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Os Meyerowitz: como sobreviver em uma família


Willian Silveira avalia a nova produção do cineasta Noah Baumbach., o filme "Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe" que tem atores conceituados como Dustin Hoffman e Emma Thompson.

Por Estado da Arte

Por Willian Silveira

They fuck you up, your mum and dad.

They may not mean to, but they do.

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Eu não imagino a lápide de Noah Baumbach senão grafada com os versos de This Be the Verse, de Philip Larkin. Menos pelo apreço literário, disseminado de maneira inequívoca e pontual em meio à filmografia do norte-americano- Tempo e Decisão (1995), por exemplo, é uma estreia recheada de muletas intelectuais -, do que por sentir como a temática do inglês desperta o  grande diretor que há em Baumbach. Em seu décimo filme, Os Meyerowitz é o reencontro do realizador com A Lula e a Baleia (2005), drama erigido pelo olhar de um menino que tem de crescer rodeado por adultos disfuncionais, que descobriram no divórcio a segunda adolescência, habitando um Brooklyn símbolo das famílias partidas e desestruturadas. Após uma sequência pouco inspirada, em que Enquanto Somos Jovens (2014) e Mistress America (2015) denunciam o esgotamento de uma  fórmula levada adiante à força pelo sucesso de Frances Ha (2012), este sim um acerto original em estilo e tom, o diretor recupera a essência que lhe rendeu três Globo de Ouro, indicação ao Oscar e reconhecimento.

 

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Dividida em capítulos, a saga da família Meyerowitz inicia com a sequência preciosa entre Danny (Adam Sandler) e Eliza (Grace Van Patten). O caótico trânsito de Nova York será o cenário a introduzir a frágil figura do pai amoroso, recém divorciado e músico fracassado, que como caricatura do talento não reconhecido coloca para tocar no carro as músicas que compôs para a filha, enquanto a jovem, prestes a partir para a universidade, lhe dá dicas de como  estacionar. Encarnando o papel de filho relegado, de irmão cordial e de  pai presente mas sem saber como, Sandler recupera-se de décadas de atuações degradantes, personagens dementes e filmes de Q.I. 50 para finalmente compor um personagem complexo, dono de matizes psicológicas intrincadas, resultando em uma atuação de inesperada dinâmica dramática a ponto de - quem diria - causar burburinho positivo durante o último Festival de Cannes.

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A caminho da despedida de Eliza, que irá estudar cinema como fazem todos os jovens de hoje, pai e filha encaminham o filme para o jantar da família. Representação máxima do discurso de Baumbach é no espaço dos encontros dados de forma não eletiva, nos quais pessoas se encontram por obrigação e não por afinidade, que reside o material bruto de interesse do diretor. Sentados à mesa comandada pelo patriarca Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman), a única filha, Jean (Elizabeth Marvel), e a atual esposa, Maureen (Emma Thompson), juntam-se a Danny e a Eliza para repassar as novidades. No entanto, a recente separação do primogênito, o futuro eminente da neta, ou mesmo a ausência do filho mais novo, Matthew (Ben Stiller), despertam pouco interesse, tornando-se assuntos secundários diante da futura exposição das obras do dono da casa. Escultor frustrado e professor aposentado casado quatro vezes - uma delas anulada -, Harold age a exemplificar de quem é a responsabilidade pelo evidente transtorno dos Meyerowitz colocando-se invariavelmente no centro de tudo.

 

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Os preparativos para o evento que finalmente incluiria Harold nos livros de História da Arte movimentam um roteiro construído majoritariamente sob a verborragia e a evolução de sketchs. Específica e arriscada, a combinação chama atenção por emoldurar diálogos de qualidade e por apresentar um humor envolvente, desprovido de frivolidades e sem recorrer a piadas gratuitas, algo distante do caminho que alavanca a bilheteria da comédia nacional. Transitar entre o humor e o drama sem arestas é um desafio difícil, que não raramente faz naufragar inúmeros projetos, e tem entre os seus melhores expoentes Alain Resnais (Medos Privados em Lugares Públicos) e  Woody Allen (Hannah e suas Irmãs) - não há dúvidas de que Baumbach desponta como o herdeiro do humor de fundo judaico de Allen - quando estes investem em desdobrar a vulnerabilidade humana como faceta irônica do destino.

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Na montanha-russa dos acontecimentos, a figura que afasta e desestabiliza também acaba por aproximar. No momento em que Harold fica em segundo plano, Danny e Matthew precisam ocupar um espaço que jamais imaginaram - o de irmãos. Pelo menos na aparência, Matthew, o filho bem sucedido que ganha a vida evitando que artistas desperdicem suas fortunas, contrasta com Danny, que, sem casa, emprego ou família, não consegue sequer dar conta da própria existência. À medida que Sandler e Stiller formam uma irretocável dupla antagônica, as circunstâncias os obriga a se reconectarem com um passado obliterado ora pela distância, ora pelos encontros intermediados pelo beisebol em frente à televisão, este grande laço da família americana. Muitos anos se passaram, e já não é mais possível detectar com precisão de quem é a culpa. Diferentes por fora, por dentro ambos são projetos de homens que poderiam ter dado certo - bem como o pai.

O mosaico humano exposto em Os Meyerowitz, embora centrado no núcleo privado, não se limita a ele. A crise - ou a falência - dos personagens assume o diagnóstico de uma sociedade desequilibrada e extravagante, na qual sentimentos de desprestígio e isolamento fazem parte da normalidade. Diante de uma perspectiva tão pessimista, o filme surpreende ao recuperar Eliza no terço final da trama e apontá-la como ponto de rompimento. Pode ser que a jovem universitária não seja capaz de redimir o histórico de parentes frustrados e dar continuidade aos anseios de Harold. Mas também não é preciso. Distante dos conflitos familiares e das neuroses do passado, pela primeira vez um Meyerowitz pode começar realmente do zero.

Willian Silveira é editor da revista Sétima e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE).

Por Willian Silveira

They fuck you up, your mum and dad.

They may not mean to, but they do.

 

Eu não imagino a lápide de Noah Baumbach senão grafada com os versos de This Be the Verse, de Philip Larkin. Menos pelo apreço literário, disseminado de maneira inequívoca e pontual em meio à filmografia do norte-americano- Tempo e Decisão (1995), por exemplo, é uma estreia recheada de muletas intelectuais -, do que por sentir como a temática do inglês desperta o  grande diretor que há em Baumbach. Em seu décimo filme, Os Meyerowitz é o reencontro do realizador com A Lula e a Baleia (2005), drama erigido pelo olhar de um menino que tem de crescer rodeado por adultos disfuncionais, que descobriram no divórcio a segunda adolescência, habitando um Brooklyn símbolo das famílias partidas e desestruturadas. Após uma sequência pouco inspirada, em que Enquanto Somos Jovens (2014) e Mistress America (2015) denunciam o esgotamento de uma  fórmula levada adiante à força pelo sucesso de Frances Ha (2012), este sim um acerto original em estilo e tom, o diretor recupera a essência que lhe rendeu três Globo de Ouro, indicação ao Oscar e reconhecimento.

 

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Dividida em capítulos, a saga da família Meyerowitz inicia com a sequência preciosa entre Danny (Adam Sandler) e Eliza (Grace Van Patten). O caótico trânsito de Nova York será o cenário a introduzir a frágil figura do pai amoroso, recém divorciado e músico fracassado, que como caricatura do talento não reconhecido coloca para tocar no carro as músicas que compôs para a filha, enquanto a jovem, prestes a partir para a universidade, lhe dá dicas de como  estacionar. Encarnando o papel de filho relegado, de irmão cordial e de  pai presente mas sem saber como, Sandler recupera-se de décadas de atuações degradantes, personagens dementes e filmes de Q.I. 50 para finalmente compor um personagem complexo, dono de matizes psicológicas intrincadas, resultando em uma atuação de inesperada dinâmica dramática a ponto de - quem diria - causar burburinho positivo durante o último Festival de Cannes.

A caminho da despedida de Eliza, que irá estudar cinema como fazem todos os jovens de hoje, pai e filha encaminham o filme para o jantar da família. Representação máxima do discurso de Baumbach é no espaço dos encontros dados de forma não eletiva, nos quais pessoas se encontram por obrigação e não por afinidade, que reside o material bruto de interesse do diretor. Sentados à mesa comandada pelo patriarca Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman), a única filha, Jean (Elizabeth Marvel), e a atual esposa, Maureen (Emma Thompson), juntam-se a Danny e a Eliza para repassar as novidades. No entanto, a recente separação do primogênito, o futuro eminente da neta, ou mesmo a ausência do filho mais novo, Matthew (Ben Stiller), despertam pouco interesse, tornando-se assuntos secundários diante da futura exposição das obras do dono da casa. Escultor frustrado e professor aposentado casado quatro vezes - uma delas anulada -, Harold age a exemplificar de quem é a responsabilidade pelo evidente transtorno dos Meyerowitz colocando-se invariavelmente no centro de tudo.

 

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Os preparativos para o evento que finalmente incluiria Harold nos livros de História da Arte movimentam um roteiro construído majoritariamente sob a verborragia e a evolução de sketchs. Específica e arriscada, a combinação chama atenção por emoldurar diálogos de qualidade e por apresentar um humor envolvente, desprovido de frivolidades e sem recorrer a piadas gratuitas, algo distante do caminho que alavanca a bilheteria da comédia nacional. Transitar entre o humor e o drama sem arestas é um desafio difícil, que não raramente faz naufragar inúmeros projetos, e tem entre os seus melhores expoentes Alain Resnais (Medos Privados em Lugares Públicos) e  Woody Allen (Hannah e suas Irmãs) - não há dúvidas de que Baumbach desponta como o herdeiro do humor de fundo judaico de Allen - quando estes investem em desdobrar a vulnerabilidade humana como faceta irônica do destino.

Na montanha-russa dos acontecimentos, a figura que afasta e desestabiliza também acaba por aproximar. No momento em que Harold fica em segundo plano, Danny e Matthew precisam ocupar um espaço que jamais imaginaram - o de irmãos. Pelo menos na aparência, Matthew, o filho bem sucedido que ganha a vida evitando que artistas desperdicem suas fortunas, contrasta com Danny, que, sem casa, emprego ou família, não consegue sequer dar conta da própria existência. À medida que Sandler e Stiller formam uma irretocável dupla antagônica, as circunstâncias os obriga a se reconectarem com um passado obliterado ora pela distância, ora pelos encontros intermediados pelo beisebol em frente à televisão, este grande laço da família americana. Muitos anos se passaram, e já não é mais possível detectar com precisão de quem é a culpa. Diferentes por fora, por dentro ambos são projetos de homens que poderiam ter dado certo - bem como o pai.

O mosaico humano exposto em Os Meyerowitz, embora centrado no núcleo privado, não se limita a ele. A crise - ou a falência - dos personagens assume o diagnóstico de uma sociedade desequilibrada e extravagante, na qual sentimentos de desprestígio e isolamento fazem parte da normalidade. Diante de uma perspectiva tão pessimista, o filme surpreende ao recuperar Eliza no terço final da trama e apontá-la como ponto de rompimento. Pode ser que a jovem universitária não seja capaz de redimir o histórico de parentes frustrados e dar continuidade aos anseios de Harold. Mas também não é preciso. Distante dos conflitos familiares e das neuroses do passado, pela primeira vez um Meyerowitz pode começar realmente do zero.

Willian Silveira é editor da revista Sétima e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE).

Por Willian Silveira

They fuck you up, your mum and dad.

They may not mean to, but they do.

 

Eu não imagino a lápide de Noah Baumbach senão grafada com os versos de This Be the Verse, de Philip Larkin. Menos pelo apreço literário, disseminado de maneira inequívoca e pontual em meio à filmografia do norte-americano- Tempo e Decisão (1995), por exemplo, é uma estreia recheada de muletas intelectuais -, do que por sentir como a temática do inglês desperta o  grande diretor que há em Baumbach. Em seu décimo filme, Os Meyerowitz é o reencontro do realizador com A Lula e a Baleia (2005), drama erigido pelo olhar de um menino que tem de crescer rodeado por adultos disfuncionais, que descobriram no divórcio a segunda adolescência, habitando um Brooklyn símbolo das famílias partidas e desestruturadas. Após uma sequência pouco inspirada, em que Enquanto Somos Jovens (2014) e Mistress America (2015) denunciam o esgotamento de uma  fórmula levada adiante à força pelo sucesso de Frances Ha (2012), este sim um acerto original em estilo e tom, o diretor recupera a essência que lhe rendeu três Globo de Ouro, indicação ao Oscar e reconhecimento.

 

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Dividida em capítulos, a saga da família Meyerowitz inicia com a sequência preciosa entre Danny (Adam Sandler) e Eliza (Grace Van Patten). O caótico trânsito de Nova York será o cenário a introduzir a frágil figura do pai amoroso, recém divorciado e músico fracassado, que como caricatura do talento não reconhecido coloca para tocar no carro as músicas que compôs para a filha, enquanto a jovem, prestes a partir para a universidade, lhe dá dicas de como  estacionar. Encarnando o papel de filho relegado, de irmão cordial e de  pai presente mas sem saber como, Sandler recupera-se de décadas de atuações degradantes, personagens dementes e filmes de Q.I. 50 para finalmente compor um personagem complexo, dono de matizes psicológicas intrincadas, resultando em uma atuação de inesperada dinâmica dramática a ponto de - quem diria - causar burburinho positivo durante o último Festival de Cannes.

A caminho da despedida de Eliza, que irá estudar cinema como fazem todos os jovens de hoje, pai e filha encaminham o filme para o jantar da família. Representação máxima do discurso de Baumbach é no espaço dos encontros dados de forma não eletiva, nos quais pessoas se encontram por obrigação e não por afinidade, que reside o material bruto de interesse do diretor. Sentados à mesa comandada pelo patriarca Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman), a única filha, Jean (Elizabeth Marvel), e a atual esposa, Maureen (Emma Thompson), juntam-se a Danny e a Eliza para repassar as novidades. No entanto, a recente separação do primogênito, o futuro eminente da neta, ou mesmo a ausência do filho mais novo, Matthew (Ben Stiller), despertam pouco interesse, tornando-se assuntos secundários diante da futura exposição das obras do dono da casa. Escultor frustrado e professor aposentado casado quatro vezes - uma delas anulada -, Harold age a exemplificar de quem é a responsabilidade pelo evidente transtorno dos Meyerowitz colocando-se invariavelmente no centro de tudo.

 

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Os preparativos para o evento que finalmente incluiria Harold nos livros de História da Arte movimentam um roteiro construído majoritariamente sob a verborragia e a evolução de sketchs. Específica e arriscada, a combinação chama atenção por emoldurar diálogos de qualidade e por apresentar um humor envolvente, desprovido de frivolidades e sem recorrer a piadas gratuitas, algo distante do caminho que alavanca a bilheteria da comédia nacional. Transitar entre o humor e o drama sem arestas é um desafio difícil, que não raramente faz naufragar inúmeros projetos, e tem entre os seus melhores expoentes Alain Resnais (Medos Privados em Lugares Públicos) e  Woody Allen (Hannah e suas Irmãs) - não há dúvidas de que Baumbach desponta como o herdeiro do humor de fundo judaico de Allen - quando estes investem em desdobrar a vulnerabilidade humana como faceta irônica do destino.

Na montanha-russa dos acontecimentos, a figura que afasta e desestabiliza também acaba por aproximar. No momento em que Harold fica em segundo plano, Danny e Matthew precisam ocupar um espaço que jamais imaginaram - o de irmãos. Pelo menos na aparência, Matthew, o filho bem sucedido que ganha a vida evitando que artistas desperdicem suas fortunas, contrasta com Danny, que, sem casa, emprego ou família, não consegue sequer dar conta da própria existência. À medida que Sandler e Stiller formam uma irretocável dupla antagônica, as circunstâncias os obriga a se reconectarem com um passado obliterado ora pela distância, ora pelos encontros intermediados pelo beisebol em frente à televisão, este grande laço da família americana. Muitos anos se passaram, e já não é mais possível detectar com precisão de quem é a culpa. Diferentes por fora, por dentro ambos são projetos de homens que poderiam ter dado certo - bem como o pai.

O mosaico humano exposto em Os Meyerowitz, embora centrado no núcleo privado, não se limita a ele. A crise - ou a falência - dos personagens assume o diagnóstico de uma sociedade desequilibrada e extravagante, na qual sentimentos de desprestígio e isolamento fazem parte da normalidade. Diante de uma perspectiva tão pessimista, o filme surpreende ao recuperar Eliza no terço final da trama e apontá-la como ponto de rompimento. Pode ser que a jovem universitária não seja capaz de redimir o histórico de parentes frustrados e dar continuidade aos anseios de Harold. Mas também não é preciso. Distante dos conflitos familiares e das neuroses do passado, pela primeira vez um Meyerowitz pode começar realmente do zero.

Willian Silveira é editor da revista Sétima e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE).

Por Willian Silveira

They fuck you up, your mum and dad.

They may not mean to, but they do.

 

Eu não imagino a lápide de Noah Baumbach senão grafada com os versos de This Be the Verse, de Philip Larkin. Menos pelo apreço literário, disseminado de maneira inequívoca e pontual em meio à filmografia do norte-americano- Tempo e Decisão (1995), por exemplo, é uma estreia recheada de muletas intelectuais -, do que por sentir como a temática do inglês desperta o  grande diretor que há em Baumbach. Em seu décimo filme, Os Meyerowitz é o reencontro do realizador com A Lula e a Baleia (2005), drama erigido pelo olhar de um menino que tem de crescer rodeado por adultos disfuncionais, que descobriram no divórcio a segunda adolescência, habitando um Brooklyn símbolo das famílias partidas e desestruturadas. Após uma sequência pouco inspirada, em que Enquanto Somos Jovens (2014) e Mistress America (2015) denunciam o esgotamento de uma  fórmula levada adiante à força pelo sucesso de Frances Ha (2012), este sim um acerto original em estilo e tom, o diretor recupera a essência que lhe rendeu três Globo de Ouro, indicação ao Oscar e reconhecimento.

 

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Dividida em capítulos, a saga da família Meyerowitz inicia com a sequência preciosa entre Danny (Adam Sandler) e Eliza (Grace Van Patten). O caótico trânsito de Nova York será o cenário a introduzir a frágil figura do pai amoroso, recém divorciado e músico fracassado, que como caricatura do talento não reconhecido coloca para tocar no carro as músicas que compôs para a filha, enquanto a jovem, prestes a partir para a universidade, lhe dá dicas de como  estacionar. Encarnando o papel de filho relegado, de irmão cordial e de  pai presente mas sem saber como, Sandler recupera-se de décadas de atuações degradantes, personagens dementes e filmes de Q.I. 50 para finalmente compor um personagem complexo, dono de matizes psicológicas intrincadas, resultando em uma atuação de inesperada dinâmica dramática a ponto de - quem diria - causar burburinho positivo durante o último Festival de Cannes.

A caminho da despedida de Eliza, que irá estudar cinema como fazem todos os jovens de hoje, pai e filha encaminham o filme para o jantar da família. Representação máxima do discurso de Baumbach é no espaço dos encontros dados de forma não eletiva, nos quais pessoas se encontram por obrigação e não por afinidade, que reside o material bruto de interesse do diretor. Sentados à mesa comandada pelo patriarca Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman), a única filha, Jean (Elizabeth Marvel), e a atual esposa, Maureen (Emma Thompson), juntam-se a Danny e a Eliza para repassar as novidades. No entanto, a recente separação do primogênito, o futuro eminente da neta, ou mesmo a ausência do filho mais novo, Matthew (Ben Stiller), despertam pouco interesse, tornando-se assuntos secundários diante da futura exposição das obras do dono da casa. Escultor frustrado e professor aposentado casado quatro vezes - uma delas anulada -, Harold age a exemplificar de quem é a responsabilidade pelo evidente transtorno dos Meyerowitz colocando-se invariavelmente no centro de tudo.

 

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Os preparativos para o evento que finalmente incluiria Harold nos livros de História da Arte movimentam um roteiro construído majoritariamente sob a verborragia e a evolução de sketchs. Específica e arriscada, a combinação chama atenção por emoldurar diálogos de qualidade e por apresentar um humor envolvente, desprovido de frivolidades e sem recorrer a piadas gratuitas, algo distante do caminho que alavanca a bilheteria da comédia nacional. Transitar entre o humor e o drama sem arestas é um desafio difícil, que não raramente faz naufragar inúmeros projetos, e tem entre os seus melhores expoentes Alain Resnais (Medos Privados em Lugares Públicos) e  Woody Allen (Hannah e suas Irmãs) - não há dúvidas de que Baumbach desponta como o herdeiro do humor de fundo judaico de Allen - quando estes investem em desdobrar a vulnerabilidade humana como faceta irônica do destino.

Na montanha-russa dos acontecimentos, a figura que afasta e desestabiliza também acaba por aproximar. No momento em que Harold fica em segundo plano, Danny e Matthew precisam ocupar um espaço que jamais imaginaram - o de irmãos. Pelo menos na aparência, Matthew, o filho bem sucedido que ganha a vida evitando que artistas desperdicem suas fortunas, contrasta com Danny, que, sem casa, emprego ou família, não consegue sequer dar conta da própria existência. À medida que Sandler e Stiller formam uma irretocável dupla antagônica, as circunstâncias os obriga a se reconectarem com um passado obliterado ora pela distância, ora pelos encontros intermediados pelo beisebol em frente à televisão, este grande laço da família americana. Muitos anos se passaram, e já não é mais possível detectar com precisão de quem é a culpa. Diferentes por fora, por dentro ambos são projetos de homens que poderiam ter dado certo - bem como o pai.

O mosaico humano exposto em Os Meyerowitz, embora centrado no núcleo privado, não se limita a ele. A crise - ou a falência - dos personagens assume o diagnóstico de uma sociedade desequilibrada e extravagante, na qual sentimentos de desprestígio e isolamento fazem parte da normalidade. Diante de uma perspectiva tão pessimista, o filme surpreende ao recuperar Eliza no terço final da trama e apontá-la como ponto de rompimento. Pode ser que a jovem universitária não seja capaz de redimir o histórico de parentes frustrados e dar continuidade aos anseios de Harold. Mas também não é preciso. Distante dos conflitos familiares e das neuroses do passado, pela primeira vez um Meyerowitz pode começar realmente do zero.

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