Poeta estréia com imagens da devastação


Anelito de Oliveira faz ecoar em seu livro a teoria do ´poeta sórdido´, de Bandeira

Por Agencia Estado

Caminho dia e noite/ como um parque desolado. Os versos de Vicente Huidobro servem de epígrafe ao livro de estréia do poeta mineiro Anelito de Oliveira. Lama é um poema longo, embora condensado, com o impulso confessional, o pendor para a reflexão e a estrutura narrativa que são comuns nessa forma lírica. O verso ondulante desdobra - assim como A Meditação sobre o Tietê, de Mário de Andrade - a experiência abissal de um encontro com a noite. Simbolizada no rio ou na lama, essa "noite líquida" ocorre em pleno dia, no meio de uma torrente de palavras. A entrevista do poeta com a morte é um tête-à-tête doloroso entre o impulso de evasão e de depuração, que define propriamente o lirismo, e a descoberta da materialidade suja e desolada do mundo. Lama abre com uma série de imagens da devastação. Nesse cenário de nuvens (abafado e obscuro, como realça a abundante vogal "u") é que aparecem as sombras do passado: "rumor de/ ossos secos cantando/ dentro de mim..." A morte e a memória arrastam para o mesmo abismo - escuro, dentro, fundo -, a que não resistem os poetas. Se tudo era noite no Tietê de Mário, e se havia um "céu de chumbo" na estrada pedregosa de Drummond, aqui tampouco escapamos de uma paisagem invernada. Mas a noite não contém a fúria da poesia, que desata como um contraponto à "frieza cacto" da morte. Trata-se de um duelo rotineiro e até desejado: enfrentá-lo é a fatalidade do poeta. É preciso abraçar a morte, sorvedouro que gira implacavelmente sob o poema: "eu e/ ela andando no meio/ da chuva a chover". Escrever significa "morrer vivo", gravar na lama uma presença - "falar com as chuvas ouvir as ruas", resume Anelito de Oliveira num texto sobre Leminski, publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, do qual é editor. A errância das "palavras em liberdade" é uma das marcas do livro: a fala solta, coleante, que escorre como chuva ou como rio, transbordando entre os versos. A corredeira topa em pedras, que são as elipses e rupturas sintáticas, mas flui nos "cavalgamentos". Na ausência da pontuação, as idéias se confundem, crescem em todas as direções, e o próprio cansaço das coisas desoladas se converte em "magma germinativo" (André Breton), princípio de metamorfose e renovação. Lama fluida, turva e imprevisível, o mundo é uma "intensa inquietação de matérias", que a memória do poeta revolve. O ideal seria "tecer palavras como/ quem esquece de tudo", mas é impossível planar acima das "ruas de terra" e do brejo coalhado de sapos - "a noite agora tempo/ sujo escorrendo sapo/ sujo..." O poeta é um ser exilado, mas preso às raízes, ao aqui-agora da sua historicidade. É o que indica esse mergulho na lama, "submundo da alma" no qual ele mantém "os olhos soterrados". Uma poesia sem pureza - como desejou Pablo Neruda, na contramão da arte autônoma e antimimética de Huidobro - se impõe ao final da leitura. Lama ecoa os versos famosos da "Nova poética", em que Manuel Bandeira anuncia a teoria do "poeta sórdido" (aquele em cujo paletó branco respinga a marca da vida). Lembra também o Poema Sujo, de Ferreira Gullar - sujo e poroso, vivencial, como exprime o autor maranhense: "De terra te quero,/ poema,/ e no entanto iluminado." A lama é ao mesmo tempo o barro sagrado das origens e o apodrecimento final de todas as coisas, que "ardem e morrem" na cidade desolada. Nos últimos versos do livro, a morte faz crescer a consciência do corpo, com suas pulsações e necessidades. "Caminhando sem rumo/ pelas ruas invernadas", o poeta sente a sombra fria de "silêncio/ que nunca mais vai ser/ vida". Paradoxalmente, ele agora está mais próximo dos pequenos fatos que definem a existência. Como Mário de Andrade, aprendeu a se "purificar no barro dos sofrimentos dos homens". Lama, poema condensado de Anelito de Oliveira. Orobó Edições (Belo Horizonte). 30 páginas

Caminho dia e noite/ como um parque desolado. Os versos de Vicente Huidobro servem de epígrafe ao livro de estréia do poeta mineiro Anelito de Oliveira. Lama é um poema longo, embora condensado, com o impulso confessional, o pendor para a reflexão e a estrutura narrativa que são comuns nessa forma lírica. O verso ondulante desdobra - assim como A Meditação sobre o Tietê, de Mário de Andrade - a experiência abissal de um encontro com a noite. Simbolizada no rio ou na lama, essa "noite líquida" ocorre em pleno dia, no meio de uma torrente de palavras. A entrevista do poeta com a morte é um tête-à-tête doloroso entre o impulso de evasão e de depuração, que define propriamente o lirismo, e a descoberta da materialidade suja e desolada do mundo. Lama abre com uma série de imagens da devastação. Nesse cenário de nuvens (abafado e obscuro, como realça a abundante vogal "u") é que aparecem as sombras do passado: "rumor de/ ossos secos cantando/ dentro de mim..." A morte e a memória arrastam para o mesmo abismo - escuro, dentro, fundo -, a que não resistem os poetas. Se tudo era noite no Tietê de Mário, e se havia um "céu de chumbo" na estrada pedregosa de Drummond, aqui tampouco escapamos de uma paisagem invernada. Mas a noite não contém a fúria da poesia, que desata como um contraponto à "frieza cacto" da morte. Trata-se de um duelo rotineiro e até desejado: enfrentá-lo é a fatalidade do poeta. É preciso abraçar a morte, sorvedouro que gira implacavelmente sob o poema: "eu e/ ela andando no meio/ da chuva a chover". Escrever significa "morrer vivo", gravar na lama uma presença - "falar com as chuvas ouvir as ruas", resume Anelito de Oliveira num texto sobre Leminski, publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, do qual é editor. A errância das "palavras em liberdade" é uma das marcas do livro: a fala solta, coleante, que escorre como chuva ou como rio, transbordando entre os versos. A corredeira topa em pedras, que são as elipses e rupturas sintáticas, mas flui nos "cavalgamentos". Na ausência da pontuação, as idéias se confundem, crescem em todas as direções, e o próprio cansaço das coisas desoladas se converte em "magma germinativo" (André Breton), princípio de metamorfose e renovação. Lama fluida, turva e imprevisível, o mundo é uma "intensa inquietação de matérias", que a memória do poeta revolve. O ideal seria "tecer palavras como/ quem esquece de tudo", mas é impossível planar acima das "ruas de terra" e do brejo coalhado de sapos - "a noite agora tempo/ sujo escorrendo sapo/ sujo..." O poeta é um ser exilado, mas preso às raízes, ao aqui-agora da sua historicidade. É o que indica esse mergulho na lama, "submundo da alma" no qual ele mantém "os olhos soterrados". Uma poesia sem pureza - como desejou Pablo Neruda, na contramão da arte autônoma e antimimética de Huidobro - se impõe ao final da leitura. Lama ecoa os versos famosos da "Nova poética", em que Manuel Bandeira anuncia a teoria do "poeta sórdido" (aquele em cujo paletó branco respinga a marca da vida). Lembra também o Poema Sujo, de Ferreira Gullar - sujo e poroso, vivencial, como exprime o autor maranhense: "De terra te quero,/ poema,/ e no entanto iluminado." A lama é ao mesmo tempo o barro sagrado das origens e o apodrecimento final de todas as coisas, que "ardem e morrem" na cidade desolada. Nos últimos versos do livro, a morte faz crescer a consciência do corpo, com suas pulsações e necessidades. "Caminhando sem rumo/ pelas ruas invernadas", o poeta sente a sombra fria de "silêncio/ que nunca mais vai ser/ vida". Paradoxalmente, ele agora está mais próximo dos pequenos fatos que definem a existência. Como Mário de Andrade, aprendeu a se "purificar no barro dos sofrimentos dos homens". Lama, poema condensado de Anelito de Oliveira. Orobó Edições (Belo Horizonte). 30 páginas

Caminho dia e noite/ como um parque desolado. Os versos de Vicente Huidobro servem de epígrafe ao livro de estréia do poeta mineiro Anelito de Oliveira. Lama é um poema longo, embora condensado, com o impulso confessional, o pendor para a reflexão e a estrutura narrativa que são comuns nessa forma lírica. O verso ondulante desdobra - assim como A Meditação sobre o Tietê, de Mário de Andrade - a experiência abissal de um encontro com a noite. Simbolizada no rio ou na lama, essa "noite líquida" ocorre em pleno dia, no meio de uma torrente de palavras. A entrevista do poeta com a morte é um tête-à-tête doloroso entre o impulso de evasão e de depuração, que define propriamente o lirismo, e a descoberta da materialidade suja e desolada do mundo. Lama abre com uma série de imagens da devastação. Nesse cenário de nuvens (abafado e obscuro, como realça a abundante vogal "u") é que aparecem as sombras do passado: "rumor de/ ossos secos cantando/ dentro de mim..." A morte e a memória arrastam para o mesmo abismo - escuro, dentro, fundo -, a que não resistem os poetas. Se tudo era noite no Tietê de Mário, e se havia um "céu de chumbo" na estrada pedregosa de Drummond, aqui tampouco escapamos de uma paisagem invernada. Mas a noite não contém a fúria da poesia, que desata como um contraponto à "frieza cacto" da morte. Trata-se de um duelo rotineiro e até desejado: enfrentá-lo é a fatalidade do poeta. É preciso abraçar a morte, sorvedouro que gira implacavelmente sob o poema: "eu e/ ela andando no meio/ da chuva a chover". Escrever significa "morrer vivo", gravar na lama uma presença - "falar com as chuvas ouvir as ruas", resume Anelito de Oliveira num texto sobre Leminski, publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, do qual é editor. A errância das "palavras em liberdade" é uma das marcas do livro: a fala solta, coleante, que escorre como chuva ou como rio, transbordando entre os versos. A corredeira topa em pedras, que são as elipses e rupturas sintáticas, mas flui nos "cavalgamentos". Na ausência da pontuação, as idéias se confundem, crescem em todas as direções, e o próprio cansaço das coisas desoladas se converte em "magma germinativo" (André Breton), princípio de metamorfose e renovação. Lama fluida, turva e imprevisível, o mundo é uma "intensa inquietação de matérias", que a memória do poeta revolve. O ideal seria "tecer palavras como/ quem esquece de tudo", mas é impossível planar acima das "ruas de terra" e do brejo coalhado de sapos - "a noite agora tempo/ sujo escorrendo sapo/ sujo..." O poeta é um ser exilado, mas preso às raízes, ao aqui-agora da sua historicidade. É o que indica esse mergulho na lama, "submundo da alma" no qual ele mantém "os olhos soterrados". Uma poesia sem pureza - como desejou Pablo Neruda, na contramão da arte autônoma e antimimética de Huidobro - se impõe ao final da leitura. Lama ecoa os versos famosos da "Nova poética", em que Manuel Bandeira anuncia a teoria do "poeta sórdido" (aquele em cujo paletó branco respinga a marca da vida). Lembra também o Poema Sujo, de Ferreira Gullar - sujo e poroso, vivencial, como exprime o autor maranhense: "De terra te quero,/ poema,/ e no entanto iluminado." A lama é ao mesmo tempo o barro sagrado das origens e o apodrecimento final de todas as coisas, que "ardem e morrem" na cidade desolada. Nos últimos versos do livro, a morte faz crescer a consciência do corpo, com suas pulsações e necessidades. "Caminhando sem rumo/ pelas ruas invernadas", o poeta sente a sombra fria de "silêncio/ que nunca mais vai ser/ vida". Paradoxalmente, ele agora está mais próximo dos pequenos fatos que definem a existência. Como Mário de Andrade, aprendeu a se "purificar no barro dos sofrimentos dos homens". Lama, poema condensado de Anelito de Oliveira. Orobó Edições (Belo Horizonte). 30 páginas

Caminho dia e noite/ como um parque desolado. Os versos de Vicente Huidobro servem de epígrafe ao livro de estréia do poeta mineiro Anelito de Oliveira. Lama é um poema longo, embora condensado, com o impulso confessional, o pendor para a reflexão e a estrutura narrativa que são comuns nessa forma lírica. O verso ondulante desdobra - assim como A Meditação sobre o Tietê, de Mário de Andrade - a experiência abissal de um encontro com a noite. Simbolizada no rio ou na lama, essa "noite líquida" ocorre em pleno dia, no meio de uma torrente de palavras. A entrevista do poeta com a morte é um tête-à-tête doloroso entre o impulso de evasão e de depuração, que define propriamente o lirismo, e a descoberta da materialidade suja e desolada do mundo. Lama abre com uma série de imagens da devastação. Nesse cenário de nuvens (abafado e obscuro, como realça a abundante vogal "u") é que aparecem as sombras do passado: "rumor de/ ossos secos cantando/ dentro de mim..." A morte e a memória arrastam para o mesmo abismo - escuro, dentro, fundo -, a que não resistem os poetas. Se tudo era noite no Tietê de Mário, e se havia um "céu de chumbo" na estrada pedregosa de Drummond, aqui tampouco escapamos de uma paisagem invernada. Mas a noite não contém a fúria da poesia, que desata como um contraponto à "frieza cacto" da morte. Trata-se de um duelo rotineiro e até desejado: enfrentá-lo é a fatalidade do poeta. É preciso abraçar a morte, sorvedouro que gira implacavelmente sob o poema: "eu e/ ela andando no meio/ da chuva a chover". Escrever significa "morrer vivo", gravar na lama uma presença - "falar com as chuvas ouvir as ruas", resume Anelito de Oliveira num texto sobre Leminski, publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, do qual é editor. A errância das "palavras em liberdade" é uma das marcas do livro: a fala solta, coleante, que escorre como chuva ou como rio, transbordando entre os versos. A corredeira topa em pedras, que são as elipses e rupturas sintáticas, mas flui nos "cavalgamentos". Na ausência da pontuação, as idéias se confundem, crescem em todas as direções, e o próprio cansaço das coisas desoladas se converte em "magma germinativo" (André Breton), princípio de metamorfose e renovação. Lama fluida, turva e imprevisível, o mundo é uma "intensa inquietação de matérias", que a memória do poeta revolve. O ideal seria "tecer palavras como/ quem esquece de tudo", mas é impossível planar acima das "ruas de terra" e do brejo coalhado de sapos - "a noite agora tempo/ sujo escorrendo sapo/ sujo..." O poeta é um ser exilado, mas preso às raízes, ao aqui-agora da sua historicidade. É o que indica esse mergulho na lama, "submundo da alma" no qual ele mantém "os olhos soterrados". Uma poesia sem pureza - como desejou Pablo Neruda, na contramão da arte autônoma e antimimética de Huidobro - se impõe ao final da leitura. Lama ecoa os versos famosos da "Nova poética", em que Manuel Bandeira anuncia a teoria do "poeta sórdido" (aquele em cujo paletó branco respinga a marca da vida). Lembra também o Poema Sujo, de Ferreira Gullar - sujo e poroso, vivencial, como exprime o autor maranhense: "De terra te quero,/ poema,/ e no entanto iluminado." A lama é ao mesmo tempo o barro sagrado das origens e o apodrecimento final de todas as coisas, que "ardem e morrem" na cidade desolada. Nos últimos versos do livro, a morte faz crescer a consciência do corpo, com suas pulsações e necessidades. "Caminhando sem rumo/ pelas ruas invernadas", o poeta sente a sombra fria de "silêncio/ que nunca mais vai ser/ vida". Paradoxalmente, ele agora está mais próximo dos pequenos fatos que definem a existência. Como Mário de Andrade, aprendeu a se "purificar no barro dos sofrimentos dos homens". Lama, poema condensado de Anelito de Oliveira. Orobó Edições (Belo Horizonte). 30 páginas

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