Willem Dafoe interpreta diretor em luta contra o câncer em novo filme de Hector Babenco


'Meu Amigo Hindu' estreou na Mostra de São Paulo em 2015 e ganha nova versão em chegada aos cinemas nesta quinta-feira, 3

Por Pedro Antunes

Ao longo de quase três meses, Willem Dafoe, ator norte-americano de 60 anos, se percebia isolado, mesmo rodeado de tanta gente. Via ao redor operadores de câmera, companheiros atores, equipe técnica, produtores, mas, de um jeito ou de outro, não era um deles. Não estavam na mesma sintonia. A língua era uma daquelas barreiras intransponíveis, afinal. Dafoe não é um novato em solo brasileiro – passou pelo Festival de Cinema do Ri, em 2011, e atuou na peça A Velha, em 2014. Mas não aprendeu a falar português. 

Estava isolado, da mesma maneira como, de certa forma, se isolava o personagem interpretado por ele em Meu Amigo Hindu, novo filme de Hector Babenco, que entra em circuito nesta quinta-feira, 3. A distância de casa, da esposa, a barreira linguística, todas as circunstâncias de afastamento colocavam Dafoe em uma posição solitária. Falavam inglês nas cenas, mas pouco havia para se conversar na língua depois que o diretor argentino gritava “corta”. 

Willem Dafoe, ator que está em Meu Amigo Hindu Foto: Daniel Teixeira | Estadão
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Dafoe, experiente tanto em blockbuster quanto em filmes autorais e independentes, soube aproveitar o isolamento involuntário para entrar em contato com Diego, o cineasta fictício em luta contra um câncer no filme que tem ares ora autobiográficos, outros absurdos, de Babenco. “É claro, todos eram muito amáveis comigo. Me davam tudo o que eu precisava ou pedia. Mas, socialmente, eu era o gringo”, diz o ator, em um tarde chuvosa, horas antes da pré-estreia da nova versão do longa em São Paulo – Meu Amigo Hindu havia estreado na Mostra de Cinema de 2015, mas passou por uma remontagem e perdeu 11 minutos. 

ANÁLISE: 'Meu Amigo Hindu': é o radical autorretrato de um cineasta

“Eu ficava ali, preso numa cama, cheio de coisas grudadas no meu corpo, ou em uma cadeira de rodas. Era sempre o doente”, relembra o ator sobre as filmagens na casa de Babenco e no hospital Sírio-Libanês, nos meses da virada de 2014 para 2015. “Mas, no fundo, isso foi bom. Eu precisava desse tipo de concentração.” 

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Corajoso, diretor Hector Babenco une cenasautobiográficas e ficção em ‘Meu Amigo Hindu’

Willem Dafoe deixa a sala de convenções de um hotel nos Jardins, em São Paulo, com os braços cruzados, aquecendo-se como pode. Está tão isolado e solitário quanto o seu personagem Diego Fairman em Meu Amigo Hindu, mais novo filme de Hector Babenco, diretor argentino-brasileiro, que busca em situações vividas por ele mesmo, como a batalha que travou contra o câncer, a narrativa para a trajetória do protagonista de Dafoe. 

Hector Babenco Foto: Daniel Teixeira|Estadão
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“Está um frio de congelar ali dentro”, aponta o ator, que mesmo com uma jaqueta de couro, foi incapaz de se manter aquecido no cômodo ao lado. Dafoe conhece Babenco desde os anos 1980 e já tentaram trabalhar juntos em diferentes oportunidades, mas foi somente quando o ator esteve em São Paulo com a peça A Velha, em 2014, que conseguiram conversar. Dafoe informou suas datas disponíveis e Meu Amigo Hindu entrou em produção. 

Diego, de personalidade difícil, afasta todos ao seu redor. A mulher, a mãe, os irmãos, os amigos. Recebe a sentença de morte (o câncer é de difícil tratamento) logo no início do longa. Passa-se o resto dos minutos em tela com a presença da morte, de forma literal ou não. Literal quando surge Selton Mello, como a figura que personifica a figura da morte, embora pareça mais com um funcionário público entediado do que um ceifador de almas assustador. 

São evidentes as semelhanças entre a história de Diego, o personagem, e Hector, o diretor. O ofício (de diretor), a batalha contra uma doença (o câncer). Não se trata de uma obra inteiramente autobiográfica, contudo. Babenco concorda. “Não há nada da história da arte que não seja autobiográfico”, pontua o diretor argentino-brasileiro. “A sofisticação da arte é buscar o único. Você não trabalha com um material que não conhece.” Ele conclui o pensamento, algum tempo depois: “Esse filme, para mim, representa a reinvenção da experiência. É uma reconstrução das paredes que existiam e foram demolidas”. 

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Maria Fernanda Cândido Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A consequência de estar diante de uma história tão pessoal afetou, de uma maneira ou de outra, os atores do elenco, como Dafoe e Maria Fernanda Cândido, responsável por dar vida a Livia, mulher de Diego. “Perguntei ao Hector se a Lívia era baseada em alguma mulher dele, se eu precisava pesquisar algo”, conta a atriz. “E ele me disse que se tratava de um mosaico. Nenhuma delas é a Lívia de forma inteira. Ele queria que eu fizesse a minha versão dela.” 

Dafoe conhecia a história de Babenco. O diretor entregou-lhe o roteiro sem pistas e pediu apenas que ele o lesse. “Quando li, pensei: ‘Uau, isso me parece familiar.’ Mas eu gostei. Achei cinemático”, conta o ato e protagonista. “Sabia que era pessoal, sabia que algumas coisas eram inventadas e outras eram muito próximas do que aconteceu. É claro que, ao ler o roteiro, às vezes, você pode ter uma dúvida ou outra. Daí, você pergunta: ‘A sua mulher realmente disse isso?’. Às vezes, ele me contava a história real do que aconteceu. Às vezes, dizia que tudo era uma invenção enorme. Mas não iria perguntar para ele se a Bárbara (Paz, esposa do diretor e mulher que entra na vida de Diego no fim do filme) realmente dançou pelada debaixo da chuva? Qual é a diferença?” 

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Trata-se, afinal, de um filme sobre a morte? Ou sobre a constante presença dela? Um filme sobre a vida? “Você nunca sabe o que vai acontecer depois, no dia seguinte ao fim do filme”, explica Hector Babenco. Dafoe e Maria Fernanda fazem coro pela interpretação desse como um filme sobre a vida – ou sobre a sobrevivência. 

Momentos mais lúdicos do longa, de qualquer maneira, são nas conversas nonsense de Diego e a morte, ou o funcionário dela. Jogam xadrez (numa referência a O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman), falam bobagens. No fim de cada uma das três entrevistas, atores e diretor foram questionados sobre o que perguntariam à figura da morte, se a vissem. Dafoe brinca, queria saber se no além haveria ar condicionado. “Eu detesto”, ele diz. Maria Fernanda pensa, pensa, e chega à conclusão: “Queria saber se a gente ainda sentiria o gosto das coisas”. Babenco, por sua vez, ganha deles. Desbocado, diz: “Que vá para a p... que o pariu. E pare de me encher o saco!”. 

Assista ao trailer do filme: 

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Ao longo de quase três meses, Willem Dafoe, ator norte-americano de 60 anos, se percebia isolado, mesmo rodeado de tanta gente. Via ao redor operadores de câmera, companheiros atores, equipe técnica, produtores, mas, de um jeito ou de outro, não era um deles. Não estavam na mesma sintonia. A língua era uma daquelas barreiras intransponíveis, afinal. Dafoe não é um novato em solo brasileiro – passou pelo Festival de Cinema do Ri, em 2011, e atuou na peça A Velha, em 2014. Mas não aprendeu a falar português. 

Estava isolado, da mesma maneira como, de certa forma, se isolava o personagem interpretado por ele em Meu Amigo Hindu, novo filme de Hector Babenco, que entra em circuito nesta quinta-feira, 3. A distância de casa, da esposa, a barreira linguística, todas as circunstâncias de afastamento colocavam Dafoe em uma posição solitária. Falavam inglês nas cenas, mas pouco havia para se conversar na língua depois que o diretor argentino gritava “corta”. 

Willem Dafoe, ator que está em Meu Amigo Hindu Foto: Daniel Teixeira | Estadão

Dafoe, experiente tanto em blockbuster quanto em filmes autorais e independentes, soube aproveitar o isolamento involuntário para entrar em contato com Diego, o cineasta fictício em luta contra um câncer no filme que tem ares ora autobiográficos, outros absurdos, de Babenco. “É claro, todos eram muito amáveis comigo. Me davam tudo o que eu precisava ou pedia. Mas, socialmente, eu era o gringo”, diz o ator, em um tarde chuvosa, horas antes da pré-estreia da nova versão do longa em São Paulo – Meu Amigo Hindu havia estreado na Mostra de Cinema de 2015, mas passou por uma remontagem e perdeu 11 minutos. 

ANÁLISE: 'Meu Amigo Hindu': é o radical autorretrato de um cineasta

“Eu ficava ali, preso numa cama, cheio de coisas grudadas no meu corpo, ou em uma cadeira de rodas. Era sempre o doente”, relembra o ator sobre as filmagens na casa de Babenco e no hospital Sírio-Libanês, nos meses da virada de 2014 para 2015. “Mas, no fundo, isso foi bom. Eu precisava desse tipo de concentração.” 

Corajoso, diretor Hector Babenco une cenasautobiográficas e ficção em ‘Meu Amigo Hindu’

Willem Dafoe deixa a sala de convenções de um hotel nos Jardins, em São Paulo, com os braços cruzados, aquecendo-se como pode. Está tão isolado e solitário quanto o seu personagem Diego Fairman em Meu Amigo Hindu, mais novo filme de Hector Babenco, diretor argentino-brasileiro, que busca em situações vividas por ele mesmo, como a batalha que travou contra o câncer, a narrativa para a trajetória do protagonista de Dafoe. 

Hector Babenco Foto: Daniel Teixeira|Estadão

“Está um frio de congelar ali dentro”, aponta o ator, que mesmo com uma jaqueta de couro, foi incapaz de se manter aquecido no cômodo ao lado. Dafoe conhece Babenco desde os anos 1980 e já tentaram trabalhar juntos em diferentes oportunidades, mas foi somente quando o ator esteve em São Paulo com a peça A Velha, em 2014, que conseguiram conversar. Dafoe informou suas datas disponíveis e Meu Amigo Hindu entrou em produção. 

Diego, de personalidade difícil, afasta todos ao seu redor. A mulher, a mãe, os irmãos, os amigos. Recebe a sentença de morte (o câncer é de difícil tratamento) logo no início do longa. Passa-se o resto dos minutos em tela com a presença da morte, de forma literal ou não. Literal quando surge Selton Mello, como a figura que personifica a figura da morte, embora pareça mais com um funcionário público entediado do que um ceifador de almas assustador. 

São evidentes as semelhanças entre a história de Diego, o personagem, e Hector, o diretor. O ofício (de diretor), a batalha contra uma doença (o câncer). Não se trata de uma obra inteiramente autobiográfica, contudo. Babenco concorda. “Não há nada da história da arte que não seja autobiográfico”, pontua o diretor argentino-brasileiro. “A sofisticação da arte é buscar o único. Você não trabalha com um material que não conhece.” Ele conclui o pensamento, algum tempo depois: “Esse filme, para mim, representa a reinvenção da experiência. É uma reconstrução das paredes que existiam e foram demolidas”. 

Maria Fernanda Cândido Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A consequência de estar diante de uma história tão pessoal afetou, de uma maneira ou de outra, os atores do elenco, como Dafoe e Maria Fernanda Cândido, responsável por dar vida a Livia, mulher de Diego. “Perguntei ao Hector se a Lívia era baseada em alguma mulher dele, se eu precisava pesquisar algo”, conta a atriz. “E ele me disse que se tratava de um mosaico. Nenhuma delas é a Lívia de forma inteira. Ele queria que eu fizesse a minha versão dela.” 

Dafoe conhecia a história de Babenco. O diretor entregou-lhe o roteiro sem pistas e pediu apenas que ele o lesse. “Quando li, pensei: ‘Uau, isso me parece familiar.’ Mas eu gostei. Achei cinemático”, conta o ato e protagonista. “Sabia que era pessoal, sabia que algumas coisas eram inventadas e outras eram muito próximas do que aconteceu. É claro que, ao ler o roteiro, às vezes, você pode ter uma dúvida ou outra. Daí, você pergunta: ‘A sua mulher realmente disse isso?’. Às vezes, ele me contava a história real do que aconteceu. Às vezes, dizia que tudo era uma invenção enorme. Mas não iria perguntar para ele se a Bárbara (Paz, esposa do diretor e mulher que entra na vida de Diego no fim do filme) realmente dançou pelada debaixo da chuva? Qual é a diferença?” 

Trata-se, afinal, de um filme sobre a morte? Ou sobre a constante presença dela? Um filme sobre a vida? “Você nunca sabe o que vai acontecer depois, no dia seguinte ao fim do filme”, explica Hector Babenco. Dafoe e Maria Fernanda fazem coro pela interpretação desse como um filme sobre a vida – ou sobre a sobrevivência. 

Momentos mais lúdicos do longa, de qualquer maneira, são nas conversas nonsense de Diego e a morte, ou o funcionário dela. Jogam xadrez (numa referência a O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman), falam bobagens. No fim de cada uma das três entrevistas, atores e diretor foram questionados sobre o que perguntariam à figura da morte, se a vissem. Dafoe brinca, queria saber se no além haveria ar condicionado. “Eu detesto”, ele diz. Maria Fernanda pensa, pensa, e chega à conclusão: “Queria saber se a gente ainda sentiria o gosto das coisas”. Babenco, por sua vez, ganha deles. Desbocado, diz: “Que vá para a p... que o pariu. E pare de me encher o saco!”. 

Assista ao trailer do filme: 

Ao longo de quase três meses, Willem Dafoe, ator norte-americano de 60 anos, se percebia isolado, mesmo rodeado de tanta gente. Via ao redor operadores de câmera, companheiros atores, equipe técnica, produtores, mas, de um jeito ou de outro, não era um deles. Não estavam na mesma sintonia. A língua era uma daquelas barreiras intransponíveis, afinal. Dafoe não é um novato em solo brasileiro – passou pelo Festival de Cinema do Ri, em 2011, e atuou na peça A Velha, em 2014. Mas não aprendeu a falar português. 

Estava isolado, da mesma maneira como, de certa forma, se isolava o personagem interpretado por ele em Meu Amigo Hindu, novo filme de Hector Babenco, que entra em circuito nesta quinta-feira, 3. A distância de casa, da esposa, a barreira linguística, todas as circunstâncias de afastamento colocavam Dafoe em uma posição solitária. Falavam inglês nas cenas, mas pouco havia para se conversar na língua depois que o diretor argentino gritava “corta”. 

Willem Dafoe, ator que está em Meu Amigo Hindu Foto: Daniel Teixeira | Estadão

Dafoe, experiente tanto em blockbuster quanto em filmes autorais e independentes, soube aproveitar o isolamento involuntário para entrar em contato com Diego, o cineasta fictício em luta contra um câncer no filme que tem ares ora autobiográficos, outros absurdos, de Babenco. “É claro, todos eram muito amáveis comigo. Me davam tudo o que eu precisava ou pedia. Mas, socialmente, eu era o gringo”, diz o ator, em um tarde chuvosa, horas antes da pré-estreia da nova versão do longa em São Paulo – Meu Amigo Hindu havia estreado na Mostra de Cinema de 2015, mas passou por uma remontagem e perdeu 11 minutos. 

ANÁLISE: 'Meu Amigo Hindu': é o radical autorretrato de um cineasta

“Eu ficava ali, preso numa cama, cheio de coisas grudadas no meu corpo, ou em uma cadeira de rodas. Era sempre o doente”, relembra o ator sobre as filmagens na casa de Babenco e no hospital Sírio-Libanês, nos meses da virada de 2014 para 2015. “Mas, no fundo, isso foi bom. Eu precisava desse tipo de concentração.” 

Corajoso, diretor Hector Babenco une cenasautobiográficas e ficção em ‘Meu Amigo Hindu’

Willem Dafoe deixa a sala de convenções de um hotel nos Jardins, em São Paulo, com os braços cruzados, aquecendo-se como pode. Está tão isolado e solitário quanto o seu personagem Diego Fairman em Meu Amigo Hindu, mais novo filme de Hector Babenco, diretor argentino-brasileiro, que busca em situações vividas por ele mesmo, como a batalha que travou contra o câncer, a narrativa para a trajetória do protagonista de Dafoe. 

Hector Babenco Foto: Daniel Teixeira|Estadão

“Está um frio de congelar ali dentro”, aponta o ator, que mesmo com uma jaqueta de couro, foi incapaz de se manter aquecido no cômodo ao lado. Dafoe conhece Babenco desde os anos 1980 e já tentaram trabalhar juntos em diferentes oportunidades, mas foi somente quando o ator esteve em São Paulo com a peça A Velha, em 2014, que conseguiram conversar. Dafoe informou suas datas disponíveis e Meu Amigo Hindu entrou em produção. 

Diego, de personalidade difícil, afasta todos ao seu redor. A mulher, a mãe, os irmãos, os amigos. Recebe a sentença de morte (o câncer é de difícil tratamento) logo no início do longa. Passa-se o resto dos minutos em tela com a presença da morte, de forma literal ou não. Literal quando surge Selton Mello, como a figura que personifica a figura da morte, embora pareça mais com um funcionário público entediado do que um ceifador de almas assustador. 

São evidentes as semelhanças entre a história de Diego, o personagem, e Hector, o diretor. O ofício (de diretor), a batalha contra uma doença (o câncer). Não se trata de uma obra inteiramente autobiográfica, contudo. Babenco concorda. “Não há nada da história da arte que não seja autobiográfico”, pontua o diretor argentino-brasileiro. “A sofisticação da arte é buscar o único. Você não trabalha com um material que não conhece.” Ele conclui o pensamento, algum tempo depois: “Esse filme, para mim, representa a reinvenção da experiência. É uma reconstrução das paredes que existiam e foram demolidas”. 

Maria Fernanda Cândido Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A consequência de estar diante de uma história tão pessoal afetou, de uma maneira ou de outra, os atores do elenco, como Dafoe e Maria Fernanda Cândido, responsável por dar vida a Livia, mulher de Diego. “Perguntei ao Hector se a Lívia era baseada em alguma mulher dele, se eu precisava pesquisar algo”, conta a atriz. “E ele me disse que se tratava de um mosaico. Nenhuma delas é a Lívia de forma inteira. Ele queria que eu fizesse a minha versão dela.” 

Dafoe conhecia a história de Babenco. O diretor entregou-lhe o roteiro sem pistas e pediu apenas que ele o lesse. “Quando li, pensei: ‘Uau, isso me parece familiar.’ Mas eu gostei. Achei cinemático”, conta o ato e protagonista. “Sabia que era pessoal, sabia que algumas coisas eram inventadas e outras eram muito próximas do que aconteceu. É claro que, ao ler o roteiro, às vezes, você pode ter uma dúvida ou outra. Daí, você pergunta: ‘A sua mulher realmente disse isso?’. Às vezes, ele me contava a história real do que aconteceu. Às vezes, dizia que tudo era uma invenção enorme. Mas não iria perguntar para ele se a Bárbara (Paz, esposa do diretor e mulher que entra na vida de Diego no fim do filme) realmente dançou pelada debaixo da chuva? Qual é a diferença?” 

Trata-se, afinal, de um filme sobre a morte? Ou sobre a constante presença dela? Um filme sobre a vida? “Você nunca sabe o que vai acontecer depois, no dia seguinte ao fim do filme”, explica Hector Babenco. Dafoe e Maria Fernanda fazem coro pela interpretação desse como um filme sobre a vida – ou sobre a sobrevivência. 

Momentos mais lúdicos do longa, de qualquer maneira, são nas conversas nonsense de Diego e a morte, ou o funcionário dela. Jogam xadrez (numa referência a O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman), falam bobagens. No fim de cada uma das três entrevistas, atores e diretor foram questionados sobre o que perguntariam à figura da morte, se a vissem. Dafoe brinca, queria saber se no além haveria ar condicionado. “Eu detesto”, ele diz. Maria Fernanda pensa, pensa, e chega à conclusão: “Queria saber se a gente ainda sentiria o gosto das coisas”. Babenco, por sua vez, ganha deles. Desbocado, diz: “Que vá para a p... que o pariu. E pare de me encher o saco!”. 

Assista ao trailer do filme: 

Ao longo de quase três meses, Willem Dafoe, ator norte-americano de 60 anos, se percebia isolado, mesmo rodeado de tanta gente. Via ao redor operadores de câmera, companheiros atores, equipe técnica, produtores, mas, de um jeito ou de outro, não era um deles. Não estavam na mesma sintonia. A língua era uma daquelas barreiras intransponíveis, afinal. Dafoe não é um novato em solo brasileiro – passou pelo Festival de Cinema do Ri, em 2011, e atuou na peça A Velha, em 2014. Mas não aprendeu a falar português. 

Estava isolado, da mesma maneira como, de certa forma, se isolava o personagem interpretado por ele em Meu Amigo Hindu, novo filme de Hector Babenco, que entra em circuito nesta quinta-feira, 3. A distância de casa, da esposa, a barreira linguística, todas as circunstâncias de afastamento colocavam Dafoe em uma posição solitária. Falavam inglês nas cenas, mas pouco havia para se conversar na língua depois que o diretor argentino gritava “corta”. 

Willem Dafoe, ator que está em Meu Amigo Hindu Foto: Daniel Teixeira | Estadão

Dafoe, experiente tanto em blockbuster quanto em filmes autorais e independentes, soube aproveitar o isolamento involuntário para entrar em contato com Diego, o cineasta fictício em luta contra um câncer no filme que tem ares ora autobiográficos, outros absurdos, de Babenco. “É claro, todos eram muito amáveis comigo. Me davam tudo o que eu precisava ou pedia. Mas, socialmente, eu era o gringo”, diz o ator, em um tarde chuvosa, horas antes da pré-estreia da nova versão do longa em São Paulo – Meu Amigo Hindu havia estreado na Mostra de Cinema de 2015, mas passou por uma remontagem e perdeu 11 minutos. 

ANÁLISE: 'Meu Amigo Hindu': é o radical autorretrato de um cineasta

“Eu ficava ali, preso numa cama, cheio de coisas grudadas no meu corpo, ou em uma cadeira de rodas. Era sempre o doente”, relembra o ator sobre as filmagens na casa de Babenco e no hospital Sírio-Libanês, nos meses da virada de 2014 para 2015. “Mas, no fundo, isso foi bom. Eu precisava desse tipo de concentração.” 

Corajoso, diretor Hector Babenco une cenasautobiográficas e ficção em ‘Meu Amigo Hindu’

Willem Dafoe deixa a sala de convenções de um hotel nos Jardins, em São Paulo, com os braços cruzados, aquecendo-se como pode. Está tão isolado e solitário quanto o seu personagem Diego Fairman em Meu Amigo Hindu, mais novo filme de Hector Babenco, diretor argentino-brasileiro, que busca em situações vividas por ele mesmo, como a batalha que travou contra o câncer, a narrativa para a trajetória do protagonista de Dafoe. 

Hector Babenco Foto: Daniel Teixeira|Estadão

“Está um frio de congelar ali dentro”, aponta o ator, que mesmo com uma jaqueta de couro, foi incapaz de se manter aquecido no cômodo ao lado. Dafoe conhece Babenco desde os anos 1980 e já tentaram trabalhar juntos em diferentes oportunidades, mas foi somente quando o ator esteve em São Paulo com a peça A Velha, em 2014, que conseguiram conversar. Dafoe informou suas datas disponíveis e Meu Amigo Hindu entrou em produção. 

Diego, de personalidade difícil, afasta todos ao seu redor. A mulher, a mãe, os irmãos, os amigos. Recebe a sentença de morte (o câncer é de difícil tratamento) logo no início do longa. Passa-se o resto dos minutos em tela com a presença da morte, de forma literal ou não. Literal quando surge Selton Mello, como a figura que personifica a figura da morte, embora pareça mais com um funcionário público entediado do que um ceifador de almas assustador. 

São evidentes as semelhanças entre a história de Diego, o personagem, e Hector, o diretor. O ofício (de diretor), a batalha contra uma doença (o câncer). Não se trata de uma obra inteiramente autobiográfica, contudo. Babenco concorda. “Não há nada da história da arte que não seja autobiográfico”, pontua o diretor argentino-brasileiro. “A sofisticação da arte é buscar o único. Você não trabalha com um material que não conhece.” Ele conclui o pensamento, algum tempo depois: “Esse filme, para mim, representa a reinvenção da experiência. É uma reconstrução das paredes que existiam e foram demolidas”. 

Maria Fernanda Cândido Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A consequência de estar diante de uma história tão pessoal afetou, de uma maneira ou de outra, os atores do elenco, como Dafoe e Maria Fernanda Cândido, responsável por dar vida a Livia, mulher de Diego. “Perguntei ao Hector se a Lívia era baseada em alguma mulher dele, se eu precisava pesquisar algo”, conta a atriz. “E ele me disse que se tratava de um mosaico. Nenhuma delas é a Lívia de forma inteira. Ele queria que eu fizesse a minha versão dela.” 

Dafoe conhecia a história de Babenco. O diretor entregou-lhe o roteiro sem pistas e pediu apenas que ele o lesse. “Quando li, pensei: ‘Uau, isso me parece familiar.’ Mas eu gostei. Achei cinemático”, conta o ato e protagonista. “Sabia que era pessoal, sabia que algumas coisas eram inventadas e outras eram muito próximas do que aconteceu. É claro que, ao ler o roteiro, às vezes, você pode ter uma dúvida ou outra. Daí, você pergunta: ‘A sua mulher realmente disse isso?’. Às vezes, ele me contava a história real do que aconteceu. Às vezes, dizia que tudo era uma invenção enorme. Mas não iria perguntar para ele se a Bárbara (Paz, esposa do diretor e mulher que entra na vida de Diego no fim do filme) realmente dançou pelada debaixo da chuva? Qual é a diferença?” 

Trata-se, afinal, de um filme sobre a morte? Ou sobre a constante presença dela? Um filme sobre a vida? “Você nunca sabe o que vai acontecer depois, no dia seguinte ao fim do filme”, explica Hector Babenco. Dafoe e Maria Fernanda fazem coro pela interpretação desse como um filme sobre a vida – ou sobre a sobrevivência. 

Momentos mais lúdicos do longa, de qualquer maneira, são nas conversas nonsense de Diego e a morte, ou o funcionário dela. Jogam xadrez (numa referência a O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman), falam bobagens. No fim de cada uma das três entrevistas, atores e diretor foram questionados sobre o que perguntariam à figura da morte, se a vissem. Dafoe brinca, queria saber se no além haveria ar condicionado. “Eu detesto”, ele diz. Maria Fernanda pensa, pensa, e chega à conclusão: “Queria saber se a gente ainda sentiria o gosto das coisas”. Babenco, por sua vez, ganha deles. Desbocado, diz: “Que vá para a p... que o pariu. E pare de me encher o saco!”. 

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