Luz e sombra no carnaval


Em mais uma peça embasada por Gilberto Freyre, Fofos em Cena examinam religiosidade

Por Maria Eugenia de Menezes

Dentro de cada fazenda de cana, havia um espaço, um terreno pequeno, no qual o dono do engenho não mandava. Ali, a plantação não chegava, nada podia ser construído. Era uma terra diferente, que não pertencia a um homem só. Onde os cortadores tinham pequenas roças, faziam seus cultos e rezas. Um território livre. Onde o senhorio, a tutela, era do sagrado. Foi de posse desse dado histórico que o dramaturgo Newton Moreno e a Cia. Os Fofos Encenam criaram Terra de Santo. No espetáculo, que entra em cartaz amanhã no Sesc Belenzinho, o grupo prossegue em uma antiga pesquisa: incitada pela obra de Gilberto Freyre e o impacto da cultura açucareira no País. "São 500 anos de cana-de-açúcar. Ela surge no início da colonização e está aí até hoje, inclusive ganhando força", lembra Newton Moreno. "Foi a cana que nos formou, que nos criou. Ou destruiu."De posse desse arcabouço, os Fofos conceberam, em 2009, Memória da Cana. A peça mesclava a obra de Freyre à de Nelson Rodrigues. Transportava para o canavial a trama de incestos e assassinatos de Álbum de Família. Mas detinha-se nos limites da casa-grande. Agora, o olhar se desloca para a senzala (e seus equivalentes contemporâneos). Os protagonistas não são os senhores de engenho, mas seus escravos e empregados. "Queríamos continuar no universo da cana. Mas para onde olhar desta vez? Aí, surgiram essas questões da tradição, da fé, da religiosidade", explica Moreno, que, além de assinar a dramaturgia, divide a direção com Fernando Neves. A peça está claramente divida em dois momentos. Um no presente, outro no passado. Um prosaico, o outro sacro. A ação tem início em uma fazenda do interior de São Paulo. Território onde os migrantes nordestinos foram desvinculados da terra, onde as tradições religiosas permanecem vivas, mas achatadas. Como se a dimensão material da fé se avultasse diante do lado místico, nitidamente diminuído. Dentro do refeitório de uma usina, misturam-se católicos, evangélicos neopentecostais e adeptos de religiões afro-brasileiras. Uma guerra santa por vezes abafada, mas viva. Durante a pesquisa para concepção do espetáculo, atores e diretores conviveram com cortadores de cana em duas cidades: Vicência, em Pernambuco, e Piracicaba, em São Paulo. Presenciaram conflitos reais. Viram terreiros de umbanda serem destruídos. Foram enredados em jogos de poder. "Nesse mergulho, nosso encaminhamento foi místico, mas o resultado é absolutamente político", acredita o diretor Fernando Neves. A montagem captura o conflito de uma comunidade de cortadores, forçados a destruir um lugar sagrado. Devem ampliar o espaço de plantio do canavial. Antes, porém, será preciso convencer um grupo de mulheres, que afirma que a área é consagrada ao santo padroeiro. O conceito de "terra de santo" surge como metáfora para questões que o grupo pretendia discutir. "Estamos sempre em busca de uma identidade que não sabemos ao certo qual é. Existe a cultura de que o velho deve ser superado, jogado fora. Onde é o lugar da preservação, onde a gente não vai destruir, plantar em cima?", questiona Neves. Na montagem, a religiosidade desponta, portanto, como forma de afirmação e resistência. Lastro dos valores que subsistem. O segundo momento da peça abre um percurso pelos séculos passados. Breves histórias relembram as muitas etnias que estão no esteio da cultura patriarcal e açucareira. Um a um, vão sendo convocados os cantos, os instrumentos musicais e as linguagens dessas crenças. Aparecem os negros, alijados de seus ritos. Os índios. Os judeus, que precisaram escamotear suas convicções para ter espaço no Nordeste brasileiro. Os cristãos: alguns devotos, outros hipócritas, nem sempre capazes de conciliar discurso e ação. Em Terra de Santo, a fé - qualquer uma delas - não aparece só como luz, mas também como treva. É, a um só tempo, a força que não deve ser destruída, a sombra a ser evitada.

Dentro de cada fazenda de cana, havia um espaço, um terreno pequeno, no qual o dono do engenho não mandava. Ali, a plantação não chegava, nada podia ser construído. Era uma terra diferente, que não pertencia a um homem só. Onde os cortadores tinham pequenas roças, faziam seus cultos e rezas. Um território livre. Onde o senhorio, a tutela, era do sagrado. Foi de posse desse dado histórico que o dramaturgo Newton Moreno e a Cia. Os Fofos Encenam criaram Terra de Santo. No espetáculo, que entra em cartaz amanhã no Sesc Belenzinho, o grupo prossegue em uma antiga pesquisa: incitada pela obra de Gilberto Freyre e o impacto da cultura açucareira no País. "São 500 anos de cana-de-açúcar. Ela surge no início da colonização e está aí até hoje, inclusive ganhando força", lembra Newton Moreno. "Foi a cana que nos formou, que nos criou. Ou destruiu."De posse desse arcabouço, os Fofos conceberam, em 2009, Memória da Cana. A peça mesclava a obra de Freyre à de Nelson Rodrigues. Transportava para o canavial a trama de incestos e assassinatos de Álbum de Família. Mas detinha-se nos limites da casa-grande. Agora, o olhar se desloca para a senzala (e seus equivalentes contemporâneos). Os protagonistas não são os senhores de engenho, mas seus escravos e empregados. "Queríamos continuar no universo da cana. Mas para onde olhar desta vez? Aí, surgiram essas questões da tradição, da fé, da religiosidade", explica Moreno, que, além de assinar a dramaturgia, divide a direção com Fernando Neves. A peça está claramente divida em dois momentos. Um no presente, outro no passado. Um prosaico, o outro sacro. A ação tem início em uma fazenda do interior de São Paulo. Território onde os migrantes nordestinos foram desvinculados da terra, onde as tradições religiosas permanecem vivas, mas achatadas. Como se a dimensão material da fé se avultasse diante do lado místico, nitidamente diminuído. Dentro do refeitório de uma usina, misturam-se católicos, evangélicos neopentecostais e adeptos de religiões afro-brasileiras. Uma guerra santa por vezes abafada, mas viva. Durante a pesquisa para concepção do espetáculo, atores e diretores conviveram com cortadores de cana em duas cidades: Vicência, em Pernambuco, e Piracicaba, em São Paulo. Presenciaram conflitos reais. Viram terreiros de umbanda serem destruídos. Foram enredados em jogos de poder. "Nesse mergulho, nosso encaminhamento foi místico, mas o resultado é absolutamente político", acredita o diretor Fernando Neves. A montagem captura o conflito de uma comunidade de cortadores, forçados a destruir um lugar sagrado. Devem ampliar o espaço de plantio do canavial. Antes, porém, será preciso convencer um grupo de mulheres, que afirma que a área é consagrada ao santo padroeiro. O conceito de "terra de santo" surge como metáfora para questões que o grupo pretendia discutir. "Estamos sempre em busca de uma identidade que não sabemos ao certo qual é. Existe a cultura de que o velho deve ser superado, jogado fora. Onde é o lugar da preservação, onde a gente não vai destruir, plantar em cima?", questiona Neves. Na montagem, a religiosidade desponta, portanto, como forma de afirmação e resistência. Lastro dos valores que subsistem. O segundo momento da peça abre um percurso pelos séculos passados. Breves histórias relembram as muitas etnias que estão no esteio da cultura patriarcal e açucareira. Um a um, vão sendo convocados os cantos, os instrumentos musicais e as linguagens dessas crenças. Aparecem os negros, alijados de seus ritos. Os índios. Os judeus, que precisaram escamotear suas convicções para ter espaço no Nordeste brasileiro. Os cristãos: alguns devotos, outros hipócritas, nem sempre capazes de conciliar discurso e ação. Em Terra de Santo, a fé - qualquer uma delas - não aparece só como luz, mas também como treva. É, a um só tempo, a força que não deve ser destruída, a sombra a ser evitada.

Dentro de cada fazenda de cana, havia um espaço, um terreno pequeno, no qual o dono do engenho não mandava. Ali, a plantação não chegava, nada podia ser construído. Era uma terra diferente, que não pertencia a um homem só. Onde os cortadores tinham pequenas roças, faziam seus cultos e rezas. Um território livre. Onde o senhorio, a tutela, era do sagrado. Foi de posse desse dado histórico que o dramaturgo Newton Moreno e a Cia. Os Fofos Encenam criaram Terra de Santo. No espetáculo, que entra em cartaz amanhã no Sesc Belenzinho, o grupo prossegue em uma antiga pesquisa: incitada pela obra de Gilberto Freyre e o impacto da cultura açucareira no País. "São 500 anos de cana-de-açúcar. Ela surge no início da colonização e está aí até hoje, inclusive ganhando força", lembra Newton Moreno. "Foi a cana que nos formou, que nos criou. Ou destruiu."De posse desse arcabouço, os Fofos conceberam, em 2009, Memória da Cana. A peça mesclava a obra de Freyre à de Nelson Rodrigues. Transportava para o canavial a trama de incestos e assassinatos de Álbum de Família. Mas detinha-se nos limites da casa-grande. Agora, o olhar se desloca para a senzala (e seus equivalentes contemporâneos). Os protagonistas não são os senhores de engenho, mas seus escravos e empregados. "Queríamos continuar no universo da cana. Mas para onde olhar desta vez? Aí, surgiram essas questões da tradição, da fé, da religiosidade", explica Moreno, que, além de assinar a dramaturgia, divide a direção com Fernando Neves. A peça está claramente divida em dois momentos. Um no presente, outro no passado. Um prosaico, o outro sacro. A ação tem início em uma fazenda do interior de São Paulo. Território onde os migrantes nordestinos foram desvinculados da terra, onde as tradições religiosas permanecem vivas, mas achatadas. Como se a dimensão material da fé se avultasse diante do lado místico, nitidamente diminuído. Dentro do refeitório de uma usina, misturam-se católicos, evangélicos neopentecostais e adeptos de religiões afro-brasileiras. Uma guerra santa por vezes abafada, mas viva. Durante a pesquisa para concepção do espetáculo, atores e diretores conviveram com cortadores de cana em duas cidades: Vicência, em Pernambuco, e Piracicaba, em São Paulo. Presenciaram conflitos reais. Viram terreiros de umbanda serem destruídos. Foram enredados em jogos de poder. "Nesse mergulho, nosso encaminhamento foi místico, mas o resultado é absolutamente político", acredita o diretor Fernando Neves. A montagem captura o conflito de uma comunidade de cortadores, forçados a destruir um lugar sagrado. Devem ampliar o espaço de plantio do canavial. Antes, porém, será preciso convencer um grupo de mulheres, que afirma que a área é consagrada ao santo padroeiro. O conceito de "terra de santo" surge como metáfora para questões que o grupo pretendia discutir. "Estamos sempre em busca de uma identidade que não sabemos ao certo qual é. Existe a cultura de que o velho deve ser superado, jogado fora. Onde é o lugar da preservação, onde a gente não vai destruir, plantar em cima?", questiona Neves. Na montagem, a religiosidade desponta, portanto, como forma de afirmação e resistência. Lastro dos valores que subsistem. O segundo momento da peça abre um percurso pelos séculos passados. Breves histórias relembram as muitas etnias que estão no esteio da cultura patriarcal e açucareira. Um a um, vão sendo convocados os cantos, os instrumentos musicais e as linguagens dessas crenças. Aparecem os negros, alijados de seus ritos. Os índios. Os judeus, que precisaram escamotear suas convicções para ter espaço no Nordeste brasileiro. Os cristãos: alguns devotos, outros hipócritas, nem sempre capazes de conciliar discurso e ação. Em Terra de Santo, a fé - qualquer uma delas - não aparece só como luz, mas também como treva. É, a um só tempo, a força que não deve ser destruída, a sombra a ser evitada.

Dentro de cada fazenda de cana, havia um espaço, um terreno pequeno, no qual o dono do engenho não mandava. Ali, a plantação não chegava, nada podia ser construído. Era uma terra diferente, que não pertencia a um homem só. Onde os cortadores tinham pequenas roças, faziam seus cultos e rezas. Um território livre. Onde o senhorio, a tutela, era do sagrado. Foi de posse desse dado histórico que o dramaturgo Newton Moreno e a Cia. Os Fofos Encenam criaram Terra de Santo. No espetáculo, que entra em cartaz amanhã no Sesc Belenzinho, o grupo prossegue em uma antiga pesquisa: incitada pela obra de Gilberto Freyre e o impacto da cultura açucareira no País. "São 500 anos de cana-de-açúcar. Ela surge no início da colonização e está aí até hoje, inclusive ganhando força", lembra Newton Moreno. "Foi a cana que nos formou, que nos criou. Ou destruiu."De posse desse arcabouço, os Fofos conceberam, em 2009, Memória da Cana. A peça mesclava a obra de Freyre à de Nelson Rodrigues. Transportava para o canavial a trama de incestos e assassinatos de Álbum de Família. Mas detinha-se nos limites da casa-grande. Agora, o olhar se desloca para a senzala (e seus equivalentes contemporâneos). Os protagonistas não são os senhores de engenho, mas seus escravos e empregados. "Queríamos continuar no universo da cana. Mas para onde olhar desta vez? Aí, surgiram essas questões da tradição, da fé, da religiosidade", explica Moreno, que, além de assinar a dramaturgia, divide a direção com Fernando Neves. A peça está claramente divida em dois momentos. Um no presente, outro no passado. Um prosaico, o outro sacro. A ação tem início em uma fazenda do interior de São Paulo. Território onde os migrantes nordestinos foram desvinculados da terra, onde as tradições religiosas permanecem vivas, mas achatadas. Como se a dimensão material da fé se avultasse diante do lado místico, nitidamente diminuído. Dentro do refeitório de uma usina, misturam-se católicos, evangélicos neopentecostais e adeptos de religiões afro-brasileiras. Uma guerra santa por vezes abafada, mas viva. Durante a pesquisa para concepção do espetáculo, atores e diretores conviveram com cortadores de cana em duas cidades: Vicência, em Pernambuco, e Piracicaba, em São Paulo. Presenciaram conflitos reais. Viram terreiros de umbanda serem destruídos. Foram enredados em jogos de poder. "Nesse mergulho, nosso encaminhamento foi místico, mas o resultado é absolutamente político", acredita o diretor Fernando Neves. A montagem captura o conflito de uma comunidade de cortadores, forçados a destruir um lugar sagrado. Devem ampliar o espaço de plantio do canavial. Antes, porém, será preciso convencer um grupo de mulheres, que afirma que a área é consagrada ao santo padroeiro. O conceito de "terra de santo" surge como metáfora para questões que o grupo pretendia discutir. "Estamos sempre em busca de uma identidade que não sabemos ao certo qual é. Existe a cultura de que o velho deve ser superado, jogado fora. Onde é o lugar da preservação, onde a gente não vai destruir, plantar em cima?", questiona Neves. Na montagem, a religiosidade desponta, portanto, como forma de afirmação e resistência. Lastro dos valores que subsistem. O segundo momento da peça abre um percurso pelos séculos passados. Breves histórias relembram as muitas etnias que estão no esteio da cultura patriarcal e açucareira. Um a um, vão sendo convocados os cantos, os instrumentos musicais e as linguagens dessas crenças. Aparecem os negros, alijados de seus ritos. Os índios. Os judeus, que precisaram escamotear suas convicções para ter espaço no Nordeste brasileiro. Os cristãos: alguns devotos, outros hipócritas, nem sempre capazes de conciliar discurso e ação. Em Terra de Santo, a fé - qualquer uma delas - não aparece só como luz, mas também como treva. É, a um só tempo, a força que não deve ser destruída, a sombra a ser evitada.

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