E Fellini leu Poe só após concluir sua invenção


Ele dirige um dos três episódios reunidos em Histórias Extraordinárias

Por Luiz Zanin Oricchio

Durante muitos anos, Toby Dammit, de Federico Fellini, foi uma espécie de filme secreto. No mínimo, uma raridade. A filmografia do diretor de 8 ½ e A Doce Vida já era arroz de festa na videoteca dos cinéfilos, mas poucos conheciam esse episódio, adaptado de Edgard Allan Poe e parte do longa-metragem Histórias Extraordinárias junto com Metzengerstein, de Roger Vadim, e William Wilson, de Louis Malle. Agora, o filme, completo, pode ser encontrado em DVD, lançado pela Continental (R$ 54,40, preço sugerido). Os três episódios são adaptações livres dos relatos de Poe contidos no livro homônimo. São, de fato, histórias nada ordinárias, segundo o gosto e estética do autor norte-americano. Um caso de metempsicose ou transmigração de almas em Metzengerstein; o tema do duplo em William Wilson; o desafio às forças diabólicas em Toby Dammit que, aliás, em italiano se chama Tre Passi nel Delírio (Três Passos no Delírio), leitura felliniana do conto Nunca Aposte Sua Cabeça com o Diabo. Nos três casos, é interessante verificar como os relatos passam da literatura ao celuloide dos filmes seguindo a tendência de cada um dos realizadores. Metzengerstein reflete à perfeição a estética kitsch de Vadim e seu gosto pessoal pelas belas mulheres. Não é outro o motivo de transformar em feminino o personagem masculino de Metzengerstein e fazê-lo ser representado por uma então belíssima Jane Fonda, na época mulher do diretor. É a história de duas famílias rivais e próximas. Fonda apaixona-se por seu primo, que não liga para ela. Acaba vítima de um incêndio criminoso por ela própria encomendado. A insinuação é que forças satânicas levam à perdição uma personagem carregada de culpa. Já Louis Malle adapta William Wilson de maneira muito séria. Talvez até demais. O personagem-título é vivido por Alain Delon e conta, em retrospecto, como desde a infância se vê perseguido por um sósia, que, além do mais, porta o mesmo nome que ele. Um duplo, um döpplegange, essa obsessão, que acompanhou escritores como o próprio Poe, além de Dostoievski e Borges. Esse duplo se fará presente em momentos cruciais da vida do bon vivant maléfico (outra obsessão, vide o Dorian Gray, de Oscar Wilde, entre outros). Aparece, em especial, quando ele rouba nas cartas para ganhar uma aposta contra a bela jogadora vivida por Brigitte Bardot. O filme tem clima e, comparado ao texto original, mostra como se pode verter para a tela um relato literário sendo ao mesmo tempo fiel e inventivo. A sobriedade e integridade artística de Malle fazem aqui a diferença. Fidelidade e sobriedade são preocupações ausentes em Federico Fellini, que toma o texto de Poe apenas como ponto de partida e, em cima dele, põe-se a criar livremente. Lógico: dos três cineastas, Fellini é o inventor. Se no conto de Poe Toby Dammit é apenas um anônimo fanfarrão, em Fellini ele se transforma em ator inglês de sucesso, que chega à Itália para fazer um filme, "o primeiro western católico da história". Terence Stamp vive o personagem alcoólatra e sua sensação de estranheza já começa no aeroporto onde é recebido pela produção. Toda a atmosfera onírica se insinua e prossegue ao longo do relato, marcado pelo desejo do personagem em pilotar uma Ferrari, a máquina dos sonhos de quem gosta de carros. O fellinimaníaco encontrará com facilidade em Toby Dammit elementos dos principais filmes anteriores do diretor, como os já citados A Doce Vida e o autobiográfico 8 1/2. O estilo visual é o que se espera de Fellini e o filme vibra com a sempre inspirada trilha musical de Nino Rota. Parece que Fellini, com seu gênio, é, dos três diretores, aquele que melhor captou a essência delirante do texto de Poe. Algo também os aproximava - o "subtexto" psicanalítico da obra do escritor, que encontrava eco num momento da vida de Fellini em que o inconsciente, os sonhos, os desejos reprimidos ganhavam particular importância. Fellini aproximava-se da psicanálise, mas, ainda mais das teorias de Jung, com as quais dialogava com mais facilidade. Segundo o clima da época, também se mostrava inclinado a experiências com drogas, em particular o LSD. Esse é o clima do filme - lisérgico, em todos os sentidos do termo.A então assistente de direção, Liliana Betti, escreveu um livro sobre Tre Passi nel Delirio, contando que, depois de terminada a filmagem, que durou quase um mês, Fellini convidou Nino Rota para jantar. Durante a refeição, falou com grande entusiasmo de Poe e confessou que havia lido o conto apenas dois dias antes, quando o trabalho já havia terminado. Aparentemente, se o caso for verdadeiro (com Fellini, nunca se sabe), ele havia se baseado apenas em uma breve sinopse e criado em cima do resumo. A ideia de um blasfemo que evoca o demônio por qualquer motivo e acaba por encontrá-lo fora estímulo suficiente para sua imaginação visual. Baseada, claro, no texto de Bernardino Zapponi, que coassina o roteiro com o próprio Fellini. QUEM FOIFEDERICO FELLINICINEASTAConsiderado um dos grandes artistas do cinema - seu nome originou o adjetivo felliniano, que designa algo extravagante, extraordinário -, Federico nasceu em Rimini, em 1920, e morreu em Roma, 1993. Ganhou cinco Oscars - um especial - e a Palma de Ouro. Principais filmes: Os Boas Vidas, A Estrada da Vida, As Noites de Cabíria, A Doce Vida, Oito e Meio, Amarcord, E la Nave Va.

Durante muitos anos, Toby Dammit, de Federico Fellini, foi uma espécie de filme secreto. No mínimo, uma raridade. A filmografia do diretor de 8 ½ e A Doce Vida já era arroz de festa na videoteca dos cinéfilos, mas poucos conheciam esse episódio, adaptado de Edgard Allan Poe e parte do longa-metragem Histórias Extraordinárias junto com Metzengerstein, de Roger Vadim, e William Wilson, de Louis Malle. Agora, o filme, completo, pode ser encontrado em DVD, lançado pela Continental (R$ 54,40, preço sugerido). Os três episódios são adaptações livres dos relatos de Poe contidos no livro homônimo. São, de fato, histórias nada ordinárias, segundo o gosto e estética do autor norte-americano. Um caso de metempsicose ou transmigração de almas em Metzengerstein; o tema do duplo em William Wilson; o desafio às forças diabólicas em Toby Dammit que, aliás, em italiano se chama Tre Passi nel Delírio (Três Passos no Delírio), leitura felliniana do conto Nunca Aposte Sua Cabeça com o Diabo. Nos três casos, é interessante verificar como os relatos passam da literatura ao celuloide dos filmes seguindo a tendência de cada um dos realizadores. Metzengerstein reflete à perfeição a estética kitsch de Vadim e seu gosto pessoal pelas belas mulheres. Não é outro o motivo de transformar em feminino o personagem masculino de Metzengerstein e fazê-lo ser representado por uma então belíssima Jane Fonda, na época mulher do diretor. É a história de duas famílias rivais e próximas. Fonda apaixona-se por seu primo, que não liga para ela. Acaba vítima de um incêndio criminoso por ela própria encomendado. A insinuação é que forças satânicas levam à perdição uma personagem carregada de culpa. Já Louis Malle adapta William Wilson de maneira muito séria. Talvez até demais. O personagem-título é vivido por Alain Delon e conta, em retrospecto, como desde a infância se vê perseguido por um sósia, que, além do mais, porta o mesmo nome que ele. Um duplo, um döpplegange, essa obsessão, que acompanhou escritores como o próprio Poe, além de Dostoievski e Borges. Esse duplo se fará presente em momentos cruciais da vida do bon vivant maléfico (outra obsessão, vide o Dorian Gray, de Oscar Wilde, entre outros). Aparece, em especial, quando ele rouba nas cartas para ganhar uma aposta contra a bela jogadora vivida por Brigitte Bardot. O filme tem clima e, comparado ao texto original, mostra como se pode verter para a tela um relato literário sendo ao mesmo tempo fiel e inventivo. A sobriedade e integridade artística de Malle fazem aqui a diferença. Fidelidade e sobriedade são preocupações ausentes em Federico Fellini, que toma o texto de Poe apenas como ponto de partida e, em cima dele, põe-se a criar livremente. Lógico: dos três cineastas, Fellini é o inventor. Se no conto de Poe Toby Dammit é apenas um anônimo fanfarrão, em Fellini ele se transforma em ator inglês de sucesso, que chega à Itália para fazer um filme, "o primeiro western católico da história". Terence Stamp vive o personagem alcoólatra e sua sensação de estranheza já começa no aeroporto onde é recebido pela produção. Toda a atmosfera onírica se insinua e prossegue ao longo do relato, marcado pelo desejo do personagem em pilotar uma Ferrari, a máquina dos sonhos de quem gosta de carros. O fellinimaníaco encontrará com facilidade em Toby Dammit elementos dos principais filmes anteriores do diretor, como os já citados A Doce Vida e o autobiográfico 8 1/2. O estilo visual é o que se espera de Fellini e o filme vibra com a sempre inspirada trilha musical de Nino Rota. Parece que Fellini, com seu gênio, é, dos três diretores, aquele que melhor captou a essência delirante do texto de Poe. Algo também os aproximava - o "subtexto" psicanalítico da obra do escritor, que encontrava eco num momento da vida de Fellini em que o inconsciente, os sonhos, os desejos reprimidos ganhavam particular importância. Fellini aproximava-se da psicanálise, mas, ainda mais das teorias de Jung, com as quais dialogava com mais facilidade. Segundo o clima da época, também se mostrava inclinado a experiências com drogas, em particular o LSD. Esse é o clima do filme - lisérgico, em todos os sentidos do termo.A então assistente de direção, Liliana Betti, escreveu um livro sobre Tre Passi nel Delirio, contando que, depois de terminada a filmagem, que durou quase um mês, Fellini convidou Nino Rota para jantar. Durante a refeição, falou com grande entusiasmo de Poe e confessou que havia lido o conto apenas dois dias antes, quando o trabalho já havia terminado. Aparentemente, se o caso for verdadeiro (com Fellini, nunca se sabe), ele havia se baseado apenas em uma breve sinopse e criado em cima do resumo. A ideia de um blasfemo que evoca o demônio por qualquer motivo e acaba por encontrá-lo fora estímulo suficiente para sua imaginação visual. Baseada, claro, no texto de Bernardino Zapponi, que coassina o roteiro com o próprio Fellini. QUEM FOIFEDERICO FELLINICINEASTAConsiderado um dos grandes artistas do cinema - seu nome originou o adjetivo felliniano, que designa algo extravagante, extraordinário -, Federico nasceu em Rimini, em 1920, e morreu em Roma, 1993. Ganhou cinco Oscars - um especial - e a Palma de Ouro. Principais filmes: Os Boas Vidas, A Estrada da Vida, As Noites de Cabíria, A Doce Vida, Oito e Meio, Amarcord, E la Nave Va.

Durante muitos anos, Toby Dammit, de Federico Fellini, foi uma espécie de filme secreto. No mínimo, uma raridade. A filmografia do diretor de 8 ½ e A Doce Vida já era arroz de festa na videoteca dos cinéfilos, mas poucos conheciam esse episódio, adaptado de Edgard Allan Poe e parte do longa-metragem Histórias Extraordinárias junto com Metzengerstein, de Roger Vadim, e William Wilson, de Louis Malle. Agora, o filme, completo, pode ser encontrado em DVD, lançado pela Continental (R$ 54,40, preço sugerido). Os três episódios são adaptações livres dos relatos de Poe contidos no livro homônimo. São, de fato, histórias nada ordinárias, segundo o gosto e estética do autor norte-americano. Um caso de metempsicose ou transmigração de almas em Metzengerstein; o tema do duplo em William Wilson; o desafio às forças diabólicas em Toby Dammit que, aliás, em italiano se chama Tre Passi nel Delírio (Três Passos no Delírio), leitura felliniana do conto Nunca Aposte Sua Cabeça com o Diabo. Nos três casos, é interessante verificar como os relatos passam da literatura ao celuloide dos filmes seguindo a tendência de cada um dos realizadores. Metzengerstein reflete à perfeição a estética kitsch de Vadim e seu gosto pessoal pelas belas mulheres. Não é outro o motivo de transformar em feminino o personagem masculino de Metzengerstein e fazê-lo ser representado por uma então belíssima Jane Fonda, na época mulher do diretor. É a história de duas famílias rivais e próximas. Fonda apaixona-se por seu primo, que não liga para ela. Acaba vítima de um incêndio criminoso por ela própria encomendado. A insinuação é que forças satânicas levam à perdição uma personagem carregada de culpa. Já Louis Malle adapta William Wilson de maneira muito séria. Talvez até demais. O personagem-título é vivido por Alain Delon e conta, em retrospecto, como desde a infância se vê perseguido por um sósia, que, além do mais, porta o mesmo nome que ele. Um duplo, um döpplegange, essa obsessão, que acompanhou escritores como o próprio Poe, além de Dostoievski e Borges. Esse duplo se fará presente em momentos cruciais da vida do bon vivant maléfico (outra obsessão, vide o Dorian Gray, de Oscar Wilde, entre outros). Aparece, em especial, quando ele rouba nas cartas para ganhar uma aposta contra a bela jogadora vivida por Brigitte Bardot. O filme tem clima e, comparado ao texto original, mostra como se pode verter para a tela um relato literário sendo ao mesmo tempo fiel e inventivo. A sobriedade e integridade artística de Malle fazem aqui a diferença. Fidelidade e sobriedade são preocupações ausentes em Federico Fellini, que toma o texto de Poe apenas como ponto de partida e, em cima dele, põe-se a criar livremente. Lógico: dos três cineastas, Fellini é o inventor. Se no conto de Poe Toby Dammit é apenas um anônimo fanfarrão, em Fellini ele se transforma em ator inglês de sucesso, que chega à Itália para fazer um filme, "o primeiro western católico da história". Terence Stamp vive o personagem alcoólatra e sua sensação de estranheza já começa no aeroporto onde é recebido pela produção. Toda a atmosfera onírica se insinua e prossegue ao longo do relato, marcado pelo desejo do personagem em pilotar uma Ferrari, a máquina dos sonhos de quem gosta de carros. O fellinimaníaco encontrará com facilidade em Toby Dammit elementos dos principais filmes anteriores do diretor, como os já citados A Doce Vida e o autobiográfico 8 1/2. O estilo visual é o que se espera de Fellini e o filme vibra com a sempre inspirada trilha musical de Nino Rota. Parece que Fellini, com seu gênio, é, dos três diretores, aquele que melhor captou a essência delirante do texto de Poe. Algo também os aproximava - o "subtexto" psicanalítico da obra do escritor, que encontrava eco num momento da vida de Fellini em que o inconsciente, os sonhos, os desejos reprimidos ganhavam particular importância. Fellini aproximava-se da psicanálise, mas, ainda mais das teorias de Jung, com as quais dialogava com mais facilidade. Segundo o clima da época, também se mostrava inclinado a experiências com drogas, em particular o LSD. Esse é o clima do filme - lisérgico, em todos os sentidos do termo.A então assistente de direção, Liliana Betti, escreveu um livro sobre Tre Passi nel Delirio, contando que, depois de terminada a filmagem, que durou quase um mês, Fellini convidou Nino Rota para jantar. Durante a refeição, falou com grande entusiasmo de Poe e confessou que havia lido o conto apenas dois dias antes, quando o trabalho já havia terminado. Aparentemente, se o caso for verdadeiro (com Fellini, nunca se sabe), ele havia se baseado apenas em uma breve sinopse e criado em cima do resumo. A ideia de um blasfemo que evoca o demônio por qualquer motivo e acaba por encontrá-lo fora estímulo suficiente para sua imaginação visual. Baseada, claro, no texto de Bernardino Zapponi, que coassina o roteiro com o próprio Fellini. QUEM FOIFEDERICO FELLINICINEASTAConsiderado um dos grandes artistas do cinema - seu nome originou o adjetivo felliniano, que designa algo extravagante, extraordinário -, Federico nasceu em Rimini, em 1920, e morreu em Roma, 1993. Ganhou cinco Oscars - um especial - e a Palma de Ouro. Principais filmes: Os Boas Vidas, A Estrada da Vida, As Noites de Cabíria, A Doce Vida, Oito e Meio, Amarcord, E la Nave Va.

Durante muitos anos, Toby Dammit, de Federico Fellini, foi uma espécie de filme secreto. No mínimo, uma raridade. A filmografia do diretor de 8 ½ e A Doce Vida já era arroz de festa na videoteca dos cinéfilos, mas poucos conheciam esse episódio, adaptado de Edgard Allan Poe e parte do longa-metragem Histórias Extraordinárias junto com Metzengerstein, de Roger Vadim, e William Wilson, de Louis Malle. Agora, o filme, completo, pode ser encontrado em DVD, lançado pela Continental (R$ 54,40, preço sugerido). Os três episódios são adaptações livres dos relatos de Poe contidos no livro homônimo. São, de fato, histórias nada ordinárias, segundo o gosto e estética do autor norte-americano. Um caso de metempsicose ou transmigração de almas em Metzengerstein; o tema do duplo em William Wilson; o desafio às forças diabólicas em Toby Dammit que, aliás, em italiano se chama Tre Passi nel Delírio (Três Passos no Delírio), leitura felliniana do conto Nunca Aposte Sua Cabeça com o Diabo. Nos três casos, é interessante verificar como os relatos passam da literatura ao celuloide dos filmes seguindo a tendência de cada um dos realizadores. Metzengerstein reflete à perfeição a estética kitsch de Vadim e seu gosto pessoal pelas belas mulheres. Não é outro o motivo de transformar em feminino o personagem masculino de Metzengerstein e fazê-lo ser representado por uma então belíssima Jane Fonda, na época mulher do diretor. É a história de duas famílias rivais e próximas. Fonda apaixona-se por seu primo, que não liga para ela. Acaba vítima de um incêndio criminoso por ela própria encomendado. A insinuação é que forças satânicas levam à perdição uma personagem carregada de culpa. Já Louis Malle adapta William Wilson de maneira muito séria. Talvez até demais. O personagem-título é vivido por Alain Delon e conta, em retrospecto, como desde a infância se vê perseguido por um sósia, que, além do mais, porta o mesmo nome que ele. Um duplo, um döpplegange, essa obsessão, que acompanhou escritores como o próprio Poe, além de Dostoievski e Borges. Esse duplo se fará presente em momentos cruciais da vida do bon vivant maléfico (outra obsessão, vide o Dorian Gray, de Oscar Wilde, entre outros). Aparece, em especial, quando ele rouba nas cartas para ganhar uma aposta contra a bela jogadora vivida por Brigitte Bardot. O filme tem clima e, comparado ao texto original, mostra como se pode verter para a tela um relato literário sendo ao mesmo tempo fiel e inventivo. A sobriedade e integridade artística de Malle fazem aqui a diferença. Fidelidade e sobriedade são preocupações ausentes em Federico Fellini, que toma o texto de Poe apenas como ponto de partida e, em cima dele, põe-se a criar livremente. Lógico: dos três cineastas, Fellini é o inventor. Se no conto de Poe Toby Dammit é apenas um anônimo fanfarrão, em Fellini ele se transforma em ator inglês de sucesso, que chega à Itália para fazer um filme, "o primeiro western católico da história". Terence Stamp vive o personagem alcoólatra e sua sensação de estranheza já começa no aeroporto onde é recebido pela produção. Toda a atmosfera onírica se insinua e prossegue ao longo do relato, marcado pelo desejo do personagem em pilotar uma Ferrari, a máquina dos sonhos de quem gosta de carros. O fellinimaníaco encontrará com facilidade em Toby Dammit elementos dos principais filmes anteriores do diretor, como os já citados A Doce Vida e o autobiográfico 8 1/2. O estilo visual é o que se espera de Fellini e o filme vibra com a sempre inspirada trilha musical de Nino Rota. Parece que Fellini, com seu gênio, é, dos três diretores, aquele que melhor captou a essência delirante do texto de Poe. Algo também os aproximava - o "subtexto" psicanalítico da obra do escritor, que encontrava eco num momento da vida de Fellini em que o inconsciente, os sonhos, os desejos reprimidos ganhavam particular importância. Fellini aproximava-se da psicanálise, mas, ainda mais das teorias de Jung, com as quais dialogava com mais facilidade. Segundo o clima da época, também se mostrava inclinado a experiências com drogas, em particular o LSD. Esse é o clima do filme - lisérgico, em todos os sentidos do termo.A então assistente de direção, Liliana Betti, escreveu um livro sobre Tre Passi nel Delirio, contando que, depois de terminada a filmagem, que durou quase um mês, Fellini convidou Nino Rota para jantar. Durante a refeição, falou com grande entusiasmo de Poe e confessou que havia lido o conto apenas dois dias antes, quando o trabalho já havia terminado. Aparentemente, se o caso for verdadeiro (com Fellini, nunca se sabe), ele havia se baseado apenas em uma breve sinopse e criado em cima do resumo. A ideia de um blasfemo que evoca o demônio por qualquer motivo e acaba por encontrá-lo fora estímulo suficiente para sua imaginação visual. Baseada, claro, no texto de Bernardino Zapponi, que coassina o roteiro com o próprio Fellini. QUEM FOIFEDERICO FELLINICINEASTAConsiderado um dos grandes artistas do cinema - seu nome originou o adjetivo felliniano, que designa algo extravagante, extraordinário -, Federico nasceu em Rimini, em 1920, e morreu em Roma, 1993. Ganhou cinco Oscars - um especial - e a Palma de Ouro. Principais filmes: Os Boas Vidas, A Estrada da Vida, As Noites de Cabíria, A Doce Vida, Oito e Meio, Amarcord, E la Nave Va.

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