A luta de Halle Berry pelo papel de diretora


Em 'Bruised', a atriz vive seu papel mais exigente fisicamente: teve que treinar lutas por horas e, depois, passava o dia procurando locações, desenvolvendo roteiro e cortando cenas

Por Salamishah Tillet

Halle Berry, de uma forma ou de outra, vem lutando durante toda sua vida. Seja por cobiçados papéis nos filmes, seja pelas vítimas de violência doméstica como ela, ou contra a percepção de que sua beleza a isolou da luta, ela sempre se viu como uma desfavorecida. E agora, em seu primeiro filme como diretora, ela também atua como uma.

Em Bruised (estreando nos cinemas em 17 de novembro antes de ir para a Netflix uma semana depois), Berry é Jackie Justice, uma humilhada lutadora de artes marciais variadas desesperada para voltar à ativa. É seu papel mais exigente fisicamente: com 55 anos, ele teve que treinar de quatro a seis horas por dia para aprender boxe, muay thai, judô, jiu-jítsu, assim como melhorar as habilidades de capoeira que usou em Catwoman.

Depois ela passava o resto do dia como diretora: procurando locações em Newark, New Jersey; desenvolvendo um roteiro inicialmente centrado em uma mulher branca irlandesa e católica com 20 e poucos anos; cortando cenas elaboradas de luta; e colaborando com seu elenco intergeracional de atores. Para qualquer cineasta iniciante, essa combinação por si só é uma façanha.

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Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Com Justice, Berry interpreta uma de suas personagens mais complexas: além de ser uma antiga campeã de MMA, Jackie é uma mulher negra de meia idade lutando para criar seu filho de seis anos, Manny (Danny Boyd Jr.), após tê-lo abandonado na infância.

“Eu entendi quem esse personagem da Jackie Justice era e de onde ela vinha”, Berry disse em uma chamada de vídeo sentada no quintal de sua casa em Los Angeles. E depois de esperar seis meses para que Black Lively (inicialmente escolhida ) decidisse - ela acabou recusando - Berry perseguiu o papel agressivamente.

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“Eu adorei porque sei muito bem o que é lutar, tanto na vida pessoal como na profissional. Eu sei o que é lutar e não ser ouvida”, Berry disse. “Eu conheço o trauma da vida que nos faz querer lutar, precisar lutar, ter que lutar”.

Ela não apenas ganhou esse round, como a Netflix também parecia estar a seu lado, pagando mais US $20 milhões pelo filme, de acordo com relatórios de jornais do ramo.

Ela explicou assim: “Eu sei o que é ser marginalizada como uma mulher negra e a raiva, o ressentimento, o medo e a frustração que vêm com tudo isso. Se pudesse colocar tudo isso no filme, tudo que sei tão bem, sabia que podia criar uma personagem que não apenas seria real, mas ressoaria em mulheres de outras raças também”.

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É verdade que a mera presença de Jackie na tela traz uma contranarrativa ao heroísmo masculino dominante da maioria dos filmes de luta. Mas a ênfase do filme na maternidade também trouxe a Berry a oportunidade de fazer outra declaração em Hollywood: o arco redentor de Jackie ativamente reinventa o destino dos personagens mais icônicos de Berry assim como o de seus filmes mais recentes e menos conhecidos.

Mãe viciada em drogas: Losing Isaiah. Mãe agoniada: Monster’s Ball. Astronauta-misteriosamente-grávida-lutando-para-salvar-sua-nova-espécie-híbrida: série de televisão Extant. Mãe-garçonete-que virou-vigilante-após-seu-filho-ser-abduzido: Kidnap. Mãe-criando-oito-filhos-adotivos-negros-durante-as-revoltas-em-Los-Angeles: Kings. E esses são apenas os que consigo me lembrar.

O que distingue Jackie, claro, é que ela é uma lutadora de verdade. E para Berry, esse fato, ligado ao impulso maternal de seu personagem, fez com que o papel ficasse mais nuançado e inovador. A atriz tinha começado nossa conversa preocupada em mandar seus dois filhos para a escola e agora explicava que “Jackie faz o impensável, que é abandonar seu filho sem nenhuma razão aparente, mas emocionalmente, ela não podia ficar e ser uma mãe.”

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Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Esse ato perseguiu Justice nos ringues, provocando até mesmo a perda de um título em um momento em que pede para deixar o ringue. Como Berry explicou, Jackie estava tão assustada que "o medo e a culpa se abatessem sobre ela na próxima luta que não pôde lutar. Não conseguiu encarar. Não era mais a lutadora de antes”.

Para se preparar para o papel, Berry não apenas assistiu a lutas (ela é fã de boxe há muito tempo) mas também perguntou a lutadoras de MMA por que tinham escolhido o esporte.

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“Bem, não dá para generalizar, mas minha pesquisa me ensinou que homens e mulheres lutam por motivos bem diferentes,” Berry disse. “Muitas vezes os homens lutam para ter uma carreira e cuidar da família, ser o provedor, sair da pobreza. E as mulheres geralmente lutam para recuperarem sua voz”.

Ela acrescentou, “como muitas delas sofreram algum tipo de abuso muito cedo, a luta se tornou o único caminho para recuperar o senso de identidade, poder e segurança no mundo”.

É possível citar duas cenas nas quais Berry não estava apenas fazendo referência a seus filmes anteriores, mas claramente repensando o olhar tradicional masculino. No começo, uma discussão entre Jackie e seu parceiro e empresário Desi (Adan Canto), termina em sexo, e a intensidade e crueza da cena me lembraram um momento de Monster’s Ball no qual seu personagem, Leticia Musgrove, e Hank Grotowski (Billy Bob Thornton) mantêm uma conexão igualmente violenta e desesperada. Em Bruised essa cena não chega ao clímax, é curta e interrompida pelo enredo maior em que o filho de Jackie volta.

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Depois percebemos que o encontro entre Jackie e Desi também estava ali para ser contrastado com a troca mais carinhosa entre Jackie e sua nova treinadora, Bobbi “Buddhakan” Berroa (Sheila Atim). Berry não apenas direciona a câmera para se aproximar e mostrar lentamente as mulheres acariciando os corpos uma da outra, mas a paixão é catártica e tem realmente um poder curativo para ambas.

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Para incorporar a metamorfose de Jackie, Berry se transformou completamente. Seus olhos estão constantemente inchados, seus lábios sangrando, e ela usa calças largas e tranças sem um pingo de glamour.

Quando disse a Berry que a aparência de seu personagem me lembrava da desfiguração de Brad Pitt no final de Fight Club, ela estranhou, e então percebi que meu olhar também pode ter sido distorcido por noções preconcebidas sobre ela e sua carreira. Em outras palavras, ela queria interpretar Jackie porque via partes dela mesma - do passado e do presente - na sua história e na sua luta por mais.

“Essa é outra batalha que lutei minha vida toda: o fato de pensarem que por ter certa aparência teria sido poupada da dureza da vida. Tive perdas, dor e muito sofrimento na minha vida. Sofri abuso”, ela se lembra, uma referência, entre outras coisas, à violência doméstica em relacionamentos sobre a qual falou no passado. “Fico muito frustrada quando as pessoas pensam que por ter determinada aparência não teria tido essas experiências da vida real, porque certamente eu tive”. /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Halle Berry, de uma forma ou de outra, vem lutando durante toda sua vida. Seja por cobiçados papéis nos filmes, seja pelas vítimas de violência doméstica como ela, ou contra a percepção de que sua beleza a isolou da luta, ela sempre se viu como uma desfavorecida. E agora, em seu primeiro filme como diretora, ela também atua como uma.

Em Bruised (estreando nos cinemas em 17 de novembro antes de ir para a Netflix uma semana depois), Berry é Jackie Justice, uma humilhada lutadora de artes marciais variadas desesperada para voltar à ativa. É seu papel mais exigente fisicamente: com 55 anos, ele teve que treinar de quatro a seis horas por dia para aprender boxe, muay thai, judô, jiu-jítsu, assim como melhorar as habilidades de capoeira que usou em Catwoman.

Depois ela passava o resto do dia como diretora: procurando locações em Newark, New Jersey; desenvolvendo um roteiro inicialmente centrado em uma mulher branca irlandesa e católica com 20 e poucos anos; cortando cenas elaboradas de luta; e colaborando com seu elenco intergeracional de atores. Para qualquer cineasta iniciante, essa combinação por si só é uma façanha.

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Com Justice, Berry interpreta uma de suas personagens mais complexas: além de ser uma antiga campeã de MMA, Jackie é uma mulher negra de meia idade lutando para criar seu filho de seis anos, Manny (Danny Boyd Jr.), após tê-lo abandonado na infância.

“Eu entendi quem esse personagem da Jackie Justice era e de onde ela vinha”, Berry disse em uma chamada de vídeo sentada no quintal de sua casa em Los Angeles. E depois de esperar seis meses para que Black Lively (inicialmente escolhida ) decidisse - ela acabou recusando - Berry perseguiu o papel agressivamente.

“Eu adorei porque sei muito bem o que é lutar, tanto na vida pessoal como na profissional. Eu sei o que é lutar e não ser ouvida”, Berry disse. “Eu conheço o trauma da vida que nos faz querer lutar, precisar lutar, ter que lutar”.

Ela não apenas ganhou esse round, como a Netflix também parecia estar a seu lado, pagando mais US $20 milhões pelo filme, de acordo com relatórios de jornais do ramo.

Ela explicou assim: “Eu sei o que é ser marginalizada como uma mulher negra e a raiva, o ressentimento, o medo e a frustração que vêm com tudo isso. Se pudesse colocar tudo isso no filme, tudo que sei tão bem, sabia que podia criar uma personagem que não apenas seria real, mas ressoaria em mulheres de outras raças também”.

É verdade que a mera presença de Jackie na tela traz uma contranarrativa ao heroísmo masculino dominante da maioria dos filmes de luta. Mas a ênfase do filme na maternidade também trouxe a Berry a oportunidade de fazer outra declaração em Hollywood: o arco redentor de Jackie ativamente reinventa o destino dos personagens mais icônicos de Berry assim como o de seus filmes mais recentes e menos conhecidos.

Mãe viciada em drogas: Losing Isaiah. Mãe agoniada: Monster’s Ball. Astronauta-misteriosamente-grávida-lutando-para-salvar-sua-nova-espécie-híbrida: série de televisão Extant. Mãe-garçonete-que virou-vigilante-após-seu-filho-ser-abduzido: Kidnap. Mãe-criando-oito-filhos-adotivos-negros-durante-as-revoltas-em-Los-Angeles: Kings. E esses são apenas os que consigo me lembrar.

O que distingue Jackie, claro, é que ela é uma lutadora de verdade. E para Berry, esse fato, ligado ao impulso maternal de seu personagem, fez com que o papel ficasse mais nuançado e inovador. A atriz tinha começado nossa conversa preocupada em mandar seus dois filhos para a escola e agora explicava que “Jackie faz o impensável, que é abandonar seu filho sem nenhuma razão aparente, mas emocionalmente, ela não podia ficar e ser uma mãe.”

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Esse ato perseguiu Justice nos ringues, provocando até mesmo a perda de um título em um momento em que pede para deixar o ringue. Como Berry explicou, Jackie estava tão assustada que "o medo e a culpa se abatessem sobre ela na próxima luta que não pôde lutar. Não conseguiu encarar. Não era mais a lutadora de antes”.

Para se preparar para o papel, Berry não apenas assistiu a lutas (ela é fã de boxe há muito tempo) mas também perguntou a lutadoras de MMA por que tinham escolhido o esporte.

“Bem, não dá para generalizar, mas minha pesquisa me ensinou que homens e mulheres lutam por motivos bem diferentes,” Berry disse. “Muitas vezes os homens lutam para ter uma carreira e cuidar da família, ser o provedor, sair da pobreza. E as mulheres geralmente lutam para recuperarem sua voz”.

Ela acrescentou, “como muitas delas sofreram algum tipo de abuso muito cedo, a luta se tornou o único caminho para recuperar o senso de identidade, poder e segurança no mundo”.

É possível citar duas cenas nas quais Berry não estava apenas fazendo referência a seus filmes anteriores, mas claramente repensando o olhar tradicional masculino. No começo, uma discussão entre Jackie e seu parceiro e empresário Desi (Adan Canto), termina em sexo, e a intensidade e crueza da cena me lembraram um momento de Monster’s Ball no qual seu personagem, Leticia Musgrove, e Hank Grotowski (Billy Bob Thornton) mantêm uma conexão igualmente violenta e desesperada. Em Bruised essa cena não chega ao clímax, é curta e interrompida pelo enredo maior em que o filho de Jackie volta.

Depois percebemos que o encontro entre Jackie e Desi também estava ali para ser contrastado com a troca mais carinhosa entre Jackie e sua nova treinadora, Bobbi “Buddhakan” Berroa (Sheila Atim). Berry não apenas direciona a câmera para se aproximar e mostrar lentamente as mulheres acariciando os corpos uma da outra, mas a paixão é catártica e tem realmente um poder curativo para ambas.

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Para incorporar a metamorfose de Jackie, Berry se transformou completamente. Seus olhos estão constantemente inchados, seus lábios sangrando, e ela usa calças largas e tranças sem um pingo de glamour.

Quando disse a Berry que a aparência de seu personagem me lembrava da desfiguração de Brad Pitt no final de Fight Club, ela estranhou, e então percebi que meu olhar também pode ter sido distorcido por noções preconcebidas sobre ela e sua carreira. Em outras palavras, ela queria interpretar Jackie porque via partes dela mesma - do passado e do presente - na sua história e na sua luta por mais.

“Essa é outra batalha que lutei minha vida toda: o fato de pensarem que por ter certa aparência teria sido poupada da dureza da vida. Tive perdas, dor e muito sofrimento na minha vida. Sofri abuso”, ela se lembra, uma referência, entre outras coisas, à violência doméstica em relacionamentos sobre a qual falou no passado. “Fico muito frustrada quando as pessoas pensam que por ter determinada aparência não teria tido essas experiências da vida real, porque certamente eu tive”. /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Halle Berry, de uma forma ou de outra, vem lutando durante toda sua vida. Seja por cobiçados papéis nos filmes, seja pelas vítimas de violência doméstica como ela, ou contra a percepção de que sua beleza a isolou da luta, ela sempre se viu como uma desfavorecida. E agora, em seu primeiro filme como diretora, ela também atua como uma.

Em Bruised (estreando nos cinemas em 17 de novembro antes de ir para a Netflix uma semana depois), Berry é Jackie Justice, uma humilhada lutadora de artes marciais variadas desesperada para voltar à ativa. É seu papel mais exigente fisicamente: com 55 anos, ele teve que treinar de quatro a seis horas por dia para aprender boxe, muay thai, judô, jiu-jítsu, assim como melhorar as habilidades de capoeira que usou em Catwoman.

Depois ela passava o resto do dia como diretora: procurando locações em Newark, New Jersey; desenvolvendo um roteiro inicialmente centrado em uma mulher branca irlandesa e católica com 20 e poucos anos; cortando cenas elaboradas de luta; e colaborando com seu elenco intergeracional de atores. Para qualquer cineasta iniciante, essa combinação por si só é uma façanha.

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Com Justice, Berry interpreta uma de suas personagens mais complexas: além de ser uma antiga campeã de MMA, Jackie é uma mulher negra de meia idade lutando para criar seu filho de seis anos, Manny (Danny Boyd Jr.), após tê-lo abandonado na infância.

“Eu entendi quem esse personagem da Jackie Justice era e de onde ela vinha”, Berry disse em uma chamada de vídeo sentada no quintal de sua casa em Los Angeles. E depois de esperar seis meses para que Black Lively (inicialmente escolhida ) decidisse - ela acabou recusando - Berry perseguiu o papel agressivamente.

“Eu adorei porque sei muito bem o que é lutar, tanto na vida pessoal como na profissional. Eu sei o que é lutar e não ser ouvida”, Berry disse. “Eu conheço o trauma da vida que nos faz querer lutar, precisar lutar, ter que lutar”.

Ela não apenas ganhou esse round, como a Netflix também parecia estar a seu lado, pagando mais US $20 milhões pelo filme, de acordo com relatórios de jornais do ramo.

Ela explicou assim: “Eu sei o que é ser marginalizada como uma mulher negra e a raiva, o ressentimento, o medo e a frustração que vêm com tudo isso. Se pudesse colocar tudo isso no filme, tudo que sei tão bem, sabia que podia criar uma personagem que não apenas seria real, mas ressoaria em mulheres de outras raças também”.

É verdade que a mera presença de Jackie na tela traz uma contranarrativa ao heroísmo masculino dominante da maioria dos filmes de luta. Mas a ênfase do filme na maternidade também trouxe a Berry a oportunidade de fazer outra declaração em Hollywood: o arco redentor de Jackie ativamente reinventa o destino dos personagens mais icônicos de Berry assim como o de seus filmes mais recentes e menos conhecidos.

Mãe viciada em drogas: Losing Isaiah. Mãe agoniada: Monster’s Ball. Astronauta-misteriosamente-grávida-lutando-para-salvar-sua-nova-espécie-híbrida: série de televisão Extant. Mãe-garçonete-que virou-vigilante-após-seu-filho-ser-abduzido: Kidnap. Mãe-criando-oito-filhos-adotivos-negros-durante-as-revoltas-em-Los-Angeles: Kings. E esses são apenas os que consigo me lembrar.

O que distingue Jackie, claro, é que ela é uma lutadora de verdade. E para Berry, esse fato, ligado ao impulso maternal de seu personagem, fez com que o papel ficasse mais nuançado e inovador. A atriz tinha começado nossa conversa preocupada em mandar seus dois filhos para a escola e agora explicava que “Jackie faz o impensável, que é abandonar seu filho sem nenhuma razão aparente, mas emocionalmente, ela não podia ficar e ser uma mãe.”

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Esse ato perseguiu Justice nos ringues, provocando até mesmo a perda de um título em um momento em que pede para deixar o ringue. Como Berry explicou, Jackie estava tão assustada que "o medo e a culpa se abatessem sobre ela na próxima luta que não pôde lutar. Não conseguiu encarar. Não era mais a lutadora de antes”.

Para se preparar para o papel, Berry não apenas assistiu a lutas (ela é fã de boxe há muito tempo) mas também perguntou a lutadoras de MMA por que tinham escolhido o esporte.

“Bem, não dá para generalizar, mas minha pesquisa me ensinou que homens e mulheres lutam por motivos bem diferentes,” Berry disse. “Muitas vezes os homens lutam para ter uma carreira e cuidar da família, ser o provedor, sair da pobreza. E as mulheres geralmente lutam para recuperarem sua voz”.

Ela acrescentou, “como muitas delas sofreram algum tipo de abuso muito cedo, a luta se tornou o único caminho para recuperar o senso de identidade, poder e segurança no mundo”.

É possível citar duas cenas nas quais Berry não estava apenas fazendo referência a seus filmes anteriores, mas claramente repensando o olhar tradicional masculino. No começo, uma discussão entre Jackie e seu parceiro e empresário Desi (Adan Canto), termina em sexo, e a intensidade e crueza da cena me lembraram um momento de Monster’s Ball no qual seu personagem, Leticia Musgrove, e Hank Grotowski (Billy Bob Thornton) mantêm uma conexão igualmente violenta e desesperada. Em Bruised essa cena não chega ao clímax, é curta e interrompida pelo enredo maior em que o filho de Jackie volta.

Depois percebemos que o encontro entre Jackie e Desi também estava ali para ser contrastado com a troca mais carinhosa entre Jackie e sua nova treinadora, Bobbi “Buddhakan” Berroa (Sheila Atim). Berry não apenas direciona a câmera para se aproximar e mostrar lentamente as mulheres acariciando os corpos uma da outra, mas a paixão é catártica e tem realmente um poder curativo para ambas.

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Para incorporar a metamorfose de Jackie, Berry se transformou completamente. Seus olhos estão constantemente inchados, seus lábios sangrando, e ela usa calças largas e tranças sem um pingo de glamour.

Quando disse a Berry que a aparência de seu personagem me lembrava da desfiguração de Brad Pitt no final de Fight Club, ela estranhou, e então percebi que meu olhar também pode ter sido distorcido por noções preconcebidas sobre ela e sua carreira. Em outras palavras, ela queria interpretar Jackie porque via partes dela mesma - do passado e do presente - na sua história e na sua luta por mais.

“Essa é outra batalha que lutei minha vida toda: o fato de pensarem que por ter certa aparência teria sido poupada da dureza da vida. Tive perdas, dor e muito sofrimento na minha vida. Sofri abuso”, ela se lembra, uma referência, entre outras coisas, à violência doméstica em relacionamentos sobre a qual falou no passado. “Fico muito frustrada quando as pessoas pensam que por ter determinada aparência não teria tido essas experiências da vida real, porque certamente eu tive”. /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Halle Berry, de uma forma ou de outra, vem lutando durante toda sua vida. Seja por cobiçados papéis nos filmes, seja pelas vítimas de violência doméstica como ela, ou contra a percepção de que sua beleza a isolou da luta, ela sempre se viu como uma desfavorecida. E agora, em seu primeiro filme como diretora, ela também atua como uma.

Em Bruised (estreando nos cinemas em 17 de novembro antes de ir para a Netflix uma semana depois), Berry é Jackie Justice, uma humilhada lutadora de artes marciais variadas desesperada para voltar à ativa. É seu papel mais exigente fisicamente: com 55 anos, ele teve que treinar de quatro a seis horas por dia para aprender boxe, muay thai, judô, jiu-jítsu, assim como melhorar as habilidades de capoeira que usou em Catwoman.

Depois ela passava o resto do dia como diretora: procurando locações em Newark, New Jersey; desenvolvendo um roteiro inicialmente centrado em uma mulher branca irlandesa e católica com 20 e poucos anos; cortando cenas elaboradas de luta; e colaborando com seu elenco intergeracional de atores. Para qualquer cineasta iniciante, essa combinação por si só é uma façanha.

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Com Justice, Berry interpreta uma de suas personagens mais complexas: além de ser uma antiga campeã de MMA, Jackie é uma mulher negra de meia idade lutando para criar seu filho de seis anos, Manny (Danny Boyd Jr.), após tê-lo abandonado na infância.

“Eu entendi quem esse personagem da Jackie Justice era e de onde ela vinha”, Berry disse em uma chamada de vídeo sentada no quintal de sua casa em Los Angeles. E depois de esperar seis meses para que Black Lively (inicialmente escolhida ) decidisse - ela acabou recusando - Berry perseguiu o papel agressivamente.

“Eu adorei porque sei muito bem o que é lutar, tanto na vida pessoal como na profissional. Eu sei o que é lutar e não ser ouvida”, Berry disse. “Eu conheço o trauma da vida que nos faz querer lutar, precisar lutar, ter que lutar”.

Ela não apenas ganhou esse round, como a Netflix também parecia estar a seu lado, pagando mais US $20 milhões pelo filme, de acordo com relatórios de jornais do ramo.

Ela explicou assim: “Eu sei o que é ser marginalizada como uma mulher negra e a raiva, o ressentimento, o medo e a frustração que vêm com tudo isso. Se pudesse colocar tudo isso no filme, tudo que sei tão bem, sabia que podia criar uma personagem que não apenas seria real, mas ressoaria em mulheres de outras raças também”.

É verdade que a mera presença de Jackie na tela traz uma contranarrativa ao heroísmo masculino dominante da maioria dos filmes de luta. Mas a ênfase do filme na maternidade também trouxe a Berry a oportunidade de fazer outra declaração em Hollywood: o arco redentor de Jackie ativamente reinventa o destino dos personagens mais icônicos de Berry assim como o de seus filmes mais recentes e menos conhecidos.

Mãe viciada em drogas: Losing Isaiah. Mãe agoniada: Monster’s Ball. Astronauta-misteriosamente-grávida-lutando-para-salvar-sua-nova-espécie-híbrida: série de televisão Extant. Mãe-garçonete-que virou-vigilante-após-seu-filho-ser-abduzido: Kidnap. Mãe-criando-oito-filhos-adotivos-negros-durante-as-revoltas-em-Los-Angeles: Kings. E esses são apenas os que consigo me lembrar.

O que distingue Jackie, claro, é que ela é uma lutadora de verdade. E para Berry, esse fato, ligado ao impulso maternal de seu personagem, fez com que o papel ficasse mais nuançado e inovador. A atriz tinha começado nossa conversa preocupada em mandar seus dois filhos para a escola e agora explicava que “Jackie faz o impensável, que é abandonar seu filho sem nenhuma razão aparente, mas emocionalmente, ela não podia ficar e ser uma mãe.”

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Esse ato perseguiu Justice nos ringues, provocando até mesmo a perda de um título em um momento em que pede para deixar o ringue. Como Berry explicou, Jackie estava tão assustada que "o medo e a culpa se abatessem sobre ela na próxima luta que não pôde lutar. Não conseguiu encarar. Não era mais a lutadora de antes”.

Para se preparar para o papel, Berry não apenas assistiu a lutas (ela é fã de boxe há muito tempo) mas também perguntou a lutadoras de MMA por que tinham escolhido o esporte.

“Bem, não dá para generalizar, mas minha pesquisa me ensinou que homens e mulheres lutam por motivos bem diferentes,” Berry disse. “Muitas vezes os homens lutam para ter uma carreira e cuidar da família, ser o provedor, sair da pobreza. E as mulheres geralmente lutam para recuperarem sua voz”.

Ela acrescentou, “como muitas delas sofreram algum tipo de abuso muito cedo, a luta se tornou o único caminho para recuperar o senso de identidade, poder e segurança no mundo”.

É possível citar duas cenas nas quais Berry não estava apenas fazendo referência a seus filmes anteriores, mas claramente repensando o olhar tradicional masculino. No começo, uma discussão entre Jackie e seu parceiro e empresário Desi (Adan Canto), termina em sexo, e a intensidade e crueza da cena me lembraram um momento de Monster’s Ball no qual seu personagem, Leticia Musgrove, e Hank Grotowski (Billy Bob Thornton) mantêm uma conexão igualmente violenta e desesperada. Em Bruised essa cena não chega ao clímax, é curta e interrompida pelo enredo maior em que o filho de Jackie volta.

Depois percebemos que o encontro entre Jackie e Desi também estava ali para ser contrastado com a troca mais carinhosa entre Jackie e sua nova treinadora, Bobbi “Buddhakan” Berroa (Sheila Atim). Berry não apenas direciona a câmera para se aproximar e mostrar lentamente as mulheres acariciando os corpos uma da outra, mas a paixão é catártica e tem realmente um poder curativo para ambas.

Halle Berry em foto tirada em Los Angeles, em 25 de agosto de 2021 Foto: Adrienne Raquel/The New York Times

Para incorporar a metamorfose de Jackie, Berry se transformou completamente. Seus olhos estão constantemente inchados, seus lábios sangrando, e ela usa calças largas e tranças sem um pingo de glamour.

Quando disse a Berry que a aparência de seu personagem me lembrava da desfiguração de Brad Pitt no final de Fight Club, ela estranhou, e então percebi que meu olhar também pode ter sido distorcido por noções preconcebidas sobre ela e sua carreira. Em outras palavras, ela queria interpretar Jackie porque via partes dela mesma - do passado e do presente - na sua história e na sua luta por mais.

“Essa é outra batalha que lutei minha vida toda: o fato de pensarem que por ter certa aparência teria sido poupada da dureza da vida. Tive perdas, dor e muito sofrimento na minha vida. Sofri abuso”, ela se lembra, uma referência, entre outras coisas, à violência doméstica em relacionamentos sobre a qual falou no passado. “Fico muito frustrada quando as pessoas pensam que por ter determinada aparência não teria tido essas experiências da vida real, porque certamente eu tive”. /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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