São Paulo comemora nesta quarta-feira, 25, 463 anos, e um passeio pelo centro histórico da cidade comprova o potencial literário que qualquer urbanidade guarda, mas esta em específico.
Para comemorar a data, a editora SESI-SP está lançando Transpassar, uma interessante coletânea de poemas organizada por Carlos Felipe Moisés e Victor Del Franco. No livro há textos (incluindo alguns inéditos) de Glauco Mattoso, Tarso de Melo, Fernando Paixão, Elisa Andrade Buzzo e Leila Guenther, entre outros.
O lançamento ocorre ainda nesta quarta-feira, 25, às 17h, na Casa das Rosas (Avenida Paulista, 37) e contará com a presença de alguns dos autores. Após o evento, às 20h, será exibido o filme São Paulo, Simphonia da Metrópole (1929), com execução ao vivo da trilha sonora pelo maestro Livio Tragtenberg.
Selecionei alguns poemas de Transpassar para comemorar a data e ironizar e dar uma colorida na São Paulo de janeiro de 2017.
REAL GRANDEZA (de Carlos Machado)
A rua Real Grandeza abriu mão da fidalguia e passou a se chamar austera e burguesa avenida Paulista.
Mas na periferia da cidade restaurou-se a antiga pompa: surgiu outra rua Real Grandeza na Vila Brasilândia.
Lá o esplendor real assenta-se triunfante junto à Favela do Inverno e o Morro do Piolho.
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SONNETO PARA UM VERDE QUE SE PERDE [SONNETO 2336] (de Glauco Mattoso)
O cheiro de xixi, pela cidade, attinge o poncto maximo no centro, logar onde, faz tempo, ja nem entro, pois nada alli resiste que me aggrade.
"Havia, na avenida juncto à grade do parque, a ilha verde. Hoje, concentro o olhar e, cada vez mais para dentro da grade, até ao gramado o asphalto invade..."
Me disse assim o amigo que visita São Paulo raramente, e melhor nota as más transformações, como a descripta.
Si nada vejo e perco minha quota de verde, eu me lamento. Mais se irrita quem vê como a cidade se desbota!
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CAUSANDO NA CITY (de Paulo César de Carvalho)
fui pra farra caí de napa na lapa mostrei a bunda me livrei de uma barra na barra funda tomei uma birita no bixiga arrumei uma briga entrei na contramão no carrão me perdi em perdizes perdi a direção na vila aída e o juízo na joaniza vi o inferno no paraíso fui preso na liberdade
melhor mudar ou mudar de cidade
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SPAZZIO PIRANDELLO (de Rodolfo Guttilla)
"ao chão real onde todos os sonhos se reúnem"
Carlos Felipe Moisés
sonho de uma noite de verão
em sampaulo
onde mais?
rua Augusta
esse lugar comum
e inesperado
você queria beijar
todas as meninas
da cidade (
não se preocupe
com as rejeições
ó meu
você já foi esnobado antes
)
sua divisa
era um grafite
rabiscado
no prédio novo da PUC
"para curar um amor
platônico
só mesmo
uma trepada
homérica"
comandado pelo baixo ventre
você não sabia
que o amor
é apenas
uma ideia
e o que se ama
é aquilo que não se tem
você tomou umas cervejas
no Spazzio Pirandello
e foi à luta
na manhã seguinte
saiu de fininho
pisando o chão real
onde todos os sonhos se reúnem
sem saudar
o entregador de jornal
em suspeitoso solilóquio
pequeno burguês (
esse papo era tão chato
você se lembra?)