Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|País do futuro...


O futuro chegou com toda força, mas só agora nos damos conta de que há nele um pesado passado

Por Roberto DaMatta

Com 86 anos, estou exatamente no futuro que duramente construí quando jovem. O presente promove futuros. Escolhas realizadas agora predispõem futuros. No nosso caso, um futuro glorioso aprisiona um Brasil de presentes vergonhosos. 

Pois mesmo com um debate político inibido, e reacionariamente evitado, ainda ouvimos que todos os nossos problemas serão resolvidos num utópico amanhã, porque, hoje, resolvemos o meu ou (se você for dos nossos) o seu problema. 

Recentemente aatriz Giovanna Ewbank e o marido, o também atorBruno Gagliasso, passaram por uma situação de racismo com os filhos. Foto: Reprodução/Instagram
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As questões mais agudas como o repensar a educação, como fez Anísio Teixeira, a gente deixa para os corajosos, os sinceros e os honestos do futuro. “No futuro tudo se resolve...” - porque, abandonando a ele as tarefas, lavamos as mãos.

O problema é que o futuro chegou com toda força, mas só agora nos damos conta que há nele um pesado passado. Um passado escravocrata, feito de uma elite traficante e de negros que eram máquinas.

Amaciamos o justo clamor do movimento negro falando que o problema é a pobreza. Mas os pobres podem melhorar de vida e nela “subir” virando ricos, como ocorre com os gloriosos atletas e artistas. Mas os pretos continuam pretos! O papel de preto não é negociável e, na maioria das circunstâncias, é agravante contra a aparência. 

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Ah! A famosa aparência ou o “jeito” de fulano ou sicrano que negocia a sua figura e a cor de pele. Uma razão estética que acompanha a oculta hierarquia nacional brasileira. O “jeito da pessoa” - a aparência (feio ou bonito, nervoso ou calmo...) - certamente ajuda. Nas sociedades que territorializaram etnias inventando a segregação - como demonstra claramente o caso dos EUA com seus bairros pobres de judeus, italianos, gregos, latinos e brasileiros - o “jeito” é impensável. O foco é na diferença mais expressiva e, na maioria dos casos, surgem o rosto, a cara e o cabelo, os lábios e o nariz que são inegociáveis. Por isso a negritude é um estigma que hoje, neste futuro inesperado, no qual dois candidatos esvaziam o jogo democrático debaixo de um esquemático e brasileiríssimo combate entre uma direita e uma esquerda, poucos enxergam que nenhum dos dois tem lealdade à democracia. 

O futuro mágico é um mito destinado a manter o passado. É equivalente às exortações religiosas de paciência e sacrifício, porque o tempo passa e com isso as coisas mudam por si mesmas. O arianismo que iria branquear o Brasil estava no futuro. Hoje, quase na metade do século 21, nos deparamos com uma história política regressiva (e reacionária), negacionista e vazia de programas. Um aqui e agora marcado pelo “salva-se quem puder”. É esse o Brasil do futuro que minha geração esperava?

Com 86 anos, estou exatamente no futuro que duramente construí quando jovem. O presente promove futuros. Escolhas realizadas agora predispõem futuros. No nosso caso, um futuro glorioso aprisiona um Brasil de presentes vergonhosos. 

Pois mesmo com um debate político inibido, e reacionariamente evitado, ainda ouvimos que todos os nossos problemas serão resolvidos num utópico amanhã, porque, hoje, resolvemos o meu ou (se você for dos nossos) o seu problema. 

Recentemente aatriz Giovanna Ewbank e o marido, o também atorBruno Gagliasso, passaram por uma situação de racismo com os filhos. Foto: Reprodução/Instagram

As questões mais agudas como o repensar a educação, como fez Anísio Teixeira, a gente deixa para os corajosos, os sinceros e os honestos do futuro. “No futuro tudo se resolve...” - porque, abandonando a ele as tarefas, lavamos as mãos.

O problema é que o futuro chegou com toda força, mas só agora nos damos conta que há nele um pesado passado. Um passado escravocrata, feito de uma elite traficante e de negros que eram máquinas.

Amaciamos o justo clamor do movimento negro falando que o problema é a pobreza. Mas os pobres podem melhorar de vida e nela “subir” virando ricos, como ocorre com os gloriosos atletas e artistas. Mas os pretos continuam pretos! O papel de preto não é negociável e, na maioria das circunstâncias, é agravante contra a aparência. 

Ah! A famosa aparência ou o “jeito” de fulano ou sicrano que negocia a sua figura e a cor de pele. Uma razão estética que acompanha a oculta hierarquia nacional brasileira. O “jeito da pessoa” - a aparência (feio ou bonito, nervoso ou calmo...) - certamente ajuda. Nas sociedades que territorializaram etnias inventando a segregação - como demonstra claramente o caso dos EUA com seus bairros pobres de judeus, italianos, gregos, latinos e brasileiros - o “jeito” é impensável. O foco é na diferença mais expressiva e, na maioria dos casos, surgem o rosto, a cara e o cabelo, os lábios e o nariz que são inegociáveis. Por isso a negritude é um estigma que hoje, neste futuro inesperado, no qual dois candidatos esvaziam o jogo democrático debaixo de um esquemático e brasileiríssimo combate entre uma direita e uma esquerda, poucos enxergam que nenhum dos dois tem lealdade à democracia. 

O futuro mágico é um mito destinado a manter o passado. É equivalente às exortações religiosas de paciência e sacrifício, porque o tempo passa e com isso as coisas mudam por si mesmas. O arianismo que iria branquear o Brasil estava no futuro. Hoje, quase na metade do século 21, nos deparamos com uma história política regressiva (e reacionária), negacionista e vazia de programas. Um aqui e agora marcado pelo “salva-se quem puder”. É esse o Brasil do futuro que minha geração esperava?

Com 86 anos, estou exatamente no futuro que duramente construí quando jovem. O presente promove futuros. Escolhas realizadas agora predispõem futuros. No nosso caso, um futuro glorioso aprisiona um Brasil de presentes vergonhosos. 

Pois mesmo com um debate político inibido, e reacionariamente evitado, ainda ouvimos que todos os nossos problemas serão resolvidos num utópico amanhã, porque, hoje, resolvemos o meu ou (se você for dos nossos) o seu problema. 

Recentemente aatriz Giovanna Ewbank e o marido, o também atorBruno Gagliasso, passaram por uma situação de racismo com os filhos. Foto: Reprodução/Instagram

As questões mais agudas como o repensar a educação, como fez Anísio Teixeira, a gente deixa para os corajosos, os sinceros e os honestos do futuro. “No futuro tudo se resolve...” - porque, abandonando a ele as tarefas, lavamos as mãos.

O problema é que o futuro chegou com toda força, mas só agora nos damos conta que há nele um pesado passado. Um passado escravocrata, feito de uma elite traficante e de negros que eram máquinas.

Amaciamos o justo clamor do movimento negro falando que o problema é a pobreza. Mas os pobres podem melhorar de vida e nela “subir” virando ricos, como ocorre com os gloriosos atletas e artistas. Mas os pretos continuam pretos! O papel de preto não é negociável e, na maioria das circunstâncias, é agravante contra a aparência. 

Ah! A famosa aparência ou o “jeito” de fulano ou sicrano que negocia a sua figura e a cor de pele. Uma razão estética que acompanha a oculta hierarquia nacional brasileira. O “jeito da pessoa” - a aparência (feio ou bonito, nervoso ou calmo...) - certamente ajuda. Nas sociedades que territorializaram etnias inventando a segregação - como demonstra claramente o caso dos EUA com seus bairros pobres de judeus, italianos, gregos, latinos e brasileiros - o “jeito” é impensável. O foco é na diferença mais expressiva e, na maioria dos casos, surgem o rosto, a cara e o cabelo, os lábios e o nariz que são inegociáveis. Por isso a negritude é um estigma que hoje, neste futuro inesperado, no qual dois candidatos esvaziam o jogo democrático debaixo de um esquemático e brasileiríssimo combate entre uma direita e uma esquerda, poucos enxergam que nenhum dos dois tem lealdade à democracia. 

O futuro mágico é um mito destinado a manter o passado. É equivalente às exortações religiosas de paciência e sacrifício, porque o tempo passa e com isso as coisas mudam por si mesmas. O arianismo que iria branquear o Brasil estava no futuro. Hoje, quase na metade do século 21, nos deparamos com uma história política regressiva (e reacionária), negacionista e vazia de programas. Um aqui e agora marcado pelo “salva-se quem puder”. É esse o Brasil do futuro que minha geração esperava?

Com 86 anos, estou exatamente no futuro que duramente construí quando jovem. O presente promove futuros. Escolhas realizadas agora predispõem futuros. No nosso caso, um futuro glorioso aprisiona um Brasil de presentes vergonhosos. 

Pois mesmo com um debate político inibido, e reacionariamente evitado, ainda ouvimos que todos os nossos problemas serão resolvidos num utópico amanhã, porque, hoje, resolvemos o meu ou (se você for dos nossos) o seu problema. 

Recentemente aatriz Giovanna Ewbank e o marido, o também atorBruno Gagliasso, passaram por uma situação de racismo com os filhos. Foto: Reprodução/Instagram

As questões mais agudas como o repensar a educação, como fez Anísio Teixeira, a gente deixa para os corajosos, os sinceros e os honestos do futuro. “No futuro tudo se resolve...” - porque, abandonando a ele as tarefas, lavamos as mãos.

O problema é que o futuro chegou com toda força, mas só agora nos damos conta que há nele um pesado passado. Um passado escravocrata, feito de uma elite traficante e de negros que eram máquinas.

Amaciamos o justo clamor do movimento negro falando que o problema é a pobreza. Mas os pobres podem melhorar de vida e nela “subir” virando ricos, como ocorre com os gloriosos atletas e artistas. Mas os pretos continuam pretos! O papel de preto não é negociável e, na maioria das circunstâncias, é agravante contra a aparência. 

Ah! A famosa aparência ou o “jeito” de fulano ou sicrano que negocia a sua figura e a cor de pele. Uma razão estética que acompanha a oculta hierarquia nacional brasileira. O “jeito da pessoa” - a aparência (feio ou bonito, nervoso ou calmo...) - certamente ajuda. Nas sociedades que territorializaram etnias inventando a segregação - como demonstra claramente o caso dos EUA com seus bairros pobres de judeus, italianos, gregos, latinos e brasileiros - o “jeito” é impensável. O foco é na diferença mais expressiva e, na maioria dos casos, surgem o rosto, a cara e o cabelo, os lábios e o nariz que são inegociáveis. Por isso a negritude é um estigma que hoje, neste futuro inesperado, no qual dois candidatos esvaziam o jogo democrático debaixo de um esquemático e brasileiríssimo combate entre uma direita e uma esquerda, poucos enxergam que nenhum dos dois tem lealdade à democracia. 

O futuro mágico é um mito destinado a manter o passado. É equivalente às exortações religiosas de paciência e sacrifício, porque o tempo passa e com isso as coisas mudam por si mesmas. O arianismo que iria branquear o Brasil estava no futuro. Hoje, quase na metade do século 21, nos deparamos com uma história política regressiva (e reacionária), negacionista e vazia de programas. Um aqui e agora marcado pelo “salva-se quem puder”. É esse o Brasil do futuro que minha geração esperava?

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