Com sua barba, sua corpulência, seu sorriso fácil e sua voz firme, límpida e britânica, o médico e escritor Oliver Sacks talvez fosse o ideal platônico do gênio branco e cativante. Mas, por mais acolhedora e reconfortante que fosse sua figura, Sacks, que morreu de câncer em 2015, aos 82 anos, por muito tempo foi um homem aflito e traumatizado.
O neurologista e autor relata angústia, alheamento e drogadição no livro Sempre em Movimento – Uma Vida, que neste documentário, dirigido por Ric Burns, aparece no processo de preparação para ser publicado, meses antes da morte de Sacks.
Mistura habilmente editada de imagens de arquivo, quadros estáticos, entrevistas e narrativa, His Own Life [Sua própria vida, em tradução livre] - que num mundo perfeito seria uma peça complementar ao livro de Sacks, não um substituto - lança luz sobre detalhes do que só pode ser chamado de uma existência extraordinária.
Os pais de Sacks eram médicos. Sua mãe o encorajava de maneiras que são de cair o queixo. Mais de uma vez, depois de realizar determinado procedimento, ela lhe apresentava um feto humano para dissecção. Ele tinha uns 10 anos.
Quando ele revelou que era gay, ela disse: “Você é uma abominação. Eu queria que você nunca tivesse nascido”.
Ao se mudar para os Estados Unidos no início dos anos 60, Sacks se encontrou e também se perdeu. Tempo de Despertar, filme de ficção de 1990 baseado em seu livro de mesmo nome, fixou sua persona aos olhos do público - e fez com que ele fosse aceito por um establishment médico que até então o rejeitava. Nesse filme, seu personagem heterossexual foi interpretado por um Robin Williams bem fofinho. His Own Life mostra os dias de Sacks antes da fama como algo muito mais Kenneth Anger do que Penny Marshall.
Ainda que o filme gire em torno dos detalhes de como Sacks virou uma espécie de marca depois da fama, também apresenta lindamente um retrato de sua coragem e compaixão.
TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU