'A questão agora é capacidade operacional', diz economista


Para Roberto Padovani, economista-chefe do BV, apesar da demora para agir, governo vem atacando todos os problemas econômicos decorrente da pandemia 

Por Luciana Dyniewicz

Apesar da demora do governo Jair Bolsonaro para anunciar medidas econômicas que amenizem a crise decorrente da pandemia do coronavírus, o pacote preparado pelo Ministério da Economia deve ser suficiente para contornar a situação, segundo o economista-chefe do banco BV (antigo Banco Votorantim), Roberto Padovani. O grande desafio agora, acrescenta, é tirar as medidas do papel: “A questão é a capacidade operacional”. Segundo ele, outra preocupação no momento não está no Brasil, mas nos Estados Unidos. O alto nível de endividamento das empresas americanas eleva a incerteza e é hoje, depois do próprio coronavírus, a maior ameaça para a economia internacional. “Talvez o risco global maior, além da epidemia, seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Roberto Padovani, economista-chefe do banco Votorantim. Foto: Arquivo pessoal

As medidas econômicas anunciadas até agora são suficientes? 

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Na semana passada, estava muito preocupado porque não via nenhuma ação, enquanto a recomendação internacional era por respostas rápidas e agressivas. Mas, na última sexta-feira, saiu um arsenal de medidas que ataca os três principais problemas. O primeiro é a renda, principalmente dos autônomos e de micro e pequenas empresas. Para contornar isso, o governo está antecipando benefícios, ampliando o Bolsa Família. O segundo problema tem a ver com a situação financeira das empresas. O setor de serviços é muito empregador e, sendo atingido, pode gerar um problema de desemprego alto. O que está sendo feito para atenuar isso é o diferimento de pagamento de impostos e usar a estrutura dos bancos para alcançar esse pessoal, com mitigação de risco feita pelo governo. A terceira questão era manter o canal de crédito funcionando. Você faz isso aumentando a liquidez. O Banco Central liberou compulsórios. Aparentemente, a crise está bem cercada e o volume (do pacote fiscal) é expressivo.

Além de o governo ter demorado para anunciar medidas, grande parte delas ainda está no papel. Isso deve aprofundar a crise?

Até há agora um plano mais robusto. O desafio é encaminhar isso, porque o pacote, no geral, é bom e atende as demandas. A questão é a capacidade operacional. Havia uma dúvida de como fazer o pagamento do auxílio emergencial. Aí decidiram usar o Cadastro Único e quem não tiver o cadastro abre uma conta. Já é alguma coisa mais concreta. Ainda faltam coisas, como a PEC para ampliar o escopo de atuação do Banco Central. Com relação ao tempo, sempre é melhor fazer mais rápido. A lógica desses pacotes de resgate no mundo todo é agir rapidamente durante o confinamento. Supondo que esse confinamento vá até o fim de abril, estamos no tempo para ajudar as empresas, evitar que elas quebrem e evitar um aumento forte do desemprego. 

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu, no ano passado, com um projeto econômico que, segundo economistas, não cabe nesse momento de crise. Isso atrapalhou?

Acho que havia dois medos. O primeira era que o governo estivesse sendo tímido e lento na área econômica por razões ideológicas. O que está em jogo agora é fazer com que o Estado resgate a economia. A experiência de 2008 já mostrou para todo mundo que você pode fazer resgates emergenciais em situações específicas e que isso não significa repensar o modelo econômico mais geral ou discutir qual a orientação de política. As medidas anunciadas nos últimos dias no Brasil mostram que o governo está adotando as políticas corretas. A dúvida atual é saber qual vai ser a velocidade de implementação, a capacidade de entrega dessas políticas.

Já é possível analisar isso?

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Os instrumentos estão nas mãos do governo e alguns, nas do Congresso. Acho que as lideranças têm claro o papel delas, mas vamos esperar. Das medidas listadas, tenho hoje muito menos dúvida do que tinha há alguns dias.

Economicamente, acha possível manter a quarentena?

Vai ter uma tensão aí entre a recomendação médica e a pressão econômica e política. Talvez a gente não faça o confinamento ideal do ponto de vista médico, mas devemos cumprir o confinamento mínimo obrigatório. Acho que um mês está no radar das pessoas. Se for de dois meses, politicamente pode ser inviável. Aí você vai partir para uma flexibilização, que é na verdade essa polêmica que se tem hoje de confinamento horizontal ou vertical. Não acho que será uma opção da liderança política. Todos vão tentar seguir o que está dando certo nomundo, que é o confinamento horizontal, até um certo limite, até onde a economia conseguir resistir. A partir do momento em que ela começar a falhar, em que as empresas começarem a quebrar e o desemprego a subir, o desespero vai fazer com que isso se transforme em pressão política. Por isso é importante a ação do governo para dar fôlego para essas empresas atravessarem a quarentena. 

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Passado esse período mais crítico, a recuperação deve ser rápida, em forma de V, ou devemos esperar algo mais lento?

É um choque epidemiológico e, portanto, temporário. Pode haver uma segunda onda, como os estudos mostram, mas tudo indica que é um choque temporário. Uma crise bancária gera mais incertezas nesse sentido. Quando o sistema financeiro quebra, não se sabe como o canal de crédito vai andar, as empresas quebram junto e o desemprego sobe. Então, você tem desafios mais duradouros. O desafio agora parece intenso, mas de curto prazo. A segunda questão é que não me lembro de ter visto no Brasil uma intensidade tão forte de estímulos, monetários e fiscais. Na área fiscal, não é que temos um descontrole das contas públicas. Temos um governo aumentando seus gastos deliberadamente como uma política anticíclica muito forte, sem contaminar a expectativa em relação ao futuro. Então, as condições de financiamento da economia são preservadas. Tem também um estímulo monetário intenso, que já vinha acontecendo. Quando você combina a história de um choque temporário com estímulos muito fortes, isso permite que a economia possa se recuperar de uma forma mais rápida.

As empresas americanas estão altamente endividadas. É possível que a crise decorrente do coronavírus gere uma onda de falências por lá, o que, por sua vez, desencadearia uma nova crise global?

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Há duas dúvidas no cenários que temos de monitorar. Primeiro, aqui no Brasil, é a capacidade de o governo realmente implementar rapidamente as medidas. Depois, os EUA. As empresas lá estão muito alavancadas. Quando se tem um aumento de aversão ao risco, normalmente os bancos se contraem e aumenta o custo de endividamento das empresas. Aí você pode transformar a contração econômica numa crise financeira, que aliás é o padrão. Acho que foi por conta desse medo que se teve uma reação de política fiscal de proporção também inédita nos EUA. O Fed (Federal Reserve, o banco central americano) também reduziu os juros e aumentou expressivamente a liquidez. A preocupação existe. Talvez o risco global maior além da epidemia seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.

Apesar da demora do governo Jair Bolsonaro para anunciar medidas econômicas que amenizem a crise decorrente da pandemia do coronavírus, o pacote preparado pelo Ministério da Economia deve ser suficiente para contornar a situação, segundo o economista-chefe do banco BV (antigo Banco Votorantim), Roberto Padovani. O grande desafio agora, acrescenta, é tirar as medidas do papel: “A questão é a capacidade operacional”. Segundo ele, outra preocupação no momento não está no Brasil, mas nos Estados Unidos. O alto nível de endividamento das empresas americanas eleva a incerteza e é hoje, depois do próprio coronavírus, a maior ameaça para a economia internacional. “Talvez o risco global maior, além da epidemia, seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Roberto Padovani, economista-chefe do banco Votorantim. Foto: Arquivo pessoal

As medidas econômicas anunciadas até agora são suficientes? 

Na semana passada, estava muito preocupado porque não via nenhuma ação, enquanto a recomendação internacional era por respostas rápidas e agressivas. Mas, na última sexta-feira, saiu um arsenal de medidas que ataca os três principais problemas. O primeiro é a renda, principalmente dos autônomos e de micro e pequenas empresas. Para contornar isso, o governo está antecipando benefícios, ampliando o Bolsa Família. O segundo problema tem a ver com a situação financeira das empresas. O setor de serviços é muito empregador e, sendo atingido, pode gerar um problema de desemprego alto. O que está sendo feito para atenuar isso é o diferimento de pagamento de impostos e usar a estrutura dos bancos para alcançar esse pessoal, com mitigação de risco feita pelo governo. A terceira questão era manter o canal de crédito funcionando. Você faz isso aumentando a liquidez. O Banco Central liberou compulsórios. Aparentemente, a crise está bem cercada e o volume (do pacote fiscal) é expressivo.

Além de o governo ter demorado para anunciar medidas, grande parte delas ainda está no papel. Isso deve aprofundar a crise?

Até há agora um plano mais robusto. O desafio é encaminhar isso, porque o pacote, no geral, é bom e atende as demandas. A questão é a capacidade operacional. Havia uma dúvida de como fazer o pagamento do auxílio emergencial. Aí decidiram usar o Cadastro Único e quem não tiver o cadastro abre uma conta. Já é alguma coisa mais concreta. Ainda faltam coisas, como a PEC para ampliar o escopo de atuação do Banco Central. Com relação ao tempo, sempre é melhor fazer mais rápido. A lógica desses pacotes de resgate no mundo todo é agir rapidamente durante o confinamento. Supondo que esse confinamento vá até o fim de abril, estamos no tempo para ajudar as empresas, evitar que elas quebrem e evitar um aumento forte do desemprego. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu, no ano passado, com um projeto econômico que, segundo economistas, não cabe nesse momento de crise. Isso atrapalhou?

Acho que havia dois medos. O primeira era que o governo estivesse sendo tímido e lento na área econômica por razões ideológicas. O que está em jogo agora é fazer com que o Estado resgate a economia. A experiência de 2008 já mostrou para todo mundo que você pode fazer resgates emergenciais em situações específicas e que isso não significa repensar o modelo econômico mais geral ou discutir qual a orientação de política. As medidas anunciadas nos últimos dias no Brasil mostram que o governo está adotando as políticas corretas. A dúvida atual é saber qual vai ser a velocidade de implementação, a capacidade de entrega dessas políticas.

Já é possível analisar isso?

Os instrumentos estão nas mãos do governo e alguns, nas do Congresso. Acho que as lideranças têm claro o papel delas, mas vamos esperar. Das medidas listadas, tenho hoje muito menos dúvida do que tinha há alguns dias.

Economicamente, acha possível manter a quarentena?

Vai ter uma tensão aí entre a recomendação médica e a pressão econômica e política. Talvez a gente não faça o confinamento ideal do ponto de vista médico, mas devemos cumprir o confinamento mínimo obrigatório. Acho que um mês está no radar das pessoas. Se for de dois meses, politicamente pode ser inviável. Aí você vai partir para uma flexibilização, que é na verdade essa polêmica que se tem hoje de confinamento horizontal ou vertical. Não acho que será uma opção da liderança política. Todos vão tentar seguir o que está dando certo nomundo, que é o confinamento horizontal, até um certo limite, até onde a economia conseguir resistir. A partir do momento em que ela começar a falhar, em que as empresas começarem a quebrar e o desemprego a subir, o desespero vai fazer com que isso se transforme em pressão política. Por isso é importante a ação do governo para dar fôlego para essas empresas atravessarem a quarentena. 

Passado esse período mais crítico, a recuperação deve ser rápida, em forma de V, ou devemos esperar algo mais lento?

É um choque epidemiológico e, portanto, temporário. Pode haver uma segunda onda, como os estudos mostram, mas tudo indica que é um choque temporário. Uma crise bancária gera mais incertezas nesse sentido. Quando o sistema financeiro quebra, não se sabe como o canal de crédito vai andar, as empresas quebram junto e o desemprego sobe. Então, você tem desafios mais duradouros. O desafio agora parece intenso, mas de curto prazo. A segunda questão é que não me lembro de ter visto no Brasil uma intensidade tão forte de estímulos, monetários e fiscais. Na área fiscal, não é que temos um descontrole das contas públicas. Temos um governo aumentando seus gastos deliberadamente como uma política anticíclica muito forte, sem contaminar a expectativa em relação ao futuro. Então, as condições de financiamento da economia são preservadas. Tem também um estímulo monetário intenso, que já vinha acontecendo. Quando você combina a história de um choque temporário com estímulos muito fortes, isso permite que a economia possa se recuperar de uma forma mais rápida.

As empresas americanas estão altamente endividadas. É possível que a crise decorrente do coronavírus gere uma onda de falências por lá, o que, por sua vez, desencadearia uma nova crise global?

Há duas dúvidas no cenários que temos de monitorar. Primeiro, aqui no Brasil, é a capacidade de o governo realmente implementar rapidamente as medidas. Depois, os EUA. As empresas lá estão muito alavancadas. Quando se tem um aumento de aversão ao risco, normalmente os bancos se contraem e aumenta o custo de endividamento das empresas. Aí você pode transformar a contração econômica numa crise financeira, que aliás é o padrão. Acho que foi por conta desse medo que se teve uma reação de política fiscal de proporção também inédita nos EUA. O Fed (Federal Reserve, o banco central americano) também reduziu os juros e aumentou expressivamente a liquidez. A preocupação existe. Talvez o risco global maior além da epidemia seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.

Apesar da demora do governo Jair Bolsonaro para anunciar medidas econômicas que amenizem a crise decorrente da pandemia do coronavírus, o pacote preparado pelo Ministério da Economia deve ser suficiente para contornar a situação, segundo o economista-chefe do banco BV (antigo Banco Votorantim), Roberto Padovani. O grande desafio agora, acrescenta, é tirar as medidas do papel: “A questão é a capacidade operacional”. Segundo ele, outra preocupação no momento não está no Brasil, mas nos Estados Unidos. O alto nível de endividamento das empresas americanas eleva a incerteza e é hoje, depois do próprio coronavírus, a maior ameaça para a economia internacional. “Talvez o risco global maior, além da epidemia, seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Roberto Padovani, economista-chefe do banco Votorantim. Foto: Arquivo pessoal

As medidas econômicas anunciadas até agora são suficientes? 

Na semana passada, estava muito preocupado porque não via nenhuma ação, enquanto a recomendação internacional era por respostas rápidas e agressivas. Mas, na última sexta-feira, saiu um arsenal de medidas que ataca os três principais problemas. O primeiro é a renda, principalmente dos autônomos e de micro e pequenas empresas. Para contornar isso, o governo está antecipando benefícios, ampliando o Bolsa Família. O segundo problema tem a ver com a situação financeira das empresas. O setor de serviços é muito empregador e, sendo atingido, pode gerar um problema de desemprego alto. O que está sendo feito para atenuar isso é o diferimento de pagamento de impostos e usar a estrutura dos bancos para alcançar esse pessoal, com mitigação de risco feita pelo governo. A terceira questão era manter o canal de crédito funcionando. Você faz isso aumentando a liquidez. O Banco Central liberou compulsórios. Aparentemente, a crise está bem cercada e o volume (do pacote fiscal) é expressivo.

Além de o governo ter demorado para anunciar medidas, grande parte delas ainda está no papel. Isso deve aprofundar a crise?

Até há agora um plano mais robusto. O desafio é encaminhar isso, porque o pacote, no geral, é bom e atende as demandas. A questão é a capacidade operacional. Havia uma dúvida de como fazer o pagamento do auxílio emergencial. Aí decidiram usar o Cadastro Único e quem não tiver o cadastro abre uma conta. Já é alguma coisa mais concreta. Ainda faltam coisas, como a PEC para ampliar o escopo de atuação do Banco Central. Com relação ao tempo, sempre é melhor fazer mais rápido. A lógica desses pacotes de resgate no mundo todo é agir rapidamente durante o confinamento. Supondo que esse confinamento vá até o fim de abril, estamos no tempo para ajudar as empresas, evitar que elas quebrem e evitar um aumento forte do desemprego. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu, no ano passado, com um projeto econômico que, segundo economistas, não cabe nesse momento de crise. Isso atrapalhou?

Acho que havia dois medos. O primeira era que o governo estivesse sendo tímido e lento na área econômica por razões ideológicas. O que está em jogo agora é fazer com que o Estado resgate a economia. A experiência de 2008 já mostrou para todo mundo que você pode fazer resgates emergenciais em situações específicas e que isso não significa repensar o modelo econômico mais geral ou discutir qual a orientação de política. As medidas anunciadas nos últimos dias no Brasil mostram que o governo está adotando as políticas corretas. A dúvida atual é saber qual vai ser a velocidade de implementação, a capacidade de entrega dessas políticas.

Já é possível analisar isso?

Os instrumentos estão nas mãos do governo e alguns, nas do Congresso. Acho que as lideranças têm claro o papel delas, mas vamos esperar. Das medidas listadas, tenho hoje muito menos dúvida do que tinha há alguns dias.

Economicamente, acha possível manter a quarentena?

Vai ter uma tensão aí entre a recomendação médica e a pressão econômica e política. Talvez a gente não faça o confinamento ideal do ponto de vista médico, mas devemos cumprir o confinamento mínimo obrigatório. Acho que um mês está no radar das pessoas. Se for de dois meses, politicamente pode ser inviável. Aí você vai partir para uma flexibilização, que é na verdade essa polêmica que se tem hoje de confinamento horizontal ou vertical. Não acho que será uma opção da liderança política. Todos vão tentar seguir o que está dando certo nomundo, que é o confinamento horizontal, até um certo limite, até onde a economia conseguir resistir. A partir do momento em que ela começar a falhar, em que as empresas começarem a quebrar e o desemprego a subir, o desespero vai fazer com que isso se transforme em pressão política. Por isso é importante a ação do governo para dar fôlego para essas empresas atravessarem a quarentena. 

Passado esse período mais crítico, a recuperação deve ser rápida, em forma de V, ou devemos esperar algo mais lento?

É um choque epidemiológico e, portanto, temporário. Pode haver uma segunda onda, como os estudos mostram, mas tudo indica que é um choque temporário. Uma crise bancária gera mais incertezas nesse sentido. Quando o sistema financeiro quebra, não se sabe como o canal de crédito vai andar, as empresas quebram junto e o desemprego sobe. Então, você tem desafios mais duradouros. O desafio agora parece intenso, mas de curto prazo. A segunda questão é que não me lembro de ter visto no Brasil uma intensidade tão forte de estímulos, monetários e fiscais. Na área fiscal, não é que temos um descontrole das contas públicas. Temos um governo aumentando seus gastos deliberadamente como uma política anticíclica muito forte, sem contaminar a expectativa em relação ao futuro. Então, as condições de financiamento da economia são preservadas. Tem também um estímulo monetário intenso, que já vinha acontecendo. Quando você combina a história de um choque temporário com estímulos muito fortes, isso permite que a economia possa se recuperar de uma forma mais rápida.

As empresas americanas estão altamente endividadas. É possível que a crise decorrente do coronavírus gere uma onda de falências por lá, o que, por sua vez, desencadearia uma nova crise global?

Há duas dúvidas no cenários que temos de monitorar. Primeiro, aqui no Brasil, é a capacidade de o governo realmente implementar rapidamente as medidas. Depois, os EUA. As empresas lá estão muito alavancadas. Quando se tem um aumento de aversão ao risco, normalmente os bancos se contraem e aumenta o custo de endividamento das empresas. Aí você pode transformar a contração econômica numa crise financeira, que aliás é o padrão. Acho que foi por conta desse medo que se teve uma reação de política fiscal de proporção também inédita nos EUA. O Fed (Federal Reserve, o banco central americano) também reduziu os juros e aumentou expressivamente a liquidez. A preocupação existe. Talvez o risco global maior além da epidemia seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.

Apesar da demora do governo Jair Bolsonaro para anunciar medidas econômicas que amenizem a crise decorrente da pandemia do coronavírus, o pacote preparado pelo Ministério da Economia deve ser suficiente para contornar a situação, segundo o economista-chefe do banco BV (antigo Banco Votorantim), Roberto Padovani. O grande desafio agora, acrescenta, é tirar as medidas do papel: “A questão é a capacidade operacional”. Segundo ele, outra preocupação no momento não está no Brasil, mas nos Estados Unidos. O alto nível de endividamento das empresas americanas eleva a incerteza e é hoje, depois do próprio coronavírus, a maior ameaça para a economia internacional. “Talvez o risco global maior, além da epidemia, seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Roberto Padovani, economista-chefe do banco Votorantim. Foto: Arquivo pessoal

As medidas econômicas anunciadas até agora são suficientes? 

Na semana passada, estava muito preocupado porque não via nenhuma ação, enquanto a recomendação internacional era por respostas rápidas e agressivas. Mas, na última sexta-feira, saiu um arsenal de medidas que ataca os três principais problemas. O primeiro é a renda, principalmente dos autônomos e de micro e pequenas empresas. Para contornar isso, o governo está antecipando benefícios, ampliando o Bolsa Família. O segundo problema tem a ver com a situação financeira das empresas. O setor de serviços é muito empregador e, sendo atingido, pode gerar um problema de desemprego alto. O que está sendo feito para atenuar isso é o diferimento de pagamento de impostos e usar a estrutura dos bancos para alcançar esse pessoal, com mitigação de risco feita pelo governo. A terceira questão era manter o canal de crédito funcionando. Você faz isso aumentando a liquidez. O Banco Central liberou compulsórios. Aparentemente, a crise está bem cercada e o volume (do pacote fiscal) é expressivo.

Além de o governo ter demorado para anunciar medidas, grande parte delas ainda está no papel. Isso deve aprofundar a crise?

Até há agora um plano mais robusto. O desafio é encaminhar isso, porque o pacote, no geral, é bom e atende as demandas. A questão é a capacidade operacional. Havia uma dúvida de como fazer o pagamento do auxílio emergencial. Aí decidiram usar o Cadastro Único e quem não tiver o cadastro abre uma conta. Já é alguma coisa mais concreta. Ainda faltam coisas, como a PEC para ampliar o escopo de atuação do Banco Central. Com relação ao tempo, sempre é melhor fazer mais rápido. A lógica desses pacotes de resgate no mundo todo é agir rapidamente durante o confinamento. Supondo que esse confinamento vá até o fim de abril, estamos no tempo para ajudar as empresas, evitar que elas quebrem e evitar um aumento forte do desemprego. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu, no ano passado, com um projeto econômico que, segundo economistas, não cabe nesse momento de crise. Isso atrapalhou?

Acho que havia dois medos. O primeira era que o governo estivesse sendo tímido e lento na área econômica por razões ideológicas. O que está em jogo agora é fazer com que o Estado resgate a economia. A experiência de 2008 já mostrou para todo mundo que você pode fazer resgates emergenciais em situações específicas e que isso não significa repensar o modelo econômico mais geral ou discutir qual a orientação de política. As medidas anunciadas nos últimos dias no Brasil mostram que o governo está adotando as políticas corretas. A dúvida atual é saber qual vai ser a velocidade de implementação, a capacidade de entrega dessas políticas.

Já é possível analisar isso?

Os instrumentos estão nas mãos do governo e alguns, nas do Congresso. Acho que as lideranças têm claro o papel delas, mas vamos esperar. Das medidas listadas, tenho hoje muito menos dúvida do que tinha há alguns dias.

Economicamente, acha possível manter a quarentena?

Vai ter uma tensão aí entre a recomendação médica e a pressão econômica e política. Talvez a gente não faça o confinamento ideal do ponto de vista médico, mas devemos cumprir o confinamento mínimo obrigatório. Acho que um mês está no radar das pessoas. Se for de dois meses, politicamente pode ser inviável. Aí você vai partir para uma flexibilização, que é na verdade essa polêmica que se tem hoje de confinamento horizontal ou vertical. Não acho que será uma opção da liderança política. Todos vão tentar seguir o que está dando certo nomundo, que é o confinamento horizontal, até um certo limite, até onde a economia conseguir resistir. A partir do momento em que ela começar a falhar, em que as empresas começarem a quebrar e o desemprego a subir, o desespero vai fazer com que isso se transforme em pressão política. Por isso é importante a ação do governo para dar fôlego para essas empresas atravessarem a quarentena. 

Passado esse período mais crítico, a recuperação deve ser rápida, em forma de V, ou devemos esperar algo mais lento?

É um choque epidemiológico e, portanto, temporário. Pode haver uma segunda onda, como os estudos mostram, mas tudo indica que é um choque temporário. Uma crise bancária gera mais incertezas nesse sentido. Quando o sistema financeiro quebra, não se sabe como o canal de crédito vai andar, as empresas quebram junto e o desemprego sobe. Então, você tem desafios mais duradouros. O desafio agora parece intenso, mas de curto prazo. A segunda questão é que não me lembro de ter visto no Brasil uma intensidade tão forte de estímulos, monetários e fiscais. Na área fiscal, não é que temos um descontrole das contas públicas. Temos um governo aumentando seus gastos deliberadamente como uma política anticíclica muito forte, sem contaminar a expectativa em relação ao futuro. Então, as condições de financiamento da economia são preservadas. Tem também um estímulo monetário intenso, que já vinha acontecendo. Quando você combina a história de um choque temporário com estímulos muito fortes, isso permite que a economia possa se recuperar de uma forma mais rápida.

As empresas americanas estão altamente endividadas. É possível que a crise decorrente do coronavírus gere uma onda de falências por lá, o que, por sua vez, desencadearia uma nova crise global?

Há duas dúvidas no cenários que temos de monitorar. Primeiro, aqui no Brasil, é a capacidade de o governo realmente implementar rapidamente as medidas. Depois, os EUA. As empresas lá estão muito alavancadas. Quando se tem um aumento de aversão ao risco, normalmente os bancos se contraem e aumenta o custo de endividamento das empresas. Aí você pode transformar a contração econômica numa crise financeira, que aliás é o padrão. Acho que foi por conta desse medo que se teve uma reação de política fiscal de proporção também inédita nos EUA. O Fed (Federal Reserve, o banco central americano) também reduziu os juros e aumentou expressivamente a liquidez. A preocupação existe. Talvez o risco global maior além da epidemia seja a alavancagem das empresas americanas em um contexto de contração aguda da economia.

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