Vai longe o tempo em que o TikTok era apenas uma plataforma descompromissada, repleta de dancinhas e dublagens – ou aquele aplicativo que muitos usavam para “descansar” dos embates políticos do Twitter. Hoje, os chamados “tiktokers” estão produzindo de forma abrangente. É possível encontrar aulas de Matemática, tirar dúvidas de Português, discutir Economia, falar de História e muito mais.
Parte desta onda de “tiktokers de conteúdo” intensificou-se durante a pandemia. É o caso do estudante de administração Henrique Lopes, 21 anos. Lopes queria entrar para o mundo dos influenciadores de forma menos superficial e aproveitou o tempo em casa para unir três paixões: História, memes de política e produção de vídeos. Para entrar neste universo, ele investiu em um celular novo, um tripé e iluminação, gastando cerca de R$ 5 mil. “Fui ousado no investimento, mas está valendo a pena”, admitiu. Lopes grava em casa vídeos sobre momentos importantes da História do Brasil e curiosidades engraçadinhas. Em seus comentários entram o golpe de 64, a morte do deputado Ulysses Guimarães (1916 -1992), a candidatura do Macaco Tião para a Prefeitura do Rio de Janeiro, em 1988, e falas sobre Lula e Bolsonaro. “Quando a pandemia acabar, quero gravar vídeos nas ruas entrevistando pessoas”, disse. Já Olívia Carneiro, 33 anos, usa o TikTok para comentar sobre economia. Munida de um iPhone antigo, a economista usa a plataforma para explicar conceitos básicos e tirar dúvidas. Olívia tenta se apresentar de forma estritamente técnica para não esbarrar em polêmicas da política partidária, mas ainda assim, como defensora do liberalismo econômico, conviveu com muitos “haters”. “No começo, não era legal. O TikTok só tinha adolescente fazendo dancinha e criticando o capitalismo. Levei muito ‘hate’. Era devastador. Hoje, eles são minoria. Tenho uma base boa de fãs. Me sinto mais confortável”, disse. Com mais de 260 mil seguidores, ela já consegue monetizar o próprio conteúdo ao produzir vídeos para terceiros. “Já seria possível me sustentar do trabalho nas redes sociais”, afirmou.
A produção de vídeos educacionais é um sucesso no TikTok. A linguagem rápida e o humor estão na base daquilo que pode ser entendido como videoaulas (bem) disfarçadas de entretenimento. A professora Simone Porfiria, 40 anos, usa a plataforma para tirar dúvidas de português. “Comecei no início da pandemia com dancinhas e dublagens. Quando pensei em parar, tinha uns 1.500 seguidores. Achei que devia continuar e passei a fazer vídeos sobre a língua portuguesa”, disse Simone. Entre os vídeos, pequenas aulas sobre verbos defectivos, o uso de vírgula e as diferenças entre “neste e nesse” ou “onde e aonde”. “Este conteúdo rápido e dinâmico consegue prender os mais jovens. Hoje, passou de meia hora o aluno já perde a paciência. Assim, com vídeos curtinhos existe uma melhor memorização das regras”, falou Simone, que hoje tem mais de 180 mil seguidores. Disciplinas impossíveis como a matemática também estão sendo desvendadas via TikTok. O professor Sandro Curió, 38 anos, já tinha uma base sólida de seguidores no YouTube e Instagram, quando decidiu investir em vídeos curtos. “Meu conteúdo é transmitido de forma leve, faço interação com músicas e assuntos do momento. Meu primeiro vídeo viralizado foi sobre tabuada”, lembrou. Nos comentários dos vídeos que produz, o professor já recebeu mensagens importantes como “aprendi em 1 minuto o que não aprendi a vida toda”. “Mesmo quando as aulas presenciais voltarem totalmente, estas pílulas online vão ficar. Estudar, tirar dúvidas e consultar conteúdo de disciplinas online já é uma realidade”, disse Curió, que tem mais de 1 milhão e 200 mil seguidores.
Para quem quer aprender gírias ou maneiras mais informais de falar inglês, o californiano Daniel Spencer, 33 anos, faz vídeos certeiros e com bom humor. “No começo, eu fazia vídeos contando sobre minha vida de gringo no Brasil. A forma esgotou-se um pouco. Então, percebi que existia essa procura por dúvidas de inglês e pronúncia. Tenho experiência com aulas também. Então, consigo comunicar rapidamente as dicas do idioma”, afirmou Spencer. No último ano de Medicina, Bruno Baroni, 25 anos, encontrou uma forma de falar do seu cotidiano e também informar no TikTok. No início, usava a plataforma para contar suas aventuras durante um intercâmbio nos EUA. “Eu fui parar em uma casa de fazenda, em uma família vegetariana. Então, tinha uma rotina de atividades pesadas, de trabalhar no celeiro”, contou. Quando o tema foi se esgotando, Baroni começou a contar sobre seu cotidiano como estudante de medicina e suas experiências nos movimentados plantões de um hospital. “Um vídeo que viralizou foi sobre o primeiro parto. Tinha acabado de comprar um tênis branco. Estava no plantão de ginecologia. Fui fazer um parto com meu tênis branco. Bom, caiu sangue nele, caiu fezes, caiu placenta... Chorei de emoção por seu meu primeiro parto e pelo tênis novinho”, disse. “O vídeo fez tanto sucesso que a própria paciente viu e me ligou para comentar”, disse. Baroni também faz vídeos com informações médicas. “Qualquer meio de comunicação é um meio de informação e uma forma de combater fake news, principalmente as da minha área. Além do mais, é uma plataforma que ajuda a criar empatia entre médico e paciente. Acho que ainda será uma ferramenta muito útil para o futuro da minha profissão”, afirmou o médico, que tem mais de 1 milhão e 200 mil seguidores.