Comparado a outros golpes de Estado da história brasileira, este parece dar mais trabalho aos golpistas.
Claro, os outros, em especial o golpe referencial de 1964, também dependeram de uma concertação de conspiradores, de setores empresariais conservadores, parte da mídia, a Igreja, o Exército, tendo a classe média como massa de manobra sempre disponível, em nome da família e da moralidade.
Neste também há disso. Mas note-se o esmero como foram mobilizados o aparato policial e o jurídico para apertar o laço no pescoço do governo eleito. O cuidado justifica-se quando se tenta dar motivação e aparência de legalidade ao golpe. Fazer com que este pareça não um atentado, mas uma defesa da democracia. De maneira mais tosca, golpes anteriores tentaram a mesma coisa, sem os pruridos atuais. Lembre-se de que na pressa de declarar vaga a presidência da República, o deputado Ranieri Mazilli,presidente da Câmara em 1964, omitiu que João Goulart continuava em território nacional e por isso não poderia ser deposto. O próprio Mazilli assumiu a presidência da República por menos de duas semanas, até entregá-la aos militares.
Outros golpes não encontraram mesma resistência que o de hoje. Ainda que minoritária, existe uma parcela da população que não o aceita e demonstra esse repúdio nas ruas. Há movimentos sociais articulados, dispostos a vender caro um eventual retrocesso. A parte mais significativa dos meios intelectuais se mobilizou para denunciar a manobra golpista através de manifestos. E ainda não se sabe qual será o custo social da derrubada de um governo impopular, porém legítimo, e a posse de outro, ilegítimo e não batizado nas urnas.
Tenta-se salvar as aparências a qualquer preço. O que não revela apenas má consciência, mas também a percepção de que tornar legítimo o ilegítimo será tarefa inglória. Caso concretizado o golpe, quem assumir levará a marca indelével da ilegitimidade na testa. Paga esse preço no presente e estará condenado perante a História. Mas esta, como bem disse outro dia o Luis Fernando Verissimo, é uma velha senhora que fala apenas quando os fatos já passaram e podem ser vistos em perspectiva. Como a coruja de Minerva, só alça voo ao crepúsculo.
De toda forma, e aconteça o que acontecer, o golpe está sendo difícil e trabalhoso para os golpistas. Mais do que foram os anteriores. Essa talvez seja a função permanente das forças progressistas: aumentar o preço do golpe, até o dia em que ele se torne impossível de ser pago.
Nesse ritmo, talvez nuns 200 anos cheguemos a uma democracia de verdade.