Poeta Thiago de Mello, autor de 'Os Estatutos do Homem', faz 95 anos


Autor também de 'Faz Escuro Mas Eu Canto', Thiago de Mello nasceu no dia 30 de março de 1926 no Amazonas

Por Maria Fernanda Rodrigues

“Fica decretado que agora vale a verdade,/ que agora vale a vida, / e de mãos dadas, / marcharemos todos pela vida verdadeira”. Este é o artigo 1 do histórico poema Os Estatutos do Homem, que Thiago de Mello escreveu como uma resposta ao AI-5 e que virou hino de uma geração. Serve como registro de uma resistência e de esperança. Serve para hoje, cinco décadas depois de ter sido escrito. “Fica decretado que os homens / estão livres do jugo da mentira. / Nunca mais será preciso usar / a couraça do silêncio / nem a armadura de palavras. / O homem se sentará à mesa / com seu olhar limpo / porque a verdade passará a ser servida / antes da sobremesa”, diz o artigo 5º do poema.

O poeta Thiago de Mello, em 2016 Foto: Sergio Castro/Estadão

Thiago de Mello faz aniversário nesta terça, 30. 95 anos. Poeta, tradutor, escritor, jornalista, artista gráfico e roteirista, ele nasceu no dia 30 de março de 1926, em Barreirinha, no Amazonas. Autor de Faz Escuro Mas eu Canto, entre outras obras icônicas, ele viveu parte da vida no Rio de Janeiro até decidir voltar para a floresta em 1977. Na época, ouviu do amigo Carlos Heitor Cony que seria esquecido. Não foi.

continua após a publicidade

“A floresta me fez perder muito da convivência com seres admiráveis, entretanto, a distância e o tempo fazem com que cresça a permanência da pessoa dentro de nossa vida”, disse o poeta em entrevista ao Estadão em 2016, quando veio a São Paulo.

Preso por sua posição política no Brasil, em 1968, e no Chile, em 1973, durante o golpe de Pinochet, quando foi salvo pela poesia (o oficial de plantão, allendista, conhecia seus versos pela tradução feita por Pablo Neruda), Thiago de Mello foi também ameaçado de morte por sua defesa do meio ambiente. Outra luta: fazer poesia usando uma linguagem acessível ao leitor comum. “O difícil é fazer poesia com a palavra que o povo usa”, contou naquela mesma entrevista.

continua após a publicidade

Os livros de Thiago de Mello são, em sua maioria, publicados pela Global: Faz Escuro Mas Eu Canto, Acerto de Contas, Melhores Poemas, Como Sou, As Águas Sabem Coisas, etc. Em 2011, a V&R lançou uma edição bilíngue de Os Estatutos do Homem - com o poema de Thiago e a tradução de Neruda.

Leia Os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello

Os Estatutos do Homem

continua após a publicidade

(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I 

continua após a publicidade

Fica decretado que agora vale a verdade, 

que agora vale a vida, 

e de mãos dadas, 

continua após a publicidade

marcharemos todos pela vida verdadeira. 

Artigo II 

Fica decretado que todos os dias da semana, 

continua após a publicidade

inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 

têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante, 

haverá girassóis em todas as janelas, 

que os girassóis terão direito 

a abrir-se dentro da sombra; 

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 

abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV 

Fica decretado que o homem 

não precisará nunca mais 

duvidar do homem. 

Que o homem confiará no homem 

como a palmeira confia no vento, 

como o vento confia no ar, 

como o ar confia no campo azul do céu. 

Parágrafo único:

O homem, confiará no homem 

como um menino confia em outro menino. 

Artigo V

Fica decretado que os homens 

estão livres do jugo da mentira. 

Nunca mais será preciso usar 

a couraça do silêncio 

nem a armadura de palavras. 

O homem se sentará à mesa 

com seu olhar limpo 

porque a verdade passará a ser servida 

antes da sobremesa. 

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, 

a prática sonhada pelo profeta Isaías, 

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo. 

Artigo VIII 

Fica decretado que a maior dor 

sempre foi e será sempre 

não poder dar-se amor a quem se ama 

e saber que é a água 

que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX 

Fica permitido que o pão de cada dia 

tenha no homem o sinal de seu suor. 

Mas que sobretudo tenhasempre

o quente sabor da ternura. 

Artigo X

Fica permitido a qualquerpessoa, 

qualquer hora da vida, 

uso do traje branco. 

Artigo XI 

Fica decretado, por definição, 

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo, 

muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII 

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, 

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela. 

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida: 

amar sem amor. 

Artigo XIII 

Fica decretado que o dinheiro 

não poderá nunca mais comprar 

o sol das manhãs vindouras. 

Expulso do grande baú do medo, 

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 

para defender o direito de cantar 

e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final. 

Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas. 

A partir deste instante 

a liberdade será algo vivo e transparente 

como um fogo ou um rio, 

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

(Santiago do Chile, abril de 1964)

“Fica decretado que agora vale a verdade,/ que agora vale a vida, / e de mãos dadas, / marcharemos todos pela vida verdadeira”. Este é o artigo 1 do histórico poema Os Estatutos do Homem, que Thiago de Mello escreveu como uma resposta ao AI-5 e que virou hino de uma geração. Serve como registro de uma resistência e de esperança. Serve para hoje, cinco décadas depois de ter sido escrito. “Fica decretado que os homens / estão livres do jugo da mentira. / Nunca mais será preciso usar / a couraça do silêncio / nem a armadura de palavras. / O homem se sentará à mesa / com seu olhar limpo / porque a verdade passará a ser servida / antes da sobremesa”, diz o artigo 5º do poema.

O poeta Thiago de Mello, em 2016 Foto: Sergio Castro/Estadão

Thiago de Mello faz aniversário nesta terça, 30. 95 anos. Poeta, tradutor, escritor, jornalista, artista gráfico e roteirista, ele nasceu no dia 30 de março de 1926, em Barreirinha, no Amazonas. Autor de Faz Escuro Mas eu Canto, entre outras obras icônicas, ele viveu parte da vida no Rio de Janeiro até decidir voltar para a floresta em 1977. Na época, ouviu do amigo Carlos Heitor Cony que seria esquecido. Não foi.

“A floresta me fez perder muito da convivência com seres admiráveis, entretanto, a distância e o tempo fazem com que cresça a permanência da pessoa dentro de nossa vida”, disse o poeta em entrevista ao Estadão em 2016, quando veio a São Paulo.

Preso por sua posição política no Brasil, em 1968, e no Chile, em 1973, durante o golpe de Pinochet, quando foi salvo pela poesia (o oficial de plantão, allendista, conhecia seus versos pela tradução feita por Pablo Neruda), Thiago de Mello foi também ameaçado de morte por sua defesa do meio ambiente. Outra luta: fazer poesia usando uma linguagem acessível ao leitor comum. “O difícil é fazer poesia com a palavra que o povo usa”, contou naquela mesma entrevista.

Os livros de Thiago de Mello são, em sua maioria, publicados pela Global: Faz Escuro Mas Eu Canto, Acerto de Contas, Melhores Poemas, Como Sou, As Águas Sabem Coisas, etc. Em 2011, a V&R lançou uma edição bilíngue de Os Estatutos do Homem - com o poema de Thiago e a tradução de Neruda.

Leia Os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello

Os Estatutos do Homem

(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I 

Fica decretado que agora vale a verdade, 

que agora vale a vida, 

e de mãos dadas, 

marcharemos todos pela vida verdadeira. 

Artigo II 

Fica decretado que todos os dias da semana, 

inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 

têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante, 

haverá girassóis em todas as janelas, 

que os girassóis terão direito 

a abrir-se dentro da sombra; 

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 

abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV 

Fica decretado que o homem 

não precisará nunca mais 

duvidar do homem. 

Que o homem confiará no homem 

como a palmeira confia no vento, 

como o vento confia no ar, 

como o ar confia no campo azul do céu. 

Parágrafo único:

O homem, confiará no homem 

como um menino confia em outro menino. 

Artigo V

Fica decretado que os homens 

estão livres do jugo da mentira. 

Nunca mais será preciso usar 

a couraça do silêncio 

nem a armadura de palavras. 

O homem se sentará à mesa 

com seu olhar limpo 

porque a verdade passará a ser servida 

antes da sobremesa. 

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, 

a prática sonhada pelo profeta Isaías, 

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo. 

Artigo VIII 

Fica decretado que a maior dor 

sempre foi e será sempre 

não poder dar-se amor a quem se ama 

e saber que é a água 

que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX 

Fica permitido que o pão de cada dia 

tenha no homem o sinal de seu suor. 

Mas que sobretudo tenhasempre

o quente sabor da ternura. 

Artigo X

Fica permitido a qualquerpessoa, 

qualquer hora da vida, 

uso do traje branco. 

Artigo XI 

Fica decretado, por definição, 

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo, 

muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII 

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, 

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela. 

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida: 

amar sem amor. 

Artigo XIII 

Fica decretado que o dinheiro 

não poderá nunca mais comprar 

o sol das manhãs vindouras. 

Expulso do grande baú do medo, 

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 

para defender o direito de cantar 

e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final. 

Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas. 

A partir deste instante 

a liberdade será algo vivo e transparente 

como um fogo ou um rio, 

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

(Santiago do Chile, abril de 1964)

“Fica decretado que agora vale a verdade,/ que agora vale a vida, / e de mãos dadas, / marcharemos todos pela vida verdadeira”. Este é o artigo 1 do histórico poema Os Estatutos do Homem, que Thiago de Mello escreveu como uma resposta ao AI-5 e que virou hino de uma geração. Serve como registro de uma resistência e de esperança. Serve para hoje, cinco décadas depois de ter sido escrito. “Fica decretado que os homens / estão livres do jugo da mentira. / Nunca mais será preciso usar / a couraça do silêncio / nem a armadura de palavras. / O homem se sentará à mesa / com seu olhar limpo / porque a verdade passará a ser servida / antes da sobremesa”, diz o artigo 5º do poema.

O poeta Thiago de Mello, em 2016 Foto: Sergio Castro/Estadão

Thiago de Mello faz aniversário nesta terça, 30. 95 anos. Poeta, tradutor, escritor, jornalista, artista gráfico e roteirista, ele nasceu no dia 30 de março de 1926, em Barreirinha, no Amazonas. Autor de Faz Escuro Mas eu Canto, entre outras obras icônicas, ele viveu parte da vida no Rio de Janeiro até decidir voltar para a floresta em 1977. Na época, ouviu do amigo Carlos Heitor Cony que seria esquecido. Não foi.

“A floresta me fez perder muito da convivência com seres admiráveis, entretanto, a distância e o tempo fazem com que cresça a permanência da pessoa dentro de nossa vida”, disse o poeta em entrevista ao Estadão em 2016, quando veio a São Paulo.

Preso por sua posição política no Brasil, em 1968, e no Chile, em 1973, durante o golpe de Pinochet, quando foi salvo pela poesia (o oficial de plantão, allendista, conhecia seus versos pela tradução feita por Pablo Neruda), Thiago de Mello foi também ameaçado de morte por sua defesa do meio ambiente. Outra luta: fazer poesia usando uma linguagem acessível ao leitor comum. “O difícil é fazer poesia com a palavra que o povo usa”, contou naquela mesma entrevista.

Os livros de Thiago de Mello são, em sua maioria, publicados pela Global: Faz Escuro Mas Eu Canto, Acerto de Contas, Melhores Poemas, Como Sou, As Águas Sabem Coisas, etc. Em 2011, a V&R lançou uma edição bilíngue de Os Estatutos do Homem - com o poema de Thiago e a tradução de Neruda.

Leia Os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello

Os Estatutos do Homem

(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I 

Fica decretado que agora vale a verdade, 

que agora vale a vida, 

e de mãos dadas, 

marcharemos todos pela vida verdadeira. 

Artigo II 

Fica decretado que todos os dias da semana, 

inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 

têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante, 

haverá girassóis em todas as janelas, 

que os girassóis terão direito 

a abrir-se dentro da sombra; 

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 

abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV 

Fica decretado que o homem 

não precisará nunca mais 

duvidar do homem. 

Que o homem confiará no homem 

como a palmeira confia no vento, 

como o vento confia no ar, 

como o ar confia no campo azul do céu. 

Parágrafo único:

O homem, confiará no homem 

como um menino confia em outro menino. 

Artigo V

Fica decretado que os homens 

estão livres do jugo da mentira. 

Nunca mais será preciso usar 

a couraça do silêncio 

nem a armadura de palavras. 

O homem se sentará à mesa 

com seu olhar limpo 

porque a verdade passará a ser servida 

antes da sobremesa. 

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, 

a prática sonhada pelo profeta Isaías, 

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo. 

Artigo VIII 

Fica decretado que a maior dor 

sempre foi e será sempre 

não poder dar-se amor a quem se ama 

e saber que é a água 

que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX 

Fica permitido que o pão de cada dia 

tenha no homem o sinal de seu suor. 

Mas que sobretudo tenhasempre

o quente sabor da ternura. 

Artigo X

Fica permitido a qualquerpessoa, 

qualquer hora da vida, 

uso do traje branco. 

Artigo XI 

Fica decretado, por definição, 

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo, 

muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII 

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, 

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela. 

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida: 

amar sem amor. 

Artigo XIII 

Fica decretado que o dinheiro 

não poderá nunca mais comprar 

o sol das manhãs vindouras. 

Expulso do grande baú do medo, 

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 

para defender o direito de cantar 

e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final. 

Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas. 

A partir deste instante 

a liberdade será algo vivo e transparente 

como um fogo ou um rio, 

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

(Santiago do Chile, abril de 1964)

“Fica decretado que agora vale a verdade,/ que agora vale a vida, / e de mãos dadas, / marcharemos todos pela vida verdadeira”. Este é o artigo 1 do histórico poema Os Estatutos do Homem, que Thiago de Mello escreveu como uma resposta ao AI-5 e que virou hino de uma geração. Serve como registro de uma resistência e de esperança. Serve para hoje, cinco décadas depois de ter sido escrito. “Fica decretado que os homens / estão livres do jugo da mentira. / Nunca mais será preciso usar / a couraça do silêncio / nem a armadura de palavras. / O homem se sentará à mesa / com seu olhar limpo / porque a verdade passará a ser servida / antes da sobremesa”, diz o artigo 5º do poema.

O poeta Thiago de Mello, em 2016 Foto: Sergio Castro/Estadão

Thiago de Mello faz aniversário nesta terça, 30. 95 anos. Poeta, tradutor, escritor, jornalista, artista gráfico e roteirista, ele nasceu no dia 30 de março de 1926, em Barreirinha, no Amazonas. Autor de Faz Escuro Mas eu Canto, entre outras obras icônicas, ele viveu parte da vida no Rio de Janeiro até decidir voltar para a floresta em 1977. Na época, ouviu do amigo Carlos Heitor Cony que seria esquecido. Não foi.

“A floresta me fez perder muito da convivência com seres admiráveis, entretanto, a distância e o tempo fazem com que cresça a permanência da pessoa dentro de nossa vida”, disse o poeta em entrevista ao Estadão em 2016, quando veio a São Paulo.

Preso por sua posição política no Brasil, em 1968, e no Chile, em 1973, durante o golpe de Pinochet, quando foi salvo pela poesia (o oficial de plantão, allendista, conhecia seus versos pela tradução feita por Pablo Neruda), Thiago de Mello foi também ameaçado de morte por sua defesa do meio ambiente. Outra luta: fazer poesia usando uma linguagem acessível ao leitor comum. “O difícil é fazer poesia com a palavra que o povo usa”, contou naquela mesma entrevista.

Os livros de Thiago de Mello são, em sua maioria, publicados pela Global: Faz Escuro Mas Eu Canto, Acerto de Contas, Melhores Poemas, Como Sou, As Águas Sabem Coisas, etc. Em 2011, a V&R lançou uma edição bilíngue de Os Estatutos do Homem - com o poema de Thiago e a tradução de Neruda.

Leia Os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello

Os Estatutos do Homem

(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I 

Fica decretado que agora vale a verdade, 

que agora vale a vida, 

e de mãos dadas, 

marcharemos todos pela vida verdadeira. 

Artigo II 

Fica decretado que todos os dias da semana, 

inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 

têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante, 

haverá girassóis em todas as janelas, 

que os girassóis terão direito 

a abrir-se dentro da sombra; 

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 

abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV 

Fica decretado que o homem 

não precisará nunca mais 

duvidar do homem. 

Que o homem confiará no homem 

como a palmeira confia no vento, 

como o vento confia no ar, 

como o ar confia no campo azul do céu. 

Parágrafo único:

O homem, confiará no homem 

como um menino confia em outro menino. 

Artigo V

Fica decretado que os homens 

estão livres do jugo da mentira. 

Nunca mais será preciso usar 

a couraça do silêncio 

nem a armadura de palavras. 

O homem se sentará à mesa 

com seu olhar limpo 

porque a verdade passará a ser servida 

antes da sobremesa. 

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, 

a prática sonhada pelo profeta Isaías, 

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo. 

Artigo VIII 

Fica decretado que a maior dor 

sempre foi e será sempre 

não poder dar-se amor a quem se ama 

e saber que é a água 

que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX 

Fica permitido que o pão de cada dia 

tenha no homem o sinal de seu suor. 

Mas que sobretudo tenhasempre

o quente sabor da ternura. 

Artigo X

Fica permitido a qualquerpessoa, 

qualquer hora da vida, 

uso do traje branco. 

Artigo XI 

Fica decretado, por definição, 

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo, 

muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII 

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, 

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela. 

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida: 

amar sem amor. 

Artigo XIII 

Fica decretado que o dinheiro 

não poderá nunca mais comprar 

o sol das manhãs vindouras. 

Expulso do grande baú do medo, 

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 

para defender o direito de cantar 

e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final. 

Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas. 

A partir deste instante 

a liberdade será algo vivo e transparente 

como um fogo ou um rio, 

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

(Santiago do Chile, abril de 1964)

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.