Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O jogo das corporações


A luta dos grupos para defender seus privilégios é histórica; e os velhos conceitos da desigualdade ainda contaminam a política no Brasil, mesmo quando as eleições poderiam ser a oportunidade de punir quem só quer garantir seu interesse

Por Celso Ming

*Atualizada para correção 31 de julho, às 12h30

As reformas são bloqueadas pelas corporações que defendem seus privilégios, como se fossem direitos adquiridos. São também elas que se encastelam nas repartições do Estado em uma posição melhor para impor seus próprios interesses. Por que isso ocorre?

Para responder a essa pergunta é preciso entender em que se baseia esse conceito e como atuam as corporações, na política e na economia.

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É conceito antigo. Dá para dizer que vem da concepção aristotélica da sociedade e da política segundo a qual os homens são naturalmente desiguais. Há as elites dirigentes, os cidadãos comuns e  há, também naturalmente, os escravos. Enfim, na sociedade há uma ordem. A partir da cabeça, que é o rei, seus membros mantêm posição que corresponde a uma função, como no corpo humano – daí o conceito de corporativismo. Os privilégios decorrem do exercício da função na sociedade. São direitos adquiridos. Cabe ao rei e aos dirigentes organizar essa desigualdade e à Justiça, garanti-la.

As corporaçõespretendem ser “mais desiguais do que os outros” Foto: Mracos Müller/ Estadão

Paulo, apóstolo, vai, no século 1.º, apropriar-se de parte desses postulados para definir a natureza da Igreja, a que chamou de Corpo Místico de Cristo (Coríntios, 12, 12). É conceito reiteradamente lembrado pelos papas.

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Em Portugal, a concepção corporativista foi sacramentada por um corpo de leis denominadas Ordenações Manuelinas (do rei Dom Manuel), no qual são definidos e reconhecidos os principais privilégios que se entendem como intangíveis, portanto não podem ser removidos nem sequer pela Justiça.

Na Idade Média, essa concepção do mundo foi adotada também pelas guildas e pelas corporações de ofício, que se encarregavam de ramificar seu poder na estrutura de governo, perpetuar direitos e segredos, passando-os de pais para filhos. A mais notória delas foi a corporação dos construtores, ou dos maçons (do termo francês maçon, ou pedreiro), que, no Brasil, ganhou grande importância no Império. 

O tempo se encarregou de corroer as bases dessa doutrina. A primeira grande revolução conceitual aconteceu graças ao Iluminismo (século 18) que passou a reconhecer e a pregar o princípio de que todos os homens são iguais. A partir da Revolução Francesa, esse princípio passou a ser incorporado às constituições do Ocidente. Mas, daí à prática, vão léguas e léguas.

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Até o fim do Império, o Brasil não reconhecia a igualdade entre os homens. A abolição da escravatura, por exemplo, só chegou 14 meses antes da Proclamação da República. Mas muitos privilégios do Império, como o dos cartórios, continuam aí. Outros foram se instalando e tomando corpo, apesar da revolução iluminista, como certas entidades empresariais e segmentos do funcionalismo público. É gente que se organiza em grupos, bancadas e associações informais para defender seus próprios interesses e os interesses do grupo. No dia 22, a manchete do Estadão foi a seguinte: Servidores têm maior e mais poderosa bancada da Câmara.

Esta é mais uma manifestação corporativista, na medida em que servidores pretendem assenhorar-se do processo decisório para defender e aumentar seus privilégios. Há as bancadas da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. E já foi identificada a do BBB (Bala, Boi e Bíblia) que reuniria, evidentemente não em bloco único, os defensores de uma segurança rígida, os pecuaristas e os evangélicos.

O presidente Getúlio Vargas inspirou-se no sistema corporativo da Itália fascista, que se organizou a partir de um modelo de governo baseado na representação de grandes grupos de interesses coordenados pelo Estado. Na versão tupiniquim, a ideia pretendeu exercer controle tanto sobre o proletariado como sobre as entidades patronais. A Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, deriva desse espírito.

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As corporações não se aferram apenas a uma concepção em última análise de desigualdade entre pessoas e, nessas condições, pretendem ser “mais desiguais do que os outros”*, parafraseando o conceito desenvolvido pelo britânico George Orwell no seu livro "A Revolução dos Bichos". Também se contrapõem ao espírito republicano que separa irrevogavelmente a propriedade e os interesses públicos da propriedade e dos interesses particulares.

As eleições deveriam ser excelente oportunidade para punir as corporações. O problema é que velhos conceitos da desigualdade continuam contaminando a política no Brasil e o eleitor – que, muitas vezes, está mais interessado em garantir seu interesse do que o interesse público.

*Atualizada para correção 31 de julho, às 12h30

As reformas são bloqueadas pelas corporações que defendem seus privilégios, como se fossem direitos adquiridos. São também elas que se encastelam nas repartições do Estado em uma posição melhor para impor seus próprios interesses. Por que isso ocorre?

Para responder a essa pergunta é preciso entender em que se baseia esse conceito e como atuam as corporações, na política e na economia.

É conceito antigo. Dá para dizer que vem da concepção aristotélica da sociedade e da política segundo a qual os homens são naturalmente desiguais. Há as elites dirigentes, os cidadãos comuns e  há, também naturalmente, os escravos. Enfim, na sociedade há uma ordem. A partir da cabeça, que é o rei, seus membros mantêm posição que corresponde a uma função, como no corpo humano – daí o conceito de corporativismo. Os privilégios decorrem do exercício da função na sociedade. São direitos adquiridos. Cabe ao rei e aos dirigentes organizar essa desigualdade e à Justiça, garanti-la.

As corporaçõespretendem ser “mais desiguais do que os outros” Foto: Mracos Müller/ Estadão

Paulo, apóstolo, vai, no século 1.º, apropriar-se de parte desses postulados para definir a natureza da Igreja, a que chamou de Corpo Místico de Cristo (Coríntios, 12, 12). É conceito reiteradamente lembrado pelos papas.

Em Portugal, a concepção corporativista foi sacramentada por um corpo de leis denominadas Ordenações Manuelinas (do rei Dom Manuel), no qual são definidos e reconhecidos os principais privilégios que se entendem como intangíveis, portanto não podem ser removidos nem sequer pela Justiça.

Na Idade Média, essa concepção do mundo foi adotada também pelas guildas e pelas corporações de ofício, que se encarregavam de ramificar seu poder na estrutura de governo, perpetuar direitos e segredos, passando-os de pais para filhos. A mais notória delas foi a corporação dos construtores, ou dos maçons (do termo francês maçon, ou pedreiro), que, no Brasil, ganhou grande importância no Império. 

O tempo se encarregou de corroer as bases dessa doutrina. A primeira grande revolução conceitual aconteceu graças ao Iluminismo (século 18) que passou a reconhecer e a pregar o princípio de que todos os homens são iguais. A partir da Revolução Francesa, esse princípio passou a ser incorporado às constituições do Ocidente. Mas, daí à prática, vão léguas e léguas.

Até o fim do Império, o Brasil não reconhecia a igualdade entre os homens. A abolição da escravatura, por exemplo, só chegou 14 meses antes da Proclamação da República. Mas muitos privilégios do Império, como o dos cartórios, continuam aí. Outros foram se instalando e tomando corpo, apesar da revolução iluminista, como certas entidades empresariais e segmentos do funcionalismo público. É gente que se organiza em grupos, bancadas e associações informais para defender seus próprios interesses e os interesses do grupo. No dia 22, a manchete do Estadão foi a seguinte: Servidores têm maior e mais poderosa bancada da Câmara.

Esta é mais uma manifestação corporativista, na medida em que servidores pretendem assenhorar-se do processo decisório para defender e aumentar seus privilégios. Há as bancadas da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. E já foi identificada a do BBB (Bala, Boi e Bíblia) que reuniria, evidentemente não em bloco único, os defensores de uma segurança rígida, os pecuaristas e os evangélicos.

O presidente Getúlio Vargas inspirou-se no sistema corporativo da Itália fascista, que se organizou a partir de um modelo de governo baseado na representação de grandes grupos de interesses coordenados pelo Estado. Na versão tupiniquim, a ideia pretendeu exercer controle tanto sobre o proletariado como sobre as entidades patronais. A Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, deriva desse espírito.

As corporações não se aferram apenas a uma concepção em última análise de desigualdade entre pessoas e, nessas condições, pretendem ser “mais desiguais do que os outros”*, parafraseando o conceito desenvolvido pelo britânico George Orwell no seu livro "A Revolução dos Bichos". Também se contrapõem ao espírito republicano que separa irrevogavelmente a propriedade e os interesses públicos da propriedade e dos interesses particulares.

As eleições deveriam ser excelente oportunidade para punir as corporações. O problema é que velhos conceitos da desigualdade continuam contaminando a política no Brasil e o eleitor – que, muitas vezes, está mais interessado em garantir seu interesse do que o interesse público.

*Atualizada para correção 31 de julho, às 12h30

As reformas são bloqueadas pelas corporações que defendem seus privilégios, como se fossem direitos adquiridos. São também elas que se encastelam nas repartições do Estado em uma posição melhor para impor seus próprios interesses. Por que isso ocorre?

Para responder a essa pergunta é preciso entender em que se baseia esse conceito e como atuam as corporações, na política e na economia.

É conceito antigo. Dá para dizer que vem da concepção aristotélica da sociedade e da política segundo a qual os homens são naturalmente desiguais. Há as elites dirigentes, os cidadãos comuns e  há, também naturalmente, os escravos. Enfim, na sociedade há uma ordem. A partir da cabeça, que é o rei, seus membros mantêm posição que corresponde a uma função, como no corpo humano – daí o conceito de corporativismo. Os privilégios decorrem do exercício da função na sociedade. São direitos adquiridos. Cabe ao rei e aos dirigentes organizar essa desigualdade e à Justiça, garanti-la.

As corporaçõespretendem ser “mais desiguais do que os outros” Foto: Mracos Müller/ Estadão

Paulo, apóstolo, vai, no século 1.º, apropriar-se de parte desses postulados para definir a natureza da Igreja, a que chamou de Corpo Místico de Cristo (Coríntios, 12, 12). É conceito reiteradamente lembrado pelos papas.

Em Portugal, a concepção corporativista foi sacramentada por um corpo de leis denominadas Ordenações Manuelinas (do rei Dom Manuel), no qual são definidos e reconhecidos os principais privilégios que se entendem como intangíveis, portanto não podem ser removidos nem sequer pela Justiça.

Na Idade Média, essa concepção do mundo foi adotada também pelas guildas e pelas corporações de ofício, que se encarregavam de ramificar seu poder na estrutura de governo, perpetuar direitos e segredos, passando-os de pais para filhos. A mais notória delas foi a corporação dos construtores, ou dos maçons (do termo francês maçon, ou pedreiro), que, no Brasil, ganhou grande importância no Império. 

O tempo se encarregou de corroer as bases dessa doutrina. A primeira grande revolução conceitual aconteceu graças ao Iluminismo (século 18) que passou a reconhecer e a pregar o princípio de que todos os homens são iguais. A partir da Revolução Francesa, esse princípio passou a ser incorporado às constituições do Ocidente. Mas, daí à prática, vão léguas e léguas.

Até o fim do Império, o Brasil não reconhecia a igualdade entre os homens. A abolição da escravatura, por exemplo, só chegou 14 meses antes da Proclamação da República. Mas muitos privilégios do Império, como o dos cartórios, continuam aí. Outros foram se instalando e tomando corpo, apesar da revolução iluminista, como certas entidades empresariais e segmentos do funcionalismo público. É gente que se organiza em grupos, bancadas e associações informais para defender seus próprios interesses e os interesses do grupo. No dia 22, a manchete do Estadão foi a seguinte: Servidores têm maior e mais poderosa bancada da Câmara.

Esta é mais uma manifestação corporativista, na medida em que servidores pretendem assenhorar-se do processo decisório para defender e aumentar seus privilégios. Há as bancadas da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. E já foi identificada a do BBB (Bala, Boi e Bíblia) que reuniria, evidentemente não em bloco único, os defensores de uma segurança rígida, os pecuaristas e os evangélicos.

O presidente Getúlio Vargas inspirou-se no sistema corporativo da Itália fascista, que se organizou a partir de um modelo de governo baseado na representação de grandes grupos de interesses coordenados pelo Estado. Na versão tupiniquim, a ideia pretendeu exercer controle tanto sobre o proletariado como sobre as entidades patronais. A Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, deriva desse espírito.

As corporações não se aferram apenas a uma concepção em última análise de desigualdade entre pessoas e, nessas condições, pretendem ser “mais desiguais do que os outros”*, parafraseando o conceito desenvolvido pelo britânico George Orwell no seu livro "A Revolução dos Bichos". Também se contrapõem ao espírito republicano que separa irrevogavelmente a propriedade e os interesses públicos da propriedade e dos interesses particulares.

As eleições deveriam ser excelente oportunidade para punir as corporações. O problema é que velhos conceitos da desigualdade continuam contaminando a política no Brasil e o eleitor – que, muitas vezes, está mais interessado em garantir seu interesse do que o interesse público.

*Atualizada para correção 31 de julho, às 12h30

As reformas são bloqueadas pelas corporações que defendem seus privilégios, como se fossem direitos adquiridos. São também elas que se encastelam nas repartições do Estado em uma posição melhor para impor seus próprios interesses. Por que isso ocorre?

Para responder a essa pergunta é preciso entender em que se baseia esse conceito e como atuam as corporações, na política e na economia.

É conceito antigo. Dá para dizer que vem da concepção aristotélica da sociedade e da política segundo a qual os homens são naturalmente desiguais. Há as elites dirigentes, os cidadãos comuns e  há, também naturalmente, os escravos. Enfim, na sociedade há uma ordem. A partir da cabeça, que é o rei, seus membros mantêm posição que corresponde a uma função, como no corpo humano – daí o conceito de corporativismo. Os privilégios decorrem do exercício da função na sociedade. São direitos adquiridos. Cabe ao rei e aos dirigentes organizar essa desigualdade e à Justiça, garanti-la.

As corporaçõespretendem ser “mais desiguais do que os outros” Foto: Mracos Müller/ Estadão

Paulo, apóstolo, vai, no século 1.º, apropriar-se de parte desses postulados para definir a natureza da Igreja, a que chamou de Corpo Místico de Cristo (Coríntios, 12, 12). É conceito reiteradamente lembrado pelos papas.

Em Portugal, a concepção corporativista foi sacramentada por um corpo de leis denominadas Ordenações Manuelinas (do rei Dom Manuel), no qual são definidos e reconhecidos os principais privilégios que se entendem como intangíveis, portanto não podem ser removidos nem sequer pela Justiça.

Na Idade Média, essa concepção do mundo foi adotada também pelas guildas e pelas corporações de ofício, que se encarregavam de ramificar seu poder na estrutura de governo, perpetuar direitos e segredos, passando-os de pais para filhos. A mais notória delas foi a corporação dos construtores, ou dos maçons (do termo francês maçon, ou pedreiro), que, no Brasil, ganhou grande importância no Império. 

O tempo se encarregou de corroer as bases dessa doutrina. A primeira grande revolução conceitual aconteceu graças ao Iluminismo (século 18) que passou a reconhecer e a pregar o princípio de que todos os homens são iguais. A partir da Revolução Francesa, esse princípio passou a ser incorporado às constituições do Ocidente. Mas, daí à prática, vão léguas e léguas.

Até o fim do Império, o Brasil não reconhecia a igualdade entre os homens. A abolição da escravatura, por exemplo, só chegou 14 meses antes da Proclamação da República. Mas muitos privilégios do Império, como o dos cartórios, continuam aí. Outros foram se instalando e tomando corpo, apesar da revolução iluminista, como certas entidades empresariais e segmentos do funcionalismo público. É gente que se organiza em grupos, bancadas e associações informais para defender seus próprios interesses e os interesses do grupo. No dia 22, a manchete do Estadão foi a seguinte: Servidores têm maior e mais poderosa bancada da Câmara.

Esta é mais uma manifestação corporativista, na medida em que servidores pretendem assenhorar-se do processo decisório para defender e aumentar seus privilégios. Há as bancadas da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. E já foi identificada a do BBB (Bala, Boi e Bíblia) que reuniria, evidentemente não em bloco único, os defensores de uma segurança rígida, os pecuaristas e os evangélicos.

O presidente Getúlio Vargas inspirou-se no sistema corporativo da Itália fascista, que se organizou a partir de um modelo de governo baseado na representação de grandes grupos de interesses coordenados pelo Estado. Na versão tupiniquim, a ideia pretendeu exercer controle tanto sobre o proletariado como sobre as entidades patronais. A Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, deriva desse espírito.

As corporações não se aferram apenas a uma concepção em última análise de desigualdade entre pessoas e, nessas condições, pretendem ser “mais desiguais do que os outros”*, parafraseando o conceito desenvolvido pelo britânico George Orwell no seu livro "A Revolução dos Bichos". Também se contrapõem ao espírito republicano que separa irrevogavelmente a propriedade e os interesses públicos da propriedade e dos interesses particulares.

As eleições deveriam ser excelente oportunidade para punir as corporações. O problema é que velhos conceitos da desigualdade continuam contaminando a política no Brasil e o eleitor – que, muitas vezes, está mais interessado em garantir seu interesse do que o interesse público.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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