Iván Fischer e a reinvenção de sua orquestra


Em concerto na Sala São Paulo, maestro transforma apresentação em uma festa ora emocionante ora em um festejo junino

Por João Marcos Coelho

Definitivamente, não foi um concerto convencional. Os contrabaixos, no fundo do palco, abraçando a orquestra inteira e a percussão à direita, o que tornou a sonoridade global mais equilibrada; violinos divididos em dois grupos, na frente, à esquerda e à direita; cellos e violas ao centro; madeiras a direita, metais à esquerda. No segundo movimento da quarta sinfonia de Mahler, a spalla Violetta Eckahrdt alternou instrumentos; nos momentos solísticos tocou num instrumento de timbre mais brilhante e aberto porque afinado um tom acima dos demais, e ao se integrar ao naipe, empunhou outro, de afinação compatível com os demais.  De repente, uma trompa sai dos fundos do palco e se coloca à esquerda do maestro, como um solista; ainda soavam os derradeiros acordes do incrível Adagio quando a soprano Miah Persson entrou passeando discretamente entre os violinos até chegar ao primeiro plano, ao mesmo tempo em que se iniciava o finale-canção, na definição de um comentador. 

Fischer. Maestro criou a orquestra em 1983 Foto: Marco Borggreve via The New York Times

O público aplaudiu com entusiasmo, mas ainda emocionado com a grandeza e o refinamento da acridoce quarta sinfonia de Mahler, de um lado; e, de outro, pela maravilhosa interpretação de Fischer e da Orquestra de Budapeste. O clima entre respeitoso e hipnótico quebrou-se como um vaso precioso  que é derrubado por acaso com o bis: o sacudidíssimo "Mambo" de Leonard Bernstein. Aqui, os músicos não só se levantaram gritando "mambo" nos breaks. Os violinos, à esquerda e à direita, fizeram uma dancinha das cadeiras, trocando de lugar aos pares. Desde o início do concerto me espantava o modo com Fischer e seus músicos se reinventavam a cada obra. A orquestra que tocou os cinco "Esboços húngaros" de Bela Bartok parecia ter nascido para tocar estas  danças e melodias divinamente orquestradas pelo compositor por motivos alimentares. Em seguida, transformaram-se em especialistas em Richard Strauss, com uma leitura perfeita, emocionante e ao mesmo tempo plácida, como o estado de espírito do compositor em seu derradeiro ciclo de canções que se despedem da vida e flertam com a morte não como fim, mas como rito de passagem. Na célebre No crepúsculo, última delas, um casal, o próprio Richard e sua amada Pauline, juntos há 55 anos, passeia de mãos dadas e se pergunta "é isso a morte?" A voz afinadíssima de Persson é acariciada pela orquestra. Fischer modela cada frase, transforma num fluxo contínuo o canto e a orquestra, sem quebras nem sobreposições que costumam encobrir a voz nos pianíssimos.::: Cultura Estadão nas redes sociais :::

continua após a publicidade

:: Facebook :::: Twitter ::

Segunda parte. Quarta sinfonia de Mahler. Pode-se chamá-la de sinfonia-canção (namora o tempo todo com a melodia de A vida celestial, do ciclo A trompa mágica do menino). Um dos segredos de uma interpretação correta de Mahler é o modo como o regente promove o balanço entre os timbres - às vezes, em dois, três compassos, há fortíssimos e pianíssimos. O fraseado -- tecido a partir do que parecem ser fragmentos de lembranças, evocações do menino, aspirações e decepções - reflete este mosaico que hipnotiza nossos ouvidos quando realizado não só com perfeição mas com intensa, sublime musicalidade. 

Ao final da sinfonia, percebe-se por que a gravação das sinfonias de Mahler por Budapeste ganhou praticamente todos os prêmios disponíveis. E concluímos: ora, esta é uma orquestra mahleriana por excelência. Não. Ela não é bartokiana, straussiana nem mahleriana. É a orquestra reinventada, capaz de transformar um concerto que tinha tudo para ser ritualístico, engessado, numa festa ora emocionante, ora num clima de festa junina (no Mambo). Heresia? Jamais. Fischer é um dos maestros que mais defendem a reinvenção da orquestra no século 21. Concertos para jovens à meia-noite, para crianças de 5 a 12 anos, ou sem anunciar o repertório; apresentações em hospitais, igrejas, sinagogas. Ir também aonde o público está. Manter um nível de qualidade extraordinário (o que o legitima diante do público de concerto), mas com espírito de entretenimento - afinal, esta é a característica mais fundamental de uma arte performática como a música. O público que assistiu ao "Mambo" saiu rindo, quase dançando... Cotação: excelente.

Definitivamente, não foi um concerto convencional. Os contrabaixos, no fundo do palco, abraçando a orquestra inteira e a percussão à direita, o que tornou a sonoridade global mais equilibrada; violinos divididos em dois grupos, na frente, à esquerda e à direita; cellos e violas ao centro; madeiras a direita, metais à esquerda. No segundo movimento da quarta sinfonia de Mahler, a spalla Violetta Eckahrdt alternou instrumentos; nos momentos solísticos tocou num instrumento de timbre mais brilhante e aberto porque afinado um tom acima dos demais, e ao se integrar ao naipe, empunhou outro, de afinação compatível com os demais.  De repente, uma trompa sai dos fundos do palco e se coloca à esquerda do maestro, como um solista; ainda soavam os derradeiros acordes do incrível Adagio quando a soprano Miah Persson entrou passeando discretamente entre os violinos até chegar ao primeiro plano, ao mesmo tempo em que se iniciava o finale-canção, na definição de um comentador. 

Fischer. Maestro criou a orquestra em 1983 Foto: Marco Borggreve via The New York Times

O público aplaudiu com entusiasmo, mas ainda emocionado com a grandeza e o refinamento da acridoce quarta sinfonia de Mahler, de um lado; e, de outro, pela maravilhosa interpretação de Fischer e da Orquestra de Budapeste. O clima entre respeitoso e hipnótico quebrou-se como um vaso precioso  que é derrubado por acaso com o bis: o sacudidíssimo "Mambo" de Leonard Bernstein. Aqui, os músicos não só se levantaram gritando "mambo" nos breaks. Os violinos, à esquerda e à direita, fizeram uma dancinha das cadeiras, trocando de lugar aos pares. Desde o início do concerto me espantava o modo com Fischer e seus músicos se reinventavam a cada obra. A orquestra que tocou os cinco "Esboços húngaros" de Bela Bartok parecia ter nascido para tocar estas  danças e melodias divinamente orquestradas pelo compositor por motivos alimentares. Em seguida, transformaram-se em especialistas em Richard Strauss, com uma leitura perfeita, emocionante e ao mesmo tempo plácida, como o estado de espírito do compositor em seu derradeiro ciclo de canções que se despedem da vida e flertam com a morte não como fim, mas como rito de passagem. Na célebre No crepúsculo, última delas, um casal, o próprio Richard e sua amada Pauline, juntos há 55 anos, passeia de mãos dadas e se pergunta "é isso a morte?" A voz afinadíssima de Persson é acariciada pela orquestra. Fischer modela cada frase, transforma num fluxo contínuo o canto e a orquestra, sem quebras nem sobreposições que costumam encobrir a voz nos pianíssimos.::: Cultura Estadão nas redes sociais :::

:: Facebook :::: Twitter ::

Segunda parte. Quarta sinfonia de Mahler. Pode-se chamá-la de sinfonia-canção (namora o tempo todo com a melodia de A vida celestial, do ciclo A trompa mágica do menino). Um dos segredos de uma interpretação correta de Mahler é o modo como o regente promove o balanço entre os timbres - às vezes, em dois, três compassos, há fortíssimos e pianíssimos. O fraseado -- tecido a partir do que parecem ser fragmentos de lembranças, evocações do menino, aspirações e decepções - reflete este mosaico que hipnotiza nossos ouvidos quando realizado não só com perfeição mas com intensa, sublime musicalidade. 

Ao final da sinfonia, percebe-se por que a gravação das sinfonias de Mahler por Budapeste ganhou praticamente todos os prêmios disponíveis. E concluímos: ora, esta é uma orquestra mahleriana por excelência. Não. Ela não é bartokiana, straussiana nem mahleriana. É a orquestra reinventada, capaz de transformar um concerto que tinha tudo para ser ritualístico, engessado, numa festa ora emocionante, ora num clima de festa junina (no Mambo). Heresia? Jamais. Fischer é um dos maestros que mais defendem a reinvenção da orquestra no século 21. Concertos para jovens à meia-noite, para crianças de 5 a 12 anos, ou sem anunciar o repertório; apresentações em hospitais, igrejas, sinagogas. Ir também aonde o público está. Manter um nível de qualidade extraordinário (o que o legitima diante do público de concerto), mas com espírito de entretenimento - afinal, esta é a característica mais fundamental de uma arte performática como a música. O público que assistiu ao "Mambo" saiu rindo, quase dançando... Cotação: excelente.

Definitivamente, não foi um concerto convencional. Os contrabaixos, no fundo do palco, abraçando a orquestra inteira e a percussão à direita, o que tornou a sonoridade global mais equilibrada; violinos divididos em dois grupos, na frente, à esquerda e à direita; cellos e violas ao centro; madeiras a direita, metais à esquerda. No segundo movimento da quarta sinfonia de Mahler, a spalla Violetta Eckahrdt alternou instrumentos; nos momentos solísticos tocou num instrumento de timbre mais brilhante e aberto porque afinado um tom acima dos demais, e ao se integrar ao naipe, empunhou outro, de afinação compatível com os demais.  De repente, uma trompa sai dos fundos do palco e se coloca à esquerda do maestro, como um solista; ainda soavam os derradeiros acordes do incrível Adagio quando a soprano Miah Persson entrou passeando discretamente entre os violinos até chegar ao primeiro plano, ao mesmo tempo em que se iniciava o finale-canção, na definição de um comentador. 

Fischer. Maestro criou a orquestra em 1983 Foto: Marco Borggreve via The New York Times

O público aplaudiu com entusiasmo, mas ainda emocionado com a grandeza e o refinamento da acridoce quarta sinfonia de Mahler, de um lado; e, de outro, pela maravilhosa interpretação de Fischer e da Orquestra de Budapeste. O clima entre respeitoso e hipnótico quebrou-se como um vaso precioso  que é derrubado por acaso com o bis: o sacudidíssimo "Mambo" de Leonard Bernstein. Aqui, os músicos não só se levantaram gritando "mambo" nos breaks. Os violinos, à esquerda e à direita, fizeram uma dancinha das cadeiras, trocando de lugar aos pares. Desde o início do concerto me espantava o modo com Fischer e seus músicos se reinventavam a cada obra. A orquestra que tocou os cinco "Esboços húngaros" de Bela Bartok parecia ter nascido para tocar estas  danças e melodias divinamente orquestradas pelo compositor por motivos alimentares. Em seguida, transformaram-se em especialistas em Richard Strauss, com uma leitura perfeita, emocionante e ao mesmo tempo plácida, como o estado de espírito do compositor em seu derradeiro ciclo de canções que se despedem da vida e flertam com a morte não como fim, mas como rito de passagem. Na célebre No crepúsculo, última delas, um casal, o próprio Richard e sua amada Pauline, juntos há 55 anos, passeia de mãos dadas e se pergunta "é isso a morte?" A voz afinadíssima de Persson é acariciada pela orquestra. Fischer modela cada frase, transforma num fluxo contínuo o canto e a orquestra, sem quebras nem sobreposições que costumam encobrir a voz nos pianíssimos.::: Cultura Estadão nas redes sociais :::

:: Facebook :::: Twitter ::

Segunda parte. Quarta sinfonia de Mahler. Pode-se chamá-la de sinfonia-canção (namora o tempo todo com a melodia de A vida celestial, do ciclo A trompa mágica do menino). Um dos segredos de uma interpretação correta de Mahler é o modo como o regente promove o balanço entre os timbres - às vezes, em dois, três compassos, há fortíssimos e pianíssimos. O fraseado -- tecido a partir do que parecem ser fragmentos de lembranças, evocações do menino, aspirações e decepções - reflete este mosaico que hipnotiza nossos ouvidos quando realizado não só com perfeição mas com intensa, sublime musicalidade. 

Ao final da sinfonia, percebe-se por que a gravação das sinfonias de Mahler por Budapeste ganhou praticamente todos os prêmios disponíveis. E concluímos: ora, esta é uma orquestra mahleriana por excelência. Não. Ela não é bartokiana, straussiana nem mahleriana. É a orquestra reinventada, capaz de transformar um concerto que tinha tudo para ser ritualístico, engessado, numa festa ora emocionante, ora num clima de festa junina (no Mambo). Heresia? Jamais. Fischer é um dos maestros que mais defendem a reinvenção da orquestra no século 21. Concertos para jovens à meia-noite, para crianças de 5 a 12 anos, ou sem anunciar o repertório; apresentações em hospitais, igrejas, sinagogas. Ir também aonde o público está. Manter um nível de qualidade extraordinário (o que o legitima diante do público de concerto), mas com espírito de entretenimento - afinal, esta é a característica mais fundamental de uma arte performática como a música. O público que assistiu ao "Mambo" saiu rindo, quase dançando... Cotação: excelente.

Definitivamente, não foi um concerto convencional. Os contrabaixos, no fundo do palco, abraçando a orquestra inteira e a percussão à direita, o que tornou a sonoridade global mais equilibrada; violinos divididos em dois grupos, na frente, à esquerda e à direita; cellos e violas ao centro; madeiras a direita, metais à esquerda. No segundo movimento da quarta sinfonia de Mahler, a spalla Violetta Eckahrdt alternou instrumentos; nos momentos solísticos tocou num instrumento de timbre mais brilhante e aberto porque afinado um tom acima dos demais, e ao se integrar ao naipe, empunhou outro, de afinação compatível com os demais.  De repente, uma trompa sai dos fundos do palco e se coloca à esquerda do maestro, como um solista; ainda soavam os derradeiros acordes do incrível Adagio quando a soprano Miah Persson entrou passeando discretamente entre os violinos até chegar ao primeiro plano, ao mesmo tempo em que se iniciava o finale-canção, na definição de um comentador. 

Fischer. Maestro criou a orquestra em 1983 Foto: Marco Borggreve via The New York Times

O público aplaudiu com entusiasmo, mas ainda emocionado com a grandeza e o refinamento da acridoce quarta sinfonia de Mahler, de um lado; e, de outro, pela maravilhosa interpretação de Fischer e da Orquestra de Budapeste. O clima entre respeitoso e hipnótico quebrou-se como um vaso precioso  que é derrubado por acaso com o bis: o sacudidíssimo "Mambo" de Leonard Bernstein. Aqui, os músicos não só se levantaram gritando "mambo" nos breaks. Os violinos, à esquerda e à direita, fizeram uma dancinha das cadeiras, trocando de lugar aos pares. Desde o início do concerto me espantava o modo com Fischer e seus músicos se reinventavam a cada obra. A orquestra que tocou os cinco "Esboços húngaros" de Bela Bartok parecia ter nascido para tocar estas  danças e melodias divinamente orquestradas pelo compositor por motivos alimentares. Em seguida, transformaram-se em especialistas em Richard Strauss, com uma leitura perfeita, emocionante e ao mesmo tempo plácida, como o estado de espírito do compositor em seu derradeiro ciclo de canções que se despedem da vida e flertam com a morte não como fim, mas como rito de passagem. Na célebre No crepúsculo, última delas, um casal, o próprio Richard e sua amada Pauline, juntos há 55 anos, passeia de mãos dadas e se pergunta "é isso a morte?" A voz afinadíssima de Persson é acariciada pela orquestra. Fischer modela cada frase, transforma num fluxo contínuo o canto e a orquestra, sem quebras nem sobreposições que costumam encobrir a voz nos pianíssimos.::: Cultura Estadão nas redes sociais :::

:: Facebook :::: Twitter ::

Segunda parte. Quarta sinfonia de Mahler. Pode-se chamá-la de sinfonia-canção (namora o tempo todo com a melodia de A vida celestial, do ciclo A trompa mágica do menino). Um dos segredos de uma interpretação correta de Mahler é o modo como o regente promove o balanço entre os timbres - às vezes, em dois, três compassos, há fortíssimos e pianíssimos. O fraseado -- tecido a partir do que parecem ser fragmentos de lembranças, evocações do menino, aspirações e decepções - reflete este mosaico que hipnotiza nossos ouvidos quando realizado não só com perfeição mas com intensa, sublime musicalidade. 

Ao final da sinfonia, percebe-se por que a gravação das sinfonias de Mahler por Budapeste ganhou praticamente todos os prêmios disponíveis. E concluímos: ora, esta é uma orquestra mahleriana por excelência. Não. Ela não é bartokiana, straussiana nem mahleriana. É a orquestra reinventada, capaz de transformar um concerto que tinha tudo para ser ritualístico, engessado, numa festa ora emocionante, ora num clima de festa junina (no Mambo). Heresia? Jamais. Fischer é um dos maestros que mais defendem a reinvenção da orquestra no século 21. Concertos para jovens à meia-noite, para crianças de 5 a 12 anos, ou sem anunciar o repertório; apresentações em hospitais, igrejas, sinagogas. Ir também aonde o público está. Manter um nível de qualidade extraordinário (o que o legitima diante do público de concerto), mas com espírito de entretenimento - afinal, esta é a característica mais fundamental de uma arte performática como a música. O público que assistiu ao "Mambo" saiu rindo, quase dançando... Cotação: excelente.

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.