo Del Nero Augusto, Médici - A Verdadeira História (Formato). A obra, que saiu em outubro, pretende contar o que, para Del Nero, seria a verdade sobre o governo Médici. O autor baseia o relato no projeto de modernização econômica e social conduzido por Médici e sua equipe. Um resgate do milagre. O outro objetivo, de acordo com o coronel Flávio Souto, prefaciador do livro, é desmistificar "os relatos mentirosos em que guerrilheiros, assaltantes e terroristas são apresentados como vítimas da 'cruel repressão'".A narrativa contrasta obras e números do milagre com o quadro de avanço da guerrilha urbana no Brasil para, ao fim, demonstrar como, à medida que o projeto político e econômico do governo se consolidava, a repressão vencia o terrorismo e a subversão. De fato, quando se encerrou o governo Médici, os grupos que aderiram à luta armada estavam praticamente derrotados, à exceção da guerrilha do PCdoB no Araguaia. Motivo pelo qual, segundo o autor, Médici não teria passado o poder a um civil. O livro não traz grandes novidades. Não se diferencia em grande parte do que está no depoimento do filho do presidente, Roberto Médici, de 1995. Mesmo assim, é relançado num momento em que as disputas políticas e de memória ganharam particular centralidade no cenário nacional. O evento, às vésperas do 48º aniversário do golpe, estabelece mais uma tentativa por parte dos militares de marcar posição contra a instalação da Comissão da Verdade, prevista para abril. De outro lado, e em oposição, crescem também movimentos na sociedade contra a tortura e a favor da comissão. Hoje, talvez mais que nunca, a polarização entre os anos de chumbo e os anos de ouro se evidenciam, dividem a sociedade. Ambas as metáforas são representativas de polos extremamente simplificadores entre os quais se estrutura a memória social sobre a ditadura. No entanto, se a sociedade quiser aproveitar os trabalhos da Comissão da Verdade para promover um debate de fato esclarecedor sobre o passado, será preciso superar as polarizações e compreender que a realidade social de então foi mais complexa do que sugerem tais metáforas. Os anos do milagre precisam ser recuperados se quisermos compreender a dimensão social da ditadura, sua permanência por longos anos e a sobrevivência de uma cultura política e de práticas autoritárias no País. Além disso, refletir sobre os frenéticos anos 70 a partir do viés dos entusiasmos que a ditadura suscitou pode ser produtivo - e um necessário contraponto a uma memória dos anos de chumbo que silencia sobre a complexidade do pacto social sob a ditadura.O livro do general Del Nero é uma tentativa de substituir os anos de chumbo pelos anos de ouro. Ali, a metáfora aparece igualmente redutora e serve apenas para manter e nutrir ressentimentos, surdos monólogos, negando-se à reflexão de que a sociedade precisa para, de fato, compreender e superar o passado.

JANAINA CORDEIRONa curta história republicana do País, talvez não haja trajetória presidencial como a do general Médici. Quando seu nome foi lançado para a sucessão de Costa e Silva, era um ilustre desconhecido do público. Costumava dizer que aceitara a Presidência como uma missão atribuída pelos colegas de farda. Cumpriu-a como bom militar e tratou de pôr fim à ameaça comunista. Seu governo entrou para a memória nacional como o mais violento da ditadura civil-militar. Tenebrosos anos de chumbo. Mas não foram também anos de ouro, do chamado milagre brasileiro e das expectativas pelo Brasil grande? Médici foi, à sua época, extremamente popular. Pesquisas do Ibope davam-lhe, em 1972, índice de aprovação de 90% em São Paulo; foi, inúmeras vezes, ovacionado em estádios de futebol e homenageado por entidades da sociedade civil. Quando terminou o mandato, no entanto, foi rapidamente relegado ao ostracismo, à medida que o País caminhava para a redemocratização. A memória dos anos de chumbo se sobrepunha à dos anos de ouro e ninguém mais queria se lembrar de Médici.Foi como um "desagravo ao homem e ao estadista" que foi relançado nessa semana o livro póstumo do general de divisão Agnaldo Del Nero Augusto, Médici - A Verdadeira História (Formato). A obra, que saiu em outubro, pretende contar o que, para Del Nero, seria a verdade sobre o governo Médici. O autor baseia o relato no projeto de modernização econômica e social conduzido por Médici e sua equipe. Um resgate do milagre. O outro objetivo, de acordo com o coronel Flávio Souto, prefaciador do livro, é desmistificar "os relatos mentirosos em que guerrilheiros, assaltantes e terroristas são apresentados como vítimas da 'cruel repressão'".A narrativa contrasta obras e números do milagre com o quadro de avanço da guerrilha urbana no Brasil para, ao fim, demonstrar como, à medida que o projeto político e econômico do governo se consolidava, a repressão vencia o terrorismo e a subversão. De fato, quando se encerrou o governo Médici, os grupos que aderiram à luta armada estavam praticamente derrotados, à exceção da guerrilha do PCdoB no Araguaia. Motivo pelo qual, segundo o autor, Médici não teria passado o poder a um civil. O livro não traz grandes novidades. Não se diferencia em grande parte do que está no depoimento do filho do presidente, Roberto Médici, de 1995. Mesmo assim, é relançado num momento em que as disputas políticas e de memória ganharam particular centralidade no cenário nacional. O evento, às vésperas do 48º aniversário do golpe, estabelece mais uma tentativa por parte dos militares de marcar posição contra a instalação da Comissão da Verdade, prevista para abril. De outro lado, e em oposição, crescem também movimentos na sociedade contra a tortura e a favor da comissão. Hoje, talvez mais que nunca, a polarização entre os anos de chumbo e os anos de ouro se evidenciam, dividem a sociedade. Ambas as metáforas são representativas de polos extremamente simplificadores entre os quais se estrutura a memória social sobre a ditadura. No entanto, se a sociedade quiser aproveitar os trabalhos da Comissão da Verdade para promover um debate de fato esclarecedor sobre o passado, será preciso superar as polarizações e compreender que a realidade social de então foi mais complexa do que sugerem tais metáforas. Os anos do milagre precisam ser recuperados se quisermos compreender a dimensão social da ditadura, sua permanência por longos anos e a sobrevivência de uma cultura política e de práticas autoritárias no País. Além disso, refletir sobre os frenéticos anos 70 a partir do viés dos entusiasmos que a ditadura suscitou pode ser produtivo - e um necessário contraponto a uma memória dos anos de chumbo que silencia sobre a complexidade do pacto social sob a ditadura.O livro do general Del Nero é uma tentativa de substituir os anos de chumbo pelos anos de ouro. Ali, a metáfora aparece igualmente redutora e serve apenas para manter e nutrir ressentimentos, surdos monólogos, negando-se à reflexão de que a sociedade precisa para, de fato, compreender e superar o passado.

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