"(...) A reversibilidade do movimento evoca minha experiência pessoal. Aos 22 e aos 33 anos de idade resolvi viajar levando a vida em aberto. Vendi o pouco que tinha e saí do país sem passagem de volta nem previsão de retorno. Na primeira vez, por medida de economia, fui de navio. O Cabo San Roque, espanhol, de umas 15 mil toneladas, fora um barco glamoroso nos anos 60 mas já estava decadente naquele outono de 1976 em que fazia sua última travessia do Atlântico em linha regular de passageiros. O detalhe ornamentou minha aventura.
Nenhuma das demais viagens que fiz rivalizou, na essência, com aquelas sem passagem de volta. As outras tiveram a premissa do retorno como fator de perturbação, feito uma torneira gotejante. O ritual da volta para casa pode ser reconfortante, mas nunca vertiginoso e revelador quanto a consciência, ao partir, de talvez se estar vendo tudo à volta pela última vez. O gostinho do irreversível. Mesmo quando se retorna de uma viagem em aberto, sente-se o mundo habitual de modo diferente. Então não será uma volta, mas um salto para um patamar existencial situado uma oitava acima do momento da partida. (...)"
Bacana.