Partituras sem contratempos

Às vésperas dos 70 anos, 'Deus' está cansado e vai parar.


Sir Eric Patrick Clapton está cansado. Os 70 anos que se avizinham (e que se cumprem em 30 de março) não assustam o deus da guitarra. O que mais o aborrece são as longas turnês, as viagens, as horas em aviões, os aeroportos, as filas na imigração, os seguranças. Por isso, Clapton, que no ano passado já havia dito à revista Guitar Player que pararia ao completar 70 anos, agora voltou a expressar esse seu desejo. Mais do que desejo, é uma decisão. Está em contagem regressiva. Vai parar com as excursões, mas não com a música, para alegria de seus fãs. Ou seriam discípulos?

Por Carlos de Oliveira
Eric Clapton fará 70 anos no dia 30 de março. Cansado de aeroportos, controles de imigração, de seguranças e viagens intermináveis, disse que vai parar. Foto: Estadão

Em 1965, a cena musical londrina estava indefinida. O rock e suas variantes apontavam para várias direções e tudo indicava que os Yardbirds seriam uma das bandas a cair no gosto de uma juventude marcada por um pós-guerra ainda sombrio. E, de fato, eles começavam a ser notados. Seu guitarrista era um jovem de Ripley, no Surrey, nos arredores de Londres.

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O jovem Ric em Ripley, no Surrey, a mais ou menos 20 km de Londres. Foto: Estadão

Tinha 20 anos, chamava-se Eric Patrick Clapp e parecia ser o único a não estar feliz com o sucesso crescente. Era um devoto fervoroso do blues e não escondia seu incômodo com o que considerava uma guinada comercial dos Yardbirds. Sem pensar muito, deixou a banda dos desejos de muitos garotos de sua idade e juntou-se aos Bluesbreakers, de John Mayall, outro fanático por blues e seu guru.

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Com John Mayall, nos Bluesbreakers: lendo gibi e dedicado ao blues. Foto: Estadão

Só blues - Nos Bluesbreakers, Clapton cresceu musicalmente. Estava em seu meio. Sua guitarra e os doze compassos do blues casaram-se perfeitamente e ele pôde desenvolver sua técnica, improvisar e estender seus solos, o que não era muito usual na época. Guitarristas costumavam ser econômicos e solar na base de acordes.

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Clapton extrapolou. Expandiu os solos. E agradou. Em pouco tempo, o jovem do Surrey foi arrastando fãs aos clubes onde os Bluesbreakers tocavam e, pela primeira vez em Londres, grupos de jovens se amontoavam em frente aos palcos, não para ver o cantor, mas o guitarrista.

Com Ginger Baker e Jack Bruce: Cream, o power trio de som pesado. Foto: Estadão
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Clapton é Deus: a frase foi escrita em vários muros londrinos. Foto: Estadão

"Deus" - Não por outro motivo, numa bela manhã o muro da estação de metrô de Islington amanheceu pichado com a inscrição que perseguiria a carreira de Clapton até hoje: Clapton is God (Clapton é Deus).

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Logo a frase se espalhou por pontes e outros muros londrinos. Em 1966, já conhecido e respeitado, Clapton juntou-se a Ginger Baker e a Jack Bruce. Nascia o efêmero Cream que, enquanto durou, assombrou. A expressão power trio passava a figurar no dicionário musical e Clapton não tinha mais fãs. Tinha discípulos.

Dor nas costas - A decisão de abandonar as turnês vem amadurecendo já há algum tempo. Além das viagens longas há sequelas físicas. Recentemente, Clapton teve de interromper apresentações por causa de fortes dores nas costas. Afinal, para o senhor de quase 70 anos não é muito fácil encarar um concerto de pelos menos duas horas, com uma guitarra pendurada nos ombros. Guitarras são pesadas.

Mais: há alguns anos Clapton sofre de tinitus, uma doença sem cura que afeta a audição, geralmente provocada por longas exposições a excesso de decibéis, como os que saem de amplificadores em alto volume. Se Mick Jagger e Paul McCartney, ambos mais velhos que Clapton, estão em forma física muito boa, o mesmo não ocorre com Clapton.

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Depois do Cream, Clapton participa da formação do Blind Faith. Foto: Estadão

O velho Slowhand (mão lenta), apelido que ganhou em razão de seu estilo de tocar, quer se dedicar apenas aos discos e aos palcos domésticos. "Quero fazer como J. J. Cale (autor de Cocaine, um grande sucesso de Clapton), que anunciou sua aposentadoria quando completasse 70 anos", disse.

Um sobrevivente - A história de Clapton daria um bom roteiro de cinema. Desde o nascimento, sua vida é um modelo de quedas e superações. As fases de quedas são brutais e as de superação, tocantes, o que lhe confere respeito e credibilidade. É um sobrevivente das drogas (todas as drogas) e do álcool. Chegou ao fundo do poço e foi mais abaixo ainda.

Hoje está sóbrio e mantém uma clínica de reabilitação de dependentes químicos chamada Crossroads,em Antígua, arquipélago britânico entre o mar do Caribe e das Caraíbas, que sustenta com o leilão milionário de várias de suas muitas guitarras e com a renda do Crossroad Guitar Festival, um encontro anual que reúne a nata dos guitarristas no mundo.

Filho da irmã - Foi duro para o jovem Ric, então com 16 anos, descobrir que a pessoa que ele conhecia como sua irmã mais velha era, na verdade, sua mãe. Nos meses que antecederam o Dia D, a grande invasão da Normandia pela forças aliadas, durante a Segunda Guerra, a Inglaterra era um grande ponto de concentração de tropas.

A jovem Patricia Clapp, de apenas 15 anos, conheceu o soldado canadense Edward Fryer, com quem teve um rápido relacionamento e de quem engravidou. Patricia teve uma gravidez escondida e Eric nasceu "em segredo" no dia 30 de março de 1945. Foi criado pelos avós Rose e John (Jack) Clapp, de quem pensava ser filho. Nunca conheceu seu verdadeiro pai.

 Foto: Estadão
Pattie Boyd com George Harrison e, depois, com Clapton. Foto: Estadão

Layla - Como contar a vida de alguém é um trabalho para biógrafos, é possível que apenas alguns aspectos da história de Clapton bastem para traçar-lhe um perfil sem grandes pretensões.

Resumindo, a droga e o álcool sempre estiveram presentes em sua vida e Clapton abusava desses aditivos. Maconha, cocaína, heroína e bebidas.

Era amigo dos quatro beatles e apaixonou-se obsessivamente por Pattie Boyd, mulher de George Harrison, a quem assediaria sem reservas e com quem se casaria tempos depois. Apesar da situação desconfortável, a amizade entre os dois músicos permaneceu inabalada. É de Clapton o choroso solo de guitarra em While My Guitar Gently Weeps, composta por Harrison para o Álbum Branco, dos Beatles. Para Pattie, Clapton comporia Layla, um de seus maiores sucessos.

Autobiografia, de 2007: um relato doloroso e honesto. Foto: Estadão

Em sua autobiografia, lançada em 2007, Clapton conta com detalhes e honestidade seu tormento com as drogas e a bebida. Teve fases de curta sobriedade e quedas dramáticas que quase o levaram ao fim da carreira e à morte. Internou-se e buscou ajuda.

Tragédia - No dia 20 de março de 1991, dez dias antes de seu 46º aniversário, ele viveria a maior tragédia de sua vida. Já separado de Pattie, envolveu-se com a modelo italiana Lory del Santo, com quem teve um filho, Conor. O menino e a mãe moravam no 53º andar de um edifício em Nova York. Nesse dia, Clapton, que estava na cidade, acordou cedo e seguiu a pé para apanhar Conor e Lory e levá-los ao zoológico.

Clapton e seu filho Conor: morte trágica aos 4 anos. Foto: Estadão

No caminho, recebeu um telefonema de Lory que, desesperada, dizia que Conor, de apenas quatro anos, estava morto.

Na verdade, ele brincava de esconde-esconde em casa e caiu por uma janela que estava aberta. Clapton estava sóbrio havia dois anos e a tragédia, que poderia justificar uma recaída, deu-lhe forças para continuar sua luta contra o vício. Para o filho morto ele compôs Tears in Heaven.

Hoje Eric Clapton é um senhor que se diz farto de viajar. A ideia, agora, é passar mais tempo na Inglaterra, em casa, nos estúdios e em palcos locais. Por isso, tem agendadas suas próximas apresentações. Será uma temporada de 14 a 23 de maio, no Royal Albert Hall, em Londres. Os ingressos estão à venda e quem quiser poderá comprá-los via internet, em sua página oficial (www.ericclapton.com). Clapton já terá completado 70 anos. Não será prudente perder esse espetáculo. Ele pode mudar seu mundo.

Ouça Change the World:

Eric Clapton fará 70 anos no dia 30 de março. Cansado de aeroportos, controles de imigração, de seguranças e viagens intermináveis, disse que vai parar. Foto: Estadão

Em 1965, a cena musical londrina estava indefinida. O rock e suas variantes apontavam para várias direções e tudo indicava que os Yardbirds seriam uma das bandas a cair no gosto de uma juventude marcada por um pós-guerra ainda sombrio. E, de fato, eles começavam a ser notados. Seu guitarrista era um jovem de Ripley, no Surrey, nos arredores de Londres.

O jovem Ric em Ripley, no Surrey, a mais ou menos 20 km de Londres. Foto: Estadão

Tinha 20 anos, chamava-se Eric Patrick Clapp e parecia ser o único a não estar feliz com o sucesso crescente. Era um devoto fervoroso do blues e não escondia seu incômodo com o que considerava uma guinada comercial dos Yardbirds. Sem pensar muito, deixou a banda dos desejos de muitos garotos de sua idade e juntou-se aos Bluesbreakers, de John Mayall, outro fanático por blues e seu guru.

Com John Mayall, nos Bluesbreakers: lendo gibi e dedicado ao blues. Foto: Estadão

Só blues - Nos Bluesbreakers, Clapton cresceu musicalmente. Estava em seu meio. Sua guitarra e os doze compassos do blues casaram-se perfeitamente e ele pôde desenvolver sua técnica, improvisar e estender seus solos, o que não era muito usual na época. Guitarristas costumavam ser econômicos e solar na base de acordes.

Clapton extrapolou. Expandiu os solos. E agradou. Em pouco tempo, o jovem do Surrey foi arrastando fãs aos clubes onde os Bluesbreakers tocavam e, pela primeira vez em Londres, grupos de jovens se amontoavam em frente aos palcos, não para ver o cantor, mas o guitarrista.

Com Ginger Baker e Jack Bruce: Cream, o power trio de som pesado. Foto: Estadão
Clapton é Deus: a frase foi escrita em vários muros londrinos. Foto: Estadão

"Deus" - Não por outro motivo, numa bela manhã o muro da estação de metrô de Islington amanheceu pichado com a inscrição que perseguiria a carreira de Clapton até hoje: Clapton is God (Clapton é Deus).

Logo a frase se espalhou por pontes e outros muros londrinos. Em 1966, já conhecido e respeitado, Clapton juntou-se a Ginger Baker e a Jack Bruce. Nascia o efêmero Cream que, enquanto durou, assombrou. A expressão power trio passava a figurar no dicionário musical e Clapton não tinha mais fãs. Tinha discípulos.

Dor nas costas - A decisão de abandonar as turnês vem amadurecendo já há algum tempo. Além das viagens longas há sequelas físicas. Recentemente, Clapton teve de interromper apresentações por causa de fortes dores nas costas. Afinal, para o senhor de quase 70 anos não é muito fácil encarar um concerto de pelos menos duas horas, com uma guitarra pendurada nos ombros. Guitarras são pesadas.

Mais: há alguns anos Clapton sofre de tinitus, uma doença sem cura que afeta a audição, geralmente provocada por longas exposições a excesso de decibéis, como os que saem de amplificadores em alto volume. Se Mick Jagger e Paul McCartney, ambos mais velhos que Clapton, estão em forma física muito boa, o mesmo não ocorre com Clapton.

Depois do Cream, Clapton participa da formação do Blind Faith. Foto: Estadão

O velho Slowhand (mão lenta), apelido que ganhou em razão de seu estilo de tocar, quer se dedicar apenas aos discos e aos palcos domésticos. "Quero fazer como J. J. Cale (autor de Cocaine, um grande sucesso de Clapton), que anunciou sua aposentadoria quando completasse 70 anos", disse.

Um sobrevivente - A história de Clapton daria um bom roteiro de cinema. Desde o nascimento, sua vida é um modelo de quedas e superações. As fases de quedas são brutais e as de superação, tocantes, o que lhe confere respeito e credibilidade. É um sobrevivente das drogas (todas as drogas) e do álcool. Chegou ao fundo do poço e foi mais abaixo ainda.

Hoje está sóbrio e mantém uma clínica de reabilitação de dependentes químicos chamada Crossroads,em Antígua, arquipélago britânico entre o mar do Caribe e das Caraíbas, que sustenta com o leilão milionário de várias de suas muitas guitarras e com a renda do Crossroad Guitar Festival, um encontro anual que reúne a nata dos guitarristas no mundo.

Filho da irmã - Foi duro para o jovem Ric, então com 16 anos, descobrir que a pessoa que ele conhecia como sua irmã mais velha era, na verdade, sua mãe. Nos meses que antecederam o Dia D, a grande invasão da Normandia pela forças aliadas, durante a Segunda Guerra, a Inglaterra era um grande ponto de concentração de tropas.

A jovem Patricia Clapp, de apenas 15 anos, conheceu o soldado canadense Edward Fryer, com quem teve um rápido relacionamento e de quem engravidou. Patricia teve uma gravidez escondida e Eric nasceu "em segredo" no dia 30 de março de 1945. Foi criado pelos avós Rose e John (Jack) Clapp, de quem pensava ser filho. Nunca conheceu seu verdadeiro pai.

 Foto: Estadão
Pattie Boyd com George Harrison e, depois, com Clapton. Foto: Estadão

Layla - Como contar a vida de alguém é um trabalho para biógrafos, é possível que apenas alguns aspectos da história de Clapton bastem para traçar-lhe um perfil sem grandes pretensões.

Resumindo, a droga e o álcool sempre estiveram presentes em sua vida e Clapton abusava desses aditivos. Maconha, cocaína, heroína e bebidas.

Era amigo dos quatro beatles e apaixonou-se obsessivamente por Pattie Boyd, mulher de George Harrison, a quem assediaria sem reservas e com quem se casaria tempos depois. Apesar da situação desconfortável, a amizade entre os dois músicos permaneceu inabalada. É de Clapton o choroso solo de guitarra em While My Guitar Gently Weeps, composta por Harrison para o Álbum Branco, dos Beatles. Para Pattie, Clapton comporia Layla, um de seus maiores sucessos.

Autobiografia, de 2007: um relato doloroso e honesto. Foto: Estadão

Em sua autobiografia, lançada em 2007, Clapton conta com detalhes e honestidade seu tormento com as drogas e a bebida. Teve fases de curta sobriedade e quedas dramáticas que quase o levaram ao fim da carreira e à morte. Internou-se e buscou ajuda.

Tragédia - No dia 20 de março de 1991, dez dias antes de seu 46º aniversário, ele viveria a maior tragédia de sua vida. Já separado de Pattie, envolveu-se com a modelo italiana Lory del Santo, com quem teve um filho, Conor. O menino e a mãe moravam no 53º andar de um edifício em Nova York. Nesse dia, Clapton, que estava na cidade, acordou cedo e seguiu a pé para apanhar Conor e Lory e levá-los ao zoológico.

Clapton e seu filho Conor: morte trágica aos 4 anos. Foto: Estadão

No caminho, recebeu um telefonema de Lory que, desesperada, dizia que Conor, de apenas quatro anos, estava morto.

Na verdade, ele brincava de esconde-esconde em casa e caiu por uma janela que estava aberta. Clapton estava sóbrio havia dois anos e a tragédia, que poderia justificar uma recaída, deu-lhe forças para continuar sua luta contra o vício. Para o filho morto ele compôs Tears in Heaven.

Hoje Eric Clapton é um senhor que se diz farto de viajar. A ideia, agora, é passar mais tempo na Inglaterra, em casa, nos estúdios e em palcos locais. Por isso, tem agendadas suas próximas apresentações. Será uma temporada de 14 a 23 de maio, no Royal Albert Hall, em Londres. Os ingressos estão à venda e quem quiser poderá comprá-los via internet, em sua página oficial (www.ericclapton.com). Clapton já terá completado 70 anos. Não será prudente perder esse espetáculo. Ele pode mudar seu mundo.

Ouça Change the World:

Eric Clapton fará 70 anos no dia 30 de março. Cansado de aeroportos, controles de imigração, de seguranças e viagens intermináveis, disse que vai parar. Foto: Estadão

Em 1965, a cena musical londrina estava indefinida. O rock e suas variantes apontavam para várias direções e tudo indicava que os Yardbirds seriam uma das bandas a cair no gosto de uma juventude marcada por um pós-guerra ainda sombrio. E, de fato, eles começavam a ser notados. Seu guitarrista era um jovem de Ripley, no Surrey, nos arredores de Londres.

O jovem Ric em Ripley, no Surrey, a mais ou menos 20 km de Londres. Foto: Estadão

Tinha 20 anos, chamava-se Eric Patrick Clapp e parecia ser o único a não estar feliz com o sucesso crescente. Era um devoto fervoroso do blues e não escondia seu incômodo com o que considerava uma guinada comercial dos Yardbirds. Sem pensar muito, deixou a banda dos desejos de muitos garotos de sua idade e juntou-se aos Bluesbreakers, de John Mayall, outro fanático por blues e seu guru.

Com John Mayall, nos Bluesbreakers: lendo gibi e dedicado ao blues. Foto: Estadão

Só blues - Nos Bluesbreakers, Clapton cresceu musicalmente. Estava em seu meio. Sua guitarra e os doze compassos do blues casaram-se perfeitamente e ele pôde desenvolver sua técnica, improvisar e estender seus solos, o que não era muito usual na época. Guitarristas costumavam ser econômicos e solar na base de acordes.

Clapton extrapolou. Expandiu os solos. E agradou. Em pouco tempo, o jovem do Surrey foi arrastando fãs aos clubes onde os Bluesbreakers tocavam e, pela primeira vez em Londres, grupos de jovens se amontoavam em frente aos palcos, não para ver o cantor, mas o guitarrista.

Com Ginger Baker e Jack Bruce: Cream, o power trio de som pesado. Foto: Estadão
Clapton é Deus: a frase foi escrita em vários muros londrinos. Foto: Estadão

"Deus" - Não por outro motivo, numa bela manhã o muro da estação de metrô de Islington amanheceu pichado com a inscrição que perseguiria a carreira de Clapton até hoje: Clapton is God (Clapton é Deus).

Logo a frase se espalhou por pontes e outros muros londrinos. Em 1966, já conhecido e respeitado, Clapton juntou-se a Ginger Baker e a Jack Bruce. Nascia o efêmero Cream que, enquanto durou, assombrou. A expressão power trio passava a figurar no dicionário musical e Clapton não tinha mais fãs. Tinha discípulos.

Dor nas costas - A decisão de abandonar as turnês vem amadurecendo já há algum tempo. Além das viagens longas há sequelas físicas. Recentemente, Clapton teve de interromper apresentações por causa de fortes dores nas costas. Afinal, para o senhor de quase 70 anos não é muito fácil encarar um concerto de pelos menos duas horas, com uma guitarra pendurada nos ombros. Guitarras são pesadas.

Mais: há alguns anos Clapton sofre de tinitus, uma doença sem cura que afeta a audição, geralmente provocada por longas exposições a excesso de decibéis, como os que saem de amplificadores em alto volume. Se Mick Jagger e Paul McCartney, ambos mais velhos que Clapton, estão em forma física muito boa, o mesmo não ocorre com Clapton.

Depois do Cream, Clapton participa da formação do Blind Faith. Foto: Estadão

O velho Slowhand (mão lenta), apelido que ganhou em razão de seu estilo de tocar, quer se dedicar apenas aos discos e aos palcos domésticos. "Quero fazer como J. J. Cale (autor de Cocaine, um grande sucesso de Clapton), que anunciou sua aposentadoria quando completasse 70 anos", disse.

Um sobrevivente - A história de Clapton daria um bom roteiro de cinema. Desde o nascimento, sua vida é um modelo de quedas e superações. As fases de quedas são brutais e as de superação, tocantes, o que lhe confere respeito e credibilidade. É um sobrevivente das drogas (todas as drogas) e do álcool. Chegou ao fundo do poço e foi mais abaixo ainda.

Hoje está sóbrio e mantém uma clínica de reabilitação de dependentes químicos chamada Crossroads,em Antígua, arquipélago britânico entre o mar do Caribe e das Caraíbas, que sustenta com o leilão milionário de várias de suas muitas guitarras e com a renda do Crossroad Guitar Festival, um encontro anual que reúne a nata dos guitarristas no mundo.

Filho da irmã - Foi duro para o jovem Ric, então com 16 anos, descobrir que a pessoa que ele conhecia como sua irmã mais velha era, na verdade, sua mãe. Nos meses que antecederam o Dia D, a grande invasão da Normandia pela forças aliadas, durante a Segunda Guerra, a Inglaterra era um grande ponto de concentração de tropas.

A jovem Patricia Clapp, de apenas 15 anos, conheceu o soldado canadense Edward Fryer, com quem teve um rápido relacionamento e de quem engravidou. Patricia teve uma gravidez escondida e Eric nasceu "em segredo" no dia 30 de março de 1945. Foi criado pelos avós Rose e John (Jack) Clapp, de quem pensava ser filho. Nunca conheceu seu verdadeiro pai.

 Foto: Estadão
Pattie Boyd com George Harrison e, depois, com Clapton. Foto: Estadão

Layla - Como contar a vida de alguém é um trabalho para biógrafos, é possível que apenas alguns aspectos da história de Clapton bastem para traçar-lhe um perfil sem grandes pretensões.

Resumindo, a droga e o álcool sempre estiveram presentes em sua vida e Clapton abusava desses aditivos. Maconha, cocaína, heroína e bebidas.

Era amigo dos quatro beatles e apaixonou-se obsessivamente por Pattie Boyd, mulher de George Harrison, a quem assediaria sem reservas e com quem se casaria tempos depois. Apesar da situação desconfortável, a amizade entre os dois músicos permaneceu inabalada. É de Clapton o choroso solo de guitarra em While My Guitar Gently Weeps, composta por Harrison para o Álbum Branco, dos Beatles. Para Pattie, Clapton comporia Layla, um de seus maiores sucessos.

Autobiografia, de 2007: um relato doloroso e honesto. Foto: Estadão

Em sua autobiografia, lançada em 2007, Clapton conta com detalhes e honestidade seu tormento com as drogas e a bebida. Teve fases de curta sobriedade e quedas dramáticas que quase o levaram ao fim da carreira e à morte. Internou-se e buscou ajuda.

Tragédia - No dia 20 de março de 1991, dez dias antes de seu 46º aniversário, ele viveria a maior tragédia de sua vida. Já separado de Pattie, envolveu-se com a modelo italiana Lory del Santo, com quem teve um filho, Conor. O menino e a mãe moravam no 53º andar de um edifício em Nova York. Nesse dia, Clapton, que estava na cidade, acordou cedo e seguiu a pé para apanhar Conor e Lory e levá-los ao zoológico.

Clapton e seu filho Conor: morte trágica aos 4 anos. Foto: Estadão

No caminho, recebeu um telefonema de Lory que, desesperada, dizia que Conor, de apenas quatro anos, estava morto.

Na verdade, ele brincava de esconde-esconde em casa e caiu por uma janela que estava aberta. Clapton estava sóbrio havia dois anos e a tragédia, que poderia justificar uma recaída, deu-lhe forças para continuar sua luta contra o vício. Para o filho morto ele compôs Tears in Heaven.

Hoje Eric Clapton é um senhor que se diz farto de viajar. A ideia, agora, é passar mais tempo na Inglaterra, em casa, nos estúdios e em palcos locais. Por isso, tem agendadas suas próximas apresentações. Será uma temporada de 14 a 23 de maio, no Royal Albert Hall, em Londres. Os ingressos estão à venda e quem quiser poderá comprá-los via internet, em sua página oficial (www.ericclapton.com). Clapton já terá completado 70 anos. Não será prudente perder esse espetáculo. Ele pode mudar seu mundo.

Ouça Change the World:

Eric Clapton fará 70 anos no dia 30 de março. Cansado de aeroportos, controles de imigração, de seguranças e viagens intermináveis, disse que vai parar. Foto: Estadão

Em 1965, a cena musical londrina estava indefinida. O rock e suas variantes apontavam para várias direções e tudo indicava que os Yardbirds seriam uma das bandas a cair no gosto de uma juventude marcada por um pós-guerra ainda sombrio. E, de fato, eles começavam a ser notados. Seu guitarrista era um jovem de Ripley, no Surrey, nos arredores de Londres.

O jovem Ric em Ripley, no Surrey, a mais ou menos 20 km de Londres. Foto: Estadão

Tinha 20 anos, chamava-se Eric Patrick Clapp e parecia ser o único a não estar feliz com o sucesso crescente. Era um devoto fervoroso do blues e não escondia seu incômodo com o que considerava uma guinada comercial dos Yardbirds. Sem pensar muito, deixou a banda dos desejos de muitos garotos de sua idade e juntou-se aos Bluesbreakers, de John Mayall, outro fanático por blues e seu guru.

Com John Mayall, nos Bluesbreakers: lendo gibi e dedicado ao blues. Foto: Estadão

Só blues - Nos Bluesbreakers, Clapton cresceu musicalmente. Estava em seu meio. Sua guitarra e os doze compassos do blues casaram-se perfeitamente e ele pôde desenvolver sua técnica, improvisar e estender seus solos, o que não era muito usual na época. Guitarristas costumavam ser econômicos e solar na base de acordes.

Clapton extrapolou. Expandiu os solos. E agradou. Em pouco tempo, o jovem do Surrey foi arrastando fãs aos clubes onde os Bluesbreakers tocavam e, pela primeira vez em Londres, grupos de jovens se amontoavam em frente aos palcos, não para ver o cantor, mas o guitarrista.

Com Ginger Baker e Jack Bruce: Cream, o power trio de som pesado. Foto: Estadão
Clapton é Deus: a frase foi escrita em vários muros londrinos. Foto: Estadão

"Deus" - Não por outro motivo, numa bela manhã o muro da estação de metrô de Islington amanheceu pichado com a inscrição que perseguiria a carreira de Clapton até hoje: Clapton is God (Clapton é Deus).

Logo a frase se espalhou por pontes e outros muros londrinos. Em 1966, já conhecido e respeitado, Clapton juntou-se a Ginger Baker e a Jack Bruce. Nascia o efêmero Cream que, enquanto durou, assombrou. A expressão power trio passava a figurar no dicionário musical e Clapton não tinha mais fãs. Tinha discípulos.

Dor nas costas - A decisão de abandonar as turnês vem amadurecendo já há algum tempo. Além das viagens longas há sequelas físicas. Recentemente, Clapton teve de interromper apresentações por causa de fortes dores nas costas. Afinal, para o senhor de quase 70 anos não é muito fácil encarar um concerto de pelos menos duas horas, com uma guitarra pendurada nos ombros. Guitarras são pesadas.

Mais: há alguns anos Clapton sofre de tinitus, uma doença sem cura que afeta a audição, geralmente provocada por longas exposições a excesso de decibéis, como os que saem de amplificadores em alto volume. Se Mick Jagger e Paul McCartney, ambos mais velhos que Clapton, estão em forma física muito boa, o mesmo não ocorre com Clapton.

Depois do Cream, Clapton participa da formação do Blind Faith. Foto: Estadão

O velho Slowhand (mão lenta), apelido que ganhou em razão de seu estilo de tocar, quer se dedicar apenas aos discos e aos palcos domésticos. "Quero fazer como J. J. Cale (autor de Cocaine, um grande sucesso de Clapton), que anunciou sua aposentadoria quando completasse 70 anos", disse.

Um sobrevivente - A história de Clapton daria um bom roteiro de cinema. Desde o nascimento, sua vida é um modelo de quedas e superações. As fases de quedas são brutais e as de superação, tocantes, o que lhe confere respeito e credibilidade. É um sobrevivente das drogas (todas as drogas) e do álcool. Chegou ao fundo do poço e foi mais abaixo ainda.

Hoje está sóbrio e mantém uma clínica de reabilitação de dependentes químicos chamada Crossroads,em Antígua, arquipélago britânico entre o mar do Caribe e das Caraíbas, que sustenta com o leilão milionário de várias de suas muitas guitarras e com a renda do Crossroad Guitar Festival, um encontro anual que reúne a nata dos guitarristas no mundo.

Filho da irmã - Foi duro para o jovem Ric, então com 16 anos, descobrir que a pessoa que ele conhecia como sua irmã mais velha era, na verdade, sua mãe. Nos meses que antecederam o Dia D, a grande invasão da Normandia pela forças aliadas, durante a Segunda Guerra, a Inglaterra era um grande ponto de concentração de tropas.

A jovem Patricia Clapp, de apenas 15 anos, conheceu o soldado canadense Edward Fryer, com quem teve um rápido relacionamento e de quem engravidou. Patricia teve uma gravidez escondida e Eric nasceu "em segredo" no dia 30 de março de 1945. Foi criado pelos avós Rose e John (Jack) Clapp, de quem pensava ser filho. Nunca conheceu seu verdadeiro pai.

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Pattie Boyd com George Harrison e, depois, com Clapton. Foto: Estadão

Layla - Como contar a vida de alguém é um trabalho para biógrafos, é possível que apenas alguns aspectos da história de Clapton bastem para traçar-lhe um perfil sem grandes pretensões.

Resumindo, a droga e o álcool sempre estiveram presentes em sua vida e Clapton abusava desses aditivos. Maconha, cocaína, heroína e bebidas.

Era amigo dos quatro beatles e apaixonou-se obsessivamente por Pattie Boyd, mulher de George Harrison, a quem assediaria sem reservas e com quem se casaria tempos depois. Apesar da situação desconfortável, a amizade entre os dois músicos permaneceu inabalada. É de Clapton o choroso solo de guitarra em While My Guitar Gently Weeps, composta por Harrison para o Álbum Branco, dos Beatles. Para Pattie, Clapton comporia Layla, um de seus maiores sucessos.

Autobiografia, de 2007: um relato doloroso e honesto. Foto: Estadão

Em sua autobiografia, lançada em 2007, Clapton conta com detalhes e honestidade seu tormento com as drogas e a bebida. Teve fases de curta sobriedade e quedas dramáticas que quase o levaram ao fim da carreira e à morte. Internou-se e buscou ajuda.

Tragédia - No dia 20 de março de 1991, dez dias antes de seu 46º aniversário, ele viveria a maior tragédia de sua vida. Já separado de Pattie, envolveu-se com a modelo italiana Lory del Santo, com quem teve um filho, Conor. O menino e a mãe moravam no 53º andar de um edifício em Nova York. Nesse dia, Clapton, que estava na cidade, acordou cedo e seguiu a pé para apanhar Conor e Lory e levá-los ao zoológico.

Clapton e seu filho Conor: morte trágica aos 4 anos. Foto: Estadão

No caminho, recebeu um telefonema de Lory que, desesperada, dizia que Conor, de apenas quatro anos, estava morto.

Na verdade, ele brincava de esconde-esconde em casa e caiu por uma janela que estava aberta. Clapton estava sóbrio havia dois anos e a tragédia, que poderia justificar uma recaída, deu-lhe forças para continuar sua luta contra o vício. Para o filho morto ele compôs Tears in Heaven.

Hoje Eric Clapton é um senhor que se diz farto de viajar. A ideia, agora, é passar mais tempo na Inglaterra, em casa, nos estúdios e em palcos locais. Por isso, tem agendadas suas próximas apresentações. Será uma temporada de 14 a 23 de maio, no Royal Albert Hall, em Londres. Os ingressos estão à venda e quem quiser poderá comprá-los via internet, em sua página oficial (www.ericclapton.com). Clapton já terá completado 70 anos. Não será prudente perder esse espetáculo. Ele pode mudar seu mundo.

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