Queda livre


Medo de voar é somatório de claustrofobia, aversão a altura, submissão a regulamentos inflexíveis...

Por Christian Ingo Lenz Dunker

As fobias constituem um dos grupos de sintomas mais responsivos ao tratamento psicológico em geral e à psicanálise em particular. Temores localizados como o medo de insetos, o medo de altura ou o medo de dirigir automóvel são, em geral remissíveis a um objeto e esse objeto está repleto de determinações simbólicas, ou de associações aversivas, como dirão os analistas de comportamento. Essa regra clínica, mais ou menos consagrada, é questionada pelas chamadas fobias situacionais, como andar de avião ou estar em lugares abertos (agorafobia). O problema aqui é que não sabemos exatamente qual é o objeto ou o traço ansiogênico que está em causa. Quando encontramos pessoas que têm pavor de andar de avião, apesar da simplicidade relativa do sintoma, sabemos que ele tomará tempo para ser tratado, pelo menos mais tempo do que outras fobias. Isso acontece porque a situação tem muitas variáveis e em geral elas se conjugam em uma espécie de equação de determinantes: estar em uma situação de dependência (da aeronave, da tripulação, do tempo), estar nas mãos de uma pessoa desconhecida (o piloto), estar em um lugar fechado (claustrofobia), estar em um lugar do qual não se pode sair, estar em um lugar elevado, estar em uma situação de submissão a regulamentos (apertar cintos, não fumar, não baixar a cadeira). Faz parte das determinações simbólicas de uma fobia simples que ela, ao mesmo tempo, imponha uma restrição ao sujeito, na forma do “tenho que”, ou “não posso com” e represente um desejo ou uma vontade irresistível. É o caso da pessoa que tem medo de altura, mas quando se aproxima de uma sacada ou de uma varanda é acossada pelo pensamento de se aproximar mais ainda da beirada, ou é afligida por pensamentos intrusivos em torno do que aconteceria se ela se jogasse. 

Golden Gate, famosa pelo número de suicídios Foto: AP Photo

Muitas escolhas profissionais são regidas por essa curiosa contradição trazida pela fobia. Alguém que teme demasiadamente a morte pode escolher a medicina. Alguém que teme demasiadamente o crime, a advocacia. O que teme ser louco se inclinará para a psicologia. É conhecido o caso do piromaníaco americano que fez uma carreira brilhante no setor de inteligência dos bombeiros, denunciando inclusive a atividade criminosa dos incêndios que ele mesmo causou. Nossos medos revelam muito sobre a estrutura de nossos desejos, e as fobias fazem isso de modo constrangedor. Por isso muitos analistas consideram a fobia uma espécie de sintoma primário, uma placa giratória que pode funcionar como porta de entrada para outros quadros clínicos, sendo, antes de tudo, um sintoma muito frequente na infância. Por isso quando encontramos alguém que tenha muito medo de voar em aviões nos perguntamos sobre o tipo de impasse que teria se interposto a seu desejo de separação, sobre sua problemática vontade de viajar, sobre sua propensão a deixar tudo para trás e ir embora. E o medo de que aconteça um acidente é simplesmente a exageração dessa conjectura. O medo-desejo de sair do mundo e medir a falta que fazemos para os outros. Assim como aquela pessoa que fica imaginando o próprio velório, especulando quem sentirá sua falta e como.

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É por isso que considero realmente criminosa a ausência de considerações sobre a psicologia daqueles que se dedicam a escolhas profissionais sabidamente próximas da fobia, sendo possível enumerar os três casos clássicos: pilotos de avião, intensivistas de UTIs e operadores de mercado financeiro. São três atividades para às quais o Real está demasiadamente próximo. Nelas, tudo que se faz terá consequências decisivas. Nelas, o tempo comanda nossas decisões. 

No recente acidente envolvendo o avião da Germanwings, que teria sido levado a chocar-se com os Alpes Franceses por ato deliberado de seu copiloto, misturam-se as condições óbvias para o tipo de fantasia que determina a formação de fobias. Colocar-se nas mãos de outro só é realmente perigoso se imaginamos que esse outro pode querer se livrar desse fardo que somos nós. Exatamente como as mães, que em um instante de insanidade, aliás, absolutamente trivial e esperado, desejam jogar os filhos interminavelmente chorosos pela janela. Exatamente como os pais, que diante de sua impotência em satisfazer absolutamente as demandas de seus filhos, ruminam a possibilidade de “explodir” o sistema simbólico que os obriga a serem pais responsáveis. 

Divulgaram-se as fotos do copiloto alemão na Golden Gate de São Francisco, famosa pelo número de suicidas que dela se aproveitaram como trampolim. Sugeriu-se também que ele teria interrompido sua formação como piloto, por três anos, em função de uma depressão. O caráter especulativo de tais indícios não muda o fato de que sua suposta ação responde à fantasia de inúmeros dos que sofrem com fobia de viajar de avião. E essa fantasia é de que nem sempre somos seres que agimos pela razão e nem sempre somos confiáveis porque passamos em testes de seleção metódica de nossas habilidades profissionais. A verdade, que o fóbico intui em sua fantasia, é que não devemos confiar inteiramente no sistema. Quando nos colocamos nas mãos do outro isso é ainda assim um ato de coragem, e, portanto, de desejo. Desejo de se separar e de voar. Desejo que se opõe a todas as asseverações de confiança e segurança. Desejo contra o qual as estatísticas só atrapalham. 

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CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER É PSICANALISTA E PROFESSOR TITULAR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP

As fobias constituem um dos grupos de sintomas mais responsivos ao tratamento psicológico em geral e à psicanálise em particular. Temores localizados como o medo de insetos, o medo de altura ou o medo de dirigir automóvel são, em geral remissíveis a um objeto e esse objeto está repleto de determinações simbólicas, ou de associações aversivas, como dirão os analistas de comportamento. Essa regra clínica, mais ou menos consagrada, é questionada pelas chamadas fobias situacionais, como andar de avião ou estar em lugares abertos (agorafobia). O problema aqui é que não sabemos exatamente qual é o objeto ou o traço ansiogênico que está em causa. Quando encontramos pessoas que têm pavor de andar de avião, apesar da simplicidade relativa do sintoma, sabemos que ele tomará tempo para ser tratado, pelo menos mais tempo do que outras fobias. Isso acontece porque a situação tem muitas variáveis e em geral elas se conjugam em uma espécie de equação de determinantes: estar em uma situação de dependência (da aeronave, da tripulação, do tempo), estar nas mãos de uma pessoa desconhecida (o piloto), estar em um lugar fechado (claustrofobia), estar em um lugar do qual não se pode sair, estar em um lugar elevado, estar em uma situação de submissão a regulamentos (apertar cintos, não fumar, não baixar a cadeira). Faz parte das determinações simbólicas de uma fobia simples que ela, ao mesmo tempo, imponha uma restrição ao sujeito, na forma do “tenho que”, ou “não posso com” e represente um desejo ou uma vontade irresistível. É o caso da pessoa que tem medo de altura, mas quando se aproxima de uma sacada ou de uma varanda é acossada pelo pensamento de se aproximar mais ainda da beirada, ou é afligida por pensamentos intrusivos em torno do que aconteceria se ela se jogasse. 

Golden Gate, famosa pelo número de suicídios Foto: AP Photo

Muitas escolhas profissionais são regidas por essa curiosa contradição trazida pela fobia. Alguém que teme demasiadamente a morte pode escolher a medicina. Alguém que teme demasiadamente o crime, a advocacia. O que teme ser louco se inclinará para a psicologia. É conhecido o caso do piromaníaco americano que fez uma carreira brilhante no setor de inteligência dos bombeiros, denunciando inclusive a atividade criminosa dos incêndios que ele mesmo causou. Nossos medos revelam muito sobre a estrutura de nossos desejos, e as fobias fazem isso de modo constrangedor. Por isso muitos analistas consideram a fobia uma espécie de sintoma primário, uma placa giratória que pode funcionar como porta de entrada para outros quadros clínicos, sendo, antes de tudo, um sintoma muito frequente na infância. Por isso quando encontramos alguém que tenha muito medo de voar em aviões nos perguntamos sobre o tipo de impasse que teria se interposto a seu desejo de separação, sobre sua problemática vontade de viajar, sobre sua propensão a deixar tudo para trás e ir embora. E o medo de que aconteça um acidente é simplesmente a exageração dessa conjectura. O medo-desejo de sair do mundo e medir a falta que fazemos para os outros. Assim como aquela pessoa que fica imaginando o próprio velório, especulando quem sentirá sua falta e como.

É por isso que considero realmente criminosa a ausência de considerações sobre a psicologia daqueles que se dedicam a escolhas profissionais sabidamente próximas da fobia, sendo possível enumerar os três casos clássicos: pilotos de avião, intensivistas de UTIs e operadores de mercado financeiro. São três atividades para às quais o Real está demasiadamente próximo. Nelas, tudo que se faz terá consequências decisivas. Nelas, o tempo comanda nossas decisões. 

No recente acidente envolvendo o avião da Germanwings, que teria sido levado a chocar-se com os Alpes Franceses por ato deliberado de seu copiloto, misturam-se as condições óbvias para o tipo de fantasia que determina a formação de fobias. Colocar-se nas mãos de outro só é realmente perigoso se imaginamos que esse outro pode querer se livrar desse fardo que somos nós. Exatamente como as mães, que em um instante de insanidade, aliás, absolutamente trivial e esperado, desejam jogar os filhos interminavelmente chorosos pela janela. Exatamente como os pais, que diante de sua impotência em satisfazer absolutamente as demandas de seus filhos, ruminam a possibilidade de “explodir” o sistema simbólico que os obriga a serem pais responsáveis. 

Divulgaram-se as fotos do copiloto alemão na Golden Gate de São Francisco, famosa pelo número de suicidas que dela se aproveitaram como trampolim. Sugeriu-se também que ele teria interrompido sua formação como piloto, por três anos, em função de uma depressão. O caráter especulativo de tais indícios não muda o fato de que sua suposta ação responde à fantasia de inúmeros dos que sofrem com fobia de viajar de avião. E essa fantasia é de que nem sempre somos seres que agimos pela razão e nem sempre somos confiáveis porque passamos em testes de seleção metódica de nossas habilidades profissionais. A verdade, que o fóbico intui em sua fantasia, é que não devemos confiar inteiramente no sistema. Quando nos colocamos nas mãos do outro isso é ainda assim um ato de coragem, e, portanto, de desejo. Desejo de se separar e de voar. Desejo que se opõe a todas as asseverações de confiança e segurança. Desejo contra o qual as estatísticas só atrapalham. 

CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER É PSICANALISTA E PROFESSOR TITULAR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP

As fobias constituem um dos grupos de sintomas mais responsivos ao tratamento psicológico em geral e à psicanálise em particular. Temores localizados como o medo de insetos, o medo de altura ou o medo de dirigir automóvel são, em geral remissíveis a um objeto e esse objeto está repleto de determinações simbólicas, ou de associações aversivas, como dirão os analistas de comportamento. Essa regra clínica, mais ou menos consagrada, é questionada pelas chamadas fobias situacionais, como andar de avião ou estar em lugares abertos (agorafobia). O problema aqui é que não sabemos exatamente qual é o objeto ou o traço ansiogênico que está em causa. Quando encontramos pessoas que têm pavor de andar de avião, apesar da simplicidade relativa do sintoma, sabemos que ele tomará tempo para ser tratado, pelo menos mais tempo do que outras fobias. Isso acontece porque a situação tem muitas variáveis e em geral elas se conjugam em uma espécie de equação de determinantes: estar em uma situação de dependência (da aeronave, da tripulação, do tempo), estar nas mãos de uma pessoa desconhecida (o piloto), estar em um lugar fechado (claustrofobia), estar em um lugar do qual não se pode sair, estar em um lugar elevado, estar em uma situação de submissão a regulamentos (apertar cintos, não fumar, não baixar a cadeira). Faz parte das determinações simbólicas de uma fobia simples que ela, ao mesmo tempo, imponha uma restrição ao sujeito, na forma do “tenho que”, ou “não posso com” e represente um desejo ou uma vontade irresistível. É o caso da pessoa que tem medo de altura, mas quando se aproxima de uma sacada ou de uma varanda é acossada pelo pensamento de se aproximar mais ainda da beirada, ou é afligida por pensamentos intrusivos em torno do que aconteceria se ela se jogasse. 

Golden Gate, famosa pelo número de suicídios Foto: AP Photo

Muitas escolhas profissionais são regidas por essa curiosa contradição trazida pela fobia. Alguém que teme demasiadamente a morte pode escolher a medicina. Alguém que teme demasiadamente o crime, a advocacia. O que teme ser louco se inclinará para a psicologia. É conhecido o caso do piromaníaco americano que fez uma carreira brilhante no setor de inteligência dos bombeiros, denunciando inclusive a atividade criminosa dos incêndios que ele mesmo causou. Nossos medos revelam muito sobre a estrutura de nossos desejos, e as fobias fazem isso de modo constrangedor. Por isso muitos analistas consideram a fobia uma espécie de sintoma primário, uma placa giratória que pode funcionar como porta de entrada para outros quadros clínicos, sendo, antes de tudo, um sintoma muito frequente na infância. Por isso quando encontramos alguém que tenha muito medo de voar em aviões nos perguntamos sobre o tipo de impasse que teria se interposto a seu desejo de separação, sobre sua problemática vontade de viajar, sobre sua propensão a deixar tudo para trás e ir embora. E o medo de que aconteça um acidente é simplesmente a exageração dessa conjectura. O medo-desejo de sair do mundo e medir a falta que fazemos para os outros. Assim como aquela pessoa que fica imaginando o próprio velório, especulando quem sentirá sua falta e como.

É por isso que considero realmente criminosa a ausência de considerações sobre a psicologia daqueles que se dedicam a escolhas profissionais sabidamente próximas da fobia, sendo possível enumerar os três casos clássicos: pilotos de avião, intensivistas de UTIs e operadores de mercado financeiro. São três atividades para às quais o Real está demasiadamente próximo. Nelas, tudo que se faz terá consequências decisivas. Nelas, o tempo comanda nossas decisões. 

No recente acidente envolvendo o avião da Germanwings, que teria sido levado a chocar-se com os Alpes Franceses por ato deliberado de seu copiloto, misturam-se as condições óbvias para o tipo de fantasia que determina a formação de fobias. Colocar-se nas mãos de outro só é realmente perigoso se imaginamos que esse outro pode querer se livrar desse fardo que somos nós. Exatamente como as mães, que em um instante de insanidade, aliás, absolutamente trivial e esperado, desejam jogar os filhos interminavelmente chorosos pela janela. Exatamente como os pais, que diante de sua impotência em satisfazer absolutamente as demandas de seus filhos, ruminam a possibilidade de “explodir” o sistema simbólico que os obriga a serem pais responsáveis. 

Divulgaram-se as fotos do copiloto alemão na Golden Gate de São Francisco, famosa pelo número de suicidas que dela se aproveitaram como trampolim. Sugeriu-se também que ele teria interrompido sua formação como piloto, por três anos, em função de uma depressão. O caráter especulativo de tais indícios não muda o fato de que sua suposta ação responde à fantasia de inúmeros dos que sofrem com fobia de viajar de avião. E essa fantasia é de que nem sempre somos seres que agimos pela razão e nem sempre somos confiáveis porque passamos em testes de seleção metódica de nossas habilidades profissionais. A verdade, que o fóbico intui em sua fantasia, é que não devemos confiar inteiramente no sistema. Quando nos colocamos nas mãos do outro isso é ainda assim um ato de coragem, e, portanto, de desejo. Desejo de se separar e de voar. Desejo que se opõe a todas as asseverações de confiança e segurança. Desejo contra o qual as estatísticas só atrapalham. 

CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER É PSICANALISTA E PROFESSOR TITULAR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP

As fobias constituem um dos grupos de sintomas mais responsivos ao tratamento psicológico em geral e à psicanálise em particular. Temores localizados como o medo de insetos, o medo de altura ou o medo de dirigir automóvel são, em geral remissíveis a um objeto e esse objeto está repleto de determinações simbólicas, ou de associações aversivas, como dirão os analistas de comportamento. Essa regra clínica, mais ou menos consagrada, é questionada pelas chamadas fobias situacionais, como andar de avião ou estar em lugares abertos (agorafobia). O problema aqui é que não sabemos exatamente qual é o objeto ou o traço ansiogênico que está em causa. Quando encontramos pessoas que têm pavor de andar de avião, apesar da simplicidade relativa do sintoma, sabemos que ele tomará tempo para ser tratado, pelo menos mais tempo do que outras fobias. Isso acontece porque a situação tem muitas variáveis e em geral elas se conjugam em uma espécie de equação de determinantes: estar em uma situação de dependência (da aeronave, da tripulação, do tempo), estar nas mãos de uma pessoa desconhecida (o piloto), estar em um lugar fechado (claustrofobia), estar em um lugar do qual não se pode sair, estar em um lugar elevado, estar em uma situação de submissão a regulamentos (apertar cintos, não fumar, não baixar a cadeira). Faz parte das determinações simbólicas de uma fobia simples que ela, ao mesmo tempo, imponha uma restrição ao sujeito, na forma do “tenho que”, ou “não posso com” e represente um desejo ou uma vontade irresistível. É o caso da pessoa que tem medo de altura, mas quando se aproxima de uma sacada ou de uma varanda é acossada pelo pensamento de se aproximar mais ainda da beirada, ou é afligida por pensamentos intrusivos em torno do que aconteceria se ela se jogasse. 

Golden Gate, famosa pelo número de suicídios Foto: AP Photo

Muitas escolhas profissionais são regidas por essa curiosa contradição trazida pela fobia. Alguém que teme demasiadamente a morte pode escolher a medicina. Alguém que teme demasiadamente o crime, a advocacia. O que teme ser louco se inclinará para a psicologia. É conhecido o caso do piromaníaco americano que fez uma carreira brilhante no setor de inteligência dos bombeiros, denunciando inclusive a atividade criminosa dos incêndios que ele mesmo causou. Nossos medos revelam muito sobre a estrutura de nossos desejos, e as fobias fazem isso de modo constrangedor. Por isso muitos analistas consideram a fobia uma espécie de sintoma primário, uma placa giratória que pode funcionar como porta de entrada para outros quadros clínicos, sendo, antes de tudo, um sintoma muito frequente na infância. Por isso quando encontramos alguém que tenha muito medo de voar em aviões nos perguntamos sobre o tipo de impasse que teria se interposto a seu desejo de separação, sobre sua problemática vontade de viajar, sobre sua propensão a deixar tudo para trás e ir embora. E o medo de que aconteça um acidente é simplesmente a exageração dessa conjectura. O medo-desejo de sair do mundo e medir a falta que fazemos para os outros. Assim como aquela pessoa que fica imaginando o próprio velório, especulando quem sentirá sua falta e como.

É por isso que considero realmente criminosa a ausência de considerações sobre a psicologia daqueles que se dedicam a escolhas profissionais sabidamente próximas da fobia, sendo possível enumerar os três casos clássicos: pilotos de avião, intensivistas de UTIs e operadores de mercado financeiro. São três atividades para às quais o Real está demasiadamente próximo. Nelas, tudo que se faz terá consequências decisivas. Nelas, o tempo comanda nossas decisões. 

No recente acidente envolvendo o avião da Germanwings, que teria sido levado a chocar-se com os Alpes Franceses por ato deliberado de seu copiloto, misturam-se as condições óbvias para o tipo de fantasia que determina a formação de fobias. Colocar-se nas mãos de outro só é realmente perigoso se imaginamos que esse outro pode querer se livrar desse fardo que somos nós. Exatamente como as mães, que em um instante de insanidade, aliás, absolutamente trivial e esperado, desejam jogar os filhos interminavelmente chorosos pela janela. Exatamente como os pais, que diante de sua impotência em satisfazer absolutamente as demandas de seus filhos, ruminam a possibilidade de “explodir” o sistema simbólico que os obriga a serem pais responsáveis. 

Divulgaram-se as fotos do copiloto alemão na Golden Gate de São Francisco, famosa pelo número de suicidas que dela se aproveitaram como trampolim. Sugeriu-se também que ele teria interrompido sua formação como piloto, por três anos, em função de uma depressão. O caráter especulativo de tais indícios não muda o fato de que sua suposta ação responde à fantasia de inúmeros dos que sofrem com fobia de viajar de avião. E essa fantasia é de que nem sempre somos seres que agimos pela razão e nem sempre somos confiáveis porque passamos em testes de seleção metódica de nossas habilidades profissionais. A verdade, que o fóbico intui em sua fantasia, é que não devemos confiar inteiramente no sistema. Quando nos colocamos nas mãos do outro isso é ainda assim um ato de coragem, e, portanto, de desejo. Desejo de se separar e de voar. Desejo que se opõe a todas as asseverações de confiança e segurança. Desejo contra o qual as estatísticas só atrapalham. 

CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER É PSICANALISTA E PROFESSOR TITULAR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP

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