'Gibi', a revista que virou sinônimo de quadrinhos, completa 80 anos


Primeira edição da publicação foi lançada em abril de 1939 no Brasil

Por Sérgio Augusto

Seus inventores, os americanos, chamavam as primeiras histórias em quadrinhos de “comics”, porque elas eram, quase sem exceção, cômicas. Aqui adotamos quadrinhos (com e sem o complemento) enquanto nossos hermanos se fixaram em “historietas”, deixando como exclusiva dos espanhóis a expressão “tebeo”. 

Primeira edição da revista 'Gibi' Foto: Globo

Influenciados pelos franceses, os portugueses traduziram literalmente “bandes dessinées” (bandas desenhadas) e deram-se por satisfeitos. Beneficiados pela língua mais eufônica do mundo, os italianos consagraram o delicioso vocábulo “fumetti”, inspirado nos balõezinhos. 

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Os japoneses juntaram duas palavras, que deram “mangá”, traduzível por desenho descompromissado. Até que um dia surgiu o quebra-galho bissílabo que nos faltava. Está fazendo 80 anos que as revistas de histórias em quadrinhos editadas no Brasil passaram a ser chamadas de “gibis”. Assim como o espanhol “tebeo”, derivado de uma publicação chamada TBO, que soa como “te veo” (te vejo), o nosso gibi originou-se de uma epônima revista infanto-juvenil lançada em 12 de abril de 1939, que exibia ao lado do logotipo a figura de um molecote negro de calça curta azul, camisa vermelha e suspensórios. Em várias regiões do Brasil, gibi é sinônimo de negrinho.

Gibi, cinema e futebol (assistido, jogado e de botão). Para as gerações analógicas e pré-videojogos, uma trindade imbatível. Embora combatidas aqui e lá fora como deseducadoras, para mim e milhões de outras crianças os quadrinhos funcionaram como o mais produtivo estímulo à alfabetização. Só aprendi a ler precocemente premido pelo ardente desejo de entender o conteúdo dos balõezinhos, sem precisar recorrer aos alfabetizados da família.

Gibi, a revista, já existia havia bem uns sete anos quando comecei a soletrar por conta própria o que diziam os meus heróis de papel. Além das letras, ganhei nos quadrinhos meus dois primeiros coups de foudres infantis. Mesmo embeiçado pela sereia da Metro Esther Williams, arrebatei-me pela princesa Aleta do Príncipe Valente, desenhada por Hal Foster, e por uma odalisca com o rosto coberto por um véu que se insinuava numa aventura de Ricardo, o Rei da Polícia Montada. 

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Nenhum desses personagens chegou até aqui através do Gibi, e sim pelo Suplemento Juvenil, nossa primeira revista de quadrinhos moderna, que também apresentou a petizada brasileira a Tarzan (ainda sem o til), Brick Bradford, Mandrake, Brucutu e ao trio consagrado com o traço genial de Alex Raymond: Flash Gordon, Agente Secreto X-9 e Jim das Selvas. 

Arrojado projeto de um judeu de origem ucraniana chamado Adolfo Aizen (1907-1991), o Suplemento Juvenil seria o embrião da Ebal (Editora Brasil-América), legendária usina de quadrinhos que a família Aizen manteve ativa até quando foi possível. Foi primeiro um encarte diário do jornal A Nação, depois publicação autônoma, com tiras compradas à agência King Features, e quase nasceu de uma associação de Aizen com O Globo, onde por uns tempos trabalhou. Ao voltar de uma viagem a Nova York, em 1931, Aizen, empolgado com as coloridas páginas de quadrinhos dos jornais americanos, propusera parceria ao redator-chefe de O Globo, Roberto Marinho, que não se mostrou nem um pouco interessado na ideia. O sucesso do Suplemento em formato tabloide, a partir de 1934, ouriçou Marinho, que sugeriu a Aizen uma sociedade desvantajosa o bastante para abalar a amizade entre os dois. 

Três anos mais tarde, Marinho entrou na competição com seu primeiro gibi avant la lettre: O Globo Juvenil. Tinha Brucutu, Ferdinando Buscapé—e, na redação, cuidando das traduções e adaptações, os jovens Antonio Callado e Nelson Rodrigues. Contrafeito com a concorrência, Aizen lançou, em maio de 1939, outra revista, Mirim, e, antes que o ex-quase futuro sócio pusesse nas bancas O Globinho, bolou uma terceira, chamada O Lobinho. A guerra dos quadrinhos estava apenas começando. 

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Ninguém, até hoje, contou suas marchas e contramarchas, seus impasses e confrontos com a mesma riqueza de detalhes de Gonçalo Junior em A Guerra dos Gibis, editado em 2004 pela Cia. das Letras e a exigir faz tempo uma reedição. Foi para vingar-se de Mirim que Marinho tirou da manga o Gibi, com Charlie Chan na capa e o caubói Bronco Piller entre as demais atrações. Aizen acusou-o de plágio, meteu-lhe um processo, que não deu em nada. 

A batalha decisiva foi travada com um punhal enfiado nas costas de um dos contendores.

Informado de que o contrato da King Features com Aizen era de boca e estava para terminar, Marinho procurou o representante da agência no Brasil e convenceu-o a repassar-lhe os direitos sobre os seus heróis, mediante um ágio inalcansável pelo caixa de Aizen. De uma hora para outra, o ingênuo ucraniano perdeu o elenco de ouro que introduzira no mercado editorial brasileiro para as revistas do nascente império Globo. Daquela guerra sem Waterloo, Aizen escapou vivo e seguiu em frente sob a proteção de três heróis representados por outra agência — Tarzã (nem sempre desenhado pelo mestre Burne Hogarth), Terry e os Piratas (criação de Milton Caniff), Dick Tracy (de Chester Gould)—, e um quarto, que acabara de surgir na América, o Super-Homem. 

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O melhor dessa história foi a exemplar lição de respeito aos leitores dada por Aizen, sempre os encaminhando aos gibis de Marinho para que pudessem continuar seguindo as aventuras que subitamente fora obrigado a interromper em suas revistas.

Seus inventores, os americanos, chamavam as primeiras histórias em quadrinhos de “comics”, porque elas eram, quase sem exceção, cômicas. Aqui adotamos quadrinhos (com e sem o complemento) enquanto nossos hermanos se fixaram em “historietas”, deixando como exclusiva dos espanhóis a expressão “tebeo”. 

Primeira edição da revista 'Gibi' Foto: Globo

Influenciados pelos franceses, os portugueses traduziram literalmente “bandes dessinées” (bandas desenhadas) e deram-se por satisfeitos. Beneficiados pela língua mais eufônica do mundo, os italianos consagraram o delicioso vocábulo “fumetti”, inspirado nos balõezinhos. 

Os japoneses juntaram duas palavras, que deram “mangá”, traduzível por desenho descompromissado. Até que um dia surgiu o quebra-galho bissílabo que nos faltava. Está fazendo 80 anos que as revistas de histórias em quadrinhos editadas no Brasil passaram a ser chamadas de “gibis”. Assim como o espanhol “tebeo”, derivado de uma publicação chamada TBO, que soa como “te veo” (te vejo), o nosso gibi originou-se de uma epônima revista infanto-juvenil lançada em 12 de abril de 1939, que exibia ao lado do logotipo a figura de um molecote negro de calça curta azul, camisa vermelha e suspensórios. Em várias regiões do Brasil, gibi é sinônimo de negrinho.

Gibi, cinema e futebol (assistido, jogado e de botão). Para as gerações analógicas e pré-videojogos, uma trindade imbatível. Embora combatidas aqui e lá fora como deseducadoras, para mim e milhões de outras crianças os quadrinhos funcionaram como o mais produtivo estímulo à alfabetização. Só aprendi a ler precocemente premido pelo ardente desejo de entender o conteúdo dos balõezinhos, sem precisar recorrer aos alfabetizados da família.

Gibi, a revista, já existia havia bem uns sete anos quando comecei a soletrar por conta própria o que diziam os meus heróis de papel. Além das letras, ganhei nos quadrinhos meus dois primeiros coups de foudres infantis. Mesmo embeiçado pela sereia da Metro Esther Williams, arrebatei-me pela princesa Aleta do Príncipe Valente, desenhada por Hal Foster, e por uma odalisca com o rosto coberto por um véu que se insinuava numa aventura de Ricardo, o Rei da Polícia Montada. 

Nenhum desses personagens chegou até aqui através do Gibi, e sim pelo Suplemento Juvenil, nossa primeira revista de quadrinhos moderna, que também apresentou a petizada brasileira a Tarzan (ainda sem o til), Brick Bradford, Mandrake, Brucutu e ao trio consagrado com o traço genial de Alex Raymond: Flash Gordon, Agente Secreto X-9 e Jim das Selvas. 

Arrojado projeto de um judeu de origem ucraniana chamado Adolfo Aizen (1907-1991), o Suplemento Juvenil seria o embrião da Ebal (Editora Brasil-América), legendária usina de quadrinhos que a família Aizen manteve ativa até quando foi possível. Foi primeiro um encarte diário do jornal A Nação, depois publicação autônoma, com tiras compradas à agência King Features, e quase nasceu de uma associação de Aizen com O Globo, onde por uns tempos trabalhou. Ao voltar de uma viagem a Nova York, em 1931, Aizen, empolgado com as coloridas páginas de quadrinhos dos jornais americanos, propusera parceria ao redator-chefe de O Globo, Roberto Marinho, que não se mostrou nem um pouco interessado na ideia. O sucesso do Suplemento em formato tabloide, a partir de 1934, ouriçou Marinho, que sugeriu a Aizen uma sociedade desvantajosa o bastante para abalar a amizade entre os dois. 

Três anos mais tarde, Marinho entrou na competição com seu primeiro gibi avant la lettre: O Globo Juvenil. Tinha Brucutu, Ferdinando Buscapé—e, na redação, cuidando das traduções e adaptações, os jovens Antonio Callado e Nelson Rodrigues. Contrafeito com a concorrência, Aizen lançou, em maio de 1939, outra revista, Mirim, e, antes que o ex-quase futuro sócio pusesse nas bancas O Globinho, bolou uma terceira, chamada O Lobinho. A guerra dos quadrinhos estava apenas começando. 

Ninguém, até hoje, contou suas marchas e contramarchas, seus impasses e confrontos com a mesma riqueza de detalhes de Gonçalo Junior em A Guerra dos Gibis, editado em 2004 pela Cia. das Letras e a exigir faz tempo uma reedição. Foi para vingar-se de Mirim que Marinho tirou da manga o Gibi, com Charlie Chan na capa e o caubói Bronco Piller entre as demais atrações. Aizen acusou-o de plágio, meteu-lhe um processo, que não deu em nada. 

A batalha decisiva foi travada com um punhal enfiado nas costas de um dos contendores.

Informado de que o contrato da King Features com Aizen era de boca e estava para terminar, Marinho procurou o representante da agência no Brasil e convenceu-o a repassar-lhe os direitos sobre os seus heróis, mediante um ágio inalcansável pelo caixa de Aizen. De uma hora para outra, o ingênuo ucraniano perdeu o elenco de ouro que introduzira no mercado editorial brasileiro para as revistas do nascente império Globo. Daquela guerra sem Waterloo, Aizen escapou vivo e seguiu em frente sob a proteção de três heróis representados por outra agência — Tarzã (nem sempre desenhado pelo mestre Burne Hogarth), Terry e os Piratas (criação de Milton Caniff), Dick Tracy (de Chester Gould)—, e um quarto, que acabara de surgir na América, o Super-Homem. 

O melhor dessa história foi a exemplar lição de respeito aos leitores dada por Aizen, sempre os encaminhando aos gibis de Marinho para que pudessem continuar seguindo as aventuras que subitamente fora obrigado a interromper em suas revistas.

Seus inventores, os americanos, chamavam as primeiras histórias em quadrinhos de “comics”, porque elas eram, quase sem exceção, cômicas. Aqui adotamos quadrinhos (com e sem o complemento) enquanto nossos hermanos se fixaram em “historietas”, deixando como exclusiva dos espanhóis a expressão “tebeo”. 

Primeira edição da revista 'Gibi' Foto: Globo

Influenciados pelos franceses, os portugueses traduziram literalmente “bandes dessinées” (bandas desenhadas) e deram-se por satisfeitos. Beneficiados pela língua mais eufônica do mundo, os italianos consagraram o delicioso vocábulo “fumetti”, inspirado nos balõezinhos. 

Os japoneses juntaram duas palavras, que deram “mangá”, traduzível por desenho descompromissado. Até que um dia surgiu o quebra-galho bissílabo que nos faltava. Está fazendo 80 anos que as revistas de histórias em quadrinhos editadas no Brasil passaram a ser chamadas de “gibis”. Assim como o espanhol “tebeo”, derivado de uma publicação chamada TBO, que soa como “te veo” (te vejo), o nosso gibi originou-se de uma epônima revista infanto-juvenil lançada em 12 de abril de 1939, que exibia ao lado do logotipo a figura de um molecote negro de calça curta azul, camisa vermelha e suspensórios. Em várias regiões do Brasil, gibi é sinônimo de negrinho.

Gibi, cinema e futebol (assistido, jogado e de botão). Para as gerações analógicas e pré-videojogos, uma trindade imbatível. Embora combatidas aqui e lá fora como deseducadoras, para mim e milhões de outras crianças os quadrinhos funcionaram como o mais produtivo estímulo à alfabetização. Só aprendi a ler precocemente premido pelo ardente desejo de entender o conteúdo dos balõezinhos, sem precisar recorrer aos alfabetizados da família.

Gibi, a revista, já existia havia bem uns sete anos quando comecei a soletrar por conta própria o que diziam os meus heróis de papel. Além das letras, ganhei nos quadrinhos meus dois primeiros coups de foudres infantis. Mesmo embeiçado pela sereia da Metro Esther Williams, arrebatei-me pela princesa Aleta do Príncipe Valente, desenhada por Hal Foster, e por uma odalisca com o rosto coberto por um véu que se insinuava numa aventura de Ricardo, o Rei da Polícia Montada. 

Nenhum desses personagens chegou até aqui através do Gibi, e sim pelo Suplemento Juvenil, nossa primeira revista de quadrinhos moderna, que também apresentou a petizada brasileira a Tarzan (ainda sem o til), Brick Bradford, Mandrake, Brucutu e ao trio consagrado com o traço genial de Alex Raymond: Flash Gordon, Agente Secreto X-9 e Jim das Selvas. 

Arrojado projeto de um judeu de origem ucraniana chamado Adolfo Aizen (1907-1991), o Suplemento Juvenil seria o embrião da Ebal (Editora Brasil-América), legendária usina de quadrinhos que a família Aizen manteve ativa até quando foi possível. Foi primeiro um encarte diário do jornal A Nação, depois publicação autônoma, com tiras compradas à agência King Features, e quase nasceu de uma associação de Aizen com O Globo, onde por uns tempos trabalhou. Ao voltar de uma viagem a Nova York, em 1931, Aizen, empolgado com as coloridas páginas de quadrinhos dos jornais americanos, propusera parceria ao redator-chefe de O Globo, Roberto Marinho, que não se mostrou nem um pouco interessado na ideia. O sucesso do Suplemento em formato tabloide, a partir de 1934, ouriçou Marinho, que sugeriu a Aizen uma sociedade desvantajosa o bastante para abalar a amizade entre os dois. 

Três anos mais tarde, Marinho entrou na competição com seu primeiro gibi avant la lettre: O Globo Juvenil. Tinha Brucutu, Ferdinando Buscapé—e, na redação, cuidando das traduções e adaptações, os jovens Antonio Callado e Nelson Rodrigues. Contrafeito com a concorrência, Aizen lançou, em maio de 1939, outra revista, Mirim, e, antes que o ex-quase futuro sócio pusesse nas bancas O Globinho, bolou uma terceira, chamada O Lobinho. A guerra dos quadrinhos estava apenas começando. 

Ninguém, até hoje, contou suas marchas e contramarchas, seus impasses e confrontos com a mesma riqueza de detalhes de Gonçalo Junior em A Guerra dos Gibis, editado em 2004 pela Cia. das Letras e a exigir faz tempo uma reedição. Foi para vingar-se de Mirim que Marinho tirou da manga o Gibi, com Charlie Chan na capa e o caubói Bronco Piller entre as demais atrações. Aizen acusou-o de plágio, meteu-lhe um processo, que não deu em nada. 

A batalha decisiva foi travada com um punhal enfiado nas costas de um dos contendores.

Informado de que o contrato da King Features com Aizen era de boca e estava para terminar, Marinho procurou o representante da agência no Brasil e convenceu-o a repassar-lhe os direitos sobre os seus heróis, mediante um ágio inalcansável pelo caixa de Aizen. De uma hora para outra, o ingênuo ucraniano perdeu o elenco de ouro que introduzira no mercado editorial brasileiro para as revistas do nascente império Globo. Daquela guerra sem Waterloo, Aizen escapou vivo e seguiu em frente sob a proteção de três heróis representados por outra agência — Tarzã (nem sempre desenhado pelo mestre Burne Hogarth), Terry e os Piratas (criação de Milton Caniff), Dick Tracy (de Chester Gould)—, e um quarto, que acabara de surgir na América, o Super-Homem. 

O melhor dessa história foi a exemplar lição de respeito aos leitores dada por Aizen, sempre os encaminhando aos gibis de Marinho para que pudessem continuar seguindo as aventuras que subitamente fora obrigado a interromper em suas revistas.

Seus inventores, os americanos, chamavam as primeiras histórias em quadrinhos de “comics”, porque elas eram, quase sem exceção, cômicas. Aqui adotamos quadrinhos (com e sem o complemento) enquanto nossos hermanos se fixaram em “historietas”, deixando como exclusiva dos espanhóis a expressão “tebeo”. 

Primeira edição da revista 'Gibi' Foto: Globo

Influenciados pelos franceses, os portugueses traduziram literalmente “bandes dessinées” (bandas desenhadas) e deram-se por satisfeitos. Beneficiados pela língua mais eufônica do mundo, os italianos consagraram o delicioso vocábulo “fumetti”, inspirado nos balõezinhos. 

Os japoneses juntaram duas palavras, que deram “mangá”, traduzível por desenho descompromissado. Até que um dia surgiu o quebra-galho bissílabo que nos faltava. Está fazendo 80 anos que as revistas de histórias em quadrinhos editadas no Brasil passaram a ser chamadas de “gibis”. Assim como o espanhol “tebeo”, derivado de uma publicação chamada TBO, que soa como “te veo” (te vejo), o nosso gibi originou-se de uma epônima revista infanto-juvenil lançada em 12 de abril de 1939, que exibia ao lado do logotipo a figura de um molecote negro de calça curta azul, camisa vermelha e suspensórios. Em várias regiões do Brasil, gibi é sinônimo de negrinho.

Gibi, cinema e futebol (assistido, jogado e de botão). Para as gerações analógicas e pré-videojogos, uma trindade imbatível. Embora combatidas aqui e lá fora como deseducadoras, para mim e milhões de outras crianças os quadrinhos funcionaram como o mais produtivo estímulo à alfabetização. Só aprendi a ler precocemente premido pelo ardente desejo de entender o conteúdo dos balõezinhos, sem precisar recorrer aos alfabetizados da família.

Gibi, a revista, já existia havia bem uns sete anos quando comecei a soletrar por conta própria o que diziam os meus heróis de papel. Além das letras, ganhei nos quadrinhos meus dois primeiros coups de foudres infantis. Mesmo embeiçado pela sereia da Metro Esther Williams, arrebatei-me pela princesa Aleta do Príncipe Valente, desenhada por Hal Foster, e por uma odalisca com o rosto coberto por um véu que se insinuava numa aventura de Ricardo, o Rei da Polícia Montada. 

Nenhum desses personagens chegou até aqui através do Gibi, e sim pelo Suplemento Juvenil, nossa primeira revista de quadrinhos moderna, que também apresentou a petizada brasileira a Tarzan (ainda sem o til), Brick Bradford, Mandrake, Brucutu e ao trio consagrado com o traço genial de Alex Raymond: Flash Gordon, Agente Secreto X-9 e Jim das Selvas. 

Arrojado projeto de um judeu de origem ucraniana chamado Adolfo Aizen (1907-1991), o Suplemento Juvenil seria o embrião da Ebal (Editora Brasil-América), legendária usina de quadrinhos que a família Aizen manteve ativa até quando foi possível. Foi primeiro um encarte diário do jornal A Nação, depois publicação autônoma, com tiras compradas à agência King Features, e quase nasceu de uma associação de Aizen com O Globo, onde por uns tempos trabalhou. Ao voltar de uma viagem a Nova York, em 1931, Aizen, empolgado com as coloridas páginas de quadrinhos dos jornais americanos, propusera parceria ao redator-chefe de O Globo, Roberto Marinho, que não se mostrou nem um pouco interessado na ideia. O sucesso do Suplemento em formato tabloide, a partir de 1934, ouriçou Marinho, que sugeriu a Aizen uma sociedade desvantajosa o bastante para abalar a amizade entre os dois. 

Três anos mais tarde, Marinho entrou na competição com seu primeiro gibi avant la lettre: O Globo Juvenil. Tinha Brucutu, Ferdinando Buscapé—e, na redação, cuidando das traduções e adaptações, os jovens Antonio Callado e Nelson Rodrigues. Contrafeito com a concorrência, Aizen lançou, em maio de 1939, outra revista, Mirim, e, antes que o ex-quase futuro sócio pusesse nas bancas O Globinho, bolou uma terceira, chamada O Lobinho. A guerra dos quadrinhos estava apenas começando. 

Ninguém, até hoje, contou suas marchas e contramarchas, seus impasses e confrontos com a mesma riqueza de detalhes de Gonçalo Junior em A Guerra dos Gibis, editado em 2004 pela Cia. das Letras e a exigir faz tempo uma reedição. Foi para vingar-se de Mirim que Marinho tirou da manga o Gibi, com Charlie Chan na capa e o caubói Bronco Piller entre as demais atrações. Aizen acusou-o de plágio, meteu-lhe um processo, que não deu em nada. 

A batalha decisiva foi travada com um punhal enfiado nas costas de um dos contendores.

Informado de que o contrato da King Features com Aizen era de boca e estava para terminar, Marinho procurou o representante da agência no Brasil e convenceu-o a repassar-lhe os direitos sobre os seus heróis, mediante um ágio inalcansável pelo caixa de Aizen. De uma hora para outra, o ingênuo ucraniano perdeu o elenco de ouro que introduzira no mercado editorial brasileiro para as revistas do nascente império Globo. Daquela guerra sem Waterloo, Aizen escapou vivo e seguiu em frente sob a proteção de três heróis representados por outra agência — Tarzã (nem sempre desenhado pelo mestre Burne Hogarth), Terry e os Piratas (criação de Milton Caniff), Dick Tracy (de Chester Gould)—, e um quarto, que acabara de surgir na América, o Super-Homem. 

O melhor dessa história foi a exemplar lição de respeito aos leitores dada por Aizen, sempre os encaminhando aos gibis de Marinho para que pudessem continuar seguindo as aventuras que subitamente fora obrigado a interromper em suas revistas.

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