Juan Pablo Villalobos lança segundo volume de trilogia sobre o México


'Se Vivêssemos em um Lugar Normal' dá continuidade a 'Festa no Covil'

Por Redação

O escritor mexicano Juan Pablo Villalobos acaba de lançar o segundo livro de sua trilogia sobre o México. Se Vivêssemos em um Lugar Normal vem dar continuidade ao que Festa no Covil propunha: narrar a história recente de seu país sob uma perspectiva bem-humorada e mordaz. No livro anterior, que também foi sua obra de estreia, o narrador era o pequeno Tochtli – filho de um grande traficante de drogas –, que gostava de hipopótamos-anões e palavras difíceis; o efeito do humor vinha da absoluta inconsciência do garoto em relação ao mundo de violência no qual estava inserido e sobre o qual ele falava em tom descomprometido.

Desta vez, trata-se das memórias do mexicano Orestes – filho de professor –, que, já adulto, relembra sua puberdade, em meados da década de 80, numa casa pobre, com uma família numerosa. Seu cotidiano é disputar quesadillas com os irmãos, ouvir os xingamentos do pai e os choramingos da mãe. As quesadillas – “tortillas de farinha ou de milho recheadas com queijo derretido ou outros ingredientes”, como didaticamente nos explica em nota de rodapé o autor – são o mote do romance e tema para as associações mais diversas: econômicas, filosóficas e políticas. Assim, passamos da inconsciência total e da riqueza de Tochtli, do livro anterior, para a mordacidade adolescente e a escassez do revoltado Orestes.

Jorge Luis Borges disse que encontrar a voz de um personagem é haver encontrado um destino. Villalobos tem buscado na dimensão dos universos infantil e juvenil certo discurso para uma crítica social. Ele parece querer narrar o que já está naturalizado a partir de uma perspectiva outra. Neste livro, porém, o efeito é singular: o autor aventura-se pela adolescência, mas é uma adolescência recordada, dado que o narrador Orestes já é um adulto. Sua visão, entretanto, é de uma inconsequência digna de rede social: “A história ocorreu no lugar em que nasci e cresci (...) uma região que, para piorar, está situada no México”, ou ainda “se fôssemos um país normal não comeríamos quesadillas”.

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Com a mesma desenvoltura com que Orestes critica os irmãos e os pais, ele fala mal da economia, da cultura, dos partidos mexicanos e de seus políticos, sempre com um humor que beira a escatologia. Curiosamente, tal perspectiva ecoa até no Glossário do Autor, ao final do livro, no qual presidentes e partidos mexicanos são referidos de modo bastante jocoso: “O PDM, Partido Democrata Mexicano, que tínhamos de chamar de Pê-Dê-Eme para não enrolar a língua e cuspir nos outros”. Tal contiguidade entre a voz do adolescente e a voz atribuída ao autor não deixa de causar certa estranheza.

A dimensão espertalhona de Orestes ecoa, em certo capítulo, nos protagonistas da picaresca espanhola; noutro momento, sua revolta remete ao narrador de La Familia de Pascual Duarte, de Camilo José Cela. O conjunto, porém, fica aquém das possibilidades, por não se aprofundar em nenhuma dessas dimensões. Há demasiadas reviravoltas para um romance de pouco mais de cem páginas: fugas, desaparecimentos, reconciliações, ordem de despejo, traições, enfim, uma série de peripécias que pediriam uma narrativa mais alentada. E o livro ainda traz um desfecho surrealista.

A crítica que o narrador postula parece ter como resultado reduzir o México a ruínas: “Eu atirava contra os escombros de nossa casa”. Fica a pergunta, ao fim deste segundo livro: qual é o “lugar normal” que se postula? Como acontece nas séries tão ao gosto contemporâneo, cabe-nos aguardar o terceiro livro para entender, afinal, o que propõe esta trilogia.

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WILSON ALVES-BEZERRA É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS DA UFSCAR E AUTOR DE DA CLÍNICA DO DESEJO A SUA ESCRITA (MERCADO DE LETRAS/FAPESP)

SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMALAutor Juan Pablo VillalobosTradução: Andreia Moroni (Companhia das Letras, 160 págs. R$ 36,50)

O escritor mexicano Juan Pablo Villalobos acaba de lançar o segundo livro de sua trilogia sobre o México. Se Vivêssemos em um Lugar Normal vem dar continuidade ao que Festa no Covil propunha: narrar a história recente de seu país sob uma perspectiva bem-humorada e mordaz. No livro anterior, que também foi sua obra de estreia, o narrador era o pequeno Tochtli – filho de um grande traficante de drogas –, que gostava de hipopótamos-anões e palavras difíceis; o efeito do humor vinha da absoluta inconsciência do garoto em relação ao mundo de violência no qual estava inserido e sobre o qual ele falava em tom descomprometido.

Desta vez, trata-se das memórias do mexicano Orestes – filho de professor –, que, já adulto, relembra sua puberdade, em meados da década de 80, numa casa pobre, com uma família numerosa. Seu cotidiano é disputar quesadillas com os irmãos, ouvir os xingamentos do pai e os choramingos da mãe. As quesadillas – “tortillas de farinha ou de milho recheadas com queijo derretido ou outros ingredientes”, como didaticamente nos explica em nota de rodapé o autor – são o mote do romance e tema para as associações mais diversas: econômicas, filosóficas e políticas. Assim, passamos da inconsciência total e da riqueza de Tochtli, do livro anterior, para a mordacidade adolescente e a escassez do revoltado Orestes.

Jorge Luis Borges disse que encontrar a voz de um personagem é haver encontrado um destino. Villalobos tem buscado na dimensão dos universos infantil e juvenil certo discurso para uma crítica social. Ele parece querer narrar o que já está naturalizado a partir de uma perspectiva outra. Neste livro, porém, o efeito é singular: o autor aventura-se pela adolescência, mas é uma adolescência recordada, dado que o narrador Orestes já é um adulto. Sua visão, entretanto, é de uma inconsequência digna de rede social: “A história ocorreu no lugar em que nasci e cresci (...) uma região que, para piorar, está situada no México”, ou ainda “se fôssemos um país normal não comeríamos quesadillas”.

Com a mesma desenvoltura com que Orestes critica os irmãos e os pais, ele fala mal da economia, da cultura, dos partidos mexicanos e de seus políticos, sempre com um humor que beira a escatologia. Curiosamente, tal perspectiva ecoa até no Glossário do Autor, ao final do livro, no qual presidentes e partidos mexicanos são referidos de modo bastante jocoso: “O PDM, Partido Democrata Mexicano, que tínhamos de chamar de Pê-Dê-Eme para não enrolar a língua e cuspir nos outros”. Tal contiguidade entre a voz do adolescente e a voz atribuída ao autor não deixa de causar certa estranheza.

A dimensão espertalhona de Orestes ecoa, em certo capítulo, nos protagonistas da picaresca espanhola; noutro momento, sua revolta remete ao narrador de La Familia de Pascual Duarte, de Camilo José Cela. O conjunto, porém, fica aquém das possibilidades, por não se aprofundar em nenhuma dessas dimensões. Há demasiadas reviravoltas para um romance de pouco mais de cem páginas: fugas, desaparecimentos, reconciliações, ordem de despejo, traições, enfim, uma série de peripécias que pediriam uma narrativa mais alentada. E o livro ainda traz um desfecho surrealista.

A crítica que o narrador postula parece ter como resultado reduzir o México a ruínas: “Eu atirava contra os escombros de nossa casa”. Fica a pergunta, ao fim deste segundo livro: qual é o “lugar normal” que se postula? Como acontece nas séries tão ao gosto contemporâneo, cabe-nos aguardar o terceiro livro para entender, afinal, o que propõe esta trilogia.

WILSON ALVES-BEZERRA É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS DA UFSCAR E AUTOR DE DA CLÍNICA DO DESEJO A SUA ESCRITA (MERCADO DE LETRAS/FAPESP)

SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMALAutor Juan Pablo VillalobosTradução: Andreia Moroni (Companhia das Letras, 160 págs. R$ 36,50)

O escritor mexicano Juan Pablo Villalobos acaba de lançar o segundo livro de sua trilogia sobre o México. Se Vivêssemos em um Lugar Normal vem dar continuidade ao que Festa no Covil propunha: narrar a história recente de seu país sob uma perspectiva bem-humorada e mordaz. No livro anterior, que também foi sua obra de estreia, o narrador era o pequeno Tochtli – filho de um grande traficante de drogas –, que gostava de hipopótamos-anões e palavras difíceis; o efeito do humor vinha da absoluta inconsciência do garoto em relação ao mundo de violência no qual estava inserido e sobre o qual ele falava em tom descomprometido.

Desta vez, trata-se das memórias do mexicano Orestes – filho de professor –, que, já adulto, relembra sua puberdade, em meados da década de 80, numa casa pobre, com uma família numerosa. Seu cotidiano é disputar quesadillas com os irmãos, ouvir os xingamentos do pai e os choramingos da mãe. As quesadillas – “tortillas de farinha ou de milho recheadas com queijo derretido ou outros ingredientes”, como didaticamente nos explica em nota de rodapé o autor – são o mote do romance e tema para as associações mais diversas: econômicas, filosóficas e políticas. Assim, passamos da inconsciência total e da riqueza de Tochtli, do livro anterior, para a mordacidade adolescente e a escassez do revoltado Orestes.

Jorge Luis Borges disse que encontrar a voz de um personagem é haver encontrado um destino. Villalobos tem buscado na dimensão dos universos infantil e juvenil certo discurso para uma crítica social. Ele parece querer narrar o que já está naturalizado a partir de uma perspectiva outra. Neste livro, porém, o efeito é singular: o autor aventura-se pela adolescência, mas é uma adolescência recordada, dado que o narrador Orestes já é um adulto. Sua visão, entretanto, é de uma inconsequência digna de rede social: “A história ocorreu no lugar em que nasci e cresci (...) uma região que, para piorar, está situada no México”, ou ainda “se fôssemos um país normal não comeríamos quesadillas”.

Com a mesma desenvoltura com que Orestes critica os irmãos e os pais, ele fala mal da economia, da cultura, dos partidos mexicanos e de seus políticos, sempre com um humor que beira a escatologia. Curiosamente, tal perspectiva ecoa até no Glossário do Autor, ao final do livro, no qual presidentes e partidos mexicanos são referidos de modo bastante jocoso: “O PDM, Partido Democrata Mexicano, que tínhamos de chamar de Pê-Dê-Eme para não enrolar a língua e cuspir nos outros”. Tal contiguidade entre a voz do adolescente e a voz atribuída ao autor não deixa de causar certa estranheza.

A dimensão espertalhona de Orestes ecoa, em certo capítulo, nos protagonistas da picaresca espanhola; noutro momento, sua revolta remete ao narrador de La Familia de Pascual Duarte, de Camilo José Cela. O conjunto, porém, fica aquém das possibilidades, por não se aprofundar em nenhuma dessas dimensões. Há demasiadas reviravoltas para um romance de pouco mais de cem páginas: fugas, desaparecimentos, reconciliações, ordem de despejo, traições, enfim, uma série de peripécias que pediriam uma narrativa mais alentada. E o livro ainda traz um desfecho surrealista.

A crítica que o narrador postula parece ter como resultado reduzir o México a ruínas: “Eu atirava contra os escombros de nossa casa”. Fica a pergunta, ao fim deste segundo livro: qual é o “lugar normal” que se postula? Como acontece nas séries tão ao gosto contemporâneo, cabe-nos aguardar o terceiro livro para entender, afinal, o que propõe esta trilogia.

WILSON ALVES-BEZERRA É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS DA UFSCAR E AUTOR DE DA CLÍNICA DO DESEJO A SUA ESCRITA (MERCADO DE LETRAS/FAPESP)

SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMALAutor Juan Pablo VillalobosTradução: Andreia Moroni (Companhia das Letras, 160 págs. R$ 36,50)

O escritor mexicano Juan Pablo Villalobos acaba de lançar o segundo livro de sua trilogia sobre o México. Se Vivêssemos em um Lugar Normal vem dar continuidade ao que Festa no Covil propunha: narrar a história recente de seu país sob uma perspectiva bem-humorada e mordaz. No livro anterior, que também foi sua obra de estreia, o narrador era o pequeno Tochtli – filho de um grande traficante de drogas –, que gostava de hipopótamos-anões e palavras difíceis; o efeito do humor vinha da absoluta inconsciência do garoto em relação ao mundo de violência no qual estava inserido e sobre o qual ele falava em tom descomprometido.

Desta vez, trata-se das memórias do mexicano Orestes – filho de professor –, que, já adulto, relembra sua puberdade, em meados da década de 80, numa casa pobre, com uma família numerosa. Seu cotidiano é disputar quesadillas com os irmãos, ouvir os xingamentos do pai e os choramingos da mãe. As quesadillas – “tortillas de farinha ou de milho recheadas com queijo derretido ou outros ingredientes”, como didaticamente nos explica em nota de rodapé o autor – são o mote do romance e tema para as associações mais diversas: econômicas, filosóficas e políticas. Assim, passamos da inconsciência total e da riqueza de Tochtli, do livro anterior, para a mordacidade adolescente e a escassez do revoltado Orestes.

Jorge Luis Borges disse que encontrar a voz de um personagem é haver encontrado um destino. Villalobos tem buscado na dimensão dos universos infantil e juvenil certo discurso para uma crítica social. Ele parece querer narrar o que já está naturalizado a partir de uma perspectiva outra. Neste livro, porém, o efeito é singular: o autor aventura-se pela adolescência, mas é uma adolescência recordada, dado que o narrador Orestes já é um adulto. Sua visão, entretanto, é de uma inconsequência digna de rede social: “A história ocorreu no lugar em que nasci e cresci (...) uma região que, para piorar, está situada no México”, ou ainda “se fôssemos um país normal não comeríamos quesadillas”.

Com a mesma desenvoltura com que Orestes critica os irmãos e os pais, ele fala mal da economia, da cultura, dos partidos mexicanos e de seus políticos, sempre com um humor que beira a escatologia. Curiosamente, tal perspectiva ecoa até no Glossário do Autor, ao final do livro, no qual presidentes e partidos mexicanos são referidos de modo bastante jocoso: “O PDM, Partido Democrata Mexicano, que tínhamos de chamar de Pê-Dê-Eme para não enrolar a língua e cuspir nos outros”. Tal contiguidade entre a voz do adolescente e a voz atribuída ao autor não deixa de causar certa estranheza.

A dimensão espertalhona de Orestes ecoa, em certo capítulo, nos protagonistas da picaresca espanhola; noutro momento, sua revolta remete ao narrador de La Familia de Pascual Duarte, de Camilo José Cela. O conjunto, porém, fica aquém das possibilidades, por não se aprofundar em nenhuma dessas dimensões. Há demasiadas reviravoltas para um romance de pouco mais de cem páginas: fugas, desaparecimentos, reconciliações, ordem de despejo, traições, enfim, uma série de peripécias que pediriam uma narrativa mais alentada. E o livro ainda traz um desfecho surrealista.

A crítica que o narrador postula parece ter como resultado reduzir o México a ruínas: “Eu atirava contra os escombros de nossa casa”. Fica a pergunta, ao fim deste segundo livro: qual é o “lugar normal” que se postula? Como acontece nas séries tão ao gosto contemporâneo, cabe-nos aguardar o terceiro livro para entender, afinal, o que propõe esta trilogia.

WILSON ALVES-BEZERRA É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS DA UFSCAR E AUTOR DE DA CLÍNICA DO DESEJO A SUA ESCRITA (MERCADO DE LETRAS/FAPESP)

SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMALAutor Juan Pablo VillalobosTradução: Andreia Moroni (Companhia das Letras, 160 págs. R$ 36,50)

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