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'No Intenso Agora': memória, política e imagem


Willian Silveira escreve sobre 'No intenso agora', de João Moreira Salles.

Por Estado da Arte
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Por Willian Silveira

Um homem diante de um frame. Neste instante, tudo se perde - exceto o que é milagre. No Intenso Agora é o resíduo da memória de João Moreira Salles (Notícias de uma guerra particular e Nelson Freire) provocado pela fusão do tempo sob um registro familiar.

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Foi quando prestes a finalizar o excelente Santiago (2007), documentário no qual dá voz ao então mordomo da família, que o diretor se deparou com o vídeo amador. Nos fotogramas, Elisa Margarido Gonçalves (1929 - 1988), sua mãe, integra a visita de uma comitiva da alta sociedade brasileira à China comunista, em 1966. Em meio ao trajeto exótico, cartão postal formatado como propaganda maoísta financiada pelo dinheiro francês, Salles é tomado por uma cena rara - provavelmente sequer lembrada. Na gravação que não sabia existir, reencontra mais do que a imagem materna; ali, do outro lado do mundo, o inesperado: a sua mãe está feliz.

Trazida desde o início, quando contrasta o Brasil ensolarado, paraíso das férias familiares, ao ambiente soturno da Paris de 1968, a felicidade é a pauta submersa a impulsionar um documentário que enfrenta o mote irremediavelmente pessoal para se transformar em uma obra de interesse geral. Feito marinheiro em visita ao porto natal antes de partir, o diretor constrói em No Intenso Agora um uníssono de três vozes: memória, política e imagem.

Os cenários são variados. Rio de Janeiro, Paris, China e Tchecoslováquia formam o ponto de encontro a resumir o espírito de uma época. A despeito de todos os períodos se considerarem privilegiados - em especial, e com razão, por quem os vive - João Moreira Salles apresenta 1968 como um agente inegável da História. Da efervescência estudantil sem direção ao uso político dos mortos, o filme tem a virtude de olhar com serenidade e distanciamento para os eventos, alertando que a definição mais fácil é o primeiro dos equívoco.

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Sempre quis saber o que acontece quando os opostos se encontram, revela a voz de Salles em off. A inquietação que é menos da ordem do desconhecido, como no caso do desbravador, do que de estar na iminência do inesperado, como o arqueólogo e o pesquisador, faz com que o filme avance em busca dos contornos de um sentimento por meio de um processo de racionalização.O desejo de falar da mãe e o espanto ao vê-la novamente em ação; a utopia - francesa e chinesa; o poder da imagem e a perplexidade diante da alegria pontual. Construído a partir do acaso, com ajuda da memória e apoiando-se unicamente em imagens de arquivo, No Intenso Agora é um milagre a unificar temporalmente dois frames irreconciliáveis: a euforia e o desencanto.

Willian Silveira é é editor da revista Sétima e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE)

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Por Willian Silveira

Um homem diante de um frame. Neste instante, tudo se perde - exceto o que é milagre. No Intenso Agora é o resíduo da memória de João Moreira Salles (Notícias de uma guerra particular e Nelson Freire) provocado pela fusão do tempo sob um registro familiar.

Foi quando prestes a finalizar o excelente Santiago (2007), documentário no qual dá voz ao então mordomo da família, que o diretor se deparou com o vídeo amador. Nos fotogramas, Elisa Margarido Gonçalves (1929 - 1988), sua mãe, integra a visita de uma comitiva da alta sociedade brasileira à China comunista, em 1966. Em meio ao trajeto exótico, cartão postal formatado como propaganda maoísta financiada pelo dinheiro francês, Salles é tomado por uma cena rara - provavelmente sequer lembrada. Na gravação que não sabia existir, reencontra mais do que a imagem materna; ali, do outro lado do mundo, o inesperado: a sua mãe está feliz.

Trazida desde o início, quando contrasta o Brasil ensolarado, paraíso das férias familiares, ao ambiente soturno da Paris de 1968, a felicidade é a pauta submersa a impulsionar um documentário que enfrenta o mote irremediavelmente pessoal para se transformar em uma obra de interesse geral. Feito marinheiro em visita ao porto natal antes de partir, o diretor constrói em No Intenso Agora um uníssono de três vozes: memória, política e imagem.

Os cenários são variados. Rio de Janeiro, Paris, China e Tchecoslováquia formam o ponto de encontro a resumir o espírito de uma época. A despeito de todos os períodos se considerarem privilegiados - em especial, e com razão, por quem os vive - João Moreira Salles apresenta 1968 como um agente inegável da História. Da efervescência estudantil sem direção ao uso político dos mortos, o filme tem a virtude de olhar com serenidade e distanciamento para os eventos, alertando que a definição mais fácil é o primeiro dos equívoco.

Sempre quis saber o que acontece quando os opostos se encontram, revela a voz de Salles em off. A inquietação que é menos da ordem do desconhecido, como no caso do desbravador, do que de estar na iminência do inesperado, como o arqueólogo e o pesquisador, faz com que o filme avance em busca dos contornos de um sentimento por meio de um processo de racionalização.O desejo de falar da mãe e o espanto ao vê-la novamente em ação; a utopia - francesa e chinesa; o poder da imagem e a perplexidade diante da alegria pontual. Construído a partir do acaso, com ajuda da memória e apoiando-se unicamente em imagens de arquivo, No Intenso Agora é um milagre a unificar temporalmente dois frames irreconciliáveis: a euforia e o desencanto.

Willian Silveira é é editor da revista Sétima e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE)

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Por Willian Silveira

Um homem diante de um frame. Neste instante, tudo se perde - exceto o que é milagre. No Intenso Agora é o resíduo da memória de João Moreira Salles (Notícias de uma guerra particular e Nelson Freire) provocado pela fusão do tempo sob um registro familiar.

Foi quando prestes a finalizar o excelente Santiago (2007), documentário no qual dá voz ao então mordomo da família, que o diretor se deparou com o vídeo amador. Nos fotogramas, Elisa Margarido Gonçalves (1929 - 1988), sua mãe, integra a visita de uma comitiva da alta sociedade brasileira à China comunista, em 1966. Em meio ao trajeto exótico, cartão postal formatado como propaganda maoísta financiada pelo dinheiro francês, Salles é tomado por uma cena rara - provavelmente sequer lembrada. Na gravação que não sabia existir, reencontra mais do que a imagem materna; ali, do outro lado do mundo, o inesperado: a sua mãe está feliz.

Trazida desde o início, quando contrasta o Brasil ensolarado, paraíso das férias familiares, ao ambiente soturno da Paris de 1968, a felicidade é a pauta submersa a impulsionar um documentário que enfrenta o mote irremediavelmente pessoal para se transformar em uma obra de interesse geral. Feito marinheiro em visita ao porto natal antes de partir, o diretor constrói em No Intenso Agora um uníssono de três vozes: memória, política e imagem.

Os cenários são variados. Rio de Janeiro, Paris, China e Tchecoslováquia formam o ponto de encontro a resumir o espírito de uma época. A despeito de todos os períodos se considerarem privilegiados - em especial, e com razão, por quem os vive - João Moreira Salles apresenta 1968 como um agente inegável da História. Da efervescência estudantil sem direção ao uso político dos mortos, o filme tem a virtude de olhar com serenidade e distanciamento para os eventos, alertando que a definição mais fácil é o primeiro dos equívoco.

Sempre quis saber o que acontece quando os opostos se encontram, revela a voz de Salles em off. A inquietação que é menos da ordem do desconhecido, como no caso do desbravador, do que de estar na iminência do inesperado, como o arqueólogo e o pesquisador, faz com que o filme avance em busca dos contornos de um sentimento por meio de um processo de racionalização.O desejo de falar da mãe e o espanto ao vê-la novamente em ação; a utopia - francesa e chinesa; o poder da imagem e a perplexidade diante da alegria pontual. Construído a partir do acaso, com ajuda da memória e apoiando-se unicamente em imagens de arquivo, No Intenso Agora é um milagre a unificar temporalmente dois frames irreconciliáveis: a euforia e o desencanto.

Willian Silveira é é editor da revista Sétima e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE)

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Por Willian Silveira

Um homem diante de um frame. Neste instante, tudo se perde - exceto o que é milagre. No Intenso Agora é o resíduo da memória de João Moreira Salles (Notícias de uma guerra particular e Nelson Freire) provocado pela fusão do tempo sob um registro familiar.

Foi quando prestes a finalizar o excelente Santiago (2007), documentário no qual dá voz ao então mordomo da família, que o diretor se deparou com o vídeo amador. Nos fotogramas, Elisa Margarido Gonçalves (1929 - 1988), sua mãe, integra a visita de uma comitiva da alta sociedade brasileira à China comunista, em 1966. Em meio ao trajeto exótico, cartão postal formatado como propaganda maoísta financiada pelo dinheiro francês, Salles é tomado por uma cena rara - provavelmente sequer lembrada. Na gravação que não sabia existir, reencontra mais do que a imagem materna; ali, do outro lado do mundo, o inesperado: a sua mãe está feliz.

Trazida desde o início, quando contrasta o Brasil ensolarado, paraíso das férias familiares, ao ambiente soturno da Paris de 1968, a felicidade é a pauta submersa a impulsionar um documentário que enfrenta o mote irremediavelmente pessoal para se transformar em uma obra de interesse geral. Feito marinheiro em visita ao porto natal antes de partir, o diretor constrói em No Intenso Agora um uníssono de três vozes: memória, política e imagem.

Os cenários são variados. Rio de Janeiro, Paris, China e Tchecoslováquia formam o ponto de encontro a resumir o espírito de uma época. A despeito de todos os períodos se considerarem privilegiados - em especial, e com razão, por quem os vive - João Moreira Salles apresenta 1968 como um agente inegável da História. Da efervescência estudantil sem direção ao uso político dos mortos, o filme tem a virtude de olhar com serenidade e distanciamento para os eventos, alertando que a definição mais fácil é o primeiro dos equívoco.

Sempre quis saber o que acontece quando os opostos se encontram, revela a voz de Salles em off. A inquietação que é menos da ordem do desconhecido, como no caso do desbravador, do que de estar na iminência do inesperado, como o arqueólogo e o pesquisador, faz com que o filme avance em busca dos contornos de um sentimento por meio de um processo de racionalização.O desejo de falar da mãe e o espanto ao vê-la novamente em ação; a utopia - francesa e chinesa; o poder da imagem e a perplexidade diante da alegria pontual. Construído a partir do acaso, com ajuda da memória e apoiando-se unicamente em imagens de arquivo, No Intenso Agora é um milagre a unificar temporalmente dois frames irreconciliáveis: a euforia e o desencanto.

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