Lunchbox
é uma daquelas histórias humanas que você pode até já conhecer, e mesmo assim não deixam de emocionar.
A trama é a seguinte. Ila (Ninrat Kaur), uma mulher que se sente negligenciada pelo marido, tenta reconquistá-lo pelo estômago. Prepara uma refeição caprichada e a manda ao local de trabalho do homem através de um serviço de entregas de marmitas famoso na caótica Bombaim. À noite, ele chega em casa e não faz qualquer referência à comida. Investigando, Ila descobre que houve um extravio e a marmita (a "lunchbox" do título) foi entregue a outra pessoa, Saajan (Irfan Khan). Este é um funcionário em fim de carreira, amargurado pela perda da esposa e em vias de se aposentar. Vive só em seu apartamento e não se relaciona com os colegas.
O filme de Ritesh Batra é desenvolvido de forma sensível e atenciosa para com os personagens. Basicamente, serão dois a ficar em foco. Ila, a jovem mulher em estado de carência afetiva, e Saajan, o coroa que está para se aposentar e recebe a preciosa marmita por engano. Junto com o engano da troca de marmitas, nasce outra situação entre os dois. Para descobrir com quem tinha ido parar a comida preparada para o marido, Ila manda um bilhete. Saajan responde. Começa entre eles uma troca de correspondência, e a intimidade vai crescendo através das cartas.
Se você está pensando que já viu coisa parecida, acertou. O enredo, com modificações e cor local indiana, lembra o de 84, Charing Cross Road, de David Hughes Jones, o famoso Nunca Te Vi, Sempre Te Amei (1987), como o filme ficou conhecido no Brasil. Dois desconhecidos que iniciam uma amizade epistolar e encaram, com ansiedade e certo temor, o dia em que terão de se conhecer em pessoa.
As situações de superfície são bastante diferentes. No filme inglês, a troca de correspondência era entre uma escritora norte-americana (Anne Bancroft) e um livreiro inglês (Anthony Hopkins). Estende-se por anos. Na produção indiana, o romance epistolar se dá entre uma dona de casa e um burocrata desiludido da vida, e o lapso de tempo em que os dois se correspondem é bem mais breve.
Se a relação humana – mesmo que através de cartas – está no centro da trama, não se deve desprezar a maneira como o diretor trabalha o meio ambiente. Uma Bombaim cheia de cores, sabores e cheiros se insinua psicologicamente na tela, com seus contrastes e sua vivacidade. A cidade não é personagem neutra. Pelo contrário. Desde que você se acostume com a trama, vê que ela só poderia se passar lá e em nenhuma outra parte do mundo. Seus personagens são críveis e cheios de caráter local. Não é por acaso que o foco de interesse primeiro seja a comida, enquanto que no filme de 1987 era a literatura.
Mas, acima da gastronomia, ou mesmo dos livros, está a velha e nunca resolvida questão humana. Essa a segunda camada da história. Em outras palavras, fala-se sobre a solidão, que talvez venhamos a reconhecer como o grande desafio existencial do nosso tempo de máquinas e culto tecnológico. Veja-se que um dos candidatos aos troféus do Oscar é Ela, de Spike Jonze, em que um homem se apaixona por um programa de computador dotado de voz sensual. Como se as máquinas, criadas para intermediar humanos, criassem um curto-circuito de relação e passassem a substituí-los. De certa forma, duas pessoas que se conhecem apenas através de cartas seguem o mesmo modelo de quem se coloca num chat e bate papo com alguém que não tem a menor ideia de quem seja ou como seja fisicamente.
Se os chats não levam a nada a não ser à bobageira habitual do nosso tempo, a escrita de cartas parece alcançar outra dimensão – a da confidência. E, por esse meio, passo a passo, as pessoas começam a se sentir íntimas, a ponto de, talvez, tentar franquear a troca simbólica e se conhecerem de fato.
A história de Lunchbox pode ser antiga, do tempo em que se escreviam cartas de papel, mas não deixa de ser tocante.