Dores e poesia de um velho vampiro


Contos, versos, aforismos e anedotas de Desgracida flagram aspectos da mitologia em torno de Dalton Trevisan

Por Alcides Villaça

Os contos de Dalton Trevisan investiram sempre na representação expressionista, singularmente lapidar, do cotidiano das múltiplas criaturas sofridas e despossuídas de sua cidade, Curitiba. Esses contos compuseram um universo personalíssimo: a cada livro publicado, reafirma-se uma maneira obsessiva de contar histórias, pela qual os fatos narrados em bruto podem valer menos que as sugestões e as elipses que eles supõem. Para sublinhar o misto de agressividade e naturalidade que marca a representação de um mundo doloroso e violento são fundamentais, como espécie de contraponto cúmplice, os valores da decisiva classe média curitibana. É nesta, afinal, que já estariam os primeiros leitores de Dalton Trevisan; era ela que, com zeloso senso de autopreservação, dava as cartas de um moralismo e de um conservadorismo assumidos em estado de quintessência; era ela, enfim, a antagonista implícita e impassível, a ser confrontada com a exasperação das vidas recusadas e dadas como invisíveis nas sombras da cidade.Se a arte desse autor, mais rebelada que compassiva, impulsionou sua ficção para muito além das plagas curitibanas, na envergadura já reconhecida, nem por isso deixou de fixar ambíguas raízes, a um tempo venenosas e dependentes, no subsolo violento da urbe tão polida à superfície. A ambiguidade, esteticamente poderosa, está em que a pancada das análises fulminantes e detalhistas do cotidiano mais bruto, aparentemente secas na recusa ao comentário, faz ressoar doídas emoções, patéticas e primitivas, nos limites da sexualidade, da dor física e moral, da carência, da doença e da morte. O tempo voa, Curitiba e Dalton Trevisan já não são os mesmos: prova-o este novo livro, Desgracida, miscelânea apresentada em duas seções, as "Ministórias" (quase o livro todo) e as "Mal traçadas linhas" (segmento final, de cartas). Entre as ministórias acham-se, de fato, alguns contos trevisanianos cada vez mais sucintos, mas também aforismos, piadas, poemas, comentários diversos, notas de gaveta. O autor acusa, aqui e ali, a ausência de sua antiga cidade: "Curitiba já não tem lugar pra tanto louco", "Esta cidade, quem diria, é cada vez mais povoada pelos teus mortos"; e sugere, também, sua fragilização pessoal na figura de um "pobre Sansão tosquiado", ou se deixa surpreender como um orfeu traído: "Ao se voltar, sombras efêmeras já se foram. Você ouve ainda as suas vozes em surdina." É quase um gênero literário pessoal que se despede, juntamente com o espaço e as criaturas que o provocaram. Como a sugerir, agora mais ironicamente que nunca, a matriz de seu próprio estilo, a certa altura o autor dá presença a quem está "varrendo sempre / as mesmas folhas secas / das mesmas velhas árvores / nesta mesma cidade fantasma". Consente que seu mundo mudou, o que não o impede de vibrar e fazer ouvir um encantado piano: "- Assim fechado - ouça! - ele toca ainda para mim."Poesia e prosa. Os leitores mais fiéis de Dalton Trevisan não se inquietem: ainda que num extremo de minimalismo, encontrarão nas ministórias os cruéis diminutivos, o sadismo fatalizado, a violência consentida, a dor de corno, a funda humilhação, a solidão, o repertório todo das personagens desgracidas, com a notória economia de palavras. Há peças a serem consideradas em futuras antologias, como o conto Iluminação: no final dele, uma "coxa entrevista" e uma "nova epifania" juntam-se num anseio de perpetuidade e renovação, vivido num velório que expõe a mórbida degradação dos antigos encantos de uma mulher. Em Marishka, mulher-mito e vingança contra todos os envelhecimentos, o narrador/poeta celebra: "Marishka transcende o tempo. É um diálogo de Platão, broinha de fubá mimoso, um poema de Rilke, o coração da alcachofra, girassol de Van Gogh, o cantiquinho da corruíra, um conto de Chekhov, o som de uma só mão que bate palmas." Não estão exemplarmente representadas, nessa quitanda de artes e condimentos, as obsessões e aspirações de Dalton Trevisan?Nos poemas em versos, a arte do contista traz para a linguagem da poesia o corte sintético cultivado na prosa, acrescido de mais marcada pulsação rítmica (Odores e Perfumes). E há, num fragmento em prosa, ressonância lírica de um Manuel Bandeira (O Rabinho). Já as piadas (que lembram - intencionalmente? - as das brochuras de rodoviária) e alguns aforismos (que fazem efeito em conversa de boteco) não têm função muito clara no conjunto do livro.Por fim, as cartas, suas vivas cartas de crítico/leitor que se comove com Chekhov, aplaude Rubem Braga, Pedro Nava... mas se indispõe com o Guimarães Rosa do Grande Sertão. Razões para isso? Prendem-se ao modo como cada autor elabora sua própria mitologia. A de Dalton continua a expor-se, agora com acentos de cansaço, nas suas bem cultivadas flores do mal.ALCIDES VILLAÇA É PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NA USP

Os contos de Dalton Trevisan investiram sempre na representação expressionista, singularmente lapidar, do cotidiano das múltiplas criaturas sofridas e despossuídas de sua cidade, Curitiba. Esses contos compuseram um universo personalíssimo: a cada livro publicado, reafirma-se uma maneira obsessiva de contar histórias, pela qual os fatos narrados em bruto podem valer menos que as sugestões e as elipses que eles supõem. Para sublinhar o misto de agressividade e naturalidade que marca a representação de um mundo doloroso e violento são fundamentais, como espécie de contraponto cúmplice, os valores da decisiva classe média curitibana. É nesta, afinal, que já estariam os primeiros leitores de Dalton Trevisan; era ela que, com zeloso senso de autopreservação, dava as cartas de um moralismo e de um conservadorismo assumidos em estado de quintessência; era ela, enfim, a antagonista implícita e impassível, a ser confrontada com a exasperação das vidas recusadas e dadas como invisíveis nas sombras da cidade.Se a arte desse autor, mais rebelada que compassiva, impulsionou sua ficção para muito além das plagas curitibanas, na envergadura já reconhecida, nem por isso deixou de fixar ambíguas raízes, a um tempo venenosas e dependentes, no subsolo violento da urbe tão polida à superfície. A ambiguidade, esteticamente poderosa, está em que a pancada das análises fulminantes e detalhistas do cotidiano mais bruto, aparentemente secas na recusa ao comentário, faz ressoar doídas emoções, patéticas e primitivas, nos limites da sexualidade, da dor física e moral, da carência, da doença e da morte. O tempo voa, Curitiba e Dalton Trevisan já não são os mesmos: prova-o este novo livro, Desgracida, miscelânea apresentada em duas seções, as "Ministórias" (quase o livro todo) e as "Mal traçadas linhas" (segmento final, de cartas). Entre as ministórias acham-se, de fato, alguns contos trevisanianos cada vez mais sucintos, mas também aforismos, piadas, poemas, comentários diversos, notas de gaveta. O autor acusa, aqui e ali, a ausência de sua antiga cidade: "Curitiba já não tem lugar pra tanto louco", "Esta cidade, quem diria, é cada vez mais povoada pelos teus mortos"; e sugere, também, sua fragilização pessoal na figura de um "pobre Sansão tosquiado", ou se deixa surpreender como um orfeu traído: "Ao se voltar, sombras efêmeras já se foram. Você ouve ainda as suas vozes em surdina." É quase um gênero literário pessoal que se despede, juntamente com o espaço e as criaturas que o provocaram. Como a sugerir, agora mais ironicamente que nunca, a matriz de seu próprio estilo, a certa altura o autor dá presença a quem está "varrendo sempre / as mesmas folhas secas / das mesmas velhas árvores / nesta mesma cidade fantasma". Consente que seu mundo mudou, o que não o impede de vibrar e fazer ouvir um encantado piano: "- Assim fechado - ouça! - ele toca ainda para mim."Poesia e prosa. Os leitores mais fiéis de Dalton Trevisan não se inquietem: ainda que num extremo de minimalismo, encontrarão nas ministórias os cruéis diminutivos, o sadismo fatalizado, a violência consentida, a dor de corno, a funda humilhação, a solidão, o repertório todo das personagens desgracidas, com a notória economia de palavras. Há peças a serem consideradas em futuras antologias, como o conto Iluminação: no final dele, uma "coxa entrevista" e uma "nova epifania" juntam-se num anseio de perpetuidade e renovação, vivido num velório que expõe a mórbida degradação dos antigos encantos de uma mulher. Em Marishka, mulher-mito e vingança contra todos os envelhecimentos, o narrador/poeta celebra: "Marishka transcende o tempo. É um diálogo de Platão, broinha de fubá mimoso, um poema de Rilke, o coração da alcachofra, girassol de Van Gogh, o cantiquinho da corruíra, um conto de Chekhov, o som de uma só mão que bate palmas." Não estão exemplarmente representadas, nessa quitanda de artes e condimentos, as obsessões e aspirações de Dalton Trevisan?Nos poemas em versos, a arte do contista traz para a linguagem da poesia o corte sintético cultivado na prosa, acrescido de mais marcada pulsação rítmica (Odores e Perfumes). E há, num fragmento em prosa, ressonância lírica de um Manuel Bandeira (O Rabinho). Já as piadas (que lembram - intencionalmente? - as das brochuras de rodoviária) e alguns aforismos (que fazem efeito em conversa de boteco) não têm função muito clara no conjunto do livro.Por fim, as cartas, suas vivas cartas de crítico/leitor que se comove com Chekhov, aplaude Rubem Braga, Pedro Nava... mas se indispõe com o Guimarães Rosa do Grande Sertão. Razões para isso? Prendem-se ao modo como cada autor elabora sua própria mitologia. A de Dalton continua a expor-se, agora com acentos de cansaço, nas suas bem cultivadas flores do mal.ALCIDES VILLAÇA É PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NA USP

Os contos de Dalton Trevisan investiram sempre na representação expressionista, singularmente lapidar, do cotidiano das múltiplas criaturas sofridas e despossuídas de sua cidade, Curitiba. Esses contos compuseram um universo personalíssimo: a cada livro publicado, reafirma-se uma maneira obsessiva de contar histórias, pela qual os fatos narrados em bruto podem valer menos que as sugestões e as elipses que eles supõem. Para sublinhar o misto de agressividade e naturalidade que marca a representação de um mundo doloroso e violento são fundamentais, como espécie de contraponto cúmplice, os valores da decisiva classe média curitibana. É nesta, afinal, que já estariam os primeiros leitores de Dalton Trevisan; era ela que, com zeloso senso de autopreservação, dava as cartas de um moralismo e de um conservadorismo assumidos em estado de quintessência; era ela, enfim, a antagonista implícita e impassível, a ser confrontada com a exasperação das vidas recusadas e dadas como invisíveis nas sombras da cidade.Se a arte desse autor, mais rebelada que compassiva, impulsionou sua ficção para muito além das plagas curitibanas, na envergadura já reconhecida, nem por isso deixou de fixar ambíguas raízes, a um tempo venenosas e dependentes, no subsolo violento da urbe tão polida à superfície. A ambiguidade, esteticamente poderosa, está em que a pancada das análises fulminantes e detalhistas do cotidiano mais bruto, aparentemente secas na recusa ao comentário, faz ressoar doídas emoções, patéticas e primitivas, nos limites da sexualidade, da dor física e moral, da carência, da doença e da morte. O tempo voa, Curitiba e Dalton Trevisan já não são os mesmos: prova-o este novo livro, Desgracida, miscelânea apresentada em duas seções, as "Ministórias" (quase o livro todo) e as "Mal traçadas linhas" (segmento final, de cartas). Entre as ministórias acham-se, de fato, alguns contos trevisanianos cada vez mais sucintos, mas também aforismos, piadas, poemas, comentários diversos, notas de gaveta. O autor acusa, aqui e ali, a ausência de sua antiga cidade: "Curitiba já não tem lugar pra tanto louco", "Esta cidade, quem diria, é cada vez mais povoada pelos teus mortos"; e sugere, também, sua fragilização pessoal na figura de um "pobre Sansão tosquiado", ou se deixa surpreender como um orfeu traído: "Ao se voltar, sombras efêmeras já se foram. Você ouve ainda as suas vozes em surdina." É quase um gênero literário pessoal que se despede, juntamente com o espaço e as criaturas que o provocaram. Como a sugerir, agora mais ironicamente que nunca, a matriz de seu próprio estilo, a certa altura o autor dá presença a quem está "varrendo sempre / as mesmas folhas secas / das mesmas velhas árvores / nesta mesma cidade fantasma". Consente que seu mundo mudou, o que não o impede de vibrar e fazer ouvir um encantado piano: "- Assim fechado - ouça! - ele toca ainda para mim."Poesia e prosa. Os leitores mais fiéis de Dalton Trevisan não se inquietem: ainda que num extremo de minimalismo, encontrarão nas ministórias os cruéis diminutivos, o sadismo fatalizado, a violência consentida, a dor de corno, a funda humilhação, a solidão, o repertório todo das personagens desgracidas, com a notória economia de palavras. Há peças a serem consideradas em futuras antologias, como o conto Iluminação: no final dele, uma "coxa entrevista" e uma "nova epifania" juntam-se num anseio de perpetuidade e renovação, vivido num velório que expõe a mórbida degradação dos antigos encantos de uma mulher. Em Marishka, mulher-mito e vingança contra todos os envelhecimentos, o narrador/poeta celebra: "Marishka transcende o tempo. É um diálogo de Platão, broinha de fubá mimoso, um poema de Rilke, o coração da alcachofra, girassol de Van Gogh, o cantiquinho da corruíra, um conto de Chekhov, o som de uma só mão que bate palmas." Não estão exemplarmente representadas, nessa quitanda de artes e condimentos, as obsessões e aspirações de Dalton Trevisan?Nos poemas em versos, a arte do contista traz para a linguagem da poesia o corte sintético cultivado na prosa, acrescido de mais marcada pulsação rítmica (Odores e Perfumes). E há, num fragmento em prosa, ressonância lírica de um Manuel Bandeira (O Rabinho). Já as piadas (que lembram - intencionalmente? - as das brochuras de rodoviária) e alguns aforismos (que fazem efeito em conversa de boteco) não têm função muito clara no conjunto do livro.Por fim, as cartas, suas vivas cartas de crítico/leitor que se comove com Chekhov, aplaude Rubem Braga, Pedro Nava... mas se indispõe com o Guimarães Rosa do Grande Sertão. Razões para isso? Prendem-se ao modo como cada autor elabora sua própria mitologia. A de Dalton continua a expor-se, agora com acentos de cansaço, nas suas bem cultivadas flores do mal.ALCIDES VILLAÇA É PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NA USP

Os contos de Dalton Trevisan investiram sempre na representação expressionista, singularmente lapidar, do cotidiano das múltiplas criaturas sofridas e despossuídas de sua cidade, Curitiba. Esses contos compuseram um universo personalíssimo: a cada livro publicado, reafirma-se uma maneira obsessiva de contar histórias, pela qual os fatos narrados em bruto podem valer menos que as sugestões e as elipses que eles supõem. Para sublinhar o misto de agressividade e naturalidade que marca a representação de um mundo doloroso e violento são fundamentais, como espécie de contraponto cúmplice, os valores da decisiva classe média curitibana. É nesta, afinal, que já estariam os primeiros leitores de Dalton Trevisan; era ela que, com zeloso senso de autopreservação, dava as cartas de um moralismo e de um conservadorismo assumidos em estado de quintessência; era ela, enfim, a antagonista implícita e impassível, a ser confrontada com a exasperação das vidas recusadas e dadas como invisíveis nas sombras da cidade.Se a arte desse autor, mais rebelada que compassiva, impulsionou sua ficção para muito além das plagas curitibanas, na envergadura já reconhecida, nem por isso deixou de fixar ambíguas raízes, a um tempo venenosas e dependentes, no subsolo violento da urbe tão polida à superfície. A ambiguidade, esteticamente poderosa, está em que a pancada das análises fulminantes e detalhistas do cotidiano mais bruto, aparentemente secas na recusa ao comentário, faz ressoar doídas emoções, patéticas e primitivas, nos limites da sexualidade, da dor física e moral, da carência, da doença e da morte. O tempo voa, Curitiba e Dalton Trevisan já não são os mesmos: prova-o este novo livro, Desgracida, miscelânea apresentada em duas seções, as "Ministórias" (quase o livro todo) e as "Mal traçadas linhas" (segmento final, de cartas). Entre as ministórias acham-se, de fato, alguns contos trevisanianos cada vez mais sucintos, mas também aforismos, piadas, poemas, comentários diversos, notas de gaveta. O autor acusa, aqui e ali, a ausência de sua antiga cidade: "Curitiba já não tem lugar pra tanto louco", "Esta cidade, quem diria, é cada vez mais povoada pelos teus mortos"; e sugere, também, sua fragilização pessoal na figura de um "pobre Sansão tosquiado", ou se deixa surpreender como um orfeu traído: "Ao se voltar, sombras efêmeras já se foram. Você ouve ainda as suas vozes em surdina." É quase um gênero literário pessoal que se despede, juntamente com o espaço e as criaturas que o provocaram. Como a sugerir, agora mais ironicamente que nunca, a matriz de seu próprio estilo, a certa altura o autor dá presença a quem está "varrendo sempre / as mesmas folhas secas / das mesmas velhas árvores / nesta mesma cidade fantasma". Consente que seu mundo mudou, o que não o impede de vibrar e fazer ouvir um encantado piano: "- Assim fechado - ouça! - ele toca ainda para mim."Poesia e prosa. Os leitores mais fiéis de Dalton Trevisan não se inquietem: ainda que num extremo de minimalismo, encontrarão nas ministórias os cruéis diminutivos, o sadismo fatalizado, a violência consentida, a dor de corno, a funda humilhação, a solidão, o repertório todo das personagens desgracidas, com a notória economia de palavras. Há peças a serem consideradas em futuras antologias, como o conto Iluminação: no final dele, uma "coxa entrevista" e uma "nova epifania" juntam-se num anseio de perpetuidade e renovação, vivido num velório que expõe a mórbida degradação dos antigos encantos de uma mulher. Em Marishka, mulher-mito e vingança contra todos os envelhecimentos, o narrador/poeta celebra: "Marishka transcende o tempo. É um diálogo de Platão, broinha de fubá mimoso, um poema de Rilke, o coração da alcachofra, girassol de Van Gogh, o cantiquinho da corruíra, um conto de Chekhov, o som de uma só mão que bate palmas." Não estão exemplarmente representadas, nessa quitanda de artes e condimentos, as obsessões e aspirações de Dalton Trevisan?Nos poemas em versos, a arte do contista traz para a linguagem da poesia o corte sintético cultivado na prosa, acrescido de mais marcada pulsação rítmica (Odores e Perfumes). E há, num fragmento em prosa, ressonância lírica de um Manuel Bandeira (O Rabinho). Já as piadas (que lembram - intencionalmente? - as das brochuras de rodoviária) e alguns aforismos (que fazem efeito em conversa de boteco) não têm função muito clara no conjunto do livro.Por fim, as cartas, suas vivas cartas de crítico/leitor que se comove com Chekhov, aplaude Rubem Braga, Pedro Nava... mas se indispõe com o Guimarães Rosa do Grande Sertão. Razões para isso? Prendem-se ao modo como cada autor elabora sua própria mitologia. A de Dalton continua a expor-se, agora com acentos de cansaço, nas suas bem cultivadas flores do mal.ALCIDES VILLAÇA É PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NA USP

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