O bisturi cômico de 'O Pequeno Quinquin' disseca a perversão da normalidade


Por meio dos personagens, Bruno Dumont penetra no mistério da comunidade

Por Luiz Zanin Oricchio

Em ótima entrevista concedida aos Cahiers du Cinéma, Bruno Dumont diz algo importante: “A potência do veículo cômico permite entrar em lugares onde o pensamento moral não vai”. 

Essa é uma daquelas verdades autoevidentes. Sabemos que o “pensamento cômico”, quando afiado e bem empregado, pode dissecar tecidos da nossa vida individual e social resistentes a outras formas de investigação. Pode ser corrosivo e esclarecedor. É elemento salvador e purificador para o pensamento, constata Dumont. Quando nos sentimos como agora, paralisados e impotentes, o discurso cômico pode ser libertador. E mesmo libertário. Que o digam Chaplin, Fellini ou Billy Wilder. 

No enredo de O Pequeno Quinquin, o que temos é uma série de crimes estapafúrdios, investigados por uma dupla exótica de policiais. O local dos crimes é Boulogne-sur-Mer, comunidade rural e à beira-mar.

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Tudo é um pouco fora de tom, deslocado e extravagante nessa longa história de 3h20. A começar pela dupla de investigadores. O capitão, interpretado por um jardineiro desempregado, é cheio de tiques e espasmos. Fala de maneira arrevesada, comendo palavras, caminha em passo de ganso e espanta-se com a presença do mal naquela comunidade tão bonita. Ao presenciar um dos cadáveres, fala em “besta humana”, no que o auxiliar, Carpentier, vê referência à obra de Zola, La Bête Humaine. O comandante retruca que não estão lá para fazer filosofia. Não se entende como essa dupla não foi comparada a Bouvard e Pécuchet, os dois idiotas sábios de Flaubert. 

Eles expressam o espanto diante de um mundo tornado opaco, enquanto conduzem uma investigação que busca racionalidade naquilo que é irracional. Ou seja, são como a personificação da inutilidade da ação humana diante de certas circunstâncias que a ultrapassam. Os dados de realidade, esses, saltam como cacos à vista do espectador, como incongruências. As crianças são adoráveis...e cruéis (“a brutalidade da infância”, comenta Dumont). Uma adolescente encantadora chama um imigrante de “macaco sujo” e o manda de volta ao seu país. Em meio à trama, um suicídio inesperado resiste a qualquer interpretação cômica. Estamos no inferno, diz o comandante Van der Weyden (Bernard Pruvost) ao seu auxiliar, o tenente Carpentier (Philippe Jore). 

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Esses elementos, deslocados, mas tão reais, postos em evidência por essa comédia insólita, compõem um painel bastante expressivo da vida numa pequena comunidade francesa. Homogênea do ponto de vista étnico, dobrada sobre si mesma, convicta e segura de si, avessa a tudo e a todos que pareçam estranhos ou ameaçadores. Ao mesmo tempo que expele o estrangeiro, autodevora-se. Van der Weyden tem razão em pressentir a presença satânica naquele ambiente bucólico. É a perversão da normalidade, lancetada pelo bisturi cômico. 

Em ótima entrevista concedida aos Cahiers du Cinéma, Bruno Dumont diz algo importante: “A potência do veículo cômico permite entrar em lugares onde o pensamento moral não vai”. 

Essa é uma daquelas verdades autoevidentes. Sabemos que o “pensamento cômico”, quando afiado e bem empregado, pode dissecar tecidos da nossa vida individual e social resistentes a outras formas de investigação. Pode ser corrosivo e esclarecedor. É elemento salvador e purificador para o pensamento, constata Dumont. Quando nos sentimos como agora, paralisados e impotentes, o discurso cômico pode ser libertador. E mesmo libertário. Que o digam Chaplin, Fellini ou Billy Wilder. 

No enredo de O Pequeno Quinquin, o que temos é uma série de crimes estapafúrdios, investigados por uma dupla exótica de policiais. O local dos crimes é Boulogne-sur-Mer, comunidade rural e à beira-mar.

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Tudo é um pouco fora de tom, deslocado e extravagante nessa longa história de 3h20. A começar pela dupla de investigadores. O capitão, interpretado por um jardineiro desempregado, é cheio de tiques e espasmos. Fala de maneira arrevesada, comendo palavras, caminha em passo de ganso e espanta-se com a presença do mal naquela comunidade tão bonita. Ao presenciar um dos cadáveres, fala em “besta humana”, no que o auxiliar, Carpentier, vê referência à obra de Zola, La Bête Humaine. O comandante retruca que não estão lá para fazer filosofia. Não se entende como essa dupla não foi comparada a Bouvard e Pécuchet, os dois idiotas sábios de Flaubert. 

Eles expressam o espanto diante de um mundo tornado opaco, enquanto conduzem uma investigação que busca racionalidade naquilo que é irracional. Ou seja, são como a personificação da inutilidade da ação humana diante de certas circunstâncias que a ultrapassam. Os dados de realidade, esses, saltam como cacos à vista do espectador, como incongruências. As crianças são adoráveis...e cruéis (“a brutalidade da infância”, comenta Dumont). Uma adolescente encantadora chama um imigrante de “macaco sujo” e o manda de volta ao seu país. Em meio à trama, um suicídio inesperado resiste a qualquer interpretação cômica. Estamos no inferno, diz o comandante Van der Weyden (Bernard Pruvost) ao seu auxiliar, o tenente Carpentier (Philippe Jore). 

Esses elementos, deslocados, mas tão reais, postos em evidência por essa comédia insólita, compõem um painel bastante expressivo da vida numa pequena comunidade francesa. Homogênea do ponto de vista étnico, dobrada sobre si mesma, convicta e segura de si, avessa a tudo e a todos que pareçam estranhos ou ameaçadores. Ao mesmo tempo que expele o estrangeiro, autodevora-se. Van der Weyden tem razão em pressentir a presença satânica naquele ambiente bucólico. É a perversão da normalidade, lancetada pelo bisturi cômico. 

Em ótima entrevista concedida aos Cahiers du Cinéma, Bruno Dumont diz algo importante: “A potência do veículo cômico permite entrar em lugares onde o pensamento moral não vai”. 

Essa é uma daquelas verdades autoevidentes. Sabemos que o “pensamento cômico”, quando afiado e bem empregado, pode dissecar tecidos da nossa vida individual e social resistentes a outras formas de investigação. Pode ser corrosivo e esclarecedor. É elemento salvador e purificador para o pensamento, constata Dumont. Quando nos sentimos como agora, paralisados e impotentes, o discurso cômico pode ser libertador. E mesmo libertário. Que o digam Chaplin, Fellini ou Billy Wilder. 

No enredo de O Pequeno Quinquin, o que temos é uma série de crimes estapafúrdios, investigados por uma dupla exótica de policiais. O local dos crimes é Boulogne-sur-Mer, comunidade rural e à beira-mar.

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Tudo é um pouco fora de tom, deslocado e extravagante nessa longa história de 3h20. A começar pela dupla de investigadores. O capitão, interpretado por um jardineiro desempregado, é cheio de tiques e espasmos. Fala de maneira arrevesada, comendo palavras, caminha em passo de ganso e espanta-se com a presença do mal naquela comunidade tão bonita. Ao presenciar um dos cadáveres, fala em “besta humana”, no que o auxiliar, Carpentier, vê referência à obra de Zola, La Bête Humaine. O comandante retruca que não estão lá para fazer filosofia. Não se entende como essa dupla não foi comparada a Bouvard e Pécuchet, os dois idiotas sábios de Flaubert. 

Eles expressam o espanto diante de um mundo tornado opaco, enquanto conduzem uma investigação que busca racionalidade naquilo que é irracional. Ou seja, são como a personificação da inutilidade da ação humana diante de certas circunstâncias que a ultrapassam. Os dados de realidade, esses, saltam como cacos à vista do espectador, como incongruências. As crianças são adoráveis...e cruéis (“a brutalidade da infância”, comenta Dumont). Uma adolescente encantadora chama um imigrante de “macaco sujo” e o manda de volta ao seu país. Em meio à trama, um suicídio inesperado resiste a qualquer interpretação cômica. Estamos no inferno, diz o comandante Van der Weyden (Bernard Pruvost) ao seu auxiliar, o tenente Carpentier (Philippe Jore). 

Esses elementos, deslocados, mas tão reais, postos em evidência por essa comédia insólita, compõem um painel bastante expressivo da vida numa pequena comunidade francesa. Homogênea do ponto de vista étnico, dobrada sobre si mesma, convicta e segura de si, avessa a tudo e a todos que pareçam estranhos ou ameaçadores. Ao mesmo tempo que expele o estrangeiro, autodevora-se. Van der Weyden tem razão em pressentir a presença satânica naquele ambiente bucólico. É a perversão da normalidade, lancetada pelo bisturi cômico. 

Em ótima entrevista concedida aos Cahiers du Cinéma, Bruno Dumont diz algo importante: “A potência do veículo cômico permite entrar em lugares onde o pensamento moral não vai”. 

Essa é uma daquelas verdades autoevidentes. Sabemos que o “pensamento cômico”, quando afiado e bem empregado, pode dissecar tecidos da nossa vida individual e social resistentes a outras formas de investigação. Pode ser corrosivo e esclarecedor. É elemento salvador e purificador para o pensamento, constata Dumont. Quando nos sentimos como agora, paralisados e impotentes, o discurso cômico pode ser libertador. E mesmo libertário. Que o digam Chaplin, Fellini ou Billy Wilder. 

No enredo de O Pequeno Quinquin, o que temos é uma série de crimes estapafúrdios, investigados por uma dupla exótica de policiais. O local dos crimes é Boulogne-sur-Mer, comunidade rural e à beira-mar.

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Tudo é um pouco fora de tom, deslocado e extravagante nessa longa história de 3h20. A começar pela dupla de investigadores. O capitão, interpretado por um jardineiro desempregado, é cheio de tiques e espasmos. Fala de maneira arrevesada, comendo palavras, caminha em passo de ganso e espanta-se com a presença do mal naquela comunidade tão bonita. Ao presenciar um dos cadáveres, fala em “besta humana”, no que o auxiliar, Carpentier, vê referência à obra de Zola, La Bête Humaine. O comandante retruca que não estão lá para fazer filosofia. Não se entende como essa dupla não foi comparada a Bouvard e Pécuchet, os dois idiotas sábios de Flaubert. 

Eles expressam o espanto diante de um mundo tornado opaco, enquanto conduzem uma investigação que busca racionalidade naquilo que é irracional. Ou seja, são como a personificação da inutilidade da ação humana diante de certas circunstâncias que a ultrapassam. Os dados de realidade, esses, saltam como cacos à vista do espectador, como incongruências. As crianças são adoráveis...e cruéis (“a brutalidade da infância”, comenta Dumont). Uma adolescente encantadora chama um imigrante de “macaco sujo” e o manda de volta ao seu país. Em meio à trama, um suicídio inesperado resiste a qualquer interpretação cômica. Estamos no inferno, diz o comandante Van der Weyden (Bernard Pruvost) ao seu auxiliar, o tenente Carpentier (Philippe Jore). 

Esses elementos, deslocados, mas tão reais, postos em evidência por essa comédia insólita, compõem um painel bastante expressivo da vida numa pequena comunidade francesa. Homogênea do ponto de vista étnico, dobrada sobre si mesma, convicta e segura de si, avessa a tudo e a todos que pareçam estranhos ou ameaçadores. Ao mesmo tempo que expele o estrangeiro, autodevora-se. Van der Weyden tem razão em pressentir a presença satânica naquele ambiente bucólico. É a perversão da normalidade, lancetada pelo bisturi cômico. 

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