David Foster Wallace explora uma vida ordinária em 'O Rei Pálido'


Livro póstumo do escritor americano se passa em um burocrático centro de processamento de impostos

Por Laura Pilan
Atualização:

Chris vira uma página. Howard vira uma página. Kenn, Matt e Bruce também viram suas páginas. Lane, Olive, Anand e Jay viram páginas incessantemente. Alguns coçam seus narizes, outros cutucam as unhas e mudam suas posições nas cadeiras. Mas, invariavelmente, viram suas páginas. Este é o funcionamento do centro de processamento de impostos em Peoria, Illinois – o principal pano de fundo do romance O Rei Pálido, escrito por David Foster Wallace e publicado postumamente, em 2011. Entre as notas deixadas por Foster Wallace em seus manuscritos, o editor Michael Pietsch encontrou a sugestão de que o romance nada mais é do que “uma série de preparações para que as coisas aconteçam sem que nada jamais aconteça”. Se, em Graça Infinita, se apresentam possibilidades frenéticas para escapar do tédio, O Rei Pálido é construído sobre os escombros de uma estrutura social enfadonha e de uma espera interminável. 

O autor de 'Graça Infinita', David Foster Wallace com sua cachorra, Bella Foto: Companhia das Letras

Parece natural que um romance se alimente das aventuras, peripécias e incidentes – o leitor busca o inesperado, o surpreendente e o desenvolvimento de caráter dos personagens que acompanha. No entanto, David Foster Wallace escolhe o caminho oposto para conduzir sua narrativa: o foco é, antes de mais nada, a parcela entediante da vida. A obra se fundamenta na sensação de estar preso em uma fila, imóvel no trânsito, estagnado em um emprego robótico e monótono – é sob essas condições que a vida realmente acontece. É a partir do ordinário e do banal que o tecido da vida se forma, se entrelaça e se estrutura. O enredo – ou a sua falta – demonstra que, na monotonia das experiências da vida adulta, as platitudes adquirem real importância. A obra expõe a terrível e familiar dificuldade de encontrar prazer e significado nas atividades que são realizadas repetidamente – uma complexidade que ultrapassa os limites do trabalho e transborda para a vida pessoal. Trata-se de uma preocupação que prejudica diretamente o âmbito das relações sociais: é impossível criar e manter laços quando a repetição é responsável por esgotá-los.O Rei Pálido é, antes de mais nada, uma reflexão sobre os efeitos da rotina maçante sobre a vida dos sujeitos. Enquanto o protagonista do romance era, tradicionalmente, um herói excepcional de objetivos grandiosos, Foster Wallace abarrota sua obra com homens absolutamente comuns e de preocupações triviais e essencialmente individuais. Parece-lhes impossível abandonar o piloto automático – uma espécie de configuração padrão, que os coloca em situação de inconsciência com relação ao próximo e de incapacidade de tomar decisões por conta própria. Neste romance, parece essencial apreender o caráter fundamental da aquisição da percepção de que o sujeito pode escolher como lidar com o tédio e com as suas frustrações. 

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O escritor norte-americano E.L. Doctorow em 2007 Foto: Radim Beznoska/EFE

Enquanto outros escritores norte-americanos – como E. L. Doctorow, por exemplo – se utilizam de personagens excluídos do sistema, Foster Wallace cria uma teia de sujeitos que integram e contribuem para a estrutura. Essas pessoas se esbarram nos corredores e dividem as salas do centro de processamento de impostos, mas são incapazes de sustentar conexões verdadeiras em níveis pessoais. A comunicação é esquisita, falha e interrompida. Em seus momentos de interação, são expostas fraturas extremamente humanas. Observá-los interagir é quase como presenciar a realização de um experimento. Eles existem em cenas independentes, mas atuam em conjunto para propiciar o desenvolvimento dos temas do romance. O procedimento se assemelha à tentativa de montar um quebra-cabeça – mas, dessa vez, com peças que não combinam perfeitamente entre si. A história é tanto uma coleção de fragmentos quanto os personagens são cacos – quebradiços, desiguais e desarmônicos, mas responsáveis pela formação do enredo como um mosaico, mesmo que inacabado. 

Cenado filme 'Shirley', baseado nos quadros do pintor Edward Hopper Foto: Jerzy Palacz/Divulgação
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David Foster Wallace subverte a convenção de que um bom romance é aquele que é moldado a partir de acontecimentos emocionantes e imprescindíveis. O Rei Pálido é um livro formado, essencialmente, por episódios dispensáveis. E isso não o torna um fracasso. Pelo contrário.  O autor transforma o que se costuma rejeitar em literatura, preenchendo as páginas com burocracias cansativas e raciocínios econômicos complexos. É essa decisão pouco ortodoxa que dá ao livro todo o seu poder: com o efeito semelhante ao de um xeque-mate, está a constatação de que, como os personagens, escolhemos lidar com o tédio e o sofrimento como bem entendemos.

Chris vira uma página. Howard vira uma página. Kenn, Matt e Bruce também viram suas páginas. Lane, Olive, Anand e Jay viram páginas incessantemente. Alguns coçam seus narizes, outros cutucam as unhas e mudam suas posições nas cadeiras. Mas, invariavelmente, viram suas páginas. Este é o funcionamento do centro de processamento de impostos em Peoria, Illinois – o principal pano de fundo do romance O Rei Pálido, escrito por David Foster Wallace e publicado postumamente, em 2011. Entre as notas deixadas por Foster Wallace em seus manuscritos, o editor Michael Pietsch encontrou a sugestão de que o romance nada mais é do que “uma série de preparações para que as coisas aconteçam sem que nada jamais aconteça”. Se, em Graça Infinita, se apresentam possibilidades frenéticas para escapar do tédio, O Rei Pálido é construído sobre os escombros de uma estrutura social enfadonha e de uma espera interminável. 

O autor de 'Graça Infinita', David Foster Wallace com sua cachorra, Bella Foto: Companhia das Letras

Parece natural que um romance se alimente das aventuras, peripécias e incidentes – o leitor busca o inesperado, o surpreendente e o desenvolvimento de caráter dos personagens que acompanha. No entanto, David Foster Wallace escolhe o caminho oposto para conduzir sua narrativa: o foco é, antes de mais nada, a parcela entediante da vida. A obra se fundamenta na sensação de estar preso em uma fila, imóvel no trânsito, estagnado em um emprego robótico e monótono – é sob essas condições que a vida realmente acontece. É a partir do ordinário e do banal que o tecido da vida se forma, se entrelaça e se estrutura. O enredo – ou a sua falta – demonstra que, na monotonia das experiências da vida adulta, as platitudes adquirem real importância. A obra expõe a terrível e familiar dificuldade de encontrar prazer e significado nas atividades que são realizadas repetidamente – uma complexidade que ultrapassa os limites do trabalho e transborda para a vida pessoal. Trata-se de uma preocupação que prejudica diretamente o âmbito das relações sociais: é impossível criar e manter laços quando a repetição é responsável por esgotá-los.O Rei Pálido é, antes de mais nada, uma reflexão sobre os efeitos da rotina maçante sobre a vida dos sujeitos. Enquanto o protagonista do romance era, tradicionalmente, um herói excepcional de objetivos grandiosos, Foster Wallace abarrota sua obra com homens absolutamente comuns e de preocupações triviais e essencialmente individuais. Parece-lhes impossível abandonar o piloto automático – uma espécie de configuração padrão, que os coloca em situação de inconsciência com relação ao próximo e de incapacidade de tomar decisões por conta própria. Neste romance, parece essencial apreender o caráter fundamental da aquisição da percepção de que o sujeito pode escolher como lidar com o tédio e com as suas frustrações. 

O escritor norte-americano E.L. Doctorow em 2007 Foto: Radim Beznoska/EFE

Enquanto outros escritores norte-americanos – como E. L. Doctorow, por exemplo – se utilizam de personagens excluídos do sistema, Foster Wallace cria uma teia de sujeitos que integram e contribuem para a estrutura. Essas pessoas se esbarram nos corredores e dividem as salas do centro de processamento de impostos, mas são incapazes de sustentar conexões verdadeiras em níveis pessoais. A comunicação é esquisita, falha e interrompida. Em seus momentos de interação, são expostas fraturas extremamente humanas. Observá-los interagir é quase como presenciar a realização de um experimento. Eles existem em cenas independentes, mas atuam em conjunto para propiciar o desenvolvimento dos temas do romance. O procedimento se assemelha à tentativa de montar um quebra-cabeça – mas, dessa vez, com peças que não combinam perfeitamente entre si. A história é tanto uma coleção de fragmentos quanto os personagens são cacos – quebradiços, desiguais e desarmônicos, mas responsáveis pela formação do enredo como um mosaico, mesmo que inacabado. 

Cenado filme 'Shirley', baseado nos quadros do pintor Edward Hopper Foto: Jerzy Palacz/Divulgação

David Foster Wallace subverte a convenção de que um bom romance é aquele que é moldado a partir de acontecimentos emocionantes e imprescindíveis. O Rei Pálido é um livro formado, essencialmente, por episódios dispensáveis. E isso não o torna um fracasso. Pelo contrário.  O autor transforma o que se costuma rejeitar em literatura, preenchendo as páginas com burocracias cansativas e raciocínios econômicos complexos. É essa decisão pouco ortodoxa que dá ao livro todo o seu poder: com o efeito semelhante ao de um xeque-mate, está a constatação de que, como os personagens, escolhemos lidar com o tédio e o sofrimento como bem entendemos.

Chris vira uma página. Howard vira uma página. Kenn, Matt e Bruce também viram suas páginas. Lane, Olive, Anand e Jay viram páginas incessantemente. Alguns coçam seus narizes, outros cutucam as unhas e mudam suas posições nas cadeiras. Mas, invariavelmente, viram suas páginas. Este é o funcionamento do centro de processamento de impostos em Peoria, Illinois – o principal pano de fundo do romance O Rei Pálido, escrito por David Foster Wallace e publicado postumamente, em 2011. Entre as notas deixadas por Foster Wallace em seus manuscritos, o editor Michael Pietsch encontrou a sugestão de que o romance nada mais é do que “uma série de preparações para que as coisas aconteçam sem que nada jamais aconteça”. Se, em Graça Infinita, se apresentam possibilidades frenéticas para escapar do tédio, O Rei Pálido é construído sobre os escombros de uma estrutura social enfadonha e de uma espera interminável. 

O autor de 'Graça Infinita', David Foster Wallace com sua cachorra, Bella Foto: Companhia das Letras

Parece natural que um romance se alimente das aventuras, peripécias e incidentes – o leitor busca o inesperado, o surpreendente e o desenvolvimento de caráter dos personagens que acompanha. No entanto, David Foster Wallace escolhe o caminho oposto para conduzir sua narrativa: o foco é, antes de mais nada, a parcela entediante da vida. A obra se fundamenta na sensação de estar preso em uma fila, imóvel no trânsito, estagnado em um emprego robótico e monótono – é sob essas condições que a vida realmente acontece. É a partir do ordinário e do banal que o tecido da vida se forma, se entrelaça e se estrutura. O enredo – ou a sua falta – demonstra que, na monotonia das experiências da vida adulta, as platitudes adquirem real importância. A obra expõe a terrível e familiar dificuldade de encontrar prazer e significado nas atividades que são realizadas repetidamente – uma complexidade que ultrapassa os limites do trabalho e transborda para a vida pessoal. Trata-se de uma preocupação que prejudica diretamente o âmbito das relações sociais: é impossível criar e manter laços quando a repetição é responsável por esgotá-los.O Rei Pálido é, antes de mais nada, uma reflexão sobre os efeitos da rotina maçante sobre a vida dos sujeitos. Enquanto o protagonista do romance era, tradicionalmente, um herói excepcional de objetivos grandiosos, Foster Wallace abarrota sua obra com homens absolutamente comuns e de preocupações triviais e essencialmente individuais. Parece-lhes impossível abandonar o piloto automático – uma espécie de configuração padrão, que os coloca em situação de inconsciência com relação ao próximo e de incapacidade de tomar decisões por conta própria. Neste romance, parece essencial apreender o caráter fundamental da aquisição da percepção de que o sujeito pode escolher como lidar com o tédio e com as suas frustrações. 

O escritor norte-americano E.L. Doctorow em 2007 Foto: Radim Beznoska/EFE

Enquanto outros escritores norte-americanos – como E. L. Doctorow, por exemplo – se utilizam de personagens excluídos do sistema, Foster Wallace cria uma teia de sujeitos que integram e contribuem para a estrutura. Essas pessoas se esbarram nos corredores e dividem as salas do centro de processamento de impostos, mas são incapazes de sustentar conexões verdadeiras em níveis pessoais. A comunicação é esquisita, falha e interrompida. Em seus momentos de interação, são expostas fraturas extremamente humanas. Observá-los interagir é quase como presenciar a realização de um experimento. Eles existem em cenas independentes, mas atuam em conjunto para propiciar o desenvolvimento dos temas do romance. O procedimento se assemelha à tentativa de montar um quebra-cabeça – mas, dessa vez, com peças que não combinam perfeitamente entre si. A história é tanto uma coleção de fragmentos quanto os personagens são cacos – quebradiços, desiguais e desarmônicos, mas responsáveis pela formação do enredo como um mosaico, mesmo que inacabado. 

Cenado filme 'Shirley', baseado nos quadros do pintor Edward Hopper Foto: Jerzy Palacz/Divulgação

David Foster Wallace subverte a convenção de que um bom romance é aquele que é moldado a partir de acontecimentos emocionantes e imprescindíveis. O Rei Pálido é um livro formado, essencialmente, por episódios dispensáveis. E isso não o torna um fracasso. Pelo contrário.  O autor transforma o que se costuma rejeitar em literatura, preenchendo as páginas com burocracias cansativas e raciocínios econômicos complexos. É essa decisão pouco ortodoxa que dá ao livro todo o seu poder: com o efeito semelhante ao de um xeque-mate, está a constatação de que, como os personagens, escolhemos lidar com o tédio e o sofrimento como bem entendemos.

Chris vira uma página. Howard vira uma página. Kenn, Matt e Bruce também viram suas páginas. Lane, Olive, Anand e Jay viram páginas incessantemente. Alguns coçam seus narizes, outros cutucam as unhas e mudam suas posições nas cadeiras. Mas, invariavelmente, viram suas páginas. Este é o funcionamento do centro de processamento de impostos em Peoria, Illinois – o principal pano de fundo do romance O Rei Pálido, escrito por David Foster Wallace e publicado postumamente, em 2011. Entre as notas deixadas por Foster Wallace em seus manuscritos, o editor Michael Pietsch encontrou a sugestão de que o romance nada mais é do que “uma série de preparações para que as coisas aconteçam sem que nada jamais aconteça”. Se, em Graça Infinita, se apresentam possibilidades frenéticas para escapar do tédio, O Rei Pálido é construído sobre os escombros de uma estrutura social enfadonha e de uma espera interminável. 

O autor de 'Graça Infinita', David Foster Wallace com sua cachorra, Bella Foto: Companhia das Letras

Parece natural que um romance se alimente das aventuras, peripécias e incidentes – o leitor busca o inesperado, o surpreendente e o desenvolvimento de caráter dos personagens que acompanha. No entanto, David Foster Wallace escolhe o caminho oposto para conduzir sua narrativa: o foco é, antes de mais nada, a parcela entediante da vida. A obra se fundamenta na sensação de estar preso em uma fila, imóvel no trânsito, estagnado em um emprego robótico e monótono – é sob essas condições que a vida realmente acontece. É a partir do ordinário e do banal que o tecido da vida se forma, se entrelaça e se estrutura. O enredo – ou a sua falta – demonstra que, na monotonia das experiências da vida adulta, as platitudes adquirem real importância. A obra expõe a terrível e familiar dificuldade de encontrar prazer e significado nas atividades que são realizadas repetidamente – uma complexidade que ultrapassa os limites do trabalho e transborda para a vida pessoal. Trata-se de uma preocupação que prejudica diretamente o âmbito das relações sociais: é impossível criar e manter laços quando a repetição é responsável por esgotá-los.O Rei Pálido é, antes de mais nada, uma reflexão sobre os efeitos da rotina maçante sobre a vida dos sujeitos. Enquanto o protagonista do romance era, tradicionalmente, um herói excepcional de objetivos grandiosos, Foster Wallace abarrota sua obra com homens absolutamente comuns e de preocupações triviais e essencialmente individuais. Parece-lhes impossível abandonar o piloto automático – uma espécie de configuração padrão, que os coloca em situação de inconsciência com relação ao próximo e de incapacidade de tomar decisões por conta própria. Neste romance, parece essencial apreender o caráter fundamental da aquisição da percepção de que o sujeito pode escolher como lidar com o tédio e com as suas frustrações. 

O escritor norte-americano E.L. Doctorow em 2007 Foto: Radim Beznoska/EFE

Enquanto outros escritores norte-americanos – como E. L. Doctorow, por exemplo – se utilizam de personagens excluídos do sistema, Foster Wallace cria uma teia de sujeitos que integram e contribuem para a estrutura. Essas pessoas se esbarram nos corredores e dividem as salas do centro de processamento de impostos, mas são incapazes de sustentar conexões verdadeiras em níveis pessoais. A comunicação é esquisita, falha e interrompida. Em seus momentos de interação, são expostas fraturas extremamente humanas. Observá-los interagir é quase como presenciar a realização de um experimento. Eles existem em cenas independentes, mas atuam em conjunto para propiciar o desenvolvimento dos temas do romance. O procedimento se assemelha à tentativa de montar um quebra-cabeça – mas, dessa vez, com peças que não combinam perfeitamente entre si. A história é tanto uma coleção de fragmentos quanto os personagens são cacos – quebradiços, desiguais e desarmônicos, mas responsáveis pela formação do enredo como um mosaico, mesmo que inacabado. 

Cenado filme 'Shirley', baseado nos quadros do pintor Edward Hopper Foto: Jerzy Palacz/Divulgação

David Foster Wallace subverte a convenção de que um bom romance é aquele que é moldado a partir de acontecimentos emocionantes e imprescindíveis. O Rei Pálido é um livro formado, essencialmente, por episódios dispensáveis. E isso não o torna um fracasso. Pelo contrário.  O autor transforma o que se costuma rejeitar em literatura, preenchendo as páginas com burocracias cansativas e raciocínios econômicos complexos. É essa decisão pouco ortodoxa que dá ao livro todo o seu poder: com o efeito semelhante ao de um xeque-mate, está a constatação de que, como os personagens, escolhemos lidar com o tédio e o sofrimento como bem entendemos.

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