HQ registra a vida de um desenhista autista e a luta de uma mãe pelo desenvolvimento do filho


Com o apoio do ilustrador Caeto, Masanori Ninomiya, seu aluno de desenho, e a mãe dele, Sonia, lançam a HQ Nori e Eu

Por Maria Fernanda Rodrigues

Masanori Ninomyia demorou 12 anos para começar a falar. Diagnosticado aos quatro como uma criança do espectro autista, o garoto, o mais velho de três irmãos, assistia ao que acontecia ao redor à sua maneira, e desenhava e desenhava sem parar. Mickey, os personagens da TV Colosso, Power Rangers, Garfield... todos eles surgiram na vida de Nori antes que ele conseguisse se expressar em palavras. 

O desenho foi ficando mais elaborado. Uma briga dos irmãos com ele resultou na imagem de um gato enorme pegando um ratinho. Tudo pontilhado. Depois, criou sua primeira super-heroína, a Kaleido Rider, e daí surgiu uma saga que já conta com seis heroínas, o homem foca e, como seu autor diz, está em “clima de processo”. Ideias não faltam para esse jovem que sofreu muito e ultrapassou barreiras, que sabe de suas limitações, mas não se cansa de aprender.

Sonia, Caeto e Masanori lançam a HQ Nori e Eu Foto: Felipe Rau/Estadão
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E é essa história de luta que acompanhamos em Nori e Eu, uma HQ assinada por Masanori, que acaba de completar 33 anos, e Sonia, sua mãe. O livro é dividido em duas partes. Na primeira, encontramos Sonia em 1968, quando ela e o pai de Masanori se conhecem. E então os 10 anos que viveu no Japão, a volta ao Brasil, a gravidez, o filho tão sonhado que não interagia com o mundo e ficava aflito longe da mãe, que era contemplativo e metódico. E tudo o que se seguiu para que Nori pudesse se desenvolver e conquistar alguma autonomia. 

Na segunda parte, Nori se apresenta: sua história, suas preferências e referências, os momentos mais marcantes de sua trajetória. E o mais interessante: é ele quem ilustra tanto a sua parte quanto a da mãe.

A ideia do livro que a WMF Martins Fontes manda para as livrarias em uma semana foi do ilustrador Caeto. Ele é autor das graphic novels autobiográficas Memória de Elefante e Dez Anos Para o Fim do Mundo (Quadrinhos na Cia.) e da adaptação para HQ de Ivan Ilitch, de Liev Tolstoi, pela Peirópolis – e professor de desenho de Masanori há cinco anos. 

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Dois anos atrás, Sonia comentou com Caeto como seu filho estava indo bem e melhorando no desenho. Era um elogio, mas isso não diminuía sua frustração. “Masanori é um cara que já tem o trabalho dele, o Kaleido Rider, já faz o gibi dele, e não gostava da minha intromissão. É um artista e fazia do jeito dele. Respeitei isso, mas era como se eu não estivesse dando aula. Eu me sentia em falta com o Masanori”, conta. Ao ouvir sobre o processo de amadurecimento de seu aluno e das histórias por trás disso, sugeriu um projeto que envolvesse os três. 

Por uma dessas coincidências da vida, duas semanas depois de Caeto propor que Sonia Ninomiya escrevesse sobre sua relação com o filho e de pedir que Masanori contasse sua história, e isso se transformaria, com a ajuda dele, na HQ Nori e Eu, o ilustrador foi a uma reunião na WMF Martins Fontes por outros motivos – e aproveitou para falar sobre o novo projeto. 

“Ficamos entusiasmados, mas não sabíamos o que esperar – não conhecíamos os autores. E então Sonia veio na editora, antes mesmo de escrever o roteiro, e nos deixou emocionados e certos de querer publicar o quadrinho”, conta a editora Luciana Veit. “As histórias que ela contava, o seu amor pelo filho, as dificuldades que passou... Nós nos apegamos ao livro e a essa dupla incrível e até o final, quando recebemos o texto da orelha, de Vera Regina J.R.M. Fonseca, a psicanalista que atendeu o Nori pequeno, essa história fez lágrimas caírem aqui na editora.”

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É mesmo uma história bonita, corajosa, de uma mãe que fez o que estava ao seu alcance para cuidar do filho autista e prepará-lo para o mundo. De uma mulher que não abriu mão de seus sonhos e conseguiu conciliar a criação de Nori e dos outros dois que vieram depois com seu trabalho como professora de língua e literatura japonesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de onde se aposentou há dois anos, depois de 35 na sala de aula e na ponte aérea.

“Esse livro foi um crescimento para nós dois. Eu pude colocar para fora coisas que ninguém sabia e ele pode partilhar dessas coisas. E foi muito sofrido. Eu tinha muito receio de magoar pessoas com o que eu estava contando”, comenta Sonia. Ela completa: “Escrevi com cuidado, mas também com muita sinceridade.” 

Sonia ressalta que em alguns momentos ficou receosa de Nori desenhar, ou mesmo conhecer, alguns fatos. “Eu pensava: como ele vai encarar isso? Mas foi tudo tranquilo e algumas coisas pontuais mexeram com ele.” É o caso do sonho recorrente que ela tinha: alguém vinha e levava seu filho. Foi difícil para ele entender que aquilo não tinha acontecido. Nori voltava ao assunto, eles conversavam. E, mesmo durante a entrevista, ele repete que não sabia que havia sido sequestrado.

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Para que seu plano de mudar a dinâmica da aula e ajudar Nori a desenvolver ainda mais sua técnica funcionasse, Caeto lançou mão do nome de um dos ídolos do aluno. “Sugeri que eu tivesse uma função parecida com a do Mauricio de Sousa: eu ia ver o desenho e ia dizer se estava aprovado ou não. Isso mudou o ritmo da aula.” Foi muito trabalhoso para ele, reconhece o professor. “Vi seu esforço e dedicação de terminar esse livro e fico orgulhoso.” Caeto gostaria de voltar a trabalhar com o aluno. “Ele é rápido, coisa que não sou, e tem um desenho sofisticado. Escrevo roteiro e cada vez mais tenho tido preguiça de desenhar. A dupla funcionaria muito bem”, diz.

Nori sorri, tímido. 

À reportagem, ele conta que narrar sua história não foi tão difícil quanto fazer seus mangás – sempre sobre um herói que vai salvar alguém, ou a humanidade, ou São Paulo de algo ruim (mais recentemente, conta Sonia, o herói sofre um revés e uma heroína entra para ajudá-lo). Mas comenta que ilustrar a parte da sua mãe não foi tão fácil. Voltar à relação com os irmãos na infância também não – e uma cena tocante é quando a mãe conversa com os outros dois filhos sobre o primogênito e diz que está fazendo o possível para deixar a tarefa (cuidar de Nori no futuro) menos difícil.

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Nori e Eu

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Nori e Eu

Foto: Masanori Ninomiya
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Foto: Masanori Ninomiya
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Foto: Masanori Ninomiya
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Foto: Masanori Ninomiya
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Nori e Eu

Foto: Masanori Ninomiya
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Nori e Eu

Foto: Masanori Ninomiya

O livro é aberto pela fala de Sonia, que prepara o leitor com informações básicas sobre o autismo para que ele entre com Nori em seu universo e em sua história cronológica. “É assim que ele funciona”, explica a mãe. Lemos sobre os fatos marcantes de sua vida, que ele elegeu, e o que acontecia no Brasil e no mundo na mesma época.

Nori fala várias línguas, adora ler biografias, livros de história e almanaques. É fã de cinema, de museus, da cultura japonesa, de Jim Davis, Osamu Tezuka. Ama desenhar animais, paisagens e cidades. Mas o que quer fazer agora é viajar mais (os destinos estão na ponta da língua). 

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Para Masanori, o desenho é uma forma de ele se colocar no mundo, acredita Sonia. “Às vezes, os pais de um autista negligenciam o cuidado emocional. Masanori fez análise cinco dias por semana durante sete anos, o que deu uma bela estruturada nele. Ele é ele, ele se sente ele, e isso é muito importante. É uma pretensão grande, mas talvez eu consiga ajudar outras mães para que não se sintam sozinhas. Existe um caminho.”

NORI E EU Autores: Masanori e Sonia Ninomiya Editora: WMF Martins Fontes (92 págs.; R$ 44,90) Nas livrarias depois do dia 13

Masanori Ninomyia demorou 12 anos para começar a falar. Diagnosticado aos quatro como uma criança do espectro autista, o garoto, o mais velho de três irmãos, assistia ao que acontecia ao redor à sua maneira, e desenhava e desenhava sem parar. Mickey, os personagens da TV Colosso, Power Rangers, Garfield... todos eles surgiram na vida de Nori antes que ele conseguisse se expressar em palavras. 

O desenho foi ficando mais elaborado. Uma briga dos irmãos com ele resultou na imagem de um gato enorme pegando um ratinho. Tudo pontilhado. Depois, criou sua primeira super-heroína, a Kaleido Rider, e daí surgiu uma saga que já conta com seis heroínas, o homem foca e, como seu autor diz, está em “clima de processo”. Ideias não faltam para esse jovem que sofreu muito e ultrapassou barreiras, que sabe de suas limitações, mas não se cansa de aprender.

Sonia, Caeto e Masanori lançam a HQ Nori e Eu Foto: Felipe Rau/Estadão

E é essa história de luta que acompanhamos em Nori e Eu, uma HQ assinada por Masanori, que acaba de completar 33 anos, e Sonia, sua mãe. O livro é dividido em duas partes. Na primeira, encontramos Sonia em 1968, quando ela e o pai de Masanori se conhecem. E então os 10 anos que viveu no Japão, a volta ao Brasil, a gravidez, o filho tão sonhado que não interagia com o mundo e ficava aflito longe da mãe, que era contemplativo e metódico. E tudo o que se seguiu para que Nori pudesse se desenvolver e conquistar alguma autonomia. 

Na segunda parte, Nori se apresenta: sua história, suas preferências e referências, os momentos mais marcantes de sua trajetória. E o mais interessante: é ele quem ilustra tanto a sua parte quanto a da mãe.

A ideia do livro que a WMF Martins Fontes manda para as livrarias em uma semana foi do ilustrador Caeto. Ele é autor das graphic novels autobiográficas Memória de Elefante e Dez Anos Para o Fim do Mundo (Quadrinhos na Cia.) e da adaptação para HQ de Ivan Ilitch, de Liev Tolstoi, pela Peirópolis – e professor de desenho de Masanori há cinco anos. 

Dois anos atrás, Sonia comentou com Caeto como seu filho estava indo bem e melhorando no desenho. Era um elogio, mas isso não diminuía sua frustração. “Masanori é um cara que já tem o trabalho dele, o Kaleido Rider, já faz o gibi dele, e não gostava da minha intromissão. É um artista e fazia do jeito dele. Respeitei isso, mas era como se eu não estivesse dando aula. Eu me sentia em falta com o Masanori”, conta. Ao ouvir sobre o processo de amadurecimento de seu aluno e das histórias por trás disso, sugeriu um projeto que envolvesse os três. 

Por uma dessas coincidências da vida, duas semanas depois de Caeto propor que Sonia Ninomiya escrevesse sobre sua relação com o filho e de pedir que Masanori contasse sua história, e isso se transformaria, com a ajuda dele, na HQ Nori e Eu, o ilustrador foi a uma reunião na WMF Martins Fontes por outros motivos – e aproveitou para falar sobre o novo projeto. 

“Ficamos entusiasmados, mas não sabíamos o que esperar – não conhecíamos os autores. E então Sonia veio na editora, antes mesmo de escrever o roteiro, e nos deixou emocionados e certos de querer publicar o quadrinho”, conta a editora Luciana Veit. “As histórias que ela contava, o seu amor pelo filho, as dificuldades que passou... Nós nos apegamos ao livro e a essa dupla incrível e até o final, quando recebemos o texto da orelha, de Vera Regina J.R.M. Fonseca, a psicanalista que atendeu o Nori pequeno, essa história fez lágrimas caírem aqui na editora.”

É mesmo uma história bonita, corajosa, de uma mãe que fez o que estava ao seu alcance para cuidar do filho autista e prepará-lo para o mundo. De uma mulher que não abriu mão de seus sonhos e conseguiu conciliar a criação de Nori e dos outros dois que vieram depois com seu trabalho como professora de língua e literatura japonesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de onde se aposentou há dois anos, depois de 35 na sala de aula e na ponte aérea.

“Esse livro foi um crescimento para nós dois. Eu pude colocar para fora coisas que ninguém sabia e ele pode partilhar dessas coisas. E foi muito sofrido. Eu tinha muito receio de magoar pessoas com o que eu estava contando”, comenta Sonia. Ela completa: “Escrevi com cuidado, mas também com muita sinceridade.” 

Sonia ressalta que em alguns momentos ficou receosa de Nori desenhar, ou mesmo conhecer, alguns fatos. “Eu pensava: como ele vai encarar isso? Mas foi tudo tranquilo e algumas coisas pontuais mexeram com ele.” É o caso do sonho recorrente que ela tinha: alguém vinha e levava seu filho. Foi difícil para ele entender que aquilo não tinha acontecido. Nori voltava ao assunto, eles conversavam. E, mesmo durante a entrevista, ele repete que não sabia que havia sido sequestrado.

Para que seu plano de mudar a dinâmica da aula e ajudar Nori a desenvolver ainda mais sua técnica funcionasse, Caeto lançou mão do nome de um dos ídolos do aluno. “Sugeri que eu tivesse uma função parecida com a do Mauricio de Sousa: eu ia ver o desenho e ia dizer se estava aprovado ou não. Isso mudou o ritmo da aula.” Foi muito trabalhoso para ele, reconhece o professor. “Vi seu esforço e dedicação de terminar esse livro e fico orgulhoso.” Caeto gostaria de voltar a trabalhar com o aluno. “Ele é rápido, coisa que não sou, e tem um desenho sofisticado. Escrevo roteiro e cada vez mais tenho tido preguiça de desenhar. A dupla funcionaria muito bem”, diz.

Nori sorri, tímido. 

À reportagem, ele conta que narrar sua história não foi tão difícil quanto fazer seus mangás – sempre sobre um herói que vai salvar alguém, ou a humanidade, ou São Paulo de algo ruim (mais recentemente, conta Sonia, o herói sofre um revés e uma heroína entra para ajudá-lo). Mas comenta que ilustrar a parte da sua mãe não foi tão fácil. Voltar à relação com os irmãos na infância também não – e uma cena tocante é quando a mãe conversa com os outros dois filhos sobre o primogênito e diz que está fazendo o possível para deixar a tarefa (cuidar de Nori no futuro) menos difícil.

Nori e Eu

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O livro é aberto pela fala de Sonia, que prepara o leitor com informações básicas sobre o autismo para que ele entre com Nori em seu universo e em sua história cronológica. “É assim que ele funciona”, explica a mãe. Lemos sobre os fatos marcantes de sua vida, que ele elegeu, e o que acontecia no Brasil e no mundo na mesma época.

Nori fala várias línguas, adora ler biografias, livros de história e almanaques. É fã de cinema, de museus, da cultura japonesa, de Jim Davis, Osamu Tezuka. Ama desenhar animais, paisagens e cidades. Mas o que quer fazer agora é viajar mais (os destinos estão na ponta da língua). 

Para Masanori, o desenho é uma forma de ele se colocar no mundo, acredita Sonia. “Às vezes, os pais de um autista negligenciam o cuidado emocional. Masanori fez análise cinco dias por semana durante sete anos, o que deu uma bela estruturada nele. Ele é ele, ele se sente ele, e isso é muito importante. É uma pretensão grande, mas talvez eu consiga ajudar outras mães para que não se sintam sozinhas. Existe um caminho.”

NORI E EU Autores: Masanori e Sonia Ninomiya Editora: WMF Martins Fontes (92 págs.; R$ 44,90) Nas livrarias depois do dia 13

Masanori Ninomyia demorou 12 anos para começar a falar. Diagnosticado aos quatro como uma criança do espectro autista, o garoto, o mais velho de três irmãos, assistia ao que acontecia ao redor à sua maneira, e desenhava e desenhava sem parar. Mickey, os personagens da TV Colosso, Power Rangers, Garfield... todos eles surgiram na vida de Nori antes que ele conseguisse se expressar em palavras. 

O desenho foi ficando mais elaborado. Uma briga dos irmãos com ele resultou na imagem de um gato enorme pegando um ratinho. Tudo pontilhado. Depois, criou sua primeira super-heroína, a Kaleido Rider, e daí surgiu uma saga que já conta com seis heroínas, o homem foca e, como seu autor diz, está em “clima de processo”. Ideias não faltam para esse jovem que sofreu muito e ultrapassou barreiras, que sabe de suas limitações, mas não se cansa de aprender.

Sonia, Caeto e Masanori lançam a HQ Nori e Eu Foto: Felipe Rau/Estadão

E é essa história de luta que acompanhamos em Nori e Eu, uma HQ assinada por Masanori, que acaba de completar 33 anos, e Sonia, sua mãe. O livro é dividido em duas partes. Na primeira, encontramos Sonia em 1968, quando ela e o pai de Masanori se conhecem. E então os 10 anos que viveu no Japão, a volta ao Brasil, a gravidez, o filho tão sonhado que não interagia com o mundo e ficava aflito longe da mãe, que era contemplativo e metódico. E tudo o que se seguiu para que Nori pudesse se desenvolver e conquistar alguma autonomia. 

Na segunda parte, Nori se apresenta: sua história, suas preferências e referências, os momentos mais marcantes de sua trajetória. E o mais interessante: é ele quem ilustra tanto a sua parte quanto a da mãe.

A ideia do livro que a WMF Martins Fontes manda para as livrarias em uma semana foi do ilustrador Caeto. Ele é autor das graphic novels autobiográficas Memória de Elefante e Dez Anos Para o Fim do Mundo (Quadrinhos na Cia.) e da adaptação para HQ de Ivan Ilitch, de Liev Tolstoi, pela Peirópolis – e professor de desenho de Masanori há cinco anos. 

Dois anos atrás, Sonia comentou com Caeto como seu filho estava indo bem e melhorando no desenho. Era um elogio, mas isso não diminuía sua frustração. “Masanori é um cara que já tem o trabalho dele, o Kaleido Rider, já faz o gibi dele, e não gostava da minha intromissão. É um artista e fazia do jeito dele. Respeitei isso, mas era como se eu não estivesse dando aula. Eu me sentia em falta com o Masanori”, conta. Ao ouvir sobre o processo de amadurecimento de seu aluno e das histórias por trás disso, sugeriu um projeto que envolvesse os três. 

Por uma dessas coincidências da vida, duas semanas depois de Caeto propor que Sonia Ninomiya escrevesse sobre sua relação com o filho e de pedir que Masanori contasse sua história, e isso se transformaria, com a ajuda dele, na HQ Nori e Eu, o ilustrador foi a uma reunião na WMF Martins Fontes por outros motivos – e aproveitou para falar sobre o novo projeto. 

“Ficamos entusiasmados, mas não sabíamos o que esperar – não conhecíamos os autores. E então Sonia veio na editora, antes mesmo de escrever o roteiro, e nos deixou emocionados e certos de querer publicar o quadrinho”, conta a editora Luciana Veit. “As histórias que ela contava, o seu amor pelo filho, as dificuldades que passou... Nós nos apegamos ao livro e a essa dupla incrível e até o final, quando recebemos o texto da orelha, de Vera Regina J.R.M. Fonseca, a psicanalista que atendeu o Nori pequeno, essa história fez lágrimas caírem aqui na editora.”

É mesmo uma história bonita, corajosa, de uma mãe que fez o que estava ao seu alcance para cuidar do filho autista e prepará-lo para o mundo. De uma mulher que não abriu mão de seus sonhos e conseguiu conciliar a criação de Nori e dos outros dois que vieram depois com seu trabalho como professora de língua e literatura japonesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de onde se aposentou há dois anos, depois de 35 na sala de aula e na ponte aérea.

“Esse livro foi um crescimento para nós dois. Eu pude colocar para fora coisas que ninguém sabia e ele pode partilhar dessas coisas. E foi muito sofrido. Eu tinha muito receio de magoar pessoas com o que eu estava contando”, comenta Sonia. Ela completa: “Escrevi com cuidado, mas também com muita sinceridade.” 

Sonia ressalta que em alguns momentos ficou receosa de Nori desenhar, ou mesmo conhecer, alguns fatos. “Eu pensava: como ele vai encarar isso? Mas foi tudo tranquilo e algumas coisas pontuais mexeram com ele.” É o caso do sonho recorrente que ela tinha: alguém vinha e levava seu filho. Foi difícil para ele entender que aquilo não tinha acontecido. Nori voltava ao assunto, eles conversavam. E, mesmo durante a entrevista, ele repete que não sabia que havia sido sequestrado.

Para que seu plano de mudar a dinâmica da aula e ajudar Nori a desenvolver ainda mais sua técnica funcionasse, Caeto lançou mão do nome de um dos ídolos do aluno. “Sugeri que eu tivesse uma função parecida com a do Mauricio de Sousa: eu ia ver o desenho e ia dizer se estava aprovado ou não. Isso mudou o ritmo da aula.” Foi muito trabalhoso para ele, reconhece o professor. “Vi seu esforço e dedicação de terminar esse livro e fico orgulhoso.” Caeto gostaria de voltar a trabalhar com o aluno. “Ele é rápido, coisa que não sou, e tem um desenho sofisticado. Escrevo roteiro e cada vez mais tenho tido preguiça de desenhar. A dupla funcionaria muito bem”, diz.

Nori sorri, tímido. 

À reportagem, ele conta que narrar sua história não foi tão difícil quanto fazer seus mangás – sempre sobre um herói que vai salvar alguém, ou a humanidade, ou São Paulo de algo ruim (mais recentemente, conta Sonia, o herói sofre um revés e uma heroína entra para ajudá-lo). Mas comenta que ilustrar a parte da sua mãe não foi tão fácil. Voltar à relação com os irmãos na infância também não – e uma cena tocante é quando a mãe conversa com os outros dois filhos sobre o primogênito e diz que está fazendo o possível para deixar a tarefa (cuidar de Nori no futuro) menos difícil.

Nori e Eu

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O livro é aberto pela fala de Sonia, que prepara o leitor com informações básicas sobre o autismo para que ele entre com Nori em seu universo e em sua história cronológica. “É assim que ele funciona”, explica a mãe. Lemos sobre os fatos marcantes de sua vida, que ele elegeu, e o que acontecia no Brasil e no mundo na mesma época.

Nori fala várias línguas, adora ler biografias, livros de história e almanaques. É fã de cinema, de museus, da cultura japonesa, de Jim Davis, Osamu Tezuka. Ama desenhar animais, paisagens e cidades. Mas o que quer fazer agora é viajar mais (os destinos estão na ponta da língua). 

Para Masanori, o desenho é uma forma de ele se colocar no mundo, acredita Sonia. “Às vezes, os pais de um autista negligenciam o cuidado emocional. Masanori fez análise cinco dias por semana durante sete anos, o que deu uma bela estruturada nele. Ele é ele, ele se sente ele, e isso é muito importante. É uma pretensão grande, mas talvez eu consiga ajudar outras mães para que não se sintam sozinhas. Existe um caminho.”

NORI E EU Autores: Masanori e Sonia Ninomiya Editora: WMF Martins Fontes (92 págs.; R$ 44,90) Nas livrarias depois do dia 13

Masanori Ninomyia demorou 12 anos para começar a falar. Diagnosticado aos quatro como uma criança do espectro autista, o garoto, o mais velho de três irmãos, assistia ao que acontecia ao redor à sua maneira, e desenhava e desenhava sem parar. Mickey, os personagens da TV Colosso, Power Rangers, Garfield... todos eles surgiram na vida de Nori antes que ele conseguisse se expressar em palavras. 

O desenho foi ficando mais elaborado. Uma briga dos irmãos com ele resultou na imagem de um gato enorme pegando um ratinho. Tudo pontilhado. Depois, criou sua primeira super-heroína, a Kaleido Rider, e daí surgiu uma saga que já conta com seis heroínas, o homem foca e, como seu autor diz, está em “clima de processo”. Ideias não faltam para esse jovem que sofreu muito e ultrapassou barreiras, que sabe de suas limitações, mas não se cansa de aprender.

Sonia, Caeto e Masanori lançam a HQ Nori e Eu Foto: Felipe Rau/Estadão

E é essa história de luta que acompanhamos em Nori e Eu, uma HQ assinada por Masanori, que acaba de completar 33 anos, e Sonia, sua mãe. O livro é dividido em duas partes. Na primeira, encontramos Sonia em 1968, quando ela e o pai de Masanori se conhecem. E então os 10 anos que viveu no Japão, a volta ao Brasil, a gravidez, o filho tão sonhado que não interagia com o mundo e ficava aflito longe da mãe, que era contemplativo e metódico. E tudo o que se seguiu para que Nori pudesse se desenvolver e conquistar alguma autonomia. 

Na segunda parte, Nori se apresenta: sua história, suas preferências e referências, os momentos mais marcantes de sua trajetória. E o mais interessante: é ele quem ilustra tanto a sua parte quanto a da mãe.

A ideia do livro que a WMF Martins Fontes manda para as livrarias em uma semana foi do ilustrador Caeto. Ele é autor das graphic novels autobiográficas Memória de Elefante e Dez Anos Para o Fim do Mundo (Quadrinhos na Cia.) e da adaptação para HQ de Ivan Ilitch, de Liev Tolstoi, pela Peirópolis – e professor de desenho de Masanori há cinco anos. 

Dois anos atrás, Sonia comentou com Caeto como seu filho estava indo bem e melhorando no desenho. Era um elogio, mas isso não diminuía sua frustração. “Masanori é um cara que já tem o trabalho dele, o Kaleido Rider, já faz o gibi dele, e não gostava da minha intromissão. É um artista e fazia do jeito dele. Respeitei isso, mas era como se eu não estivesse dando aula. Eu me sentia em falta com o Masanori”, conta. Ao ouvir sobre o processo de amadurecimento de seu aluno e das histórias por trás disso, sugeriu um projeto que envolvesse os três. 

Por uma dessas coincidências da vida, duas semanas depois de Caeto propor que Sonia Ninomiya escrevesse sobre sua relação com o filho e de pedir que Masanori contasse sua história, e isso se transformaria, com a ajuda dele, na HQ Nori e Eu, o ilustrador foi a uma reunião na WMF Martins Fontes por outros motivos – e aproveitou para falar sobre o novo projeto. 

“Ficamos entusiasmados, mas não sabíamos o que esperar – não conhecíamos os autores. E então Sonia veio na editora, antes mesmo de escrever o roteiro, e nos deixou emocionados e certos de querer publicar o quadrinho”, conta a editora Luciana Veit. “As histórias que ela contava, o seu amor pelo filho, as dificuldades que passou... Nós nos apegamos ao livro e a essa dupla incrível e até o final, quando recebemos o texto da orelha, de Vera Regina J.R.M. Fonseca, a psicanalista que atendeu o Nori pequeno, essa história fez lágrimas caírem aqui na editora.”

É mesmo uma história bonita, corajosa, de uma mãe que fez o que estava ao seu alcance para cuidar do filho autista e prepará-lo para o mundo. De uma mulher que não abriu mão de seus sonhos e conseguiu conciliar a criação de Nori e dos outros dois que vieram depois com seu trabalho como professora de língua e literatura japonesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de onde se aposentou há dois anos, depois de 35 na sala de aula e na ponte aérea.

“Esse livro foi um crescimento para nós dois. Eu pude colocar para fora coisas que ninguém sabia e ele pode partilhar dessas coisas. E foi muito sofrido. Eu tinha muito receio de magoar pessoas com o que eu estava contando”, comenta Sonia. Ela completa: “Escrevi com cuidado, mas também com muita sinceridade.” 

Sonia ressalta que em alguns momentos ficou receosa de Nori desenhar, ou mesmo conhecer, alguns fatos. “Eu pensava: como ele vai encarar isso? Mas foi tudo tranquilo e algumas coisas pontuais mexeram com ele.” É o caso do sonho recorrente que ela tinha: alguém vinha e levava seu filho. Foi difícil para ele entender que aquilo não tinha acontecido. Nori voltava ao assunto, eles conversavam. E, mesmo durante a entrevista, ele repete que não sabia que havia sido sequestrado.

Para que seu plano de mudar a dinâmica da aula e ajudar Nori a desenvolver ainda mais sua técnica funcionasse, Caeto lançou mão do nome de um dos ídolos do aluno. “Sugeri que eu tivesse uma função parecida com a do Mauricio de Sousa: eu ia ver o desenho e ia dizer se estava aprovado ou não. Isso mudou o ritmo da aula.” Foi muito trabalhoso para ele, reconhece o professor. “Vi seu esforço e dedicação de terminar esse livro e fico orgulhoso.” Caeto gostaria de voltar a trabalhar com o aluno. “Ele é rápido, coisa que não sou, e tem um desenho sofisticado. Escrevo roteiro e cada vez mais tenho tido preguiça de desenhar. A dupla funcionaria muito bem”, diz.

Nori sorri, tímido. 

À reportagem, ele conta que narrar sua história não foi tão difícil quanto fazer seus mangás – sempre sobre um herói que vai salvar alguém, ou a humanidade, ou São Paulo de algo ruim (mais recentemente, conta Sonia, o herói sofre um revés e uma heroína entra para ajudá-lo). Mas comenta que ilustrar a parte da sua mãe não foi tão fácil. Voltar à relação com os irmãos na infância também não – e uma cena tocante é quando a mãe conversa com os outros dois filhos sobre o primogênito e diz que está fazendo o possível para deixar a tarefa (cuidar de Nori no futuro) menos difícil.

Nori e Eu

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Foto: Masanori Ninomiya
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O livro é aberto pela fala de Sonia, que prepara o leitor com informações básicas sobre o autismo para que ele entre com Nori em seu universo e em sua história cronológica. “É assim que ele funciona”, explica a mãe. Lemos sobre os fatos marcantes de sua vida, que ele elegeu, e o que acontecia no Brasil e no mundo na mesma época.

Nori fala várias línguas, adora ler biografias, livros de história e almanaques. É fã de cinema, de museus, da cultura japonesa, de Jim Davis, Osamu Tezuka. Ama desenhar animais, paisagens e cidades. Mas o que quer fazer agora é viajar mais (os destinos estão na ponta da língua). 

Para Masanori, o desenho é uma forma de ele se colocar no mundo, acredita Sonia. “Às vezes, os pais de um autista negligenciam o cuidado emocional. Masanori fez análise cinco dias por semana durante sete anos, o que deu uma bela estruturada nele. Ele é ele, ele se sente ele, e isso é muito importante. É uma pretensão grande, mas talvez eu consiga ajudar outras mães para que não se sintam sozinhas. Existe um caminho.”

NORI E EU Autores: Masanori e Sonia Ninomiya Editora: WMF Martins Fontes (92 págs.; R$ 44,90) Nas livrarias depois do dia 13

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