Atualizado às 20h58.
CIDADE DO MÉXICO - Faixas vermelhas penduradas decoraram a estrutura monumental do estádio Azteca. "Siganme los buenos!", pediam, um convite ao último adeus a um dos ídolos máximos dos mexicanos. O estádio, imponente templo do futebol com sua capacidade para 110 mil pessoas, tem suas cercas decoradas com imagens de Pelé e Maradona, que aqui ergueram as taças dos Mundiais de 70 e 86. Mas este domingo o dia era de celebrar o México e exaltar o ícone que há mais de 40 anos criou personagens que são parte do imaginário coletivo na América Latina, Roberto Gómez Bolaños, ou simplesmente, o Chaves.
Antenas de Chapolim, roupas surradas de suspensório, cabelos presos em maria-chiquinhas tortas como a Chiquinha infantilizavam um público formado por famílias inteiras, de crianças a idosos, que já se aglomerava na entrada principal às 10h, hora local. Comerciantes vendiam de camisetas a flores brancas, martelos do Chapolim, tiaras brilhantes com antenas, balões e velas.
Às 14h45, também da hora local, um padre acompanhado por dois coroinhas entrou na área do evento, onde um púlpito foi improvisado, para dar início à missa católica que seria a parte final da homenagem a Roberto Gómez Bolaños.
Nas leituras da missa, uma mensagem de repúdio à violência - um tema em voga no México, inflamado por manifestações sociais - e sobre o significado da morte.
A essa altura da tarde, o público começou a deixar o Azteca. A missa teve ainda Ave Maria cantada ao vivo e comunhão dos familiares que estavam na área reservada.
Em seguida, um grupo de cerca de 100 crianças surgiu, todas uniformizadas de Chaves e Chapolim, cada uma com uma caixa branca nas mãos. Posicionados ao redor do caixão, acompanharam com coreografia a música-tema do evento, uma melodia infantil de despedida a Chespirito. Caixas abertas, as crianças soltaram pombas ao ar - ato que não teve o efeito esperado já que a maioria delas não voou.
Um grupo de mariachis, então, deu o toque final de dramalhão mexicano ao acompanhar a saída do caixão. Florinda Meza, viúva de Bolaños, que não quis discursar na cerimônia, optou por um gesto simbólico: apanhou uma das pombas e caminhou ao centro do gramado para soltá-la ao ar. Mas o efeito dramático acabou saindo pela culatra e o momento foi cômico e um tanto desconsertante. A pomba não voou, Florinda se irritou com os câmeras que a seguiam de perto e a cerimônia foi encerrada às 16h, no melhor estilo Chaves.
Homenagem a Roberto Bolaños no Azteca
Fãs. Valentina, de 6 anos, Max, 4, e Leonardo, 2, devidamente uniformizados de Chiquinha, Chaves e Quico, tentavam disfarçar a cara de choro a pedido da mãe, Melissa Aguirre. "Eu estava no carro, dirigindo, quando começou a tocar a música do Chaves no rádio e pensei que tinha acionado o CD sem querer, porque meus filhos são fanáticos, escutam e vêm Chaves todo dia", contava Melissa. "Até que fizeram o anúncio da morte, e só Valentina entendeu e começou a chorar. Foi difícil conversar com eles e explicar que ele vai continuar com eles, mas que já não estava nesse mundo."
No interior do Azteca, o gramado do clube América ganhou tapetes vermelhos que levavam a uma cúpula negra de estrutura metálica no centro, onde grandes fotos de Roberto Gómez Bolaños em preto e branco foram dispostas. Uma grande cruz e cadeiras para 400 convidados foram completavam a decoração. Os letreiros luminosos da lateral do gramado passavam fotos de seus personagens. Conforme as arquibancadas de baixo foram lotando, coros de músicas do Chaves, palmas e gritos de torcida, como"arriba, abajo, arri-ba-ba. Bolaños, Chespirito, rá- rá-rá" e o mais tradicional de todos, "Cielito Lindo" ("Ay ay ay ay canta y no llores") tomavam o local. Os telões mostravam a trajetória do caixão do comediante da sede da Televisa em cortejo até o estádio.
Popular como o futebol, um dos símbolos máximos da cultura mexicana, Bolaños também era um homem muito conservador, partidário da direita, era contra o aborto e admirador do ex-presidente Vicente Fox. Mas será louvado como um pioneiro da televisão. "Ele levou o México para o mundo e da maneira mais nobre, por meio da arte. Em seu olhar, a pobreza ganhou beleza. Ele nos ensenhou que se pode ser feliz compouco ou quase nada", diz Librado Gutiérrez. Com camisetas vermelhas com o símbolo "CH" em coração, trazia a família - cada um com flores brancas. "O Chapolim é o melhor super-herói. Não tem nenhum poder, não é forte, é torpe. Mas sempre será meu preferido", contou sua filha, Jimena Gutiérrez.
Dona Francisca Lopez, de 55 anos, vinha com uma bandeira da Colômbia, lembrando que a adoração seguia viva na América do Sul. "Fiz questão de vir. Bolaños já não era mexicano, era de todos nós, latinos". Ao lado dela, Lluvia Julio, de Lima, endossava: "Também o amamos muito no Peru, pode escrever aí." Com pressa, a brasileira Daniela Souza passou correndo com uma bandeira do Brasil que destoava do figurino vermelho. "Cheguei ontem, não podia perder!", gritou, rumo ao estádio.
Os mexicanos acompanhavam à distância a deteorização do estado de saúde de Bolaños, morto aos 85 anos, nos últimos anos de vida, já que ele vivia recluso em Cancún com a esposa, Florinda Meza, a dona Florinda. No sábado à noite, uma cerimônia privada a familiares e amigos foi realizada na sede da emissora Televisa, para onde o caixão de Bolaños foi levado de Cancún. Florinda e os seis filhos estiveram presentes, além de colegas de trabalho do comediante.
Às 13h20, Florinda chegou ao estádio com os seis filhos e foi fortemente ovacionada. Em um caminhão vermelho aberto, o caixão de madeira, fechado, foi colocado e protegido por uma caixa de vidro. O carro deu uma volta pelo gramado ao coro de "Chavo" e foi levado à cúpula. Dos alto-falantes, uma voz pediu "um forte aplauso a Chespirito" anunciando o início da homenagem. Em seguida, músicas emotivas com vozes infantis marcariam o tom melodramático do evento. Uma grande ironia, que este mesmo Bolaños que fez tanta gente rir por 40 anos, agora se despida causando lágrimas pela primeira vez.