Lang Lang, o popstar do piano erudito


Músico chinês é o maior vendedor de discos do mundo há quatro anos

Por Agencia Estado

Os chineses se aproximaram da música de concerto ocidental como quem vê pela primeira vez uma engenhoca da qual nunca ouviu falar. Desmontaram seus mecanismos, aprenderam a reproduzi-la e em seguida partiram para a criação. A metáfora não é minha, mas do maior astro clássico chinês, o pianista Lang Lang, de 25 anos. Há quatro anos ele é o maior vendedor de discos do mundo (claro, se apenas 1% dos 30 milhões de estudantes chineses de piano comprarem seus discos....). ?É como o futebol. Aprendemos as regras da música clássica ocidental e pronto?, diz Lang. Ele mesmo reconhece, porém, no CD-DVD que acaba de ser lançado no mercado internacional, intitulado Dragon Songs, que isso não basta. ?Nas master classes no Ocidente, em geral mando os pianistas estudarem mais; na China é o contrário. Ninguém erra. Mas falta o toque subjetivo, a interpretação pessoal.? Ele foi direto ao ponto. Em geral, os asiáticos são verdadeiras máquinas de tocar piano. O próprio Lang Lang liga muitas vezes o piloto automático e fica desinteressante. O CD e DVD Dragon Songs registra seu triunfal retorno à China em 2005 como superstar. Ele dá autógrafos numa loja de discos em Pequim enquanto a patética voz de um locutor em off proclama que ?os chineses preferem comprar o disco original de Lang Lang? - como se no paraíso da pirataria o segmento de discos passasse ileso. Dragon Songs é um retrato sem retoques da abordagem chinesa da música ocidental. Revela um vasto e diversificado repertório de canções folclóricas. Mas infelizmente vestidas a caráter - ou seja, metidas numa casaca sinfônica que quase sempre soa artificial. Entre as pitadas exóticas, faixas com a pipa (o alaúde chinês), cítara e flauta. E uma versão horripilante do Concerto do Rio Amarelo para Piano e Orquestra no Teatro de Pequim para 8 mil pessoas, transmitido pela TV para outros 800 milhões: um imenso palco abriga uma enorme orquestra sinfônica de mais de 150 músicos; à frente, o piano de Lang Lang e, de cada lado da orquestra, dois blocos de 50 pianistas mulheres, todas iguaizinhas, simetricamente enfileiradas com seus Baldwins de cauda inteira - lembra o Orson Welles de O Processo, com aquele escritório surrealista. Com um mercado tão apetitoso como esse - a Deutsche Gramophon esconde a sete chaves os números de vendagem de Lang Lang na China -, as gravadoras atiram a esmo, tentando compensar as vacas magras, agonizantes, que compõem o indisfarçável ar de cemitério da cena ocidental (todos os CDs citados estão disponíveis no site www.laserland.com.br). Carreira fora da China A K617, em geral uma digna gravadora francesa dedicada à música antiga, fez um Frankenstein chamado Vésperas à Virgem na China, juntando arranjos de peças de Mateo Ricci e uma dezena de outros nomes de algum modo ligados ao país. Pôs na capa do luxuoso CD um detalhe do quadro A Mãe de Deus, Imperatriz da China, de Chu Kar Kui. Jean-Christophe Frisch lidera o grupo Musique des Lumières e, para facilitar a entrada no mercado chinês, participa o Coro do Beitang de Pequim. Outra, a holandesa Channel Classics, instituiu um selo exclusivo - Channel of China - e lança tudo em superáudio, um formato de CD bem mais caro do que o convencional e já natimorto no mercado ocidental. Grava qualquer coisa, de um CD de pipa a arranjos pífios do folclore com a Orquestra Sinfônica da China. Nem tudo é descartável, porém. Há os compositores que saíram da China durante ou logo depois da Revolução Cultural de Mao, entre 1966 e 1978. São chineses ocidentalizados, portanto. Afora Tan Dun, o mais conhecido deles, há dois que podem constituir verdadeiras descobertas: Qigang Chen, de 56 anos, e Bright Sheng, de 51 anos. Ambos se ?exilaram? no Ocidente. Chen foi para a França, estudou com Olivier Messiaen, Ivo Malec, Claude Ballif e Betsy Jolas. Sua música é refinada, aparenta-se à de György Ligeti. Chen cai inteligentemente em tentação quando introduz ?chinoiseries? em sua obra, sempre com bom gosto. No CD Extase, da Virgin Classics, com a Orquestra Filarmônica da Rádio France, regida por Leonard Slatkin (2006), por exemplo, há três primeiras gravações mundiais. A faixa-título é uma peça para oboé e orquestra de 1995, em que o solista parece um novo instrumento, porque Chen lhe aplica técnicas do instrumento chinês so-na. A curiosa San Xiao, ou ?rir três vezes?, para quatro instrumentos tradicionais chineses - flauta de bambu, pipa (alaúde de 4 cordas), san hsien (alaúde de 3 cordas) e cheng (cítara de 21 cordas) -, brinca mas não se dissolve no folclore. Em vez disso, constrói um discurso sonoro denso e bem-humorado. A terceira estréia mundial é L?Eloignement, de 2004, para orquestra de cordas. Tudo muito elegante, dissonante, francês, enfim. Já Bright Sheng voou mais longe, de Xangai para os EUA em 1982, onde estudou com Leonard Bernstein e George Perle. Aculturou-se totalmente ao universo norte-americano acadêmico e dos grandes festivais de verão. Neste Silent Temple (CD da BIS de 2002), ele atua como pianista nos quatro movimentos para trio com piano, de 1990. O CD traz ainda os quartetos de cordas n.º 3 (1993) e n.º 4 (2000) e três canções para pipa e violoncelo (1993), com o ótimo Quarteto de Xangai e Wu Man na pipa. Como Chen, Sheng não faz música fácil. A fusão das raízes chineses com as linguagens ocidentais não é banal ou óbvia. Fica mais evidente, claro, nas canções para pipa e cello. Excelentes os dois quartetos de cordas, sobretudo o n.º 4, que aplica chinesamente o pizzicato aos instrumentos do quarteto.

Os chineses se aproximaram da música de concerto ocidental como quem vê pela primeira vez uma engenhoca da qual nunca ouviu falar. Desmontaram seus mecanismos, aprenderam a reproduzi-la e em seguida partiram para a criação. A metáfora não é minha, mas do maior astro clássico chinês, o pianista Lang Lang, de 25 anos. Há quatro anos ele é o maior vendedor de discos do mundo (claro, se apenas 1% dos 30 milhões de estudantes chineses de piano comprarem seus discos....). ?É como o futebol. Aprendemos as regras da música clássica ocidental e pronto?, diz Lang. Ele mesmo reconhece, porém, no CD-DVD que acaba de ser lançado no mercado internacional, intitulado Dragon Songs, que isso não basta. ?Nas master classes no Ocidente, em geral mando os pianistas estudarem mais; na China é o contrário. Ninguém erra. Mas falta o toque subjetivo, a interpretação pessoal.? Ele foi direto ao ponto. Em geral, os asiáticos são verdadeiras máquinas de tocar piano. O próprio Lang Lang liga muitas vezes o piloto automático e fica desinteressante. O CD e DVD Dragon Songs registra seu triunfal retorno à China em 2005 como superstar. Ele dá autógrafos numa loja de discos em Pequim enquanto a patética voz de um locutor em off proclama que ?os chineses preferem comprar o disco original de Lang Lang? - como se no paraíso da pirataria o segmento de discos passasse ileso. Dragon Songs é um retrato sem retoques da abordagem chinesa da música ocidental. Revela um vasto e diversificado repertório de canções folclóricas. Mas infelizmente vestidas a caráter - ou seja, metidas numa casaca sinfônica que quase sempre soa artificial. Entre as pitadas exóticas, faixas com a pipa (o alaúde chinês), cítara e flauta. E uma versão horripilante do Concerto do Rio Amarelo para Piano e Orquestra no Teatro de Pequim para 8 mil pessoas, transmitido pela TV para outros 800 milhões: um imenso palco abriga uma enorme orquestra sinfônica de mais de 150 músicos; à frente, o piano de Lang Lang e, de cada lado da orquestra, dois blocos de 50 pianistas mulheres, todas iguaizinhas, simetricamente enfileiradas com seus Baldwins de cauda inteira - lembra o Orson Welles de O Processo, com aquele escritório surrealista. Com um mercado tão apetitoso como esse - a Deutsche Gramophon esconde a sete chaves os números de vendagem de Lang Lang na China -, as gravadoras atiram a esmo, tentando compensar as vacas magras, agonizantes, que compõem o indisfarçável ar de cemitério da cena ocidental (todos os CDs citados estão disponíveis no site www.laserland.com.br). Carreira fora da China A K617, em geral uma digna gravadora francesa dedicada à música antiga, fez um Frankenstein chamado Vésperas à Virgem na China, juntando arranjos de peças de Mateo Ricci e uma dezena de outros nomes de algum modo ligados ao país. Pôs na capa do luxuoso CD um detalhe do quadro A Mãe de Deus, Imperatriz da China, de Chu Kar Kui. Jean-Christophe Frisch lidera o grupo Musique des Lumières e, para facilitar a entrada no mercado chinês, participa o Coro do Beitang de Pequim. Outra, a holandesa Channel Classics, instituiu um selo exclusivo - Channel of China - e lança tudo em superáudio, um formato de CD bem mais caro do que o convencional e já natimorto no mercado ocidental. Grava qualquer coisa, de um CD de pipa a arranjos pífios do folclore com a Orquestra Sinfônica da China. Nem tudo é descartável, porém. Há os compositores que saíram da China durante ou logo depois da Revolução Cultural de Mao, entre 1966 e 1978. São chineses ocidentalizados, portanto. Afora Tan Dun, o mais conhecido deles, há dois que podem constituir verdadeiras descobertas: Qigang Chen, de 56 anos, e Bright Sheng, de 51 anos. Ambos se ?exilaram? no Ocidente. Chen foi para a França, estudou com Olivier Messiaen, Ivo Malec, Claude Ballif e Betsy Jolas. Sua música é refinada, aparenta-se à de György Ligeti. Chen cai inteligentemente em tentação quando introduz ?chinoiseries? em sua obra, sempre com bom gosto. No CD Extase, da Virgin Classics, com a Orquestra Filarmônica da Rádio France, regida por Leonard Slatkin (2006), por exemplo, há três primeiras gravações mundiais. A faixa-título é uma peça para oboé e orquestra de 1995, em que o solista parece um novo instrumento, porque Chen lhe aplica técnicas do instrumento chinês so-na. A curiosa San Xiao, ou ?rir três vezes?, para quatro instrumentos tradicionais chineses - flauta de bambu, pipa (alaúde de 4 cordas), san hsien (alaúde de 3 cordas) e cheng (cítara de 21 cordas) -, brinca mas não se dissolve no folclore. Em vez disso, constrói um discurso sonoro denso e bem-humorado. A terceira estréia mundial é L?Eloignement, de 2004, para orquestra de cordas. Tudo muito elegante, dissonante, francês, enfim. Já Bright Sheng voou mais longe, de Xangai para os EUA em 1982, onde estudou com Leonard Bernstein e George Perle. Aculturou-se totalmente ao universo norte-americano acadêmico e dos grandes festivais de verão. Neste Silent Temple (CD da BIS de 2002), ele atua como pianista nos quatro movimentos para trio com piano, de 1990. O CD traz ainda os quartetos de cordas n.º 3 (1993) e n.º 4 (2000) e três canções para pipa e violoncelo (1993), com o ótimo Quarteto de Xangai e Wu Man na pipa. Como Chen, Sheng não faz música fácil. A fusão das raízes chineses com as linguagens ocidentais não é banal ou óbvia. Fica mais evidente, claro, nas canções para pipa e cello. Excelentes os dois quartetos de cordas, sobretudo o n.º 4, que aplica chinesamente o pizzicato aos instrumentos do quarteto.

Os chineses se aproximaram da música de concerto ocidental como quem vê pela primeira vez uma engenhoca da qual nunca ouviu falar. Desmontaram seus mecanismos, aprenderam a reproduzi-la e em seguida partiram para a criação. A metáfora não é minha, mas do maior astro clássico chinês, o pianista Lang Lang, de 25 anos. Há quatro anos ele é o maior vendedor de discos do mundo (claro, se apenas 1% dos 30 milhões de estudantes chineses de piano comprarem seus discos....). ?É como o futebol. Aprendemos as regras da música clássica ocidental e pronto?, diz Lang. Ele mesmo reconhece, porém, no CD-DVD que acaba de ser lançado no mercado internacional, intitulado Dragon Songs, que isso não basta. ?Nas master classes no Ocidente, em geral mando os pianistas estudarem mais; na China é o contrário. Ninguém erra. Mas falta o toque subjetivo, a interpretação pessoal.? Ele foi direto ao ponto. Em geral, os asiáticos são verdadeiras máquinas de tocar piano. O próprio Lang Lang liga muitas vezes o piloto automático e fica desinteressante. O CD e DVD Dragon Songs registra seu triunfal retorno à China em 2005 como superstar. Ele dá autógrafos numa loja de discos em Pequim enquanto a patética voz de um locutor em off proclama que ?os chineses preferem comprar o disco original de Lang Lang? - como se no paraíso da pirataria o segmento de discos passasse ileso. Dragon Songs é um retrato sem retoques da abordagem chinesa da música ocidental. Revela um vasto e diversificado repertório de canções folclóricas. Mas infelizmente vestidas a caráter - ou seja, metidas numa casaca sinfônica que quase sempre soa artificial. Entre as pitadas exóticas, faixas com a pipa (o alaúde chinês), cítara e flauta. E uma versão horripilante do Concerto do Rio Amarelo para Piano e Orquestra no Teatro de Pequim para 8 mil pessoas, transmitido pela TV para outros 800 milhões: um imenso palco abriga uma enorme orquestra sinfônica de mais de 150 músicos; à frente, o piano de Lang Lang e, de cada lado da orquestra, dois blocos de 50 pianistas mulheres, todas iguaizinhas, simetricamente enfileiradas com seus Baldwins de cauda inteira - lembra o Orson Welles de O Processo, com aquele escritório surrealista. Com um mercado tão apetitoso como esse - a Deutsche Gramophon esconde a sete chaves os números de vendagem de Lang Lang na China -, as gravadoras atiram a esmo, tentando compensar as vacas magras, agonizantes, que compõem o indisfarçável ar de cemitério da cena ocidental (todos os CDs citados estão disponíveis no site www.laserland.com.br). Carreira fora da China A K617, em geral uma digna gravadora francesa dedicada à música antiga, fez um Frankenstein chamado Vésperas à Virgem na China, juntando arranjos de peças de Mateo Ricci e uma dezena de outros nomes de algum modo ligados ao país. Pôs na capa do luxuoso CD um detalhe do quadro A Mãe de Deus, Imperatriz da China, de Chu Kar Kui. Jean-Christophe Frisch lidera o grupo Musique des Lumières e, para facilitar a entrada no mercado chinês, participa o Coro do Beitang de Pequim. Outra, a holandesa Channel Classics, instituiu um selo exclusivo - Channel of China - e lança tudo em superáudio, um formato de CD bem mais caro do que o convencional e já natimorto no mercado ocidental. Grava qualquer coisa, de um CD de pipa a arranjos pífios do folclore com a Orquestra Sinfônica da China. Nem tudo é descartável, porém. Há os compositores que saíram da China durante ou logo depois da Revolução Cultural de Mao, entre 1966 e 1978. São chineses ocidentalizados, portanto. Afora Tan Dun, o mais conhecido deles, há dois que podem constituir verdadeiras descobertas: Qigang Chen, de 56 anos, e Bright Sheng, de 51 anos. Ambos se ?exilaram? no Ocidente. Chen foi para a França, estudou com Olivier Messiaen, Ivo Malec, Claude Ballif e Betsy Jolas. Sua música é refinada, aparenta-se à de György Ligeti. Chen cai inteligentemente em tentação quando introduz ?chinoiseries? em sua obra, sempre com bom gosto. No CD Extase, da Virgin Classics, com a Orquestra Filarmônica da Rádio France, regida por Leonard Slatkin (2006), por exemplo, há três primeiras gravações mundiais. A faixa-título é uma peça para oboé e orquestra de 1995, em que o solista parece um novo instrumento, porque Chen lhe aplica técnicas do instrumento chinês so-na. A curiosa San Xiao, ou ?rir três vezes?, para quatro instrumentos tradicionais chineses - flauta de bambu, pipa (alaúde de 4 cordas), san hsien (alaúde de 3 cordas) e cheng (cítara de 21 cordas) -, brinca mas não se dissolve no folclore. Em vez disso, constrói um discurso sonoro denso e bem-humorado. A terceira estréia mundial é L?Eloignement, de 2004, para orquestra de cordas. Tudo muito elegante, dissonante, francês, enfim. Já Bright Sheng voou mais longe, de Xangai para os EUA em 1982, onde estudou com Leonard Bernstein e George Perle. Aculturou-se totalmente ao universo norte-americano acadêmico e dos grandes festivais de verão. Neste Silent Temple (CD da BIS de 2002), ele atua como pianista nos quatro movimentos para trio com piano, de 1990. O CD traz ainda os quartetos de cordas n.º 3 (1993) e n.º 4 (2000) e três canções para pipa e violoncelo (1993), com o ótimo Quarteto de Xangai e Wu Man na pipa. Como Chen, Sheng não faz música fácil. A fusão das raízes chineses com as linguagens ocidentais não é banal ou óbvia. Fica mais evidente, claro, nas canções para pipa e cello. Excelentes os dois quartetos de cordas, sobretudo o n.º 4, que aplica chinesamente o pizzicato aos instrumentos do quarteto.

Os chineses se aproximaram da música de concerto ocidental como quem vê pela primeira vez uma engenhoca da qual nunca ouviu falar. Desmontaram seus mecanismos, aprenderam a reproduzi-la e em seguida partiram para a criação. A metáfora não é minha, mas do maior astro clássico chinês, o pianista Lang Lang, de 25 anos. Há quatro anos ele é o maior vendedor de discos do mundo (claro, se apenas 1% dos 30 milhões de estudantes chineses de piano comprarem seus discos....). ?É como o futebol. Aprendemos as regras da música clássica ocidental e pronto?, diz Lang. Ele mesmo reconhece, porém, no CD-DVD que acaba de ser lançado no mercado internacional, intitulado Dragon Songs, que isso não basta. ?Nas master classes no Ocidente, em geral mando os pianistas estudarem mais; na China é o contrário. Ninguém erra. Mas falta o toque subjetivo, a interpretação pessoal.? Ele foi direto ao ponto. Em geral, os asiáticos são verdadeiras máquinas de tocar piano. O próprio Lang Lang liga muitas vezes o piloto automático e fica desinteressante. O CD e DVD Dragon Songs registra seu triunfal retorno à China em 2005 como superstar. Ele dá autógrafos numa loja de discos em Pequim enquanto a patética voz de um locutor em off proclama que ?os chineses preferem comprar o disco original de Lang Lang? - como se no paraíso da pirataria o segmento de discos passasse ileso. Dragon Songs é um retrato sem retoques da abordagem chinesa da música ocidental. Revela um vasto e diversificado repertório de canções folclóricas. Mas infelizmente vestidas a caráter - ou seja, metidas numa casaca sinfônica que quase sempre soa artificial. Entre as pitadas exóticas, faixas com a pipa (o alaúde chinês), cítara e flauta. E uma versão horripilante do Concerto do Rio Amarelo para Piano e Orquestra no Teatro de Pequim para 8 mil pessoas, transmitido pela TV para outros 800 milhões: um imenso palco abriga uma enorme orquestra sinfônica de mais de 150 músicos; à frente, o piano de Lang Lang e, de cada lado da orquestra, dois blocos de 50 pianistas mulheres, todas iguaizinhas, simetricamente enfileiradas com seus Baldwins de cauda inteira - lembra o Orson Welles de O Processo, com aquele escritório surrealista. Com um mercado tão apetitoso como esse - a Deutsche Gramophon esconde a sete chaves os números de vendagem de Lang Lang na China -, as gravadoras atiram a esmo, tentando compensar as vacas magras, agonizantes, que compõem o indisfarçável ar de cemitério da cena ocidental (todos os CDs citados estão disponíveis no site www.laserland.com.br). Carreira fora da China A K617, em geral uma digna gravadora francesa dedicada à música antiga, fez um Frankenstein chamado Vésperas à Virgem na China, juntando arranjos de peças de Mateo Ricci e uma dezena de outros nomes de algum modo ligados ao país. Pôs na capa do luxuoso CD um detalhe do quadro A Mãe de Deus, Imperatriz da China, de Chu Kar Kui. Jean-Christophe Frisch lidera o grupo Musique des Lumières e, para facilitar a entrada no mercado chinês, participa o Coro do Beitang de Pequim. Outra, a holandesa Channel Classics, instituiu um selo exclusivo - Channel of China - e lança tudo em superáudio, um formato de CD bem mais caro do que o convencional e já natimorto no mercado ocidental. Grava qualquer coisa, de um CD de pipa a arranjos pífios do folclore com a Orquestra Sinfônica da China. Nem tudo é descartável, porém. Há os compositores que saíram da China durante ou logo depois da Revolução Cultural de Mao, entre 1966 e 1978. São chineses ocidentalizados, portanto. Afora Tan Dun, o mais conhecido deles, há dois que podem constituir verdadeiras descobertas: Qigang Chen, de 56 anos, e Bright Sheng, de 51 anos. Ambos se ?exilaram? no Ocidente. Chen foi para a França, estudou com Olivier Messiaen, Ivo Malec, Claude Ballif e Betsy Jolas. Sua música é refinada, aparenta-se à de György Ligeti. Chen cai inteligentemente em tentação quando introduz ?chinoiseries? em sua obra, sempre com bom gosto. No CD Extase, da Virgin Classics, com a Orquestra Filarmônica da Rádio France, regida por Leonard Slatkin (2006), por exemplo, há três primeiras gravações mundiais. A faixa-título é uma peça para oboé e orquestra de 1995, em que o solista parece um novo instrumento, porque Chen lhe aplica técnicas do instrumento chinês so-na. A curiosa San Xiao, ou ?rir três vezes?, para quatro instrumentos tradicionais chineses - flauta de bambu, pipa (alaúde de 4 cordas), san hsien (alaúde de 3 cordas) e cheng (cítara de 21 cordas) -, brinca mas não se dissolve no folclore. Em vez disso, constrói um discurso sonoro denso e bem-humorado. A terceira estréia mundial é L?Eloignement, de 2004, para orquestra de cordas. Tudo muito elegante, dissonante, francês, enfim. Já Bright Sheng voou mais longe, de Xangai para os EUA em 1982, onde estudou com Leonard Bernstein e George Perle. Aculturou-se totalmente ao universo norte-americano acadêmico e dos grandes festivais de verão. Neste Silent Temple (CD da BIS de 2002), ele atua como pianista nos quatro movimentos para trio com piano, de 1990. O CD traz ainda os quartetos de cordas n.º 3 (1993) e n.º 4 (2000) e três canções para pipa e violoncelo (1993), com o ótimo Quarteto de Xangai e Wu Man na pipa. Como Chen, Sheng não faz música fácil. A fusão das raízes chineses com as linguagens ocidentais não é banal ou óbvia. Fica mais evidente, claro, nas canções para pipa e cello. Excelentes os dois quartetos de cordas, sobretudo o n.º 4, que aplica chinesamente o pizzicato aos instrumentos do quarteto.

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