O premiado diretor Guillermo Del Toro é responsável pelo filme A Forma da Água, queabre o Festival do Rio 2017, nesta quinta-feira, 5. Segundo Del Toro, é possível enxergar poesia nos filmes de terror: "O que me atrai, no gênero, é a poesia. Elementos como medo ou sangue me atraem menos, e é por isso que me interesso em fazer filmes com a mecânica do conto de fadas, mas com a estética de terror. No fundo, há muita poesia sombria no cinema de horror ", disse Del Toro, em uma coletiva de imprensa.
A Forma da Água, filme com o qual o diretor mexicano ganhou o Leão de Ouro no último Festival de Veneza, é repleto de homenagens e menções ao cinema. "Sempre tentei evitar ser pós-moderno, fazer referências por fazer. Por isso, os títulos que a protagonista vê na televisão ou nos filmes são filmes baratos, porque, às vezes, os filmes de domingo salvam sua vida - e a minha intenção era celebrar o cinema, não os grandes filmes. O mesmo acontece com as músicas, que não são muito conhecidas."
Para Del Toro, essa escolha é mais interessante, já que descreve melhor o mundo vital da protagonista, que é muda. O diretor escreveu o papel de Eliza - uma jovem muda que trabalha como faxineira em um centro de pesquisa americano, nos anos 60 - para a atriz britânica Sally Hawkins, porque viu nela "uma presença luminosa", que ele descobriu em Submarine (2010). A escolha de Sally Hawkins responde a outra razão significativa: "Não queria que a 'bela' fosse uma típica princesa da Disney, mas que cozinhasse ovos para o desjejum ou se masturbasse todas as manhãs no banheira, isto é, como todos. E, em sua frente, que tivesse uma fera que não se tornou príncipe". Esse "príncipe" monstruoso, no qual a equipe de design trabalhou por três anos, afasta-se de seus monstros cinematográficos anteriores, procura um certo naturalismo e segue três regras: "ser um deus, um animal e o protagonista masculino, algo muito difícil, mas o truque é que possa ser crível a paixão da protagonista."
Del Toro assegura que, em A Forma da Água, despeja toda sua autobiografia, como em todos os seus filmes, embora "até agora todos falassem sobre minha infância, e esse é o primeiro que eu faço como adulto, o primeiro em que falo de amor, política e sexo". Não é coincidência que apareça "um espião semidentidade própria, um gay que desenha para uma agência de publicidade, duas faxineiras, uma muda e uma afro-americana". Por trás desses personagens há uma mensagem para aos Estados Unidos de Donald Trump: "O filme é como uma 'pomada' para a época atual, em um momento com tanta tensão em relação ao outro, enquanto na história do filme se planeja um diálogo."
Perguntado sobre a possível tradução para o caso da Espanha e da Catalunha, Del Toro diz: "É tão recente e tão tremendo que, para mim, é muito doloroso ver. Mas acho importante que, como mexicano, tenha o respeito e guarde distância - falar sobre isso seria muito banal da minha parte". E acrescentou: "O que eu tenho a dizer sobre a relação do humano com o humano digo nos filmes, e nesse caso particular eu prefiro me abster."
Sem definitivamente descartá-la, Del Toro vê como complicado levar adiante a adaptação de At the Mountains of Madness, de H.P. Lovecraft, mas aceita o fato com naturalidade. "Uma carreira não é uma trajetória planejada, é um acidente em câmera lenta", comenta o diretor mexicano, que está em em conversas para fazer uma antologia de horror em que haverá três histórias de Lovecraft.