O inferno da convivência, segundo O´Neill


O denso drama familiar de Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro ganha uma nova montagem no Brasil, com direção de Naum Alves de Souza

Por Agencia Estado

Imagine um casal ligado por um amor profundo, duradouro, intenso. Porém a radical diferença de formação, gostos e temperamentos torna a convivência sofrida, um constante ferir-se mutuamente. Não é rara a existência de casais assim. A mesma situação pode ocorrer entre irmãos e até mesmo amigos. Essa é a situação da família - pai, mãe e dois filhos - de Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro, peça de Eugene O´Neill (1888-1953) que estréia amanhã, para convidados, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, depois de uma temporada no Rio. Toda a ação da peça transcorre num único dia e gira em torno de conflitos familiares. Tudo é muito intenso e pleno de sutilezas, de trocas de olhares, pequenos gestos. Imprescindível, nesses casos em que não cabem truques, um elenco integrado por atores talentosos e experientes. Sob direção de Naum Alves de Souza, a família é interpretada por Cleyde Yáconis, Sergio Britto, Genézio de Barros e Marco Antônio Pâmio. Flávia Guedes interpreta a empregada. Com um elenco dessa envergadura, não chega a espantar a reação da platéia carioca. Quem viu no Rio lembra a emoção - lágrimas disfarçadas ou não - que tomava conta de toda a platéia neste espetáculo que parece mesmo ter alcançado forte empatia. Para isso, o diretor Naum Alves de Souza fez questão de não "inventar" nada que pudesse desviar a identificação do público com os personagens desse drama familiar - e existencial - criado pelo dramaturgo americano, cuja obra teatral mereceu o Prêmio Nobel, além de centenas de outras premiações, entre elas dois prêmios Pulitzer. "Mais que isso, Naum foi feliz ao buscar o máximo de aproximação com a vivência dos atores, ao trazer essa história para nós brasileiros", diz Cleyde. O fato de o pai da família ser um imigrante irlandês não passou despercebido pelo diretor. "Essa é uma família de irlandeses, bebedores, comilões, brigões, gente que gosta de se tocar, de falar o que sente", comenta Pâmio. "Se fosse uma família inglesa, haveria um distanciamento maior no que diz respeito à gesticulação, ao comportamento", observa Naum. "É uma peça extremamente difícil de fazer, mas muito fácil de ser entendida", diz Cleyde. E deve ter razão. Desde que estreou em 1956, já foi traduzida e encenada em todos os continentes, centenas de vezes. No Brasil, a primeira montagem estreou em 1958, com Walmor Chagas e Cacilda Becker, intérprete do papel agora vivido por sua irmã Cleyde. A peça mereceu ainda uma bela versão cinematográfica, dirigida por Sidney Lumet, com Katharine Hepburn e Ralph Richardson no elenco. Nessa peça assumidamente autobiográfica, Eugene O´Neill centra sua atenção na família, ainda que aproveite para também defender sua visão de teatro. "Afinal, a família é o anteparo para nossas agressões, uma espécie de porto seguro onde se pode berrar, chutar e saber que depois tudo vai ficar bem. Mãe a gente agride, fala bobagem, depois pede desculpa, ou não, porque sabe que não vai perder o amor. Jamais daria para fazer a mesma coisa com colegas de trabalho ou amigos", ironiza a atriz. Na atual montagem, a mãe dessa Longa Jornada é ela mesma, Cleyde Yáconis, que vive Mary Cavan Tyrone. Jovem sensível, requintada, mimada pelos pais, apaixonou-se perdidamente por James Tyrone, um ator famoso. Ao casar-se com ele, sua vida mudou radicalmente. Jamais teve novamente um lar, vive de hotel em hotel acompanhando a carreira do marido, um ator muito talentoso, mas que abdicou de uma carreira brilhante para ganhar dinheiro numa peça de grande sucesso comercial, dessas que ficam anos e anos em temporada. A avareza do ator, que fora terrivelmente pobre na infância e morre de medo da miséria, será uma fonte de conflito entre o casal. Com sua delicadeza, Mary sente-se humilhada, por exemplo, ao ser obrigada a viver em hotéis baratos, verdadeiras espeluncas, onde acabará tendo seus filhos. Um deles, não por acaso denominado Eugene, morre ainda bebê, sob os cuidados da avó, enquanto ela acompanha o marido numa excursão. Pior, na ocasião, um médico irresponsável lhe receitou morfina para aliviar a dor. Daí em diante ela terá de lutar contra o vício que por um lado lhe atenua a solidão, por outro a coloca em linha de choque com marido e filhos. "Nunca tomei um único pileque em toda minha vida, nunca vi um cigarro de maconha", garante Cleyde. Para viver a personagem, informou-se sobre os efeitos da morfina no comportamento, olhos dilatados, um certo descontrole gestual, disritmia. "Mas também descobri que se há constantes, há também diferenças. Cada toxicômano reage de forma diferente à ação da droga, depende da personalidade. Assim, tentei descobrir a minha forma." Opinião partilhada pelo restante do elenco, já que os três homens, em algum momento, no fim da noite, acabam por sofrer o efeito do excesso de álcool. "Existe o bêbado que chora e o bêbado que agride. Existe aquele bêbado que você enxerga, você imagina, e o bêbado que você é. Naum fez um trabalho muito bom de valorização das vivências dos atores, para que tudo ficasse muito verdadeiro", comenta Genézio de Barros, intérprete de Jamie, o filho mais velho, ator como o pai, boêmio, dependente financeira e psicologicamente da família, incapaz de dar um rumo definido à sua vida. Pâmio é Edmund, o filho caçula, poeta, sensível como a mãe, amante de Strindberg e Ibsen, crítico do teatro paterno, claramente o Eugene O´Neill dessa história. Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro. De Eugene O´Neill. Direção Naum Alves de Souza. Com Sergio Britto, Cleyde Yáconis, Genézio de Barros, Marco Antônio Pâmio e Flávia Guedes. Duração: 2h45 (com 15 minutos de intervalo). De quinta a domingo, às 19h30. R$ 15,00. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, em São Paulo, tel. (11) 3113-3651. Até 9/3. Estréia amanhã para convidados e sexta para o público.

Imagine um casal ligado por um amor profundo, duradouro, intenso. Porém a radical diferença de formação, gostos e temperamentos torna a convivência sofrida, um constante ferir-se mutuamente. Não é rara a existência de casais assim. A mesma situação pode ocorrer entre irmãos e até mesmo amigos. Essa é a situação da família - pai, mãe e dois filhos - de Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro, peça de Eugene O´Neill (1888-1953) que estréia amanhã, para convidados, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, depois de uma temporada no Rio. Toda a ação da peça transcorre num único dia e gira em torno de conflitos familiares. Tudo é muito intenso e pleno de sutilezas, de trocas de olhares, pequenos gestos. Imprescindível, nesses casos em que não cabem truques, um elenco integrado por atores talentosos e experientes. Sob direção de Naum Alves de Souza, a família é interpretada por Cleyde Yáconis, Sergio Britto, Genézio de Barros e Marco Antônio Pâmio. Flávia Guedes interpreta a empregada. Com um elenco dessa envergadura, não chega a espantar a reação da platéia carioca. Quem viu no Rio lembra a emoção - lágrimas disfarçadas ou não - que tomava conta de toda a platéia neste espetáculo que parece mesmo ter alcançado forte empatia. Para isso, o diretor Naum Alves de Souza fez questão de não "inventar" nada que pudesse desviar a identificação do público com os personagens desse drama familiar - e existencial - criado pelo dramaturgo americano, cuja obra teatral mereceu o Prêmio Nobel, além de centenas de outras premiações, entre elas dois prêmios Pulitzer. "Mais que isso, Naum foi feliz ao buscar o máximo de aproximação com a vivência dos atores, ao trazer essa história para nós brasileiros", diz Cleyde. O fato de o pai da família ser um imigrante irlandês não passou despercebido pelo diretor. "Essa é uma família de irlandeses, bebedores, comilões, brigões, gente que gosta de se tocar, de falar o que sente", comenta Pâmio. "Se fosse uma família inglesa, haveria um distanciamento maior no que diz respeito à gesticulação, ao comportamento", observa Naum. "É uma peça extremamente difícil de fazer, mas muito fácil de ser entendida", diz Cleyde. E deve ter razão. Desde que estreou em 1956, já foi traduzida e encenada em todos os continentes, centenas de vezes. No Brasil, a primeira montagem estreou em 1958, com Walmor Chagas e Cacilda Becker, intérprete do papel agora vivido por sua irmã Cleyde. A peça mereceu ainda uma bela versão cinematográfica, dirigida por Sidney Lumet, com Katharine Hepburn e Ralph Richardson no elenco. Nessa peça assumidamente autobiográfica, Eugene O´Neill centra sua atenção na família, ainda que aproveite para também defender sua visão de teatro. "Afinal, a família é o anteparo para nossas agressões, uma espécie de porto seguro onde se pode berrar, chutar e saber que depois tudo vai ficar bem. Mãe a gente agride, fala bobagem, depois pede desculpa, ou não, porque sabe que não vai perder o amor. Jamais daria para fazer a mesma coisa com colegas de trabalho ou amigos", ironiza a atriz. Na atual montagem, a mãe dessa Longa Jornada é ela mesma, Cleyde Yáconis, que vive Mary Cavan Tyrone. Jovem sensível, requintada, mimada pelos pais, apaixonou-se perdidamente por James Tyrone, um ator famoso. Ao casar-se com ele, sua vida mudou radicalmente. Jamais teve novamente um lar, vive de hotel em hotel acompanhando a carreira do marido, um ator muito talentoso, mas que abdicou de uma carreira brilhante para ganhar dinheiro numa peça de grande sucesso comercial, dessas que ficam anos e anos em temporada. A avareza do ator, que fora terrivelmente pobre na infância e morre de medo da miséria, será uma fonte de conflito entre o casal. Com sua delicadeza, Mary sente-se humilhada, por exemplo, ao ser obrigada a viver em hotéis baratos, verdadeiras espeluncas, onde acabará tendo seus filhos. Um deles, não por acaso denominado Eugene, morre ainda bebê, sob os cuidados da avó, enquanto ela acompanha o marido numa excursão. Pior, na ocasião, um médico irresponsável lhe receitou morfina para aliviar a dor. Daí em diante ela terá de lutar contra o vício que por um lado lhe atenua a solidão, por outro a coloca em linha de choque com marido e filhos. "Nunca tomei um único pileque em toda minha vida, nunca vi um cigarro de maconha", garante Cleyde. Para viver a personagem, informou-se sobre os efeitos da morfina no comportamento, olhos dilatados, um certo descontrole gestual, disritmia. "Mas também descobri que se há constantes, há também diferenças. Cada toxicômano reage de forma diferente à ação da droga, depende da personalidade. Assim, tentei descobrir a minha forma." Opinião partilhada pelo restante do elenco, já que os três homens, em algum momento, no fim da noite, acabam por sofrer o efeito do excesso de álcool. "Existe o bêbado que chora e o bêbado que agride. Existe aquele bêbado que você enxerga, você imagina, e o bêbado que você é. Naum fez um trabalho muito bom de valorização das vivências dos atores, para que tudo ficasse muito verdadeiro", comenta Genézio de Barros, intérprete de Jamie, o filho mais velho, ator como o pai, boêmio, dependente financeira e psicologicamente da família, incapaz de dar um rumo definido à sua vida. Pâmio é Edmund, o filho caçula, poeta, sensível como a mãe, amante de Strindberg e Ibsen, crítico do teatro paterno, claramente o Eugene O´Neill dessa história. Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro. De Eugene O´Neill. Direção Naum Alves de Souza. Com Sergio Britto, Cleyde Yáconis, Genézio de Barros, Marco Antônio Pâmio e Flávia Guedes. Duração: 2h45 (com 15 minutos de intervalo). De quinta a domingo, às 19h30. R$ 15,00. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, em São Paulo, tel. (11) 3113-3651. Até 9/3. Estréia amanhã para convidados e sexta para o público.

Imagine um casal ligado por um amor profundo, duradouro, intenso. Porém a radical diferença de formação, gostos e temperamentos torna a convivência sofrida, um constante ferir-se mutuamente. Não é rara a existência de casais assim. A mesma situação pode ocorrer entre irmãos e até mesmo amigos. Essa é a situação da família - pai, mãe e dois filhos - de Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro, peça de Eugene O´Neill (1888-1953) que estréia amanhã, para convidados, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, depois de uma temporada no Rio. Toda a ação da peça transcorre num único dia e gira em torno de conflitos familiares. Tudo é muito intenso e pleno de sutilezas, de trocas de olhares, pequenos gestos. Imprescindível, nesses casos em que não cabem truques, um elenco integrado por atores talentosos e experientes. Sob direção de Naum Alves de Souza, a família é interpretada por Cleyde Yáconis, Sergio Britto, Genézio de Barros e Marco Antônio Pâmio. Flávia Guedes interpreta a empregada. Com um elenco dessa envergadura, não chega a espantar a reação da platéia carioca. Quem viu no Rio lembra a emoção - lágrimas disfarçadas ou não - que tomava conta de toda a platéia neste espetáculo que parece mesmo ter alcançado forte empatia. Para isso, o diretor Naum Alves de Souza fez questão de não "inventar" nada que pudesse desviar a identificação do público com os personagens desse drama familiar - e existencial - criado pelo dramaturgo americano, cuja obra teatral mereceu o Prêmio Nobel, além de centenas de outras premiações, entre elas dois prêmios Pulitzer. "Mais que isso, Naum foi feliz ao buscar o máximo de aproximação com a vivência dos atores, ao trazer essa história para nós brasileiros", diz Cleyde. O fato de o pai da família ser um imigrante irlandês não passou despercebido pelo diretor. "Essa é uma família de irlandeses, bebedores, comilões, brigões, gente que gosta de se tocar, de falar o que sente", comenta Pâmio. "Se fosse uma família inglesa, haveria um distanciamento maior no que diz respeito à gesticulação, ao comportamento", observa Naum. "É uma peça extremamente difícil de fazer, mas muito fácil de ser entendida", diz Cleyde. E deve ter razão. Desde que estreou em 1956, já foi traduzida e encenada em todos os continentes, centenas de vezes. No Brasil, a primeira montagem estreou em 1958, com Walmor Chagas e Cacilda Becker, intérprete do papel agora vivido por sua irmã Cleyde. A peça mereceu ainda uma bela versão cinematográfica, dirigida por Sidney Lumet, com Katharine Hepburn e Ralph Richardson no elenco. Nessa peça assumidamente autobiográfica, Eugene O´Neill centra sua atenção na família, ainda que aproveite para também defender sua visão de teatro. "Afinal, a família é o anteparo para nossas agressões, uma espécie de porto seguro onde se pode berrar, chutar e saber que depois tudo vai ficar bem. Mãe a gente agride, fala bobagem, depois pede desculpa, ou não, porque sabe que não vai perder o amor. Jamais daria para fazer a mesma coisa com colegas de trabalho ou amigos", ironiza a atriz. Na atual montagem, a mãe dessa Longa Jornada é ela mesma, Cleyde Yáconis, que vive Mary Cavan Tyrone. Jovem sensível, requintada, mimada pelos pais, apaixonou-se perdidamente por James Tyrone, um ator famoso. Ao casar-se com ele, sua vida mudou radicalmente. Jamais teve novamente um lar, vive de hotel em hotel acompanhando a carreira do marido, um ator muito talentoso, mas que abdicou de uma carreira brilhante para ganhar dinheiro numa peça de grande sucesso comercial, dessas que ficam anos e anos em temporada. A avareza do ator, que fora terrivelmente pobre na infância e morre de medo da miséria, será uma fonte de conflito entre o casal. Com sua delicadeza, Mary sente-se humilhada, por exemplo, ao ser obrigada a viver em hotéis baratos, verdadeiras espeluncas, onde acabará tendo seus filhos. Um deles, não por acaso denominado Eugene, morre ainda bebê, sob os cuidados da avó, enquanto ela acompanha o marido numa excursão. Pior, na ocasião, um médico irresponsável lhe receitou morfina para aliviar a dor. Daí em diante ela terá de lutar contra o vício que por um lado lhe atenua a solidão, por outro a coloca em linha de choque com marido e filhos. "Nunca tomei um único pileque em toda minha vida, nunca vi um cigarro de maconha", garante Cleyde. Para viver a personagem, informou-se sobre os efeitos da morfina no comportamento, olhos dilatados, um certo descontrole gestual, disritmia. "Mas também descobri que se há constantes, há também diferenças. Cada toxicômano reage de forma diferente à ação da droga, depende da personalidade. Assim, tentei descobrir a minha forma." Opinião partilhada pelo restante do elenco, já que os três homens, em algum momento, no fim da noite, acabam por sofrer o efeito do excesso de álcool. "Existe o bêbado que chora e o bêbado que agride. Existe aquele bêbado que você enxerga, você imagina, e o bêbado que você é. Naum fez um trabalho muito bom de valorização das vivências dos atores, para que tudo ficasse muito verdadeiro", comenta Genézio de Barros, intérprete de Jamie, o filho mais velho, ator como o pai, boêmio, dependente financeira e psicologicamente da família, incapaz de dar um rumo definido à sua vida. Pâmio é Edmund, o filho caçula, poeta, sensível como a mãe, amante de Strindberg e Ibsen, crítico do teatro paterno, claramente o Eugene O´Neill dessa história. Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro. De Eugene O´Neill. Direção Naum Alves de Souza. Com Sergio Britto, Cleyde Yáconis, Genézio de Barros, Marco Antônio Pâmio e Flávia Guedes. Duração: 2h45 (com 15 minutos de intervalo). De quinta a domingo, às 19h30. R$ 15,00. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, em São Paulo, tel. (11) 3113-3651. Até 9/3. Estréia amanhã para convidados e sexta para o público.

Imagine um casal ligado por um amor profundo, duradouro, intenso. Porém a radical diferença de formação, gostos e temperamentos torna a convivência sofrida, um constante ferir-se mutuamente. Não é rara a existência de casais assim. A mesma situação pode ocorrer entre irmãos e até mesmo amigos. Essa é a situação da família - pai, mãe e dois filhos - de Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro, peça de Eugene O´Neill (1888-1953) que estréia amanhã, para convidados, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, depois de uma temporada no Rio. Toda a ação da peça transcorre num único dia e gira em torno de conflitos familiares. Tudo é muito intenso e pleno de sutilezas, de trocas de olhares, pequenos gestos. Imprescindível, nesses casos em que não cabem truques, um elenco integrado por atores talentosos e experientes. Sob direção de Naum Alves de Souza, a família é interpretada por Cleyde Yáconis, Sergio Britto, Genézio de Barros e Marco Antônio Pâmio. Flávia Guedes interpreta a empregada. Com um elenco dessa envergadura, não chega a espantar a reação da platéia carioca. Quem viu no Rio lembra a emoção - lágrimas disfarçadas ou não - que tomava conta de toda a platéia neste espetáculo que parece mesmo ter alcançado forte empatia. Para isso, o diretor Naum Alves de Souza fez questão de não "inventar" nada que pudesse desviar a identificação do público com os personagens desse drama familiar - e existencial - criado pelo dramaturgo americano, cuja obra teatral mereceu o Prêmio Nobel, além de centenas de outras premiações, entre elas dois prêmios Pulitzer. "Mais que isso, Naum foi feliz ao buscar o máximo de aproximação com a vivência dos atores, ao trazer essa história para nós brasileiros", diz Cleyde. O fato de o pai da família ser um imigrante irlandês não passou despercebido pelo diretor. "Essa é uma família de irlandeses, bebedores, comilões, brigões, gente que gosta de se tocar, de falar o que sente", comenta Pâmio. "Se fosse uma família inglesa, haveria um distanciamento maior no que diz respeito à gesticulação, ao comportamento", observa Naum. "É uma peça extremamente difícil de fazer, mas muito fácil de ser entendida", diz Cleyde. E deve ter razão. Desde que estreou em 1956, já foi traduzida e encenada em todos os continentes, centenas de vezes. No Brasil, a primeira montagem estreou em 1958, com Walmor Chagas e Cacilda Becker, intérprete do papel agora vivido por sua irmã Cleyde. A peça mereceu ainda uma bela versão cinematográfica, dirigida por Sidney Lumet, com Katharine Hepburn e Ralph Richardson no elenco. Nessa peça assumidamente autobiográfica, Eugene O´Neill centra sua atenção na família, ainda que aproveite para também defender sua visão de teatro. "Afinal, a família é o anteparo para nossas agressões, uma espécie de porto seguro onde se pode berrar, chutar e saber que depois tudo vai ficar bem. Mãe a gente agride, fala bobagem, depois pede desculpa, ou não, porque sabe que não vai perder o amor. Jamais daria para fazer a mesma coisa com colegas de trabalho ou amigos", ironiza a atriz. Na atual montagem, a mãe dessa Longa Jornada é ela mesma, Cleyde Yáconis, que vive Mary Cavan Tyrone. Jovem sensível, requintada, mimada pelos pais, apaixonou-se perdidamente por James Tyrone, um ator famoso. Ao casar-se com ele, sua vida mudou radicalmente. Jamais teve novamente um lar, vive de hotel em hotel acompanhando a carreira do marido, um ator muito talentoso, mas que abdicou de uma carreira brilhante para ganhar dinheiro numa peça de grande sucesso comercial, dessas que ficam anos e anos em temporada. A avareza do ator, que fora terrivelmente pobre na infância e morre de medo da miséria, será uma fonte de conflito entre o casal. Com sua delicadeza, Mary sente-se humilhada, por exemplo, ao ser obrigada a viver em hotéis baratos, verdadeiras espeluncas, onde acabará tendo seus filhos. Um deles, não por acaso denominado Eugene, morre ainda bebê, sob os cuidados da avó, enquanto ela acompanha o marido numa excursão. Pior, na ocasião, um médico irresponsável lhe receitou morfina para aliviar a dor. Daí em diante ela terá de lutar contra o vício que por um lado lhe atenua a solidão, por outro a coloca em linha de choque com marido e filhos. "Nunca tomei um único pileque em toda minha vida, nunca vi um cigarro de maconha", garante Cleyde. Para viver a personagem, informou-se sobre os efeitos da morfina no comportamento, olhos dilatados, um certo descontrole gestual, disritmia. "Mas também descobri que se há constantes, há também diferenças. Cada toxicômano reage de forma diferente à ação da droga, depende da personalidade. Assim, tentei descobrir a minha forma." Opinião partilhada pelo restante do elenco, já que os três homens, em algum momento, no fim da noite, acabam por sofrer o efeito do excesso de álcool. "Existe o bêbado que chora e o bêbado que agride. Existe aquele bêbado que você enxerga, você imagina, e o bêbado que você é. Naum fez um trabalho muito bom de valorização das vivências dos atores, para que tudo ficasse muito verdadeiro", comenta Genézio de Barros, intérprete de Jamie, o filho mais velho, ator como o pai, boêmio, dependente financeira e psicologicamente da família, incapaz de dar um rumo definido à sua vida. Pâmio é Edmund, o filho caçula, poeta, sensível como a mãe, amante de Strindberg e Ibsen, crítico do teatro paterno, claramente o Eugene O´Neill dessa história. Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro. De Eugene O´Neill. Direção Naum Alves de Souza. Com Sergio Britto, Cleyde Yáconis, Genézio de Barros, Marco Antônio Pâmio e Flávia Guedes. Duração: 2h45 (com 15 minutos de intervalo). De quinta a domingo, às 19h30. R$ 15,00. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, em São Paulo, tel. (11) 3113-3651. Até 9/3. Estréia amanhã para convidados e sexta para o público.

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