De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'The Batman' na marca do meio bilhão de dólares


Por Rodrigo Fonseca
O oficial Gordon (Jeffrey Wright, dublado aqui por Guilherme Lopes) e o Homem-Morcego (Robert Pattinson, na voz de Wendel Bezerra) unem forças para salvar Gotham Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Só faz crescer a boataria de que Robert Pattinson vai ser chamado para o júri do 75º Festival de Cannes (17 a 28 de maio), o mesmo evento onde, há dez anos, ele brilhou no primeiro voo audacioso de sua carreira, então ligada ao êxito de "A Saga Crepúsculo", ao estrelar o áspero "Cosmópolis", de David Cronenberg. E a menção à sua presença na Croisette cresce conforme crescem as cifras do rascante "The Batman", cuja bilheteria global galopa em torno de US$ 600 milhões. No Brasil, o número beira 4.730.000 espectadores. Por aqui, as salas estão cheias.Wendel Bezerra, voz em português de Robert Pattinson na versão brasileira do virulento (porém vívido) "The Batman", formou-se pela escola paulista da dublagem, a mesma que nos ensinou, ao longo de décadas a fio de reprises de "Chaves", a frase que melhor traduz a nova encarnação de Bruce Wayne nas telas: "A vingança nunca é plena. Mata a alma e a envenena". Seu Madruga teve que segurar sua raiva pra aprender esse aforisma de empatia que parece ser o mantra do filme de Matt(hew George) Reeves. Temos, sim, um super-herói em cena, mas não em um contexto de aventura, e, sim, numa atmosfera soturna de thriller policial, qual seu realizador prometeu no fórum DC Fandome, em 2020, reiterando a promessa na edição de 2021 dessa feira virtual da Warner, HBO Max e DC Comics. Jogue fora qualquer recordação do clima camp da série de TV do Morcegão, dos anos 1960, com Adam West e Burt Ward, e se aproxime do "Se7en" (1995), de David Fincher. Não há como não pensar em Brad Pitt e Morgan Freeman caçando o serial killer dos Sete Pecados Capitais quando Batman faz duo com o diligente e amargo Jim Gordon (ainda tenente, futuro comissário) encarnado por um Jeffrey Wright no apogeu de seu vigor cênico, dublado por Guilherme Lopes com maestria. A recordação é ainda mais vívida quando se pensa que Pitt interpretava um detetive com uma fera a ser domada no interior de sua alma. É o mesmo que se passa com o Homem-Morcego juvenil de Pattinson, conhecido e temido em Gotham sob o epíteto de Vingança. É assim - "Eu sou a Vingança!" - que ele se introduz a um grupo de racistas nas cenas iniciais, na "fábula de apresentação" (termo técnico usado para caracterizar as cenas em que o protagonista se faz conhecer pela plateia, em suas virtudes e falhas trágicas) do longa. No decorrer de 2h55 caracterizadas com visual de cinema de terror inglês da produtora Hammer dos anos 1950, na direção de arte de James Chinlund, a oprimida figura de Wayne vai lutar contra a sanha do revanchismo, travando uma guerra com o lado mais pantanoso de sua cruzada contra o Mal, distinguindo os limites entre o que é "dar o troco" e o que é "fazer justiça". Ou seja, é uma narrativa sobre a distância entre satisfações pessoais e o bem coletivo, na ótica do justiçamento, do vigilantismo. Essa abordagem dá a "The Batman" uma carga política com o tônus autoral que Reeves traz dos belos tomos da saga "Planeta dos Macacos" que dirigiu, em 2014 e 2017. O clima, como em "S7even" é de investigação, de suspense e de visceralidade nas descobertas e na representação dos crimes centrais, promovidos pela assustadora composição que Paul Dano dá ao Charada.

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O diabólico Charada de Paul Dano é dublado por Philippe Maia Foto: Estadão

Alvo de escárnio nas HQs, o Rei dos Enigmas vira, na versão de Dano, um Hannibal Lecter devastador, com feições de Norman Bates e alma de anarquista. Um Bakunin pop. É a partir de sua busca pelo caos que toda a estrutura criminosa de Gotham se desarmoniza, criando problemas para o chefão Carmine Falcone (John Turturro, num achado de atuação) e seu acólito mais flamboyant, o Pinguim. Eis um vilão icônico que Colin Farrell reduz a arremedos de Sérgio Mallandro, fazendo Glu-Glu quando deveria disparar balas de seu guarda-chuva. Já a Mulher-Gato de Zoë Kravitz alcança as alturas com seu carisma e uma curva dramática rica no roteiro, humanizando uma figura central para a linha noir do longa-metragem. A referência noir se dá pelo tônus ambiguidade que parece rondar toda a jornada evolutiva de Wayne. Jornada que Pattinson encara com maturidade e ambição, apoiado na fúria de Wright, à luz da fotografia pintada a chiaroscuros por Greig Fraser. Repare no uso da canção "I Have But One Heart", na voz de Al Martino, numa referência explícita a "O Poderoso Chefão" (hoje de volta às telas, em seu 50º aniversário), quando o Falcone de Turturro está brilhando em cena. Atenção: já está à venda em bancas paulistanas e cariocas a versão encadernada da minissérie "Batman - O Impostor", que periga ser o melhor quadrinho do Morcego em anos, vitaminado pela arte sombria de Andrea Sorrentino. O roteiro de Mattson Tomlin dialoga com o filme estrelado por Pattinson. Na trama, o jovem Bruce Wayne caça um assassino que finge ser um herói mascarado, mas cujo real objetivo é manchar a reputação do heroísmo. Em paralelo, uma detetive honesta, a jovem Blair Wong, voltou sua atenção (e seu coração) para Wayne como uma fonte de informações sobre o paradeiro de Batman. É um estudo delicadíssimo sob a condição trágica adquirida pelo herói. Um herói que encontrou em Wendel Bezerra uma voz única. É impressionante como o dublador entendeu bem toda a dor de Wayne e soube trabalhar com ela em prol de uma interpretação seminal. Ele merecia ganhar todos os prêmios de sua classe este ano.

O oficial Gordon (Jeffrey Wright, dublado aqui por Guilherme Lopes) e o Homem-Morcego (Robert Pattinson, na voz de Wendel Bezerra) unem forças para salvar Gotham Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Só faz crescer a boataria de que Robert Pattinson vai ser chamado para o júri do 75º Festival de Cannes (17 a 28 de maio), o mesmo evento onde, há dez anos, ele brilhou no primeiro voo audacioso de sua carreira, então ligada ao êxito de "A Saga Crepúsculo", ao estrelar o áspero "Cosmópolis", de David Cronenberg. E a menção à sua presença na Croisette cresce conforme crescem as cifras do rascante "The Batman", cuja bilheteria global galopa em torno de US$ 600 milhões. No Brasil, o número beira 4.730.000 espectadores. Por aqui, as salas estão cheias.Wendel Bezerra, voz em português de Robert Pattinson na versão brasileira do virulento (porém vívido) "The Batman", formou-se pela escola paulista da dublagem, a mesma que nos ensinou, ao longo de décadas a fio de reprises de "Chaves", a frase que melhor traduz a nova encarnação de Bruce Wayne nas telas: "A vingança nunca é plena. Mata a alma e a envenena". Seu Madruga teve que segurar sua raiva pra aprender esse aforisma de empatia que parece ser o mantra do filme de Matt(hew George) Reeves. Temos, sim, um super-herói em cena, mas não em um contexto de aventura, e, sim, numa atmosfera soturna de thriller policial, qual seu realizador prometeu no fórum DC Fandome, em 2020, reiterando a promessa na edição de 2021 dessa feira virtual da Warner, HBO Max e DC Comics. Jogue fora qualquer recordação do clima camp da série de TV do Morcegão, dos anos 1960, com Adam West e Burt Ward, e se aproxime do "Se7en" (1995), de David Fincher. Não há como não pensar em Brad Pitt e Morgan Freeman caçando o serial killer dos Sete Pecados Capitais quando Batman faz duo com o diligente e amargo Jim Gordon (ainda tenente, futuro comissário) encarnado por um Jeffrey Wright no apogeu de seu vigor cênico, dublado por Guilherme Lopes com maestria. A recordação é ainda mais vívida quando se pensa que Pitt interpretava um detetive com uma fera a ser domada no interior de sua alma. É o mesmo que se passa com o Homem-Morcego juvenil de Pattinson, conhecido e temido em Gotham sob o epíteto de Vingança. É assim - "Eu sou a Vingança!" - que ele se introduz a um grupo de racistas nas cenas iniciais, na "fábula de apresentação" (termo técnico usado para caracterizar as cenas em que o protagonista se faz conhecer pela plateia, em suas virtudes e falhas trágicas) do longa. No decorrer de 2h55 caracterizadas com visual de cinema de terror inglês da produtora Hammer dos anos 1950, na direção de arte de James Chinlund, a oprimida figura de Wayne vai lutar contra a sanha do revanchismo, travando uma guerra com o lado mais pantanoso de sua cruzada contra o Mal, distinguindo os limites entre o que é "dar o troco" e o que é "fazer justiça". Ou seja, é uma narrativa sobre a distância entre satisfações pessoais e o bem coletivo, na ótica do justiçamento, do vigilantismo. Essa abordagem dá a "The Batman" uma carga política com o tônus autoral que Reeves traz dos belos tomos da saga "Planeta dos Macacos" que dirigiu, em 2014 e 2017. O clima, como em "S7even" é de investigação, de suspense e de visceralidade nas descobertas e na representação dos crimes centrais, promovidos pela assustadora composição que Paul Dano dá ao Charada.

O diabólico Charada de Paul Dano é dublado por Philippe Maia Foto: Estadão

Alvo de escárnio nas HQs, o Rei dos Enigmas vira, na versão de Dano, um Hannibal Lecter devastador, com feições de Norman Bates e alma de anarquista. Um Bakunin pop. É a partir de sua busca pelo caos que toda a estrutura criminosa de Gotham se desarmoniza, criando problemas para o chefão Carmine Falcone (John Turturro, num achado de atuação) e seu acólito mais flamboyant, o Pinguim. Eis um vilão icônico que Colin Farrell reduz a arremedos de Sérgio Mallandro, fazendo Glu-Glu quando deveria disparar balas de seu guarda-chuva. Já a Mulher-Gato de Zoë Kravitz alcança as alturas com seu carisma e uma curva dramática rica no roteiro, humanizando uma figura central para a linha noir do longa-metragem. A referência noir se dá pelo tônus ambiguidade que parece rondar toda a jornada evolutiva de Wayne. Jornada que Pattinson encara com maturidade e ambição, apoiado na fúria de Wright, à luz da fotografia pintada a chiaroscuros por Greig Fraser. Repare no uso da canção "I Have But One Heart", na voz de Al Martino, numa referência explícita a "O Poderoso Chefão" (hoje de volta às telas, em seu 50º aniversário), quando o Falcone de Turturro está brilhando em cena. Atenção: já está à venda em bancas paulistanas e cariocas a versão encadernada da minissérie "Batman - O Impostor", que periga ser o melhor quadrinho do Morcego em anos, vitaminado pela arte sombria de Andrea Sorrentino. O roteiro de Mattson Tomlin dialoga com o filme estrelado por Pattinson. Na trama, o jovem Bruce Wayne caça um assassino que finge ser um herói mascarado, mas cujo real objetivo é manchar a reputação do heroísmo. Em paralelo, uma detetive honesta, a jovem Blair Wong, voltou sua atenção (e seu coração) para Wayne como uma fonte de informações sobre o paradeiro de Batman. É um estudo delicadíssimo sob a condição trágica adquirida pelo herói. Um herói que encontrou em Wendel Bezerra uma voz única. É impressionante como o dublador entendeu bem toda a dor de Wayne e soube trabalhar com ela em prol de uma interpretação seminal. Ele merecia ganhar todos os prêmios de sua classe este ano.

O oficial Gordon (Jeffrey Wright, dublado aqui por Guilherme Lopes) e o Homem-Morcego (Robert Pattinson, na voz de Wendel Bezerra) unem forças para salvar Gotham Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Só faz crescer a boataria de que Robert Pattinson vai ser chamado para o júri do 75º Festival de Cannes (17 a 28 de maio), o mesmo evento onde, há dez anos, ele brilhou no primeiro voo audacioso de sua carreira, então ligada ao êxito de "A Saga Crepúsculo", ao estrelar o áspero "Cosmópolis", de David Cronenberg. E a menção à sua presença na Croisette cresce conforme crescem as cifras do rascante "The Batman", cuja bilheteria global galopa em torno de US$ 600 milhões. No Brasil, o número beira 4.730.000 espectadores. Por aqui, as salas estão cheias.Wendel Bezerra, voz em português de Robert Pattinson na versão brasileira do virulento (porém vívido) "The Batman", formou-se pela escola paulista da dublagem, a mesma que nos ensinou, ao longo de décadas a fio de reprises de "Chaves", a frase que melhor traduz a nova encarnação de Bruce Wayne nas telas: "A vingança nunca é plena. Mata a alma e a envenena". Seu Madruga teve que segurar sua raiva pra aprender esse aforisma de empatia que parece ser o mantra do filme de Matt(hew George) Reeves. Temos, sim, um super-herói em cena, mas não em um contexto de aventura, e, sim, numa atmosfera soturna de thriller policial, qual seu realizador prometeu no fórum DC Fandome, em 2020, reiterando a promessa na edição de 2021 dessa feira virtual da Warner, HBO Max e DC Comics. Jogue fora qualquer recordação do clima camp da série de TV do Morcegão, dos anos 1960, com Adam West e Burt Ward, e se aproxime do "Se7en" (1995), de David Fincher. Não há como não pensar em Brad Pitt e Morgan Freeman caçando o serial killer dos Sete Pecados Capitais quando Batman faz duo com o diligente e amargo Jim Gordon (ainda tenente, futuro comissário) encarnado por um Jeffrey Wright no apogeu de seu vigor cênico, dublado por Guilherme Lopes com maestria. A recordação é ainda mais vívida quando se pensa que Pitt interpretava um detetive com uma fera a ser domada no interior de sua alma. É o mesmo que se passa com o Homem-Morcego juvenil de Pattinson, conhecido e temido em Gotham sob o epíteto de Vingança. É assim - "Eu sou a Vingança!" - que ele se introduz a um grupo de racistas nas cenas iniciais, na "fábula de apresentação" (termo técnico usado para caracterizar as cenas em que o protagonista se faz conhecer pela plateia, em suas virtudes e falhas trágicas) do longa. No decorrer de 2h55 caracterizadas com visual de cinema de terror inglês da produtora Hammer dos anos 1950, na direção de arte de James Chinlund, a oprimida figura de Wayne vai lutar contra a sanha do revanchismo, travando uma guerra com o lado mais pantanoso de sua cruzada contra o Mal, distinguindo os limites entre o que é "dar o troco" e o que é "fazer justiça". Ou seja, é uma narrativa sobre a distância entre satisfações pessoais e o bem coletivo, na ótica do justiçamento, do vigilantismo. Essa abordagem dá a "The Batman" uma carga política com o tônus autoral que Reeves traz dos belos tomos da saga "Planeta dos Macacos" que dirigiu, em 2014 e 2017. O clima, como em "S7even" é de investigação, de suspense e de visceralidade nas descobertas e na representação dos crimes centrais, promovidos pela assustadora composição que Paul Dano dá ao Charada.

O diabólico Charada de Paul Dano é dublado por Philippe Maia Foto: Estadão

Alvo de escárnio nas HQs, o Rei dos Enigmas vira, na versão de Dano, um Hannibal Lecter devastador, com feições de Norman Bates e alma de anarquista. Um Bakunin pop. É a partir de sua busca pelo caos que toda a estrutura criminosa de Gotham se desarmoniza, criando problemas para o chefão Carmine Falcone (John Turturro, num achado de atuação) e seu acólito mais flamboyant, o Pinguim. Eis um vilão icônico que Colin Farrell reduz a arremedos de Sérgio Mallandro, fazendo Glu-Glu quando deveria disparar balas de seu guarda-chuva. Já a Mulher-Gato de Zoë Kravitz alcança as alturas com seu carisma e uma curva dramática rica no roteiro, humanizando uma figura central para a linha noir do longa-metragem. A referência noir se dá pelo tônus ambiguidade que parece rondar toda a jornada evolutiva de Wayne. Jornada que Pattinson encara com maturidade e ambição, apoiado na fúria de Wright, à luz da fotografia pintada a chiaroscuros por Greig Fraser. Repare no uso da canção "I Have But One Heart", na voz de Al Martino, numa referência explícita a "O Poderoso Chefão" (hoje de volta às telas, em seu 50º aniversário), quando o Falcone de Turturro está brilhando em cena. Atenção: já está à venda em bancas paulistanas e cariocas a versão encadernada da minissérie "Batman - O Impostor", que periga ser o melhor quadrinho do Morcego em anos, vitaminado pela arte sombria de Andrea Sorrentino. O roteiro de Mattson Tomlin dialoga com o filme estrelado por Pattinson. Na trama, o jovem Bruce Wayne caça um assassino que finge ser um herói mascarado, mas cujo real objetivo é manchar a reputação do heroísmo. Em paralelo, uma detetive honesta, a jovem Blair Wong, voltou sua atenção (e seu coração) para Wayne como uma fonte de informações sobre o paradeiro de Batman. É um estudo delicadíssimo sob a condição trágica adquirida pelo herói. Um herói que encontrou em Wendel Bezerra uma voz única. É impressionante como o dublador entendeu bem toda a dor de Wayne e soube trabalhar com ela em prol de uma interpretação seminal. Ele merecia ganhar todos os prêmios de sua classe este ano.

O oficial Gordon (Jeffrey Wright, dublado aqui por Guilherme Lopes) e o Homem-Morcego (Robert Pattinson, na voz de Wendel Bezerra) unem forças para salvar Gotham Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Só faz crescer a boataria de que Robert Pattinson vai ser chamado para o júri do 75º Festival de Cannes (17 a 28 de maio), o mesmo evento onde, há dez anos, ele brilhou no primeiro voo audacioso de sua carreira, então ligada ao êxito de "A Saga Crepúsculo", ao estrelar o áspero "Cosmópolis", de David Cronenberg. E a menção à sua presença na Croisette cresce conforme crescem as cifras do rascante "The Batman", cuja bilheteria global galopa em torno de US$ 600 milhões. No Brasil, o número beira 4.730.000 espectadores. Por aqui, as salas estão cheias.Wendel Bezerra, voz em português de Robert Pattinson na versão brasileira do virulento (porém vívido) "The Batman", formou-se pela escola paulista da dublagem, a mesma que nos ensinou, ao longo de décadas a fio de reprises de "Chaves", a frase que melhor traduz a nova encarnação de Bruce Wayne nas telas: "A vingança nunca é plena. Mata a alma e a envenena". Seu Madruga teve que segurar sua raiva pra aprender esse aforisma de empatia que parece ser o mantra do filme de Matt(hew George) Reeves. Temos, sim, um super-herói em cena, mas não em um contexto de aventura, e, sim, numa atmosfera soturna de thriller policial, qual seu realizador prometeu no fórum DC Fandome, em 2020, reiterando a promessa na edição de 2021 dessa feira virtual da Warner, HBO Max e DC Comics. Jogue fora qualquer recordação do clima camp da série de TV do Morcegão, dos anos 1960, com Adam West e Burt Ward, e se aproxime do "Se7en" (1995), de David Fincher. Não há como não pensar em Brad Pitt e Morgan Freeman caçando o serial killer dos Sete Pecados Capitais quando Batman faz duo com o diligente e amargo Jim Gordon (ainda tenente, futuro comissário) encarnado por um Jeffrey Wright no apogeu de seu vigor cênico, dublado por Guilherme Lopes com maestria. A recordação é ainda mais vívida quando se pensa que Pitt interpretava um detetive com uma fera a ser domada no interior de sua alma. É o mesmo que se passa com o Homem-Morcego juvenil de Pattinson, conhecido e temido em Gotham sob o epíteto de Vingança. É assim - "Eu sou a Vingança!" - que ele se introduz a um grupo de racistas nas cenas iniciais, na "fábula de apresentação" (termo técnico usado para caracterizar as cenas em que o protagonista se faz conhecer pela plateia, em suas virtudes e falhas trágicas) do longa. No decorrer de 2h55 caracterizadas com visual de cinema de terror inglês da produtora Hammer dos anos 1950, na direção de arte de James Chinlund, a oprimida figura de Wayne vai lutar contra a sanha do revanchismo, travando uma guerra com o lado mais pantanoso de sua cruzada contra o Mal, distinguindo os limites entre o que é "dar o troco" e o que é "fazer justiça". Ou seja, é uma narrativa sobre a distância entre satisfações pessoais e o bem coletivo, na ótica do justiçamento, do vigilantismo. Essa abordagem dá a "The Batman" uma carga política com o tônus autoral que Reeves traz dos belos tomos da saga "Planeta dos Macacos" que dirigiu, em 2014 e 2017. O clima, como em "S7even" é de investigação, de suspense e de visceralidade nas descobertas e na representação dos crimes centrais, promovidos pela assustadora composição que Paul Dano dá ao Charada.

O diabólico Charada de Paul Dano é dublado por Philippe Maia Foto: Estadão

Alvo de escárnio nas HQs, o Rei dos Enigmas vira, na versão de Dano, um Hannibal Lecter devastador, com feições de Norman Bates e alma de anarquista. Um Bakunin pop. É a partir de sua busca pelo caos que toda a estrutura criminosa de Gotham se desarmoniza, criando problemas para o chefão Carmine Falcone (John Turturro, num achado de atuação) e seu acólito mais flamboyant, o Pinguim. Eis um vilão icônico que Colin Farrell reduz a arremedos de Sérgio Mallandro, fazendo Glu-Glu quando deveria disparar balas de seu guarda-chuva. Já a Mulher-Gato de Zoë Kravitz alcança as alturas com seu carisma e uma curva dramática rica no roteiro, humanizando uma figura central para a linha noir do longa-metragem. A referência noir se dá pelo tônus ambiguidade que parece rondar toda a jornada evolutiva de Wayne. Jornada que Pattinson encara com maturidade e ambição, apoiado na fúria de Wright, à luz da fotografia pintada a chiaroscuros por Greig Fraser. Repare no uso da canção "I Have But One Heart", na voz de Al Martino, numa referência explícita a "O Poderoso Chefão" (hoje de volta às telas, em seu 50º aniversário), quando o Falcone de Turturro está brilhando em cena. Atenção: já está à venda em bancas paulistanas e cariocas a versão encadernada da minissérie "Batman - O Impostor", que periga ser o melhor quadrinho do Morcego em anos, vitaminado pela arte sombria de Andrea Sorrentino. O roteiro de Mattson Tomlin dialoga com o filme estrelado por Pattinson. Na trama, o jovem Bruce Wayne caça um assassino que finge ser um herói mascarado, mas cujo real objetivo é manchar a reputação do heroísmo. Em paralelo, uma detetive honesta, a jovem Blair Wong, voltou sua atenção (e seu coração) para Wayne como uma fonte de informações sobre o paradeiro de Batman. É um estudo delicadíssimo sob a condição trágica adquirida pelo herói. Um herói que encontrou em Wendel Bezerra uma voz única. É impressionante como o dublador entendeu bem toda a dor de Wayne e soube trabalhar com ela em prol de uma interpretação seminal. Ele merecia ganhar todos os prêmios de sua classe este ano.

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