Giusi Merli fala de 'A Grande Beleza', que sai agora em DVD no Brasil


Atriz faz a santa do filme de Paolo Sorrentino que virou preferido de nove entre dez críticos

Por Luiz Carlos Merten

Foi um belo encontro em Firenze, Florença. Na casa de Francesca della Monica, que faz a preparação vocal dos atores nas peças de Gabriel Villela. Francesca não só é amiga como também já preparou a voz de Giusi Merli para interpretações no teatro italiano. Giusi quem? Merli. Você pode até achar que não sabe quem é, mas sabe. A santa de A Grande Beleza, o filme de Paolo Sorrentino que virou preferido de nove entre dez críticos – no Brasil, inclusive – e que ganhou o Oscar e o Globo de Ouro, depois de passar meio em branco no Festival de Cannes do ano passado, quando o júri presidido por Steven Spielberg preferiu, irrepreensivelmente, premiar A Vida de Adèle, lançado no Brasil como Azul É A Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche.

reference

A Grande Beleza acaba de sair em DVD no País e é um bom motivo para que se fale do filme de Sorrentino com seu ator fetiche, Toni Servillo, e a extraordinária Giusi Merli. Recapitulando – Jep (Servillo) é o escritor de um só livro, mas um livro tão importante que o transformou em celebridade e agora ele atravessa todas as festas de Roma, prometendo a si mesmo escrever um livro sobre o tédio dos tempos modernos. “Mas se nem Flaubert conseguiu, conseguirei eu?”, pergunta-se, lá pelas tantas. Ao seu redor, a fauna romana, protagonista de uma nova doce vida, sem que isso signifique, necessariamente, conectar o filme de Sorrentino com o clássico de Federico Fellini que ganhou a Palma de Ouro de 1960, antecipando as mudanças comportamentais que marcariam a década.

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A começar pela anã Dadina, interpretada por Giovanna Vignola e que ganhou fã-clube e seguidores no Facebook graças ao papel no filme de Sorrentino. Dadina tem momentos ótimos, mas a santa é outra coisa. Ela projeta A Grande Beleza num patamar mais alto e logo vem a cena deslumbrante dos pássaros. Você pode criticar a visão de mundo de Sorrentino, mas não a sua capacidade de criar esses momentos fulgurantes que ficam com o espectador. Como os grandes construtores de imagens do cinema – Alfred Hitchcock, Josef Von Sternberg etc –, Sorrentino já tem o filme pronto antes mesmo de ‘passar seu roteiro pela câmera’, como definia o mestre do suspense. Tem havido muita polêmica sobre A Grande Beleza. O filme versa sobre o quê? Sobre a crise de identidade e a busca pelas raízes. E, nesse processo, a santa, mesmo sendo uma personagem secundária, é quem ajuda Jep a resolver o enigma da própria vida.

Giusi Merli conta que, desde o início, seu raporto (contato) com Sorrentino foi ‘molto bello’, muito bonito. “Estava feliz de conhecê-lo, um grande artista, sem muita ansiedade de ser escolhida para o papel. Ele me pediu que dissesse o diálogo da cena do jantar, no encontro com Dadina. E me dizia que eu deveria parecer cansada, muito cansada. Cada vez mais, era esse cansaço que o atraía na santa e que queria que eu colocasse na voz, na postura. Num determinado momento, senti que ele duvidava. Me achava jovem para o papel. Gostaria de uma atriz mais velha, mas sua diretora de casting, Annamaria Sambuco, foi ‘molto brava’. O tempo todo ela me apoiou e torcia para que fosse escolhida. Paolo é muito educado. Dizia – ‘Senhora, posso lhe pedir que...’ E eu respondia sempre – ‘Tutto que vuole, tudo o que quiser.’ No final, foi uma experiência extraordinária, que creio que vai me marcar para sempre.”

E ela acrescenta uma história rara – “Foi muito espontâneo. Ele estava sentado na minha frente e eu lhe pedi que me desse as mãos. Disse-lhe que sentia que o filme seria belíssimo, e que seria ainda melhor se eu fizesse o papel. Sou budista e, como tal, apoio a vida. Me apoiando, acrescentei que a vida, em retorno, o apoiaria. Achei que ele ia pensar que eu era louca, mas Paolo, que não é budista, terminou me contratando.” Ele sabia perfeitamente a espécie de personagem que queria. “Suor Maria é fora do comum. Vive num mundo próprio e consegue dizer coisas profundas sem se dar conta, como se fossem verdades básicas.” Para a cena em que a santa está sentada, com os pés suspensos, Giusi conta que se inspirou em sua mãe, nos últimos anos de vida. Sorrentino a exortava a não falar como menina. “O aparelho que eu usava nos dentes me ajudou a criar o tom mais gutural, animal, profundo que ele queria. Era uma voz que me saía com dificuldade.”

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O sucesso do filme não a surpreendeu. “Sabia que seria especial.” Ao conversar com o repórter – num almoço bem italiano de ‘pasta e vino’ –, Giusi conta que já estava se preparando para apresentar um texto de Samuel Beckett (Não eu) num festival na Sardenha. Not I constrói uma situação tipicamente beckettiana. Uma boca imensa domina o palco, enquanto uma voz monocórdica conta a experiência de mulher que foi abandonada pelos pais, após o nascimento prematuro, e cresceu muda. “O minimalismo de Beckett é intrigante. Exige muita concentração e também, como vou dizer?, que a gente encare o texto como uma página em branco. O segredo é não colocar muita expressão no que se diz, o contrário da dificuldade e cansaço de Suor Maria.” Depois disso, ela já fez uma Lice, em Livorno, com direção do brasileiro Marcelo Cordeiro, dividindo a cena com Francesca della Monica. Sobre a polêmica se A Grande Beleza é A Doce Vida de Sorrentino, ela conta. “Paolo admira Federico, mas nunca falou que estava tentando fazer uma Dolce Vita para o século 21. De minha parte, se penso nele, e no filme, em relação a Fellini, sinto que há uma proximidade maior com Satyricon.”

A GRANDE BELEZA

Direção: Paolo Sorrentino Distribuição: Paramount (141 minutos, R$ 39,90)

Foi um belo encontro em Firenze, Florença. Na casa de Francesca della Monica, que faz a preparação vocal dos atores nas peças de Gabriel Villela. Francesca não só é amiga como também já preparou a voz de Giusi Merli para interpretações no teatro italiano. Giusi quem? Merli. Você pode até achar que não sabe quem é, mas sabe. A santa de A Grande Beleza, o filme de Paolo Sorrentino que virou preferido de nove entre dez críticos – no Brasil, inclusive – e que ganhou o Oscar e o Globo de Ouro, depois de passar meio em branco no Festival de Cannes do ano passado, quando o júri presidido por Steven Spielberg preferiu, irrepreensivelmente, premiar A Vida de Adèle, lançado no Brasil como Azul É A Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche.

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A Grande Beleza acaba de sair em DVD no País e é um bom motivo para que se fale do filme de Sorrentino com seu ator fetiche, Toni Servillo, e a extraordinária Giusi Merli. Recapitulando – Jep (Servillo) é o escritor de um só livro, mas um livro tão importante que o transformou em celebridade e agora ele atravessa todas as festas de Roma, prometendo a si mesmo escrever um livro sobre o tédio dos tempos modernos. “Mas se nem Flaubert conseguiu, conseguirei eu?”, pergunta-se, lá pelas tantas. Ao seu redor, a fauna romana, protagonista de uma nova doce vida, sem que isso signifique, necessariamente, conectar o filme de Sorrentino com o clássico de Federico Fellini que ganhou a Palma de Ouro de 1960, antecipando as mudanças comportamentais que marcariam a década.

A começar pela anã Dadina, interpretada por Giovanna Vignola e que ganhou fã-clube e seguidores no Facebook graças ao papel no filme de Sorrentino. Dadina tem momentos ótimos, mas a santa é outra coisa. Ela projeta A Grande Beleza num patamar mais alto e logo vem a cena deslumbrante dos pássaros. Você pode criticar a visão de mundo de Sorrentino, mas não a sua capacidade de criar esses momentos fulgurantes que ficam com o espectador. Como os grandes construtores de imagens do cinema – Alfred Hitchcock, Josef Von Sternberg etc –, Sorrentino já tem o filme pronto antes mesmo de ‘passar seu roteiro pela câmera’, como definia o mestre do suspense. Tem havido muita polêmica sobre A Grande Beleza. O filme versa sobre o quê? Sobre a crise de identidade e a busca pelas raízes. E, nesse processo, a santa, mesmo sendo uma personagem secundária, é quem ajuda Jep a resolver o enigma da própria vida.

Giusi Merli conta que, desde o início, seu raporto (contato) com Sorrentino foi ‘molto bello’, muito bonito. “Estava feliz de conhecê-lo, um grande artista, sem muita ansiedade de ser escolhida para o papel. Ele me pediu que dissesse o diálogo da cena do jantar, no encontro com Dadina. E me dizia que eu deveria parecer cansada, muito cansada. Cada vez mais, era esse cansaço que o atraía na santa e que queria que eu colocasse na voz, na postura. Num determinado momento, senti que ele duvidava. Me achava jovem para o papel. Gostaria de uma atriz mais velha, mas sua diretora de casting, Annamaria Sambuco, foi ‘molto brava’. O tempo todo ela me apoiou e torcia para que fosse escolhida. Paolo é muito educado. Dizia – ‘Senhora, posso lhe pedir que...’ E eu respondia sempre – ‘Tutto que vuole, tudo o que quiser.’ No final, foi uma experiência extraordinária, que creio que vai me marcar para sempre.”

E ela acrescenta uma história rara – “Foi muito espontâneo. Ele estava sentado na minha frente e eu lhe pedi que me desse as mãos. Disse-lhe que sentia que o filme seria belíssimo, e que seria ainda melhor se eu fizesse o papel. Sou budista e, como tal, apoio a vida. Me apoiando, acrescentei que a vida, em retorno, o apoiaria. Achei que ele ia pensar que eu era louca, mas Paolo, que não é budista, terminou me contratando.” Ele sabia perfeitamente a espécie de personagem que queria. “Suor Maria é fora do comum. Vive num mundo próprio e consegue dizer coisas profundas sem se dar conta, como se fossem verdades básicas.” Para a cena em que a santa está sentada, com os pés suspensos, Giusi conta que se inspirou em sua mãe, nos últimos anos de vida. Sorrentino a exortava a não falar como menina. “O aparelho que eu usava nos dentes me ajudou a criar o tom mais gutural, animal, profundo que ele queria. Era uma voz que me saía com dificuldade.”

O sucesso do filme não a surpreendeu. “Sabia que seria especial.” Ao conversar com o repórter – num almoço bem italiano de ‘pasta e vino’ –, Giusi conta que já estava se preparando para apresentar um texto de Samuel Beckett (Não eu) num festival na Sardenha. Not I constrói uma situação tipicamente beckettiana. Uma boca imensa domina o palco, enquanto uma voz monocórdica conta a experiência de mulher que foi abandonada pelos pais, após o nascimento prematuro, e cresceu muda. “O minimalismo de Beckett é intrigante. Exige muita concentração e também, como vou dizer?, que a gente encare o texto como uma página em branco. O segredo é não colocar muita expressão no que se diz, o contrário da dificuldade e cansaço de Suor Maria.” Depois disso, ela já fez uma Lice, em Livorno, com direção do brasileiro Marcelo Cordeiro, dividindo a cena com Francesca della Monica. Sobre a polêmica se A Grande Beleza é A Doce Vida de Sorrentino, ela conta. “Paolo admira Federico, mas nunca falou que estava tentando fazer uma Dolce Vita para o século 21. De minha parte, se penso nele, e no filme, em relação a Fellini, sinto que há uma proximidade maior com Satyricon.”

A GRANDE BELEZA

Direção: Paolo Sorrentino Distribuição: Paramount (141 minutos, R$ 39,90)

Foi um belo encontro em Firenze, Florença. Na casa de Francesca della Monica, que faz a preparação vocal dos atores nas peças de Gabriel Villela. Francesca não só é amiga como também já preparou a voz de Giusi Merli para interpretações no teatro italiano. Giusi quem? Merli. Você pode até achar que não sabe quem é, mas sabe. A santa de A Grande Beleza, o filme de Paolo Sorrentino que virou preferido de nove entre dez críticos – no Brasil, inclusive – e que ganhou o Oscar e o Globo de Ouro, depois de passar meio em branco no Festival de Cannes do ano passado, quando o júri presidido por Steven Spielberg preferiu, irrepreensivelmente, premiar A Vida de Adèle, lançado no Brasil como Azul É A Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche.

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A Grande Beleza acaba de sair em DVD no País e é um bom motivo para que se fale do filme de Sorrentino com seu ator fetiche, Toni Servillo, e a extraordinária Giusi Merli. Recapitulando – Jep (Servillo) é o escritor de um só livro, mas um livro tão importante que o transformou em celebridade e agora ele atravessa todas as festas de Roma, prometendo a si mesmo escrever um livro sobre o tédio dos tempos modernos. “Mas se nem Flaubert conseguiu, conseguirei eu?”, pergunta-se, lá pelas tantas. Ao seu redor, a fauna romana, protagonista de uma nova doce vida, sem que isso signifique, necessariamente, conectar o filme de Sorrentino com o clássico de Federico Fellini que ganhou a Palma de Ouro de 1960, antecipando as mudanças comportamentais que marcariam a década.

A começar pela anã Dadina, interpretada por Giovanna Vignola e que ganhou fã-clube e seguidores no Facebook graças ao papel no filme de Sorrentino. Dadina tem momentos ótimos, mas a santa é outra coisa. Ela projeta A Grande Beleza num patamar mais alto e logo vem a cena deslumbrante dos pássaros. Você pode criticar a visão de mundo de Sorrentino, mas não a sua capacidade de criar esses momentos fulgurantes que ficam com o espectador. Como os grandes construtores de imagens do cinema – Alfred Hitchcock, Josef Von Sternberg etc –, Sorrentino já tem o filme pronto antes mesmo de ‘passar seu roteiro pela câmera’, como definia o mestre do suspense. Tem havido muita polêmica sobre A Grande Beleza. O filme versa sobre o quê? Sobre a crise de identidade e a busca pelas raízes. E, nesse processo, a santa, mesmo sendo uma personagem secundária, é quem ajuda Jep a resolver o enigma da própria vida.

Giusi Merli conta que, desde o início, seu raporto (contato) com Sorrentino foi ‘molto bello’, muito bonito. “Estava feliz de conhecê-lo, um grande artista, sem muita ansiedade de ser escolhida para o papel. Ele me pediu que dissesse o diálogo da cena do jantar, no encontro com Dadina. E me dizia que eu deveria parecer cansada, muito cansada. Cada vez mais, era esse cansaço que o atraía na santa e que queria que eu colocasse na voz, na postura. Num determinado momento, senti que ele duvidava. Me achava jovem para o papel. Gostaria de uma atriz mais velha, mas sua diretora de casting, Annamaria Sambuco, foi ‘molto brava’. O tempo todo ela me apoiou e torcia para que fosse escolhida. Paolo é muito educado. Dizia – ‘Senhora, posso lhe pedir que...’ E eu respondia sempre – ‘Tutto que vuole, tudo o que quiser.’ No final, foi uma experiência extraordinária, que creio que vai me marcar para sempre.”

E ela acrescenta uma história rara – “Foi muito espontâneo. Ele estava sentado na minha frente e eu lhe pedi que me desse as mãos. Disse-lhe que sentia que o filme seria belíssimo, e que seria ainda melhor se eu fizesse o papel. Sou budista e, como tal, apoio a vida. Me apoiando, acrescentei que a vida, em retorno, o apoiaria. Achei que ele ia pensar que eu era louca, mas Paolo, que não é budista, terminou me contratando.” Ele sabia perfeitamente a espécie de personagem que queria. “Suor Maria é fora do comum. Vive num mundo próprio e consegue dizer coisas profundas sem se dar conta, como se fossem verdades básicas.” Para a cena em que a santa está sentada, com os pés suspensos, Giusi conta que se inspirou em sua mãe, nos últimos anos de vida. Sorrentino a exortava a não falar como menina. “O aparelho que eu usava nos dentes me ajudou a criar o tom mais gutural, animal, profundo que ele queria. Era uma voz que me saía com dificuldade.”

O sucesso do filme não a surpreendeu. “Sabia que seria especial.” Ao conversar com o repórter – num almoço bem italiano de ‘pasta e vino’ –, Giusi conta que já estava se preparando para apresentar um texto de Samuel Beckett (Não eu) num festival na Sardenha. Not I constrói uma situação tipicamente beckettiana. Uma boca imensa domina o palco, enquanto uma voz monocórdica conta a experiência de mulher que foi abandonada pelos pais, após o nascimento prematuro, e cresceu muda. “O minimalismo de Beckett é intrigante. Exige muita concentração e também, como vou dizer?, que a gente encare o texto como uma página em branco. O segredo é não colocar muita expressão no que se diz, o contrário da dificuldade e cansaço de Suor Maria.” Depois disso, ela já fez uma Lice, em Livorno, com direção do brasileiro Marcelo Cordeiro, dividindo a cena com Francesca della Monica. Sobre a polêmica se A Grande Beleza é A Doce Vida de Sorrentino, ela conta. “Paolo admira Federico, mas nunca falou que estava tentando fazer uma Dolce Vita para o século 21. De minha parte, se penso nele, e no filme, em relação a Fellini, sinto que há uma proximidade maior com Satyricon.”

A GRANDE BELEZA

Direção: Paolo Sorrentino Distribuição: Paramount (141 minutos, R$ 39,90)

Foi um belo encontro em Firenze, Florença. Na casa de Francesca della Monica, que faz a preparação vocal dos atores nas peças de Gabriel Villela. Francesca não só é amiga como também já preparou a voz de Giusi Merli para interpretações no teatro italiano. Giusi quem? Merli. Você pode até achar que não sabe quem é, mas sabe. A santa de A Grande Beleza, o filme de Paolo Sorrentino que virou preferido de nove entre dez críticos – no Brasil, inclusive – e que ganhou o Oscar e o Globo de Ouro, depois de passar meio em branco no Festival de Cannes do ano passado, quando o júri presidido por Steven Spielberg preferiu, irrepreensivelmente, premiar A Vida de Adèle, lançado no Brasil como Azul É A Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche.

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A Grande Beleza acaba de sair em DVD no País e é um bom motivo para que se fale do filme de Sorrentino com seu ator fetiche, Toni Servillo, e a extraordinária Giusi Merli. Recapitulando – Jep (Servillo) é o escritor de um só livro, mas um livro tão importante que o transformou em celebridade e agora ele atravessa todas as festas de Roma, prometendo a si mesmo escrever um livro sobre o tédio dos tempos modernos. “Mas se nem Flaubert conseguiu, conseguirei eu?”, pergunta-se, lá pelas tantas. Ao seu redor, a fauna romana, protagonista de uma nova doce vida, sem que isso signifique, necessariamente, conectar o filme de Sorrentino com o clássico de Federico Fellini que ganhou a Palma de Ouro de 1960, antecipando as mudanças comportamentais que marcariam a década.

A começar pela anã Dadina, interpretada por Giovanna Vignola e que ganhou fã-clube e seguidores no Facebook graças ao papel no filme de Sorrentino. Dadina tem momentos ótimos, mas a santa é outra coisa. Ela projeta A Grande Beleza num patamar mais alto e logo vem a cena deslumbrante dos pássaros. Você pode criticar a visão de mundo de Sorrentino, mas não a sua capacidade de criar esses momentos fulgurantes que ficam com o espectador. Como os grandes construtores de imagens do cinema – Alfred Hitchcock, Josef Von Sternberg etc –, Sorrentino já tem o filme pronto antes mesmo de ‘passar seu roteiro pela câmera’, como definia o mestre do suspense. Tem havido muita polêmica sobre A Grande Beleza. O filme versa sobre o quê? Sobre a crise de identidade e a busca pelas raízes. E, nesse processo, a santa, mesmo sendo uma personagem secundária, é quem ajuda Jep a resolver o enigma da própria vida.

Giusi Merli conta que, desde o início, seu raporto (contato) com Sorrentino foi ‘molto bello’, muito bonito. “Estava feliz de conhecê-lo, um grande artista, sem muita ansiedade de ser escolhida para o papel. Ele me pediu que dissesse o diálogo da cena do jantar, no encontro com Dadina. E me dizia que eu deveria parecer cansada, muito cansada. Cada vez mais, era esse cansaço que o atraía na santa e que queria que eu colocasse na voz, na postura. Num determinado momento, senti que ele duvidava. Me achava jovem para o papel. Gostaria de uma atriz mais velha, mas sua diretora de casting, Annamaria Sambuco, foi ‘molto brava’. O tempo todo ela me apoiou e torcia para que fosse escolhida. Paolo é muito educado. Dizia – ‘Senhora, posso lhe pedir que...’ E eu respondia sempre – ‘Tutto que vuole, tudo o que quiser.’ No final, foi uma experiência extraordinária, que creio que vai me marcar para sempre.”

E ela acrescenta uma história rara – “Foi muito espontâneo. Ele estava sentado na minha frente e eu lhe pedi que me desse as mãos. Disse-lhe que sentia que o filme seria belíssimo, e que seria ainda melhor se eu fizesse o papel. Sou budista e, como tal, apoio a vida. Me apoiando, acrescentei que a vida, em retorno, o apoiaria. Achei que ele ia pensar que eu era louca, mas Paolo, que não é budista, terminou me contratando.” Ele sabia perfeitamente a espécie de personagem que queria. “Suor Maria é fora do comum. Vive num mundo próprio e consegue dizer coisas profundas sem se dar conta, como se fossem verdades básicas.” Para a cena em que a santa está sentada, com os pés suspensos, Giusi conta que se inspirou em sua mãe, nos últimos anos de vida. Sorrentino a exortava a não falar como menina. “O aparelho que eu usava nos dentes me ajudou a criar o tom mais gutural, animal, profundo que ele queria. Era uma voz que me saía com dificuldade.”

O sucesso do filme não a surpreendeu. “Sabia que seria especial.” Ao conversar com o repórter – num almoço bem italiano de ‘pasta e vino’ –, Giusi conta que já estava se preparando para apresentar um texto de Samuel Beckett (Não eu) num festival na Sardenha. Not I constrói uma situação tipicamente beckettiana. Uma boca imensa domina o palco, enquanto uma voz monocórdica conta a experiência de mulher que foi abandonada pelos pais, após o nascimento prematuro, e cresceu muda. “O minimalismo de Beckett é intrigante. Exige muita concentração e também, como vou dizer?, que a gente encare o texto como uma página em branco. O segredo é não colocar muita expressão no que se diz, o contrário da dificuldade e cansaço de Suor Maria.” Depois disso, ela já fez uma Lice, em Livorno, com direção do brasileiro Marcelo Cordeiro, dividindo a cena com Francesca della Monica. Sobre a polêmica se A Grande Beleza é A Doce Vida de Sorrentino, ela conta. “Paolo admira Federico, mas nunca falou que estava tentando fazer uma Dolce Vita para o século 21. De minha parte, se penso nele, e no filme, em relação a Fellini, sinto que há uma proximidade maior com Satyricon.”

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Direção: Paolo Sorrentino Distribuição: Paramount (141 minutos, R$ 39,90)

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