Análise: A violência contra a mulher em contundente encenação


Espetáculo 'Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante', de Silvia Gomez, traz atual olhar sobre os casos de feminicídio

Por Maria Eugenia de Menezes

Já se fala em uma primavera feminina no teatro – tamanha é a quantidade de produções em que as mulheres passaram a ocupar funções proeminentes ou a tematizar seus conflitos e problemas. Se é esse o espírito, Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante nasceu sintonizado com o seu tempo. O espetáculo do Grupo 3 de Teatro, protagonizado por Débora Falabella e Yara de Novaes, trata da violência que atinge milhões de brasileiras. No País, o número de homicídios cai; a cifra de feminicídios só aumenta. Mas o atrativo maior dessa peça não está propriamente no mote de sua dramaturgia, mas em sua estrutura. Tão importante quanto o que se diz, é como se diz. 

É constante no percurso dessa companhia, que tem raízes em Belo Horizonte, a busca por um diálogo direto com o público. 

Eles já se ocuparam das perversas relações de trabalho, em Contrações (2013) e do fosso geracional entre pais e filhos, em Love, Love, Love (2017). Varia sempre o diretor escolhido para cada uma dessas criações – no caso de Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante é Gabriel Paiva, um dos integrantes do Grupo 3. O que não se altera e vai sendo refinado a cada nova criação é uma mirada que extravasa o realismo – por mais que o assunto tratado tenha lastro no real – e investe em doses de humor ácido e em certa atmosfera de absurdo. 

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Ensaio da peça neste mundo louco nesta noite brilhante com Debora Falabella e Yara de Novaes Foto: Alex Silva/ Estadão

Duas mulheres se encontram em uma estrada brasileira, aqui denominada km 23. Uma delas, vivida por Débora Falabella, foi violentada por um grupo de homens. A segunda, interpretada por Yara de Novaes, é uma guarda rodoviária, desgastada pela brutalidade de ataques e crimes que presencia durante sua jornada de trabalho. 

Nas cenas iniciais, Falabella representa com crueza o estupro sofrido. Mostra com movimentos corporais os socos, chutes e pontapés que teria recebido. O foco, porém, gradativamente deixa a violência em si para deter-se sobre a relação estabelecida entre as duas mulheres. A escolha é sagaz. Reconhece a impotência diante da brutalidade: um discurso de denúncia poderia ser apenas uma forma inócua de tratar a barbárie com a qual já estamos tristemente acostumados; incorrer em um denuncismo que viria a enfraquecer a obra como criação artística. Livre dessas armadilhas, a dramaturgia de Silvia Gomez parte em busca de outras abordagens, abraçando uma corajosa dose de surrealismo. 

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Após testemunhar o crime, a guarda rodoviária tenta acolher a moça que encontrou desacordada no asfalto. Sem entender direito o que aconteceu, a vítima delira e rechaça a ajuda. A situação remete ao vínculo tão comum nos contos infantis, entre as heroínas sofredoras e as fadas-madrinhas, e abre espaço para que o encontro entre as duas adquira centralidade na trama. 

Seguidas vezes, a vigia da estrada pede explicações enquanto a outra se recusa a relatar o ocorrido e a nomear seus algozes. Por vezes, a repetição deixa a sensação de que o enredo gira em falso e o texto se esgarça. São idas e vindas que parecem somar pouco ao que é tratado. Mas essa insistência acabará por se mostrar frutífera ao dar ensejo a uma contundente passagem. 

Peça traz olhar atual sobre casos de feminicídio no Brasil. Na foto: Débora Falabella Foto: Alex Silva/ Estadão
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Por se negar a relatar o episódio, a personagem de Débora Falabella sai do território do drama individual e alcança uma dimensão também política. Sobre abusos e profanações do corpo feminino, estabeleceram-se as sociedades, os mitos e os países. O sacrifício de Ifigênia, a violação de Lucrécia, o rapto das sabinas – há um sem-número de exemplos desse que é um aspecto fundador de nossa história.

Mesmo quando a dramaturgia derrapa, o jogo azeitado entre as duas atrizes mantém o ritmo da encenação. Há entre elas um grau de intimidade e segurança que concorre a favor do conjunto. A presença da banda boliviana Las Majas no palco também vem somar à montagem. Ao pedir o acompanhamento de uma determinada trilha sonora para algumas ações, Yara de Novaes reforça o distanciamento e a oportuna ironia que permeiam a peça. Serão as instrumentistas também as coadjuvantes da mais comovente cena do espetáculo. Rompe-se a dinâmica vigente, abre-se um aparte para uma canção de amor. Não é apenas um vestígio de esperança da personagem alquebrada – é uma celebração da beleza diante do caos e da falta de sentido. 

Já se fala em uma primavera feminina no teatro – tamanha é a quantidade de produções em que as mulheres passaram a ocupar funções proeminentes ou a tematizar seus conflitos e problemas. Se é esse o espírito, Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante nasceu sintonizado com o seu tempo. O espetáculo do Grupo 3 de Teatro, protagonizado por Débora Falabella e Yara de Novaes, trata da violência que atinge milhões de brasileiras. No País, o número de homicídios cai; a cifra de feminicídios só aumenta. Mas o atrativo maior dessa peça não está propriamente no mote de sua dramaturgia, mas em sua estrutura. Tão importante quanto o que se diz, é como se diz. 

É constante no percurso dessa companhia, que tem raízes em Belo Horizonte, a busca por um diálogo direto com o público. 

Eles já se ocuparam das perversas relações de trabalho, em Contrações (2013) e do fosso geracional entre pais e filhos, em Love, Love, Love (2017). Varia sempre o diretor escolhido para cada uma dessas criações – no caso de Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante é Gabriel Paiva, um dos integrantes do Grupo 3. O que não se altera e vai sendo refinado a cada nova criação é uma mirada que extravasa o realismo – por mais que o assunto tratado tenha lastro no real – e investe em doses de humor ácido e em certa atmosfera de absurdo. 

Ensaio da peça neste mundo louco nesta noite brilhante com Debora Falabella e Yara de Novaes Foto: Alex Silva/ Estadão

Duas mulheres se encontram em uma estrada brasileira, aqui denominada km 23. Uma delas, vivida por Débora Falabella, foi violentada por um grupo de homens. A segunda, interpretada por Yara de Novaes, é uma guarda rodoviária, desgastada pela brutalidade de ataques e crimes que presencia durante sua jornada de trabalho. 

Nas cenas iniciais, Falabella representa com crueza o estupro sofrido. Mostra com movimentos corporais os socos, chutes e pontapés que teria recebido. O foco, porém, gradativamente deixa a violência em si para deter-se sobre a relação estabelecida entre as duas mulheres. A escolha é sagaz. Reconhece a impotência diante da brutalidade: um discurso de denúncia poderia ser apenas uma forma inócua de tratar a barbárie com a qual já estamos tristemente acostumados; incorrer em um denuncismo que viria a enfraquecer a obra como criação artística. Livre dessas armadilhas, a dramaturgia de Silvia Gomez parte em busca de outras abordagens, abraçando uma corajosa dose de surrealismo. 

Após testemunhar o crime, a guarda rodoviária tenta acolher a moça que encontrou desacordada no asfalto. Sem entender direito o que aconteceu, a vítima delira e rechaça a ajuda. A situação remete ao vínculo tão comum nos contos infantis, entre as heroínas sofredoras e as fadas-madrinhas, e abre espaço para que o encontro entre as duas adquira centralidade na trama. 

Seguidas vezes, a vigia da estrada pede explicações enquanto a outra se recusa a relatar o ocorrido e a nomear seus algozes. Por vezes, a repetição deixa a sensação de que o enredo gira em falso e o texto se esgarça. São idas e vindas que parecem somar pouco ao que é tratado. Mas essa insistência acabará por se mostrar frutífera ao dar ensejo a uma contundente passagem. 

Peça traz olhar atual sobre casos de feminicídio no Brasil. Na foto: Débora Falabella Foto: Alex Silva/ Estadão

Por se negar a relatar o episódio, a personagem de Débora Falabella sai do território do drama individual e alcança uma dimensão também política. Sobre abusos e profanações do corpo feminino, estabeleceram-se as sociedades, os mitos e os países. O sacrifício de Ifigênia, a violação de Lucrécia, o rapto das sabinas – há um sem-número de exemplos desse que é um aspecto fundador de nossa história.

Mesmo quando a dramaturgia derrapa, o jogo azeitado entre as duas atrizes mantém o ritmo da encenação. Há entre elas um grau de intimidade e segurança que concorre a favor do conjunto. A presença da banda boliviana Las Majas no palco também vem somar à montagem. Ao pedir o acompanhamento de uma determinada trilha sonora para algumas ações, Yara de Novaes reforça o distanciamento e a oportuna ironia que permeiam a peça. Serão as instrumentistas também as coadjuvantes da mais comovente cena do espetáculo. Rompe-se a dinâmica vigente, abre-se um aparte para uma canção de amor. Não é apenas um vestígio de esperança da personagem alquebrada – é uma celebração da beleza diante do caos e da falta de sentido. 

Já se fala em uma primavera feminina no teatro – tamanha é a quantidade de produções em que as mulheres passaram a ocupar funções proeminentes ou a tematizar seus conflitos e problemas. Se é esse o espírito, Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante nasceu sintonizado com o seu tempo. O espetáculo do Grupo 3 de Teatro, protagonizado por Débora Falabella e Yara de Novaes, trata da violência que atinge milhões de brasileiras. No País, o número de homicídios cai; a cifra de feminicídios só aumenta. Mas o atrativo maior dessa peça não está propriamente no mote de sua dramaturgia, mas em sua estrutura. Tão importante quanto o que se diz, é como se diz. 

É constante no percurso dessa companhia, que tem raízes em Belo Horizonte, a busca por um diálogo direto com o público. 

Eles já se ocuparam das perversas relações de trabalho, em Contrações (2013) e do fosso geracional entre pais e filhos, em Love, Love, Love (2017). Varia sempre o diretor escolhido para cada uma dessas criações – no caso de Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante é Gabriel Paiva, um dos integrantes do Grupo 3. O que não se altera e vai sendo refinado a cada nova criação é uma mirada que extravasa o realismo – por mais que o assunto tratado tenha lastro no real – e investe em doses de humor ácido e em certa atmosfera de absurdo. 

Ensaio da peça neste mundo louco nesta noite brilhante com Debora Falabella e Yara de Novaes Foto: Alex Silva/ Estadão

Duas mulheres se encontram em uma estrada brasileira, aqui denominada km 23. Uma delas, vivida por Débora Falabella, foi violentada por um grupo de homens. A segunda, interpretada por Yara de Novaes, é uma guarda rodoviária, desgastada pela brutalidade de ataques e crimes que presencia durante sua jornada de trabalho. 

Nas cenas iniciais, Falabella representa com crueza o estupro sofrido. Mostra com movimentos corporais os socos, chutes e pontapés que teria recebido. O foco, porém, gradativamente deixa a violência em si para deter-se sobre a relação estabelecida entre as duas mulheres. A escolha é sagaz. Reconhece a impotência diante da brutalidade: um discurso de denúncia poderia ser apenas uma forma inócua de tratar a barbárie com a qual já estamos tristemente acostumados; incorrer em um denuncismo que viria a enfraquecer a obra como criação artística. Livre dessas armadilhas, a dramaturgia de Silvia Gomez parte em busca de outras abordagens, abraçando uma corajosa dose de surrealismo. 

Após testemunhar o crime, a guarda rodoviária tenta acolher a moça que encontrou desacordada no asfalto. Sem entender direito o que aconteceu, a vítima delira e rechaça a ajuda. A situação remete ao vínculo tão comum nos contos infantis, entre as heroínas sofredoras e as fadas-madrinhas, e abre espaço para que o encontro entre as duas adquira centralidade na trama. 

Seguidas vezes, a vigia da estrada pede explicações enquanto a outra se recusa a relatar o ocorrido e a nomear seus algozes. Por vezes, a repetição deixa a sensação de que o enredo gira em falso e o texto se esgarça. São idas e vindas que parecem somar pouco ao que é tratado. Mas essa insistência acabará por se mostrar frutífera ao dar ensejo a uma contundente passagem. 

Peça traz olhar atual sobre casos de feminicídio no Brasil. Na foto: Débora Falabella Foto: Alex Silva/ Estadão

Por se negar a relatar o episódio, a personagem de Débora Falabella sai do território do drama individual e alcança uma dimensão também política. Sobre abusos e profanações do corpo feminino, estabeleceram-se as sociedades, os mitos e os países. O sacrifício de Ifigênia, a violação de Lucrécia, o rapto das sabinas – há um sem-número de exemplos desse que é um aspecto fundador de nossa história.

Mesmo quando a dramaturgia derrapa, o jogo azeitado entre as duas atrizes mantém o ritmo da encenação. Há entre elas um grau de intimidade e segurança que concorre a favor do conjunto. A presença da banda boliviana Las Majas no palco também vem somar à montagem. Ao pedir o acompanhamento de uma determinada trilha sonora para algumas ações, Yara de Novaes reforça o distanciamento e a oportuna ironia que permeiam a peça. Serão as instrumentistas também as coadjuvantes da mais comovente cena do espetáculo. Rompe-se a dinâmica vigente, abre-se um aparte para uma canção de amor. Não é apenas um vestígio de esperança da personagem alquebrada – é uma celebração da beleza diante do caos e da falta de sentido. 

Já se fala em uma primavera feminina no teatro – tamanha é a quantidade de produções em que as mulheres passaram a ocupar funções proeminentes ou a tematizar seus conflitos e problemas. Se é esse o espírito, Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante nasceu sintonizado com o seu tempo. O espetáculo do Grupo 3 de Teatro, protagonizado por Débora Falabella e Yara de Novaes, trata da violência que atinge milhões de brasileiras. No País, o número de homicídios cai; a cifra de feminicídios só aumenta. Mas o atrativo maior dessa peça não está propriamente no mote de sua dramaturgia, mas em sua estrutura. Tão importante quanto o que se diz, é como se diz. 

É constante no percurso dessa companhia, que tem raízes em Belo Horizonte, a busca por um diálogo direto com o público. 

Eles já se ocuparam das perversas relações de trabalho, em Contrações (2013) e do fosso geracional entre pais e filhos, em Love, Love, Love (2017). Varia sempre o diretor escolhido para cada uma dessas criações – no caso de Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante é Gabriel Paiva, um dos integrantes do Grupo 3. O que não se altera e vai sendo refinado a cada nova criação é uma mirada que extravasa o realismo – por mais que o assunto tratado tenha lastro no real – e investe em doses de humor ácido e em certa atmosfera de absurdo. 

Ensaio da peça neste mundo louco nesta noite brilhante com Debora Falabella e Yara de Novaes Foto: Alex Silva/ Estadão

Duas mulheres se encontram em uma estrada brasileira, aqui denominada km 23. Uma delas, vivida por Débora Falabella, foi violentada por um grupo de homens. A segunda, interpretada por Yara de Novaes, é uma guarda rodoviária, desgastada pela brutalidade de ataques e crimes que presencia durante sua jornada de trabalho. 

Nas cenas iniciais, Falabella representa com crueza o estupro sofrido. Mostra com movimentos corporais os socos, chutes e pontapés que teria recebido. O foco, porém, gradativamente deixa a violência em si para deter-se sobre a relação estabelecida entre as duas mulheres. A escolha é sagaz. Reconhece a impotência diante da brutalidade: um discurso de denúncia poderia ser apenas uma forma inócua de tratar a barbárie com a qual já estamos tristemente acostumados; incorrer em um denuncismo que viria a enfraquecer a obra como criação artística. Livre dessas armadilhas, a dramaturgia de Silvia Gomez parte em busca de outras abordagens, abraçando uma corajosa dose de surrealismo. 

Após testemunhar o crime, a guarda rodoviária tenta acolher a moça que encontrou desacordada no asfalto. Sem entender direito o que aconteceu, a vítima delira e rechaça a ajuda. A situação remete ao vínculo tão comum nos contos infantis, entre as heroínas sofredoras e as fadas-madrinhas, e abre espaço para que o encontro entre as duas adquira centralidade na trama. 

Seguidas vezes, a vigia da estrada pede explicações enquanto a outra se recusa a relatar o ocorrido e a nomear seus algozes. Por vezes, a repetição deixa a sensação de que o enredo gira em falso e o texto se esgarça. São idas e vindas que parecem somar pouco ao que é tratado. Mas essa insistência acabará por se mostrar frutífera ao dar ensejo a uma contundente passagem. 

Peça traz olhar atual sobre casos de feminicídio no Brasil. Na foto: Débora Falabella Foto: Alex Silva/ Estadão

Por se negar a relatar o episódio, a personagem de Débora Falabella sai do território do drama individual e alcança uma dimensão também política. Sobre abusos e profanações do corpo feminino, estabeleceram-se as sociedades, os mitos e os países. O sacrifício de Ifigênia, a violação de Lucrécia, o rapto das sabinas – há um sem-número de exemplos desse que é um aspecto fundador de nossa história.

Mesmo quando a dramaturgia derrapa, o jogo azeitado entre as duas atrizes mantém o ritmo da encenação. Há entre elas um grau de intimidade e segurança que concorre a favor do conjunto. A presença da banda boliviana Las Majas no palco também vem somar à montagem. Ao pedir o acompanhamento de uma determinada trilha sonora para algumas ações, Yara de Novaes reforça o distanciamento e a oportuna ironia que permeiam a peça. Serão as instrumentistas também as coadjuvantes da mais comovente cena do espetáculo. Rompe-se a dinâmica vigente, abre-se um aparte para uma canção de amor. Não é apenas um vestígio de esperança da personagem alquebrada – é uma celebração da beleza diante do caos e da falta de sentido. 

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