Como as marés


"Temos um dicionário interno de palavras que se alternam no decorrer da vida. Coisas íntimas que afloram e acabam impressas em nossos fazeres"

Por Christian Carvalho da Cruz e Beto Brant

Ensaio Gilvan Barreto, montado por Christian Carvalho Cruz

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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto

Fotografias, para o pernambucano Gilvan Barreto, não valem mais ou menos que palavras. Fotografias são palavras. Daí que, em novo livro, Sobremarinhos, ele dá ponto final em sua trilogia autobiográfica de maneira fascinante. Parte de uma obsessão com O Estrangeiro, de Albert Camus, e entrega ao leitor a possibilidade de usar as suas imagens para narrar a própria história desmontando o livro, alterando a ordem das páginas a seu prazer, intuição e desejos. O livro vem com um cartão pedindo que, depois de reconstruído, ele seja passado adiante, para ser contado de outro jeito por outro alguém, e assim enquanto durar.

Sobremarinhos fala do mar. Ou vem dele, pelo menos. Nasceu quando Barreto, lendo Camus, agora o Diário de Viagem, caiu diante da seguinte sentença: “As águas estão pouco iluminadas na superfície, mas sente-se a sua escuridão profunda. O mar é assim, e é por isso que eu o amo. Chamamento à vida e convite à morte.” Como em Moscouzinho, sobre suas raízes familiares em Jaboatão (PE), a primeira cidade brasileira a eleger um prefeito comunista, e em O Livro do Sol, sobre o sertão, em Sobremarinhos Barreto trata de ciclos existenciais. Começos, fins, recomeços, harmonia e caos como as marés.

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Não deixa de ser um delicioso delírio seu convite para que nos apropriemos de suas fantasias para erguermos as nossas. E que o façamos usando “apenas” fotografias. Mas se fotografia é palavra, fotografia também somos nós? “A palavra é o próprio homem”, para lembrar de Octavio Paz.

A seguir, trechos da entrevista de Barreto ao Aliás.

Qual o lugar de ‘Sobremarinhos’ em sua trilogia autobiográfica?

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Moscouzinho, além de tratar da ditadura brasileira, é o livro do fogo, da terra vermelha, de Angústia de Graciliano Ramos. O Livro do Sol é o sertão dos contrastes, realidades e ficções, a terra seca que sonha com água, como em João Cabral. Sobremarinhos é um pequeno fragmento do mar, o cenário de celebração da vida e da morte. Uma representação da minha fixação pela obra de Camus, em especial por O Estrangeiro. Meus livros cuidam dessas paisagens pelas quais tenho apreço - a terra, o sertão, o mar - e que surgem emaranhadas em minha biblioteca pessoal afetiva.

Dos três livres este último parece ser o mais íntimo. Mas é nele que você nos convida a interagir com a sua história. Por quê?

Embora meus trabalhos nasçam de experiências e percepções pessoais, neles não falo de mim nem da fotografia, falo de vida. Por isso procuro imagens perenes, que não se esgotem de imediato, que mais levantem questionamentos do que conduzam a respostas. Deixo sempre alguns espaços para o leitor entrar, mas sem tirar dele o prazer de encontrar novas possibilidades e caminhos. Em Sobremarinhos eu exagero essa premissa. Como queria falar de morte e vida, e cada vida tem um roteiro, eu quis criar uma interatividade com o leitor, colocá-lo na posição de coautor. Na hora de fazerem suas edições, acho que os leitores têm a chance de parar e pensar a respeito de suas trajetórias, seus sentimentos. Mergulhar mesmo em suas vidas.

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O livro tem muitas referências aos chumbos usados na pesca. É uma vontade de ir ao fundo ou de voltar dele?

Eles representam o peso das nossas culpas. Uma ideia que surgiu de toda aquela culpa descrita n’O Estrangeiro. O protagonista, Sr. Mersault, é cobrado por não reagir dramaticamente diante da morte da mãe, por aparentar uma frieza inadequada àquela situação. A palavra “culpa” é repetida diversas vezes ao longo do livro. A leitura me remeteu à questão religiosa da culpa católica pelo Pecado Original.

E por que Camus?

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Porque não consigo me livrar dele. Quanto mais o leio, mais me identifico. Sua relação com a morte, as buscas de suas origens, as questões familiares, as culpas do Sr. Mersault. Ficamos fiéis a autores que nos levam à descoberta de nossas palavras-raízes, não é? Cada um de nós tem um pequeno dicionário interno, cujas palavras se alternam de acordo com as fases da vida. Coisas íntimas que afloram sem percebermos e acabam impressas em nosso fazeres. Saudade, liberdade, força de vontade, no meu caso.

Essa sua pegada literária no fazer fotográfico... Só a fotografia não te basta mais?

Invisto na escrita como processo de desenvolvimento e compreensão dos meus projetos. Não é minha intenção usá-la como fim. A literatura incita a criação de imagens, este é o plano. É do ofício de criar imagens que gosto. Sei que alguns dos meus trabalhos se conectam com outras linguagens, chamam outros suportes e técnicas. E não tenho a menor intenção de impedir esse movimento. Vou aonde sentir necessidade. Mas isso não quer dizer que a fotografia não me basta. Onde estão os limites? Quem os desenhou? Porque tudo isso não pode ser abarcado pela fotografia?

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Ensaio de Gilvan Barreto, montado por Beto Brant

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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto

No livro recém-lançado pelo fotógrafo Gilvan Barreto, Sobremarinhos, ele utiliza trechos da obra de Albert Camus, O Estrangeiro e Diário de Viagem, na intenção de apontar sentidos narrativos para suas fotografias. A proposta que me foi feita é de reordenar as fotos do livro em busca de uma rota alternativa. (A saber, o livro foi editado de maneira a permitir a sua repaginação pelo leitor.) Para isso, ao modo feito por Gilvan, eu (Beto Brant) lanço mão de um fragmento do romance de Marcia Tiburi, Era meu esse rosto, como subtexto do meu percurso sugerido.

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“... A água cai do céu como o rompimento de uma barragem.

São poucos minutos e preciso subir em um túmulo que, suponho, seja mais seguro do que o muro que avisto a metros sem chance de nele subir a não ser pisando sobre os mortos. O senso cristão e supersticioso que mora em mim sem que eu queira atrapalha o pragmatismo mesmo em momentos de necessidade, mas não vai durar. Tento me aproximar do ancoradouro que flutua livre da água a subir. Não é de crer no que acontece. A paisagem de um cemitério alagado torna-o ainda mais desolador.

Sobre uma tumba alta como sobre um carro nos alagamentos nas grandes vias em SP a paisagem assume outra natureza. Somente deste ângulo percebe-se que a relação entre a vida e a morte é amniótica.

Se não estivesse munido com minha máquina eu me sentiria o mais pobre dos mortais, ilhado entre mortos em uma ilha ela mesmo morta, sinto-me, no entanto, mais vivo do que nunca, mesmo sem saber que tipo de perigo é este em que estou lançado, somente deste ângulo é que consigo perceber que o colorido das flores se deve ao fato de que são de plástico, e que alguma coisa aqui, ao contrário das flores, não morreu jamais.

Não fugirei. Uma promessa é uma promessa.

 É neste ponto em que a água toca meus pés, quase tapando a superfície dos túmulos entre os quais salto de um lado para o outro como um louco zombando inconscientemente da morte fotografando a esmo todas as imagens que me permite meu estado estrangeiro, como se eu fosse morrer e tivesse que aproveitar cada segundo, como se eu nunca mais fosse voltar, sou o estrangeiro saqueando um mundo de imagens, fora do tempo vejo-me também fora das normas, como o fora da lei e o fora da cidade vejo integrar-me duplamente por uma estranha anomalia do destino, que me dá a autoridade delirante de que é feita a vida quando se encontra com a morte, é neste momento em que estou certo que toda coragem tem em si um fundo medroso, é no instante em que não me recordo de mais nada, nem do que vim fazer aqui, ou do que procuro, que vejo um retrato oval em um túmulo claro de pedra da Ístria.

Fotografo até ver que o personagem que aparece nele é uma mulher. Apronto a lente para uma foto bem nítida, pois que não terei mais tempo para fotografar de novo. Busco toda nitidez possível. Vejo o nome Maria de Bastiani, aproximo para ver melhor pensando em quantas Marias de Bastianis deve haver neste mundo, ou, para não perder a piada, no outro mundo do qual sou agora perigosamente próximo. Dou uma gargalhada do meu próprio raciocínio, o mesmo que repito enquanto conto esta história, antes de saltar um túmulo adiante para ver melhor, quase caindo na água que sobe a cada segundo tornando inviável permanecer ali. E vejo que sob o retrato oval da Maria, ao lado do qual não consta data de nascimento, nem a de morte, há outro pequeno retrato, de um menino. Sem data, nem nome."

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Fotografias, para o pernambucano Gilvan Barreto, não valem mais ou menos que palavras. Fotografias são palavras. Daí que, em novo livro, Sobremarinhos, ele dá ponto final em sua trilogia autobiográfica de maneira fascinante. Parte de uma obsessão com O Estrangeiro, de Albert Camus, e entrega ao leitor a possibilidade de usar as suas imagens para narrar a própria história desmontando o livro, alterando a ordem das páginas a seu prazer, intuição e desejos. O livro vem com um cartão pedindo que, depois de reconstruído, ele seja passado adiante, para ser contado de outro jeito por outro alguém, e assim enquanto durar.

Sobremarinhos fala do mar. Ou vem dele, pelo menos. Nasceu quando Barreto, lendo Camus, agora o Diário de Viagem, caiu diante da seguinte sentença: “As águas estão pouco iluminadas na superfície, mas sente-se a sua escuridão profunda. O mar é assim, e é por isso que eu o amo. Chamamento à vida e convite à morte.” Como em Moscouzinho, sobre suas raízes familiares em Jaboatão (PE), a primeira cidade brasileira a eleger um prefeito comunista, e em O Livro do Sol, sobre o sertão, em Sobremarinhos Barreto trata de ciclos existenciais. Começos, fins, recomeços, harmonia e caos como as marés.

Não deixa de ser um delicioso delírio seu convite para que nos apropriemos de suas fantasias para erguermos as nossas. E que o façamos usando “apenas” fotografias. Mas se fotografia é palavra, fotografia também somos nós? “A palavra é o próprio homem”, para lembrar de Octavio Paz.

A seguir, trechos da entrevista de Barreto ao Aliás.

Qual o lugar de ‘Sobremarinhos’ em sua trilogia autobiográfica?

Moscouzinho, além de tratar da ditadura brasileira, é o livro do fogo, da terra vermelha, de Angústia de Graciliano Ramos. O Livro do Sol é o sertão dos contrastes, realidades e ficções, a terra seca que sonha com água, como em João Cabral. Sobremarinhos é um pequeno fragmento do mar, o cenário de celebração da vida e da morte. Uma representação da minha fixação pela obra de Camus, em especial por O Estrangeiro. Meus livros cuidam dessas paisagens pelas quais tenho apreço - a terra, o sertão, o mar - e que surgem emaranhadas em minha biblioteca pessoal afetiva.

Dos três livres este último parece ser o mais íntimo. Mas é nele que você nos convida a interagir com a sua história. Por quê?

Embora meus trabalhos nasçam de experiências e percepções pessoais, neles não falo de mim nem da fotografia, falo de vida. Por isso procuro imagens perenes, que não se esgotem de imediato, que mais levantem questionamentos do que conduzam a respostas. Deixo sempre alguns espaços para o leitor entrar, mas sem tirar dele o prazer de encontrar novas possibilidades e caminhos. Em Sobremarinhos eu exagero essa premissa. Como queria falar de morte e vida, e cada vida tem um roteiro, eu quis criar uma interatividade com o leitor, colocá-lo na posição de coautor. Na hora de fazerem suas edições, acho que os leitores têm a chance de parar e pensar a respeito de suas trajetórias, seus sentimentos. Mergulhar mesmo em suas vidas.

O livro tem muitas referências aos chumbos usados na pesca. É uma vontade de ir ao fundo ou de voltar dele?

Eles representam o peso das nossas culpas. Uma ideia que surgiu de toda aquela culpa descrita n’O Estrangeiro. O protagonista, Sr. Mersault, é cobrado por não reagir dramaticamente diante da morte da mãe, por aparentar uma frieza inadequada àquela situação. A palavra “culpa” é repetida diversas vezes ao longo do livro. A leitura me remeteu à questão religiosa da culpa católica pelo Pecado Original.

E por que Camus?

Porque não consigo me livrar dele. Quanto mais o leio, mais me identifico. Sua relação com a morte, as buscas de suas origens, as questões familiares, as culpas do Sr. Mersault. Ficamos fiéis a autores que nos levam à descoberta de nossas palavras-raízes, não é? Cada um de nós tem um pequeno dicionário interno, cujas palavras se alternam de acordo com as fases da vida. Coisas íntimas que afloram sem percebermos e acabam impressas em nosso fazeres. Saudade, liberdade, força de vontade, no meu caso.

Essa sua pegada literária no fazer fotográfico... Só a fotografia não te basta mais?

Invisto na escrita como processo de desenvolvimento e compreensão dos meus projetos. Não é minha intenção usá-la como fim. A literatura incita a criação de imagens, este é o plano. É do ofício de criar imagens que gosto. Sei que alguns dos meus trabalhos se conectam com outras linguagens, chamam outros suportes e técnicas. E não tenho a menor intenção de impedir esse movimento. Vou aonde sentir necessidade. Mas isso não quer dizer que a fotografia não me basta. Onde estão os limites? Quem os desenhou? Porque tudo isso não pode ser abarcado pela fotografia?

Ensaio de Gilvan Barreto, montado por Beto Brant

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No livro recém-lançado pelo fotógrafo Gilvan Barreto, Sobremarinhos, ele utiliza trechos da obra de Albert Camus, O Estrangeiro e Diário de Viagem, na intenção de apontar sentidos narrativos para suas fotografias. A proposta que me foi feita é de reordenar as fotos do livro em busca de uma rota alternativa. (A saber, o livro foi editado de maneira a permitir a sua repaginação pelo leitor.) Para isso, ao modo feito por Gilvan, eu (Beto Brant) lanço mão de um fragmento do romance de Marcia Tiburi, Era meu esse rosto, como subtexto do meu percurso sugerido.

“... A água cai do céu como o rompimento de uma barragem.

São poucos minutos e preciso subir em um túmulo que, suponho, seja mais seguro do que o muro que avisto a metros sem chance de nele subir a não ser pisando sobre os mortos. O senso cristão e supersticioso que mora em mim sem que eu queira atrapalha o pragmatismo mesmo em momentos de necessidade, mas não vai durar. Tento me aproximar do ancoradouro que flutua livre da água a subir. Não é de crer no que acontece. A paisagem de um cemitério alagado torna-o ainda mais desolador.

Sobre uma tumba alta como sobre um carro nos alagamentos nas grandes vias em SP a paisagem assume outra natureza. Somente deste ângulo percebe-se que a relação entre a vida e a morte é amniótica.

Se não estivesse munido com minha máquina eu me sentiria o mais pobre dos mortais, ilhado entre mortos em uma ilha ela mesmo morta, sinto-me, no entanto, mais vivo do que nunca, mesmo sem saber que tipo de perigo é este em que estou lançado, somente deste ângulo é que consigo perceber que o colorido das flores se deve ao fato de que são de plástico, e que alguma coisa aqui, ao contrário das flores, não morreu jamais.

Não fugirei. Uma promessa é uma promessa.

 É neste ponto em que a água toca meus pés, quase tapando a superfície dos túmulos entre os quais salto de um lado para o outro como um louco zombando inconscientemente da morte fotografando a esmo todas as imagens que me permite meu estado estrangeiro, como se eu fosse morrer e tivesse que aproveitar cada segundo, como se eu nunca mais fosse voltar, sou o estrangeiro saqueando um mundo de imagens, fora do tempo vejo-me também fora das normas, como o fora da lei e o fora da cidade vejo integrar-me duplamente por uma estranha anomalia do destino, que me dá a autoridade delirante de que é feita a vida quando se encontra com a morte, é neste momento em que estou certo que toda coragem tem em si um fundo medroso, é no instante em que não me recordo de mais nada, nem do que vim fazer aqui, ou do que procuro, que vejo um retrato oval em um túmulo claro de pedra da Ístria.

Fotografo até ver que o personagem que aparece nele é uma mulher. Apronto a lente para uma foto bem nítida, pois que não terei mais tempo para fotografar de novo. Busco toda nitidez possível. Vejo o nome Maria de Bastiani, aproximo para ver melhor pensando em quantas Marias de Bastianis deve haver neste mundo, ou, para não perder a piada, no outro mundo do qual sou agora perigosamente próximo. Dou uma gargalhada do meu próprio raciocínio, o mesmo que repito enquanto conto esta história, antes de saltar um túmulo adiante para ver melhor, quase caindo na água que sobe a cada segundo tornando inviável permanecer ali. E vejo que sob o retrato oval da Maria, ao lado do qual não consta data de nascimento, nem a de morte, há outro pequeno retrato, de um menino. Sem data, nem nome."

Ensaio Gilvan Barreto, montado por Christian Carvalho Cruz

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Fotografias, para o pernambucano Gilvan Barreto, não valem mais ou menos que palavras. Fotografias são palavras. Daí que, em novo livro, Sobremarinhos, ele dá ponto final em sua trilogia autobiográfica de maneira fascinante. Parte de uma obsessão com O Estrangeiro, de Albert Camus, e entrega ao leitor a possibilidade de usar as suas imagens para narrar a própria história desmontando o livro, alterando a ordem das páginas a seu prazer, intuição e desejos. O livro vem com um cartão pedindo que, depois de reconstruído, ele seja passado adiante, para ser contado de outro jeito por outro alguém, e assim enquanto durar.

Sobremarinhos fala do mar. Ou vem dele, pelo menos. Nasceu quando Barreto, lendo Camus, agora o Diário de Viagem, caiu diante da seguinte sentença: “As águas estão pouco iluminadas na superfície, mas sente-se a sua escuridão profunda. O mar é assim, e é por isso que eu o amo. Chamamento à vida e convite à morte.” Como em Moscouzinho, sobre suas raízes familiares em Jaboatão (PE), a primeira cidade brasileira a eleger um prefeito comunista, e em O Livro do Sol, sobre o sertão, em Sobremarinhos Barreto trata de ciclos existenciais. Começos, fins, recomeços, harmonia e caos como as marés.

Não deixa de ser um delicioso delírio seu convite para que nos apropriemos de suas fantasias para erguermos as nossas. E que o façamos usando “apenas” fotografias. Mas se fotografia é palavra, fotografia também somos nós? “A palavra é o próprio homem”, para lembrar de Octavio Paz.

A seguir, trechos da entrevista de Barreto ao Aliás.

Qual o lugar de ‘Sobremarinhos’ em sua trilogia autobiográfica?

Moscouzinho, além de tratar da ditadura brasileira, é o livro do fogo, da terra vermelha, de Angústia de Graciliano Ramos. O Livro do Sol é o sertão dos contrastes, realidades e ficções, a terra seca que sonha com água, como em João Cabral. Sobremarinhos é um pequeno fragmento do mar, o cenário de celebração da vida e da morte. Uma representação da minha fixação pela obra de Camus, em especial por O Estrangeiro. Meus livros cuidam dessas paisagens pelas quais tenho apreço - a terra, o sertão, o mar - e que surgem emaranhadas em minha biblioteca pessoal afetiva.

Dos três livres este último parece ser o mais íntimo. Mas é nele que você nos convida a interagir com a sua história. Por quê?

Embora meus trabalhos nasçam de experiências e percepções pessoais, neles não falo de mim nem da fotografia, falo de vida. Por isso procuro imagens perenes, que não se esgotem de imediato, que mais levantem questionamentos do que conduzam a respostas. Deixo sempre alguns espaços para o leitor entrar, mas sem tirar dele o prazer de encontrar novas possibilidades e caminhos. Em Sobremarinhos eu exagero essa premissa. Como queria falar de morte e vida, e cada vida tem um roteiro, eu quis criar uma interatividade com o leitor, colocá-lo na posição de coautor. Na hora de fazerem suas edições, acho que os leitores têm a chance de parar e pensar a respeito de suas trajetórias, seus sentimentos. Mergulhar mesmo em suas vidas.

O livro tem muitas referências aos chumbos usados na pesca. É uma vontade de ir ao fundo ou de voltar dele?

Eles representam o peso das nossas culpas. Uma ideia que surgiu de toda aquela culpa descrita n’O Estrangeiro. O protagonista, Sr. Mersault, é cobrado por não reagir dramaticamente diante da morte da mãe, por aparentar uma frieza inadequada àquela situação. A palavra “culpa” é repetida diversas vezes ao longo do livro. A leitura me remeteu à questão religiosa da culpa católica pelo Pecado Original.

E por que Camus?

Porque não consigo me livrar dele. Quanto mais o leio, mais me identifico. Sua relação com a morte, as buscas de suas origens, as questões familiares, as culpas do Sr. Mersault. Ficamos fiéis a autores que nos levam à descoberta de nossas palavras-raízes, não é? Cada um de nós tem um pequeno dicionário interno, cujas palavras se alternam de acordo com as fases da vida. Coisas íntimas que afloram sem percebermos e acabam impressas em nosso fazeres. Saudade, liberdade, força de vontade, no meu caso.

Essa sua pegada literária no fazer fotográfico... Só a fotografia não te basta mais?

Invisto na escrita como processo de desenvolvimento e compreensão dos meus projetos. Não é minha intenção usá-la como fim. A literatura incita a criação de imagens, este é o plano. É do ofício de criar imagens que gosto. Sei que alguns dos meus trabalhos se conectam com outras linguagens, chamam outros suportes e técnicas. E não tenho a menor intenção de impedir esse movimento. Vou aonde sentir necessidade. Mas isso não quer dizer que a fotografia não me basta. Onde estão os limites? Quem os desenhou? Porque tudo isso não pode ser abarcado pela fotografia?

Ensaio de Gilvan Barreto, montado por Beto Brant

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No livro recém-lançado pelo fotógrafo Gilvan Barreto, Sobremarinhos, ele utiliza trechos da obra de Albert Camus, O Estrangeiro e Diário de Viagem, na intenção de apontar sentidos narrativos para suas fotografias. A proposta que me foi feita é de reordenar as fotos do livro em busca de uma rota alternativa. (A saber, o livro foi editado de maneira a permitir a sua repaginação pelo leitor.) Para isso, ao modo feito por Gilvan, eu (Beto Brant) lanço mão de um fragmento do romance de Marcia Tiburi, Era meu esse rosto, como subtexto do meu percurso sugerido.

“... A água cai do céu como o rompimento de uma barragem.

São poucos minutos e preciso subir em um túmulo que, suponho, seja mais seguro do que o muro que avisto a metros sem chance de nele subir a não ser pisando sobre os mortos. O senso cristão e supersticioso que mora em mim sem que eu queira atrapalha o pragmatismo mesmo em momentos de necessidade, mas não vai durar. Tento me aproximar do ancoradouro que flutua livre da água a subir. Não é de crer no que acontece. A paisagem de um cemitério alagado torna-o ainda mais desolador.

Sobre uma tumba alta como sobre um carro nos alagamentos nas grandes vias em SP a paisagem assume outra natureza. Somente deste ângulo percebe-se que a relação entre a vida e a morte é amniótica.

Se não estivesse munido com minha máquina eu me sentiria o mais pobre dos mortais, ilhado entre mortos em uma ilha ela mesmo morta, sinto-me, no entanto, mais vivo do que nunca, mesmo sem saber que tipo de perigo é este em que estou lançado, somente deste ângulo é que consigo perceber que o colorido das flores se deve ao fato de que são de plástico, e que alguma coisa aqui, ao contrário das flores, não morreu jamais.

Não fugirei. Uma promessa é uma promessa.

 É neste ponto em que a água toca meus pés, quase tapando a superfície dos túmulos entre os quais salto de um lado para o outro como um louco zombando inconscientemente da morte fotografando a esmo todas as imagens que me permite meu estado estrangeiro, como se eu fosse morrer e tivesse que aproveitar cada segundo, como se eu nunca mais fosse voltar, sou o estrangeiro saqueando um mundo de imagens, fora do tempo vejo-me também fora das normas, como o fora da lei e o fora da cidade vejo integrar-me duplamente por uma estranha anomalia do destino, que me dá a autoridade delirante de que é feita a vida quando se encontra com a morte, é neste momento em que estou certo que toda coragem tem em si um fundo medroso, é no instante em que não me recordo de mais nada, nem do que vim fazer aqui, ou do que procuro, que vejo um retrato oval em um túmulo claro de pedra da Ístria.

Fotografo até ver que o personagem que aparece nele é uma mulher. Apronto a lente para uma foto bem nítida, pois que não terei mais tempo para fotografar de novo. Busco toda nitidez possível. Vejo o nome Maria de Bastiani, aproximo para ver melhor pensando em quantas Marias de Bastianis deve haver neste mundo, ou, para não perder a piada, no outro mundo do qual sou agora perigosamente próximo. Dou uma gargalhada do meu próprio raciocínio, o mesmo que repito enquanto conto esta história, antes de saltar um túmulo adiante para ver melhor, quase caindo na água que sobe a cada segundo tornando inviável permanecer ali. E vejo que sob o retrato oval da Maria, ao lado do qual não consta data de nascimento, nem a de morte, há outro pequeno retrato, de um menino. Sem data, nem nome."

Ensaio Gilvan Barreto, montado por Christian Carvalho Cruz

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Foto: Gilvan Barreto

Fotografias, para o pernambucano Gilvan Barreto, não valem mais ou menos que palavras. Fotografias são palavras. Daí que, em novo livro, Sobremarinhos, ele dá ponto final em sua trilogia autobiográfica de maneira fascinante. Parte de uma obsessão com O Estrangeiro, de Albert Camus, e entrega ao leitor a possibilidade de usar as suas imagens para narrar a própria história desmontando o livro, alterando a ordem das páginas a seu prazer, intuição e desejos. O livro vem com um cartão pedindo que, depois de reconstruído, ele seja passado adiante, para ser contado de outro jeito por outro alguém, e assim enquanto durar.

Sobremarinhos fala do mar. Ou vem dele, pelo menos. Nasceu quando Barreto, lendo Camus, agora o Diário de Viagem, caiu diante da seguinte sentença: “As águas estão pouco iluminadas na superfície, mas sente-se a sua escuridão profunda. O mar é assim, e é por isso que eu o amo. Chamamento à vida e convite à morte.” Como em Moscouzinho, sobre suas raízes familiares em Jaboatão (PE), a primeira cidade brasileira a eleger um prefeito comunista, e em O Livro do Sol, sobre o sertão, em Sobremarinhos Barreto trata de ciclos existenciais. Começos, fins, recomeços, harmonia e caos como as marés.

Não deixa de ser um delicioso delírio seu convite para que nos apropriemos de suas fantasias para erguermos as nossas. E que o façamos usando “apenas” fotografias. Mas se fotografia é palavra, fotografia também somos nós? “A palavra é o próprio homem”, para lembrar de Octavio Paz.

A seguir, trechos da entrevista de Barreto ao Aliás.

Qual o lugar de ‘Sobremarinhos’ em sua trilogia autobiográfica?

Moscouzinho, além de tratar da ditadura brasileira, é o livro do fogo, da terra vermelha, de Angústia de Graciliano Ramos. O Livro do Sol é o sertão dos contrastes, realidades e ficções, a terra seca que sonha com água, como em João Cabral. Sobremarinhos é um pequeno fragmento do mar, o cenário de celebração da vida e da morte. Uma representação da minha fixação pela obra de Camus, em especial por O Estrangeiro. Meus livros cuidam dessas paisagens pelas quais tenho apreço - a terra, o sertão, o mar - e que surgem emaranhadas em minha biblioteca pessoal afetiva.

Dos três livres este último parece ser o mais íntimo. Mas é nele que você nos convida a interagir com a sua história. Por quê?

Embora meus trabalhos nasçam de experiências e percepções pessoais, neles não falo de mim nem da fotografia, falo de vida. Por isso procuro imagens perenes, que não se esgotem de imediato, que mais levantem questionamentos do que conduzam a respostas. Deixo sempre alguns espaços para o leitor entrar, mas sem tirar dele o prazer de encontrar novas possibilidades e caminhos. Em Sobremarinhos eu exagero essa premissa. Como queria falar de morte e vida, e cada vida tem um roteiro, eu quis criar uma interatividade com o leitor, colocá-lo na posição de coautor. Na hora de fazerem suas edições, acho que os leitores têm a chance de parar e pensar a respeito de suas trajetórias, seus sentimentos. Mergulhar mesmo em suas vidas.

O livro tem muitas referências aos chumbos usados na pesca. É uma vontade de ir ao fundo ou de voltar dele?

Eles representam o peso das nossas culpas. Uma ideia que surgiu de toda aquela culpa descrita n’O Estrangeiro. O protagonista, Sr. Mersault, é cobrado por não reagir dramaticamente diante da morte da mãe, por aparentar uma frieza inadequada àquela situação. A palavra “culpa” é repetida diversas vezes ao longo do livro. A leitura me remeteu à questão religiosa da culpa católica pelo Pecado Original.

E por que Camus?

Porque não consigo me livrar dele. Quanto mais o leio, mais me identifico. Sua relação com a morte, as buscas de suas origens, as questões familiares, as culpas do Sr. Mersault. Ficamos fiéis a autores que nos levam à descoberta de nossas palavras-raízes, não é? Cada um de nós tem um pequeno dicionário interno, cujas palavras se alternam de acordo com as fases da vida. Coisas íntimas que afloram sem percebermos e acabam impressas em nosso fazeres. Saudade, liberdade, força de vontade, no meu caso.

Essa sua pegada literária no fazer fotográfico... Só a fotografia não te basta mais?

Invisto na escrita como processo de desenvolvimento e compreensão dos meus projetos. Não é minha intenção usá-la como fim. A literatura incita a criação de imagens, este é o plano. É do ofício de criar imagens que gosto. Sei que alguns dos meus trabalhos se conectam com outras linguagens, chamam outros suportes e técnicas. E não tenho a menor intenção de impedir esse movimento. Vou aonde sentir necessidade. Mas isso não quer dizer que a fotografia não me basta. Onde estão os limites? Quem os desenhou? Porque tudo isso não pode ser abarcado pela fotografia?

Ensaio de Gilvan Barreto, montado por Beto Brant

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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto
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Foto: Gilvan Barreto

No livro recém-lançado pelo fotógrafo Gilvan Barreto, Sobremarinhos, ele utiliza trechos da obra de Albert Camus, O Estrangeiro e Diário de Viagem, na intenção de apontar sentidos narrativos para suas fotografias. A proposta que me foi feita é de reordenar as fotos do livro em busca de uma rota alternativa. (A saber, o livro foi editado de maneira a permitir a sua repaginação pelo leitor.) Para isso, ao modo feito por Gilvan, eu (Beto Brant) lanço mão de um fragmento do romance de Marcia Tiburi, Era meu esse rosto, como subtexto do meu percurso sugerido.

“... A água cai do céu como o rompimento de uma barragem.

São poucos minutos e preciso subir em um túmulo que, suponho, seja mais seguro do que o muro que avisto a metros sem chance de nele subir a não ser pisando sobre os mortos. O senso cristão e supersticioso que mora em mim sem que eu queira atrapalha o pragmatismo mesmo em momentos de necessidade, mas não vai durar. Tento me aproximar do ancoradouro que flutua livre da água a subir. Não é de crer no que acontece. A paisagem de um cemitério alagado torna-o ainda mais desolador.

Sobre uma tumba alta como sobre um carro nos alagamentos nas grandes vias em SP a paisagem assume outra natureza. Somente deste ângulo percebe-se que a relação entre a vida e a morte é amniótica.

Se não estivesse munido com minha máquina eu me sentiria o mais pobre dos mortais, ilhado entre mortos em uma ilha ela mesmo morta, sinto-me, no entanto, mais vivo do que nunca, mesmo sem saber que tipo de perigo é este em que estou lançado, somente deste ângulo é que consigo perceber que o colorido das flores se deve ao fato de que são de plástico, e que alguma coisa aqui, ao contrário das flores, não morreu jamais.

Não fugirei. Uma promessa é uma promessa.

 É neste ponto em que a água toca meus pés, quase tapando a superfície dos túmulos entre os quais salto de um lado para o outro como um louco zombando inconscientemente da morte fotografando a esmo todas as imagens que me permite meu estado estrangeiro, como se eu fosse morrer e tivesse que aproveitar cada segundo, como se eu nunca mais fosse voltar, sou o estrangeiro saqueando um mundo de imagens, fora do tempo vejo-me também fora das normas, como o fora da lei e o fora da cidade vejo integrar-me duplamente por uma estranha anomalia do destino, que me dá a autoridade delirante de que é feita a vida quando se encontra com a morte, é neste momento em que estou certo que toda coragem tem em si um fundo medroso, é no instante em que não me recordo de mais nada, nem do que vim fazer aqui, ou do que procuro, que vejo um retrato oval em um túmulo claro de pedra da Ístria.

Fotografo até ver que o personagem que aparece nele é uma mulher. Apronto a lente para uma foto bem nítida, pois que não terei mais tempo para fotografar de novo. Busco toda nitidez possível. Vejo o nome Maria de Bastiani, aproximo para ver melhor pensando em quantas Marias de Bastianis deve haver neste mundo, ou, para não perder a piada, no outro mundo do qual sou agora perigosamente próximo. Dou uma gargalhada do meu próprio raciocínio, o mesmo que repito enquanto conto esta história, antes de saltar um túmulo adiante para ver melhor, quase caindo na água que sobe a cada segundo tornando inviável permanecer ali. E vejo que sob o retrato oval da Maria, ao lado do qual não consta data de nascimento, nem a de morte, há outro pequeno retrato, de um menino. Sem data, nem nome."

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