O melhor filme do 26º Festival de Cinema de Vitória foi o documentário de Pernambuco "Casa", de Letícia Simoes. O filme é uma imersão pessoal na árvore genealógica da diretora, com uma reconstrução interessante através de uma longa conversa com a mãe e a avó, tendo registros fotográficos como aide memóire.
Após a lista completa de vencedores, reproduzo, de novo, a crítica ao filme que fiz quando o vi pela primeira vez, no Olhar de Cinema, de Curitiba.
Depois faço um balanço mais geral desta edição do festival que teve, a meu ver, um marcado caráter político em defesa de pessoas negras, transgêneros e minorias. Ou seja, todas e todos que se sentem ameaçados e hostilizados pelo neofascismo à brasileira. Foi um festival da resistência. Um belo festival.
VENCEDORES DO 26º FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA
MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL DE LONGAS
Melhor Filme - Casa, de Letícia Simões
Direção - Bertrand Lira, de O seu amor de volta (Mesmo que ele não queira)
Interpretação - Marcélia Cartaxo por suas atuações em Pacarrete e O seu amor de volta (Mesmo que ele não queira)
Roteiro - Bertrand Lira, por O seu amor de volta (Mesmo que ele não queira)
Contribuição Artística - Mirante, de Rodrigo John
Menção Honrosa para o ator William Muniz, pelo papel de Laura de Jezebel do filme O seu amor de volta (Mesmo que não queira)
MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL DE CURTAS
Melhor Filme - NEGRUM3, de Diego Paulino
Melhor Filme Júri Popular - Sangro, de Tiago Minamisawa, Bruno H Castro e Guto BR
Direção - Diego Paulino, por Negrum3
Interpretação - Kauan Alvarenga, de O Órfão
Roteiro - Willian Alves e Zefel Coff, por A Praga do cinema Brasileiro
Contribuição Artística - Quando elas cantam, de Maria Fanchin
Prêmio Especial do Júri - Guaxuma, de Nara Normande
FESTIVALZINHO DE CINEMA DE VITÓRIA
Melhor Filme Júri Popular - Arani Tempo Furioso, de Robert Chay Domingues da Rocha
MOSTRA DO OUTRO LADO
Melhor Filme - Caranguejo Rei, de Enock Carvalho e Matheus Farias
Menção Honrosa - Carne infinita, de Isadora Cavalcanti
MOSTRA NACIONAL DE CINEMA AMBIENTAL
Melhor Filme - Ka'a zar ukyze wà - Os Donos da Floresta em Perigo, de Flay Guajajara, Edvan dos Santos Guajajara e Erivan Bone Guajajara
MOSTRA NACIONAL DE VIDEOCLIPES
Melhor Filme - Pedrinho (Tulipa Ruiz), de Fábio Lamounier, Pedro Henrique França e Rodrigo Ladeira
Menção Honrosa - Ok Ok Ok (Gilberto Gil), de Victor Hugo Fiuza
MOSTRA MULHERES NO CINEMA
Melhor Filme - Deus te dê boa sorte, de Jacqueline Farias
Menção Honrosa - Afeto, de Gabriela Gaia Meirelles e Tainá Medina
MOSTRA CINEMA E NEGRITUDE
Melhor Filme - Sem asas, de Renata Martins
Menção Honrosa - Motriz, de Tais Amordivino
MOSTRA OUTROS OLHARES
Melhor Filme - Do outro lado, de Bob Yang e Frederico Evaristo
Menção Honrosa - Kris Bronze, de Larry Machado
MOSTRA CORSÁRIA
Melhores Filmes:
A profundidade da areia, de Hugo Reis
Plano controle, de Juliana Antunes
MOSTRA FOCO CAPIXABA
Melhor Filme - Jardim secreto, de Shay Peled
MOSTRA QUATRO ESTAÇÕES
Melhor Filme - Tea for two, de Julia Katharine
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Crítica de Casa, de Letícia Simões
A diretora Letícia Simões diz que "Casa" sempre foi o título de trabalho para seu filme. E terminou sendo o título definitivo. Casa é mesmo o "tema" oculto nesse filme de procura, ou de reencontro, se se quiser, do seu lugar no mundo. Fala do relacionamento exasperado da diretora com sua própria mãe, com quem deseja se reencontrar. A mãe também mantém um problemático relacionamento com a sua própria mãe, a avó da diretora.
Ou seja, são disfuncionalidades em cadeia, construídas de geração em geração. Nada de novo, em tese. Mas, convém lembrar Tolstoi, em Anna Karenina: "Todas as famílias felizes são iguais; as famílias infelizes o são cada qual à sua maneira."
E, dessa maneira, articulando suas lembranças, da casa em Itaparica onde foi feliz, às fotos guardadas pela mãe como num relicário (os "arquivos implacáveis"), Letícia vai tecendo seu delicado rendado de relações familiares insondáveis e problemáticas. Como as de todos nós, mas com seus toques de singularidade: a árvore genealógica que se constrói com a antepassada escrava, o bisavô português, o cangaceiro egresso do bando de Lampião...Um mundo de machos, mas agora, no Brasil novo da quarta onda feminista, recentrado em figuras femininas. Passa por aí um pouco da genealogia complexa do povo brasileiro, heteróclito, violento, terno, e, não raro, negador de suas origens.
Casa é um filme que dá muito mais do promete em seu início. Ao falar da singularidade de sua família, Letícia Simões faz com que nos lembremos da nossa própria, também complexa, contraditória, enredada, entretecida de ódios, rivalidades, ressentimentos e afetos. Contraditória configuração humana, a família, esta "viagem através da carne", como dizia Carlos Drummond de Andrade.