Em 1999, satisfeito com uma coleção sobre a Bíblia, em que diversos escritores recontavam a seu modo o texto sagrado, o escocês Jamie Byng, editor da Canongate, teve a idéia de fazer o mesmo com os mitos. "Naquela época, pensei: por que não convidar grandes autores de diversos países para dar sua versão do mito preferido? E por que não envolver outras editoras?", contou o cabeludo Byng, radiante por realizar o projeto: na chuvosa tarde de quinta-feira em Frankfurt, ele se reuniu com outros 33 editores que começam a espalhar, neste fim de semana, a Coleção Mitos em 27 línguas. No Brasil, a série terá a chancela da Companhia das Letras, que lança agora Breve História do Mito, da inglesa Karen Armstrong, e A Odisséia de Penélope, da canadense Margaret Atwood. Na fila, estão títulos já prontos em inglês do israelense David Grossman (que escreveu sobre o mito de Sansão), a britânica Jeanette Winterson (Atlas e Hércules) e o russo Victor Pelevin (Teseu e o Minotauro do século 21). A camisa canarinho será vestida por Milton Hatoum, que prepara um texto amazônico. "É sobre o mito da Cidade Encantada (Eldorado), a cidade ideal, no fundo do rio, onde a vida é uma réplica do paraíso", explica. "É uma variação do mito da Atlântida, em versão amazônica, pois os mitos viajam." Hatoum começou escrever o texto há mais de um ano, alternando com seu recente romance Cinzas do Norte. "A idéia é partir do mito para chegar à ficção. Quando o mito perde sua crença, transforma-se em literatura", conta. Hatoum não estava no lançamento na Alemanha, que contou com a presença de Margaret, Jeanette, Karen e Grossman. "Os homens sempre foram criadores de mitos. Na verdade, a história dos mitos confunde-se com a da humanidade", disse Karen, que abre a série com uma investigação da relação entre homens e mitos, desde os tempos paleolíticos. Ela admitiu à Agência Estado que, se pudesse, escreveria sobre o mito de Narciso. "Tenho interesse em tratar da história do ego." Já Grossman acredita que poucas histórias da Bíblia são tão emocionantes como a de Sansão. "É a jornada solitária de um homem que não encontra seu verdadeiro lugar no mundo", afirma. Margaret Atwood reescreve a história de Penélope Margaret Atwood reescreve a história de Penélope Logo que foi convidada para integrar a Coleção Mitos, a canadense Margaret Atwood aproveitou para afugentar seus fantasmas. "A maneira como a história é contada na Odisséia, de Homero, nunca me convenceu, pois sempre vivi assombrada pelas escravas enforcadas a mando de Odisseu", conta ela. "Também nunca aceitei a figura de Penélope, apresentada como uma mulher chorosa." Em seu texto clássico, Homero conta como Odisseu embarca para a guerra de Tróia e deixa a mulher, Penélope, cuidando sozinha do reino durante 20 anos. Tempo suficiente para ela se descobrir rodeada de pretendentes interessados em uma fortaleza desguarnecida - o exército seguiu com Odisseu e o filho deles, Telêmaco, ainda é jovem. "Daí meu interesse em contar a história do ponto de vista de Penélope e das 12 escravas que se deitaram com os pretendentes." Margaret utilizou um curioso estratagema, pois a história aparentemente se passa nos dias atuais. Vivendo em outra dimensão, portanto, Penélope tem a chance de apresentar sua versão dos fatos. As escravas pontuam a narrativa formando um coro, bem ao gosto do teatro grego, questionando e informando os personagens principais. "Como alguns mortos podem supostamente ter acesso ao futuro, como a outros segredos valiosos, permiti a eles um poder semelhante, embora ampliado", conta. "Também incluí um coro que canta, dança e declama, em homenagem aos coros da tragédia grega. A convenção de zombar da ação principal já estava presente nas peças satíricas, representadas com as tragédias sérias." Apesar do tom sério da história - Penélope é obrigada a iludir seus pretendentes com falsas promessas, tecendo uma mortalha que desfaz à noite e adiando a decisão sobre o casamento para depois do término da peça - , Margaret utiliza seu humor peculiar para fazer brincadeiras com assuntos modernos como internet (os seres que estão em outra dimensão aproveitam a rede mundial para "viajar" pelo planeta, vendo o mundo por meio de telas iluminadas) e doping esportivos (Odisseu toma uma poção com anabolizante). A escritora conta que não fez nenhum tipo de pesquisa. "Na minha idade, não tenho mais tempo para isso", diverte-se, exibindo um sorriso tímido que esconde seus quase 66 anos. "Aproveito todas as leituras que fiz ao longo da minha vida como fonte de pesquisa."
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