‘Risco de a Selic parar num patamar acima de 9% está crescendo’, diz economista-chefe do Citi Brasil


Para Leonardo Porto, ciclo de queda na taxa de juros pode ser mais curto por causa da força da demanda doméstica

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:
Foto: Silvia Zamboni/Divulgação
Entrevista comLeonardo PortoEconomista-chefe do Citi Brasil

O economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, avalia que aumentou o risco de o Banco Central precisar diminuir o tamanho do ciclo de corte da taxa básica de juros. Hoje, no cenário do banco, a Selic deve chegar a 9% até o ano que vem - o mesmo patamar previsto pelo mercado no relatório Focus.

“Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, de parar num patamar acima de 9%, está crescendo”, afirma Porto. “E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.”

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Essa força da demanda, avalia Porto, vem do mercado de trabalho, do estímulo fiscal, e do crescimento do crédito – que sobe, apesar da Selic elevada.

“Isso eleva a preocupação do Banco Central”, diz. “Me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.”

O banco subiu a sua previsão de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano para 3,1% e mudou a sua previsão de corte da Selic – atualmente em 13,25% ao ano – de 0,75 ponto percentual para 0,50 na reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom).

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Economsista-chefe do Citi prevê crescimento de 3,1% neste ano Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Os números do segundo trimestre voltaram a ser positivos. Qual é a avaliação do desempenho da economia?

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O dado do PIB mais uma vez surpreende muito para cima. O primeiro trimestre foi localizado na agropecuária. Falava-se que era o efeito temporário da safra. Dessa vez (no segundo trimestre), não. Foram serviços e indústria disseminados e acelerando em relação ao trimestre anterior. A economia brasileira está crescendo muito mais do que a gente imaginava desde o começo do ano passado. No início de 2022, todo mundo previa o PIB próximo de zero, mas fechou em 2,9%. Este ano é a mesma coisa. Começamos o ano falando em algo próximo de 0,5%, e estamos terminando em torno de 3%. A história vai se repetir. Claro que tem a agropecuária. Mas, se a gente exclui o primeiro trimestre, a surpresa continua vindo do setor de serviços, principalmente, do lado da oferta, e do consumo privado, do lado da demanda. O que me leva a crer que estamos falando de consumo privado de serviços.

Esse crescimento mais forte vai continuar?

A coisa importante que tem de estar na cabeça é o crescimento potencial. É a economia que vai crescer sempre mais para frente ou a gente está consumindo a ociosidade? Quando a gente olha o mercado de trabalho, a queda na taxa de desemprego é muito forte. Estamos, hoje, com o desemprego abaixo de 8%. Mesmo que a gente coloque a taxa de participação na média histórica, ela está só levemente acima de 8%. É um pouco acima da taxa normal. Isso já é um primeiro indicativo de que estamos crescendo em cima de uma redução da ociosidade. E essa ociosidade, por definição, acaba. Me parece que é frágil o argumento para achar que o PIB potencial - que a gente estimava na casa de 1,5% antes da pandemia - está maior. Só teve mais PIB porque absorveu mais mão de obra. Isso é ociosidade. Em outras palavras, a economia não está crescendo em cima do aumento de produtividade.

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Qual é a implicação desse cenário?

A primeira é que esse crescimento parece que vai ser mais forte temporariamente, para depois converter para o potencial. E a segunda é que vão aumentando os riscos de pressões inflacionárias. Como a gente está falando em mercado de trabalho, o salário real está um pouco acima de 5%, o que é maior do que qualquer medida de produtividade do trabalhador. Isso eleva a preocupação do Banco Central.

Essas constatações fizeram o banco mudar o cenário para a economia brasileira?

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Além de rever o PIB para cima - fomos para 3,1%, estávamos com 2,3% - , a gente reviu a nossa trajetória de Selic. A gente achava que o Banco Central iria acelerar o corte em dezembro para 0,75 (ponto percentual), mas tiramos essa aceleração. Ele vai continuar no ritmo de 0,50 ponto até dezembro, para fechar o ano em 11,75%. Então, são as duas primeiras mudanças de projeção que fizemos. Por trás do 3,1%, existe uma crença de que a economia ainda vai desacelerar, porque o juro real está muito alto ainda, de 7%.

Mas o que explica a surpresa com o crescimento?

A gente tem de entender de onde está vindo essa pujança de demanda. O mercado de trabalho explica uma parte, mas não a totalidade dela. E existe um outro componente, que é o (estímulo) fiscal, mas que não explica a totalidade também. Tem uma terceira parte muito importante, que é o ciclo do mercado de crédito. Colocando em números: se você pega a taxa de juros média dos empréstimos do Banco Central, ela está, hoje, em mais ou menos 31% ao ano. A última vez que a gente teve uma taxa nesse nível foi lá em 2017, no primeiro trimestre. Coincidentemente ou não, a Selic, naquele período, era muito semelhante à de hoje, em torno de 13%. Então, teoricamente, deveria haver um desempenho do crédito semelhante por essa variável. No entanto, em 2017, o crédito estava contraindo 2,5% e, hoje, está crescendo 8%.

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A política monetária perdeu força, então?

A política monetária está operando, está funcionando nos canais de transmissão. Só que, por alguma razão, a demanda por crédito desacelera muito mais lentamente do que desacelerou em 2017. Como desacelera menos, significa um crescimento de demanda muito mais forte, o que explica, especialmente, a demanda por consumo de serviços, e aí você pressiona o PIB de serviços, pressiona a inflação de serviços e pressiona o mercado de trabalho, que é intensivo em serviços.

Crédito cresce com euforia pós-pandemia, afirma Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

E por que as pessoas demandam tanto crédito ainda?

Eu acho que a gente passa por um período de euforia pós-pandemia. As pessoas foram impossibilitadas de consumir serviços, não bens. E, agora, elas estão saciando esse desejo. E isso está acontecendo de forma muito parecida nos Estados Unidos e nos países europeus.

E quando esse processo deve acabar?

Do ponto de vista da oferta, ele acaba na hora que terminar a ociosidade. A gente já está com desemprego de 7,8%. Como o salário real está crescendo 5%, eu acho que a taxa de desemprego natural não está muito distante de onde está hoje. Mas tem uma outra restrição pelo lado da demanda. Se as pessoas estão consumindo e com renda, estão pagando esse consumo via renda do trabalho, mas também via endividamento. E, pelos dados do Banco Central, o comprometimento de renda está em 28%, num nível recorde desde 2011, quando começa a série histórica. Me parece que também a gente talvez não esteja tão longe do fim pelo lado da demanda. A desaceleração virá, mas o Banco Central já começou a cortar a taxa de juros. Eu acho que a saída disso tudo vai ser a gente calibrar o ciclo de corte de juros numa velocidade mais lenta, por isso mudamos o call (projeção) até o final do ano.

Por quê?

É uma preocupação maior agora com essa questão da inflação de serviços. A inflação de serviços no Brasil é muito correlacionada com a taxa de desemprego, mas também em relação à inércia, à inflação passada. Daqui para frente, a inflação de serviços vai estar muito mais próxima da dinâmica da taxa de desemprego e, como o desemprego está surpreendentemente na mínima desde 2015, me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.

E como fica a política de juros para 2024?

O Banco Central vai continuar cortando juros até o patamar de 9%. É o patamar que chamamos de neutro. Ou seja, a política monetária vai convergir para neutralidade. Vai deixar de ser contracionista, mas não vai ser expansionista. Agora, a gente tem que ir calibrando esse processo. Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, parar num patamar acima de 9%, está crescendo. E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.

A economia global também mostra uma força até agora. Essa resiliência também é válida lá fora?

Os Estados Unidos são um grande exemplo disso e estão numa situação ainda mais delicada do ponto de vista do mercado de trabalho. A taxa de desemprego está nas mínimas históricas. Houve uma correção muito grande de qual seria o ponto terminal de alta de juros por parte do Fed (Federal Reserve, BC norte-americano). Como a economia está muito mais resiliente, esses ajustes foram feitos cada vez mais para cima. Achava-se que o país iria entrar em recessão já no segundo semestre e que os juros iriam começar a cair este ano. Já não tem mais esse cenário. Agora, o cenário é que os juros começam a ser cortados no segundo trimestre do ano que vem.

Os EUA podem ter juros mais altos por mais tempo, e o Brasil já reduz a Selic. Qual pode ser o impacto desse diferencial de juros menor?

Eu acho que o diferencial de taxa de juros é uma das variáveis importantes que determina o câmbio, mas não é a mais importante. Vou dar um exemplo. Se pensar nas taxas de juros de dois anos à frente, o diferencial atingiu o pico em novembro do ano passado. Ele já caiu quase 500 pontos. E o câmbio apreciou. Então, isso me preocupa menos. O câmbio no Brasil é muito mais sensível ao preço de commodity, à cotação do dólar frente às grandes moedas, ao nível de aversão ao risco global, à perspectiva do fiscal aqui. Não estou dizendo que é irrelevante. Estou só dizendo que não é a variável mais importante. E o que a gente tem visto é que, até agora, alguns riscos importantes foram minimizados.

Arcabouço fiscal ancorou as expectativas, afirma economista-chefe do Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

Quais foram os riscos minimizados?

Existia um grande temor de como é que iria ser o ciclo de alta de juros dos Estados Unidos. Da última vez em que houve um ciclo tão forte, como esse, gerou a crise de 2008. Mas estamos chegando no final e não houve nenhum grande problema sistêmico. E existia um grande risco de como é que se daria a substituição do teto de gastos, dado que o presidente Lula, durante a campanha, já tinha dito que ia trocar o teto. E o que a gente viu? O arcabouço fiscal mostrou-se menos austero do que o teto de gastos, mas suficientemente austero para ancorar as expectativas.

Tem uma discussão se o governo consegue cumprir a meta de déficit zero. Qual é a sua avaliação?

Com a aprovação do arcabouço fiscal, você mais ou menos tem uma confiança maior de como é que vai ser o desenho do gasto, portanto, fica faltando o da receita. Na nossa hipótese de trabalho, não estamos considerando receitas extraordinárias, estamos pegando a receita em função do nosso cenário macro. A nossa projeção está dando um resultado primário negativo de 0,5% (do PIB). Portanto, não cumpre a meta, dado que ela vai ser zero, com desvio de 0,25 ponto. Isso significa o seguinte: para o governo cumprir a meta, ele vai precisar arrecadar mais. E ele está trabalhando nessa direção com algumas iniciativas. Se ele vai conseguir ou não, a gente só vai saber mais na frente.

Pode haver uma piora na percepção de risco do País se não cumprir a meta?

Tem de partir do princípio de onde está posicionado o mercado. Se eu pego a última divulgação da pesquisa Focus, do Banco Central, tem uma previsão negativa de 0,7% (do PIB) do primário no ano que vem. Não é muito diferente da nossa projeção. Então, a maior parte dos analistas já está trabalhando com o não cumprimento da meta. Não cumprir a meta não significa que não vá estressar o mercado. Pode estressar, sim, dependendo da magnitude e da comunicação que se faz. Não cumprir a meta porque acontece alguma coisa séria no meio do caminho, legitimamente justificável, é uma coisa. Não cumprir a meta, por reconhecimento de que foi perdulário, é pior.

O economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, avalia que aumentou o risco de o Banco Central precisar diminuir o tamanho do ciclo de corte da taxa básica de juros. Hoje, no cenário do banco, a Selic deve chegar a 9% até o ano que vem - o mesmo patamar previsto pelo mercado no relatório Focus.

“Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, de parar num patamar acima de 9%, está crescendo”, afirma Porto. “E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.”

Essa força da demanda, avalia Porto, vem do mercado de trabalho, do estímulo fiscal, e do crescimento do crédito – que sobe, apesar da Selic elevada.

“Isso eleva a preocupação do Banco Central”, diz. “Me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.”

O banco subiu a sua previsão de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano para 3,1% e mudou a sua previsão de corte da Selic – atualmente em 13,25% ao ano – de 0,75 ponto percentual para 0,50 na reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom).

Economsista-chefe do Citi prevê crescimento de 3,1% neste ano Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Os números do segundo trimestre voltaram a ser positivos. Qual é a avaliação do desempenho da economia?

O dado do PIB mais uma vez surpreende muito para cima. O primeiro trimestre foi localizado na agropecuária. Falava-se que era o efeito temporário da safra. Dessa vez (no segundo trimestre), não. Foram serviços e indústria disseminados e acelerando em relação ao trimestre anterior. A economia brasileira está crescendo muito mais do que a gente imaginava desde o começo do ano passado. No início de 2022, todo mundo previa o PIB próximo de zero, mas fechou em 2,9%. Este ano é a mesma coisa. Começamos o ano falando em algo próximo de 0,5%, e estamos terminando em torno de 3%. A história vai se repetir. Claro que tem a agropecuária. Mas, se a gente exclui o primeiro trimestre, a surpresa continua vindo do setor de serviços, principalmente, do lado da oferta, e do consumo privado, do lado da demanda. O que me leva a crer que estamos falando de consumo privado de serviços.

Esse crescimento mais forte vai continuar?

A coisa importante que tem de estar na cabeça é o crescimento potencial. É a economia que vai crescer sempre mais para frente ou a gente está consumindo a ociosidade? Quando a gente olha o mercado de trabalho, a queda na taxa de desemprego é muito forte. Estamos, hoje, com o desemprego abaixo de 8%. Mesmo que a gente coloque a taxa de participação na média histórica, ela está só levemente acima de 8%. É um pouco acima da taxa normal. Isso já é um primeiro indicativo de que estamos crescendo em cima de uma redução da ociosidade. E essa ociosidade, por definição, acaba. Me parece que é frágil o argumento para achar que o PIB potencial - que a gente estimava na casa de 1,5% antes da pandemia - está maior. Só teve mais PIB porque absorveu mais mão de obra. Isso é ociosidade. Em outras palavras, a economia não está crescendo em cima do aumento de produtividade.

Qual é a implicação desse cenário?

A primeira é que esse crescimento parece que vai ser mais forte temporariamente, para depois converter para o potencial. E a segunda é que vão aumentando os riscos de pressões inflacionárias. Como a gente está falando em mercado de trabalho, o salário real está um pouco acima de 5%, o que é maior do que qualquer medida de produtividade do trabalhador. Isso eleva a preocupação do Banco Central.

Essas constatações fizeram o banco mudar o cenário para a economia brasileira?

Além de rever o PIB para cima - fomos para 3,1%, estávamos com 2,3% - , a gente reviu a nossa trajetória de Selic. A gente achava que o Banco Central iria acelerar o corte em dezembro para 0,75 (ponto percentual), mas tiramos essa aceleração. Ele vai continuar no ritmo de 0,50 ponto até dezembro, para fechar o ano em 11,75%. Então, são as duas primeiras mudanças de projeção que fizemos. Por trás do 3,1%, existe uma crença de que a economia ainda vai desacelerar, porque o juro real está muito alto ainda, de 7%.

Mas o que explica a surpresa com o crescimento?

A gente tem de entender de onde está vindo essa pujança de demanda. O mercado de trabalho explica uma parte, mas não a totalidade dela. E existe um outro componente, que é o (estímulo) fiscal, mas que não explica a totalidade também. Tem uma terceira parte muito importante, que é o ciclo do mercado de crédito. Colocando em números: se você pega a taxa de juros média dos empréstimos do Banco Central, ela está, hoje, em mais ou menos 31% ao ano. A última vez que a gente teve uma taxa nesse nível foi lá em 2017, no primeiro trimestre. Coincidentemente ou não, a Selic, naquele período, era muito semelhante à de hoje, em torno de 13%. Então, teoricamente, deveria haver um desempenho do crédito semelhante por essa variável. No entanto, em 2017, o crédito estava contraindo 2,5% e, hoje, está crescendo 8%.

A política monetária perdeu força, então?

A política monetária está operando, está funcionando nos canais de transmissão. Só que, por alguma razão, a demanda por crédito desacelera muito mais lentamente do que desacelerou em 2017. Como desacelera menos, significa um crescimento de demanda muito mais forte, o que explica, especialmente, a demanda por consumo de serviços, e aí você pressiona o PIB de serviços, pressiona a inflação de serviços e pressiona o mercado de trabalho, que é intensivo em serviços.

Crédito cresce com euforia pós-pandemia, afirma Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

E por que as pessoas demandam tanto crédito ainda?

Eu acho que a gente passa por um período de euforia pós-pandemia. As pessoas foram impossibilitadas de consumir serviços, não bens. E, agora, elas estão saciando esse desejo. E isso está acontecendo de forma muito parecida nos Estados Unidos e nos países europeus.

E quando esse processo deve acabar?

Do ponto de vista da oferta, ele acaba na hora que terminar a ociosidade. A gente já está com desemprego de 7,8%. Como o salário real está crescendo 5%, eu acho que a taxa de desemprego natural não está muito distante de onde está hoje. Mas tem uma outra restrição pelo lado da demanda. Se as pessoas estão consumindo e com renda, estão pagando esse consumo via renda do trabalho, mas também via endividamento. E, pelos dados do Banco Central, o comprometimento de renda está em 28%, num nível recorde desde 2011, quando começa a série histórica. Me parece que também a gente talvez não esteja tão longe do fim pelo lado da demanda. A desaceleração virá, mas o Banco Central já começou a cortar a taxa de juros. Eu acho que a saída disso tudo vai ser a gente calibrar o ciclo de corte de juros numa velocidade mais lenta, por isso mudamos o call (projeção) até o final do ano.

Por quê?

É uma preocupação maior agora com essa questão da inflação de serviços. A inflação de serviços no Brasil é muito correlacionada com a taxa de desemprego, mas também em relação à inércia, à inflação passada. Daqui para frente, a inflação de serviços vai estar muito mais próxima da dinâmica da taxa de desemprego e, como o desemprego está surpreendentemente na mínima desde 2015, me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.

E como fica a política de juros para 2024?

O Banco Central vai continuar cortando juros até o patamar de 9%. É o patamar que chamamos de neutro. Ou seja, a política monetária vai convergir para neutralidade. Vai deixar de ser contracionista, mas não vai ser expansionista. Agora, a gente tem que ir calibrando esse processo. Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, parar num patamar acima de 9%, está crescendo. E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.

A economia global também mostra uma força até agora. Essa resiliência também é válida lá fora?

Os Estados Unidos são um grande exemplo disso e estão numa situação ainda mais delicada do ponto de vista do mercado de trabalho. A taxa de desemprego está nas mínimas históricas. Houve uma correção muito grande de qual seria o ponto terminal de alta de juros por parte do Fed (Federal Reserve, BC norte-americano). Como a economia está muito mais resiliente, esses ajustes foram feitos cada vez mais para cima. Achava-se que o país iria entrar em recessão já no segundo semestre e que os juros iriam começar a cair este ano. Já não tem mais esse cenário. Agora, o cenário é que os juros começam a ser cortados no segundo trimestre do ano que vem.

Os EUA podem ter juros mais altos por mais tempo, e o Brasil já reduz a Selic. Qual pode ser o impacto desse diferencial de juros menor?

Eu acho que o diferencial de taxa de juros é uma das variáveis importantes que determina o câmbio, mas não é a mais importante. Vou dar um exemplo. Se pensar nas taxas de juros de dois anos à frente, o diferencial atingiu o pico em novembro do ano passado. Ele já caiu quase 500 pontos. E o câmbio apreciou. Então, isso me preocupa menos. O câmbio no Brasil é muito mais sensível ao preço de commodity, à cotação do dólar frente às grandes moedas, ao nível de aversão ao risco global, à perspectiva do fiscal aqui. Não estou dizendo que é irrelevante. Estou só dizendo que não é a variável mais importante. E o que a gente tem visto é que, até agora, alguns riscos importantes foram minimizados.

Arcabouço fiscal ancorou as expectativas, afirma economista-chefe do Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

Quais foram os riscos minimizados?

Existia um grande temor de como é que iria ser o ciclo de alta de juros dos Estados Unidos. Da última vez em que houve um ciclo tão forte, como esse, gerou a crise de 2008. Mas estamos chegando no final e não houve nenhum grande problema sistêmico. E existia um grande risco de como é que se daria a substituição do teto de gastos, dado que o presidente Lula, durante a campanha, já tinha dito que ia trocar o teto. E o que a gente viu? O arcabouço fiscal mostrou-se menos austero do que o teto de gastos, mas suficientemente austero para ancorar as expectativas.

Tem uma discussão se o governo consegue cumprir a meta de déficit zero. Qual é a sua avaliação?

Com a aprovação do arcabouço fiscal, você mais ou menos tem uma confiança maior de como é que vai ser o desenho do gasto, portanto, fica faltando o da receita. Na nossa hipótese de trabalho, não estamos considerando receitas extraordinárias, estamos pegando a receita em função do nosso cenário macro. A nossa projeção está dando um resultado primário negativo de 0,5% (do PIB). Portanto, não cumpre a meta, dado que ela vai ser zero, com desvio de 0,25 ponto. Isso significa o seguinte: para o governo cumprir a meta, ele vai precisar arrecadar mais. E ele está trabalhando nessa direção com algumas iniciativas. Se ele vai conseguir ou não, a gente só vai saber mais na frente.

Pode haver uma piora na percepção de risco do País se não cumprir a meta?

Tem de partir do princípio de onde está posicionado o mercado. Se eu pego a última divulgação da pesquisa Focus, do Banco Central, tem uma previsão negativa de 0,7% (do PIB) do primário no ano que vem. Não é muito diferente da nossa projeção. Então, a maior parte dos analistas já está trabalhando com o não cumprimento da meta. Não cumprir a meta não significa que não vá estressar o mercado. Pode estressar, sim, dependendo da magnitude e da comunicação que se faz. Não cumprir a meta porque acontece alguma coisa séria no meio do caminho, legitimamente justificável, é uma coisa. Não cumprir a meta, por reconhecimento de que foi perdulário, é pior.

O economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, avalia que aumentou o risco de o Banco Central precisar diminuir o tamanho do ciclo de corte da taxa básica de juros. Hoje, no cenário do banco, a Selic deve chegar a 9% até o ano que vem - o mesmo patamar previsto pelo mercado no relatório Focus.

“Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, de parar num patamar acima de 9%, está crescendo”, afirma Porto. “E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.”

Essa força da demanda, avalia Porto, vem do mercado de trabalho, do estímulo fiscal, e do crescimento do crédito – que sobe, apesar da Selic elevada.

“Isso eleva a preocupação do Banco Central”, diz. “Me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.”

O banco subiu a sua previsão de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano para 3,1% e mudou a sua previsão de corte da Selic – atualmente em 13,25% ao ano – de 0,75 ponto percentual para 0,50 na reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom).

Economsista-chefe do Citi prevê crescimento de 3,1% neste ano Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Os números do segundo trimestre voltaram a ser positivos. Qual é a avaliação do desempenho da economia?

O dado do PIB mais uma vez surpreende muito para cima. O primeiro trimestre foi localizado na agropecuária. Falava-se que era o efeito temporário da safra. Dessa vez (no segundo trimestre), não. Foram serviços e indústria disseminados e acelerando em relação ao trimestre anterior. A economia brasileira está crescendo muito mais do que a gente imaginava desde o começo do ano passado. No início de 2022, todo mundo previa o PIB próximo de zero, mas fechou em 2,9%. Este ano é a mesma coisa. Começamos o ano falando em algo próximo de 0,5%, e estamos terminando em torno de 3%. A história vai se repetir. Claro que tem a agropecuária. Mas, se a gente exclui o primeiro trimestre, a surpresa continua vindo do setor de serviços, principalmente, do lado da oferta, e do consumo privado, do lado da demanda. O que me leva a crer que estamos falando de consumo privado de serviços.

Esse crescimento mais forte vai continuar?

A coisa importante que tem de estar na cabeça é o crescimento potencial. É a economia que vai crescer sempre mais para frente ou a gente está consumindo a ociosidade? Quando a gente olha o mercado de trabalho, a queda na taxa de desemprego é muito forte. Estamos, hoje, com o desemprego abaixo de 8%. Mesmo que a gente coloque a taxa de participação na média histórica, ela está só levemente acima de 8%. É um pouco acima da taxa normal. Isso já é um primeiro indicativo de que estamos crescendo em cima de uma redução da ociosidade. E essa ociosidade, por definição, acaba. Me parece que é frágil o argumento para achar que o PIB potencial - que a gente estimava na casa de 1,5% antes da pandemia - está maior. Só teve mais PIB porque absorveu mais mão de obra. Isso é ociosidade. Em outras palavras, a economia não está crescendo em cima do aumento de produtividade.

Qual é a implicação desse cenário?

A primeira é que esse crescimento parece que vai ser mais forte temporariamente, para depois converter para o potencial. E a segunda é que vão aumentando os riscos de pressões inflacionárias. Como a gente está falando em mercado de trabalho, o salário real está um pouco acima de 5%, o que é maior do que qualquer medida de produtividade do trabalhador. Isso eleva a preocupação do Banco Central.

Essas constatações fizeram o banco mudar o cenário para a economia brasileira?

Além de rever o PIB para cima - fomos para 3,1%, estávamos com 2,3% - , a gente reviu a nossa trajetória de Selic. A gente achava que o Banco Central iria acelerar o corte em dezembro para 0,75 (ponto percentual), mas tiramos essa aceleração. Ele vai continuar no ritmo de 0,50 ponto até dezembro, para fechar o ano em 11,75%. Então, são as duas primeiras mudanças de projeção que fizemos. Por trás do 3,1%, existe uma crença de que a economia ainda vai desacelerar, porque o juro real está muito alto ainda, de 7%.

Mas o que explica a surpresa com o crescimento?

A gente tem de entender de onde está vindo essa pujança de demanda. O mercado de trabalho explica uma parte, mas não a totalidade dela. E existe um outro componente, que é o (estímulo) fiscal, mas que não explica a totalidade também. Tem uma terceira parte muito importante, que é o ciclo do mercado de crédito. Colocando em números: se você pega a taxa de juros média dos empréstimos do Banco Central, ela está, hoje, em mais ou menos 31% ao ano. A última vez que a gente teve uma taxa nesse nível foi lá em 2017, no primeiro trimestre. Coincidentemente ou não, a Selic, naquele período, era muito semelhante à de hoje, em torno de 13%. Então, teoricamente, deveria haver um desempenho do crédito semelhante por essa variável. No entanto, em 2017, o crédito estava contraindo 2,5% e, hoje, está crescendo 8%.

A política monetária perdeu força, então?

A política monetária está operando, está funcionando nos canais de transmissão. Só que, por alguma razão, a demanda por crédito desacelera muito mais lentamente do que desacelerou em 2017. Como desacelera menos, significa um crescimento de demanda muito mais forte, o que explica, especialmente, a demanda por consumo de serviços, e aí você pressiona o PIB de serviços, pressiona a inflação de serviços e pressiona o mercado de trabalho, que é intensivo em serviços.

Crédito cresce com euforia pós-pandemia, afirma Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

E por que as pessoas demandam tanto crédito ainda?

Eu acho que a gente passa por um período de euforia pós-pandemia. As pessoas foram impossibilitadas de consumir serviços, não bens. E, agora, elas estão saciando esse desejo. E isso está acontecendo de forma muito parecida nos Estados Unidos e nos países europeus.

E quando esse processo deve acabar?

Do ponto de vista da oferta, ele acaba na hora que terminar a ociosidade. A gente já está com desemprego de 7,8%. Como o salário real está crescendo 5%, eu acho que a taxa de desemprego natural não está muito distante de onde está hoje. Mas tem uma outra restrição pelo lado da demanda. Se as pessoas estão consumindo e com renda, estão pagando esse consumo via renda do trabalho, mas também via endividamento. E, pelos dados do Banco Central, o comprometimento de renda está em 28%, num nível recorde desde 2011, quando começa a série histórica. Me parece que também a gente talvez não esteja tão longe do fim pelo lado da demanda. A desaceleração virá, mas o Banco Central já começou a cortar a taxa de juros. Eu acho que a saída disso tudo vai ser a gente calibrar o ciclo de corte de juros numa velocidade mais lenta, por isso mudamos o call (projeção) até o final do ano.

Por quê?

É uma preocupação maior agora com essa questão da inflação de serviços. A inflação de serviços no Brasil é muito correlacionada com a taxa de desemprego, mas também em relação à inércia, à inflação passada. Daqui para frente, a inflação de serviços vai estar muito mais próxima da dinâmica da taxa de desemprego e, como o desemprego está surpreendentemente na mínima desde 2015, me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.

E como fica a política de juros para 2024?

O Banco Central vai continuar cortando juros até o patamar de 9%. É o patamar que chamamos de neutro. Ou seja, a política monetária vai convergir para neutralidade. Vai deixar de ser contracionista, mas não vai ser expansionista. Agora, a gente tem que ir calibrando esse processo. Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, parar num patamar acima de 9%, está crescendo. E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.

A economia global também mostra uma força até agora. Essa resiliência também é válida lá fora?

Os Estados Unidos são um grande exemplo disso e estão numa situação ainda mais delicada do ponto de vista do mercado de trabalho. A taxa de desemprego está nas mínimas históricas. Houve uma correção muito grande de qual seria o ponto terminal de alta de juros por parte do Fed (Federal Reserve, BC norte-americano). Como a economia está muito mais resiliente, esses ajustes foram feitos cada vez mais para cima. Achava-se que o país iria entrar em recessão já no segundo semestre e que os juros iriam começar a cair este ano. Já não tem mais esse cenário. Agora, o cenário é que os juros começam a ser cortados no segundo trimestre do ano que vem.

Os EUA podem ter juros mais altos por mais tempo, e o Brasil já reduz a Selic. Qual pode ser o impacto desse diferencial de juros menor?

Eu acho que o diferencial de taxa de juros é uma das variáveis importantes que determina o câmbio, mas não é a mais importante. Vou dar um exemplo. Se pensar nas taxas de juros de dois anos à frente, o diferencial atingiu o pico em novembro do ano passado. Ele já caiu quase 500 pontos. E o câmbio apreciou. Então, isso me preocupa menos. O câmbio no Brasil é muito mais sensível ao preço de commodity, à cotação do dólar frente às grandes moedas, ao nível de aversão ao risco global, à perspectiva do fiscal aqui. Não estou dizendo que é irrelevante. Estou só dizendo que não é a variável mais importante. E o que a gente tem visto é que, até agora, alguns riscos importantes foram minimizados.

Arcabouço fiscal ancorou as expectativas, afirma economista-chefe do Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

Quais foram os riscos minimizados?

Existia um grande temor de como é que iria ser o ciclo de alta de juros dos Estados Unidos. Da última vez em que houve um ciclo tão forte, como esse, gerou a crise de 2008. Mas estamos chegando no final e não houve nenhum grande problema sistêmico. E existia um grande risco de como é que se daria a substituição do teto de gastos, dado que o presidente Lula, durante a campanha, já tinha dito que ia trocar o teto. E o que a gente viu? O arcabouço fiscal mostrou-se menos austero do que o teto de gastos, mas suficientemente austero para ancorar as expectativas.

Tem uma discussão se o governo consegue cumprir a meta de déficit zero. Qual é a sua avaliação?

Com a aprovação do arcabouço fiscal, você mais ou menos tem uma confiança maior de como é que vai ser o desenho do gasto, portanto, fica faltando o da receita. Na nossa hipótese de trabalho, não estamos considerando receitas extraordinárias, estamos pegando a receita em função do nosso cenário macro. A nossa projeção está dando um resultado primário negativo de 0,5% (do PIB). Portanto, não cumpre a meta, dado que ela vai ser zero, com desvio de 0,25 ponto. Isso significa o seguinte: para o governo cumprir a meta, ele vai precisar arrecadar mais. E ele está trabalhando nessa direção com algumas iniciativas. Se ele vai conseguir ou não, a gente só vai saber mais na frente.

Pode haver uma piora na percepção de risco do País se não cumprir a meta?

Tem de partir do princípio de onde está posicionado o mercado. Se eu pego a última divulgação da pesquisa Focus, do Banco Central, tem uma previsão negativa de 0,7% (do PIB) do primário no ano que vem. Não é muito diferente da nossa projeção. Então, a maior parte dos analistas já está trabalhando com o não cumprimento da meta. Não cumprir a meta não significa que não vá estressar o mercado. Pode estressar, sim, dependendo da magnitude e da comunicação que se faz. Não cumprir a meta porque acontece alguma coisa séria no meio do caminho, legitimamente justificável, é uma coisa. Não cumprir a meta, por reconhecimento de que foi perdulário, é pior.

O economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, avalia que aumentou o risco de o Banco Central precisar diminuir o tamanho do ciclo de corte da taxa básica de juros. Hoje, no cenário do banco, a Selic deve chegar a 9% até o ano que vem - o mesmo patamar previsto pelo mercado no relatório Focus.

“Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, de parar num patamar acima de 9%, está crescendo”, afirma Porto. “E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.”

Essa força da demanda, avalia Porto, vem do mercado de trabalho, do estímulo fiscal, e do crescimento do crédito – que sobe, apesar da Selic elevada.

“Isso eleva a preocupação do Banco Central”, diz. “Me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.”

O banco subiu a sua previsão de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano para 3,1% e mudou a sua previsão de corte da Selic – atualmente em 13,25% ao ano – de 0,75 ponto percentual para 0,50 na reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom).

Economsista-chefe do Citi prevê crescimento de 3,1% neste ano Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Os números do segundo trimestre voltaram a ser positivos. Qual é a avaliação do desempenho da economia?

O dado do PIB mais uma vez surpreende muito para cima. O primeiro trimestre foi localizado na agropecuária. Falava-se que era o efeito temporário da safra. Dessa vez (no segundo trimestre), não. Foram serviços e indústria disseminados e acelerando em relação ao trimestre anterior. A economia brasileira está crescendo muito mais do que a gente imaginava desde o começo do ano passado. No início de 2022, todo mundo previa o PIB próximo de zero, mas fechou em 2,9%. Este ano é a mesma coisa. Começamos o ano falando em algo próximo de 0,5%, e estamos terminando em torno de 3%. A história vai se repetir. Claro que tem a agropecuária. Mas, se a gente exclui o primeiro trimestre, a surpresa continua vindo do setor de serviços, principalmente, do lado da oferta, e do consumo privado, do lado da demanda. O que me leva a crer que estamos falando de consumo privado de serviços.

Esse crescimento mais forte vai continuar?

A coisa importante que tem de estar na cabeça é o crescimento potencial. É a economia que vai crescer sempre mais para frente ou a gente está consumindo a ociosidade? Quando a gente olha o mercado de trabalho, a queda na taxa de desemprego é muito forte. Estamos, hoje, com o desemprego abaixo de 8%. Mesmo que a gente coloque a taxa de participação na média histórica, ela está só levemente acima de 8%. É um pouco acima da taxa normal. Isso já é um primeiro indicativo de que estamos crescendo em cima de uma redução da ociosidade. E essa ociosidade, por definição, acaba. Me parece que é frágil o argumento para achar que o PIB potencial - que a gente estimava na casa de 1,5% antes da pandemia - está maior. Só teve mais PIB porque absorveu mais mão de obra. Isso é ociosidade. Em outras palavras, a economia não está crescendo em cima do aumento de produtividade.

Qual é a implicação desse cenário?

A primeira é que esse crescimento parece que vai ser mais forte temporariamente, para depois converter para o potencial. E a segunda é que vão aumentando os riscos de pressões inflacionárias. Como a gente está falando em mercado de trabalho, o salário real está um pouco acima de 5%, o que é maior do que qualquer medida de produtividade do trabalhador. Isso eleva a preocupação do Banco Central.

Essas constatações fizeram o banco mudar o cenário para a economia brasileira?

Além de rever o PIB para cima - fomos para 3,1%, estávamos com 2,3% - , a gente reviu a nossa trajetória de Selic. A gente achava que o Banco Central iria acelerar o corte em dezembro para 0,75 (ponto percentual), mas tiramos essa aceleração. Ele vai continuar no ritmo de 0,50 ponto até dezembro, para fechar o ano em 11,75%. Então, são as duas primeiras mudanças de projeção que fizemos. Por trás do 3,1%, existe uma crença de que a economia ainda vai desacelerar, porque o juro real está muito alto ainda, de 7%.

Mas o que explica a surpresa com o crescimento?

A gente tem de entender de onde está vindo essa pujança de demanda. O mercado de trabalho explica uma parte, mas não a totalidade dela. E existe um outro componente, que é o (estímulo) fiscal, mas que não explica a totalidade também. Tem uma terceira parte muito importante, que é o ciclo do mercado de crédito. Colocando em números: se você pega a taxa de juros média dos empréstimos do Banco Central, ela está, hoje, em mais ou menos 31% ao ano. A última vez que a gente teve uma taxa nesse nível foi lá em 2017, no primeiro trimestre. Coincidentemente ou não, a Selic, naquele período, era muito semelhante à de hoje, em torno de 13%. Então, teoricamente, deveria haver um desempenho do crédito semelhante por essa variável. No entanto, em 2017, o crédito estava contraindo 2,5% e, hoje, está crescendo 8%.

A política monetária perdeu força, então?

A política monetária está operando, está funcionando nos canais de transmissão. Só que, por alguma razão, a demanda por crédito desacelera muito mais lentamente do que desacelerou em 2017. Como desacelera menos, significa um crescimento de demanda muito mais forte, o que explica, especialmente, a demanda por consumo de serviços, e aí você pressiona o PIB de serviços, pressiona a inflação de serviços e pressiona o mercado de trabalho, que é intensivo em serviços.

Crédito cresce com euforia pós-pandemia, afirma Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

E por que as pessoas demandam tanto crédito ainda?

Eu acho que a gente passa por um período de euforia pós-pandemia. As pessoas foram impossibilitadas de consumir serviços, não bens. E, agora, elas estão saciando esse desejo. E isso está acontecendo de forma muito parecida nos Estados Unidos e nos países europeus.

E quando esse processo deve acabar?

Do ponto de vista da oferta, ele acaba na hora que terminar a ociosidade. A gente já está com desemprego de 7,8%. Como o salário real está crescendo 5%, eu acho que a taxa de desemprego natural não está muito distante de onde está hoje. Mas tem uma outra restrição pelo lado da demanda. Se as pessoas estão consumindo e com renda, estão pagando esse consumo via renda do trabalho, mas também via endividamento. E, pelos dados do Banco Central, o comprometimento de renda está em 28%, num nível recorde desde 2011, quando começa a série histórica. Me parece que também a gente talvez não esteja tão longe do fim pelo lado da demanda. A desaceleração virá, mas o Banco Central já começou a cortar a taxa de juros. Eu acho que a saída disso tudo vai ser a gente calibrar o ciclo de corte de juros numa velocidade mais lenta, por isso mudamos o call (projeção) até o final do ano.

Por quê?

É uma preocupação maior agora com essa questão da inflação de serviços. A inflação de serviços no Brasil é muito correlacionada com a taxa de desemprego, mas também em relação à inércia, à inflação passada. Daqui para frente, a inflação de serviços vai estar muito mais próxima da dinâmica da taxa de desemprego e, como o desemprego está surpreendentemente na mínima desde 2015, me parece que a gente pode entrar num período em que o processo desinflacionário dos serviços vai ficar bem mais lento.

E como fica a política de juros para 2024?

O Banco Central vai continuar cortando juros até o patamar de 9%. É o patamar que chamamos de neutro. Ou seja, a política monetária vai convergir para neutralidade. Vai deixar de ser contracionista, mas não vai ser expansionista. Agora, a gente tem que ir calibrando esse processo. Eu acho que o risco desse ciclo ser mais curto, ou seja, parar num patamar acima de 9%, está crescendo. E está crescendo porque a desaceleração da demanda doméstica está menor do que a gente imaginava.

A economia global também mostra uma força até agora. Essa resiliência também é válida lá fora?

Os Estados Unidos são um grande exemplo disso e estão numa situação ainda mais delicada do ponto de vista do mercado de trabalho. A taxa de desemprego está nas mínimas históricas. Houve uma correção muito grande de qual seria o ponto terminal de alta de juros por parte do Fed (Federal Reserve, BC norte-americano). Como a economia está muito mais resiliente, esses ajustes foram feitos cada vez mais para cima. Achava-se que o país iria entrar em recessão já no segundo semestre e que os juros iriam começar a cair este ano. Já não tem mais esse cenário. Agora, o cenário é que os juros começam a ser cortados no segundo trimestre do ano que vem.

Os EUA podem ter juros mais altos por mais tempo, e o Brasil já reduz a Selic. Qual pode ser o impacto desse diferencial de juros menor?

Eu acho que o diferencial de taxa de juros é uma das variáveis importantes que determina o câmbio, mas não é a mais importante. Vou dar um exemplo. Se pensar nas taxas de juros de dois anos à frente, o diferencial atingiu o pico em novembro do ano passado. Ele já caiu quase 500 pontos. E o câmbio apreciou. Então, isso me preocupa menos. O câmbio no Brasil é muito mais sensível ao preço de commodity, à cotação do dólar frente às grandes moedas, ao nível de aversão ao risco global, à perspectiva do fiscal aqui. Não estou dizendo que é irrelevante. Estou só dizendo que não é a variável mais importante. E o que a gente tem visto é que, até agora, alguns riscos importantes foram minimizados.

Arcabouço fiscal ancorou as expectativas, afirma economista-chefe do Porto Foto: Silvia Zamboni/Divulgação

Quais foram os riscos minimizados?

Existia um grande temor de como é que iria ser o ciclo de alta de juros dos Estados Unidos. Da última vez em que houve um ciclo tão forte, como esse, gerou a crise de 2008. Mas estamos chegando no final e não houve nenhum grande problema sistêmico. E existia um grande risco de como é que se daria a substituição do teto de gastos, dado que o presidente Lula, durante a campanha, já tinha dito que ia trocar o teto. E o que a gente viu? O arcabouço fiscal mostrou-se menos austero do que o teto de gastos, mas suficientemente austero para ancorar as expectativas.

Tem uma discussão se o governo consegue cumprir a meta de déficit zero. Qual é a sua avaliação?

Com a aprovação do arcabouço fiscal, você mais ou menos tem uma confiança maior de como é que vai ser o desenho do gasto, portanto, fica faltando o da receita. Na nossa hipótese de trabalho, não estamos considerando receitas extraordinárias, estamos pegando a receita em função do nosso cenário macro. A nossa projeção está dando um resultado primário negativo de 0,5% (do PIB). Portanto, não cumpre a meta, dado que ela vai ser zero, com desvio de 0,25 ponto. Isso significa o seguinte: para o governo cumprir a meta, ele vai precisar arrecadar mais. E ele está trabalhando nessa direção com algumas iniciativas. Se ele vai conseguir ou não, a gente só vai saber mais na frente.

Pode haver uma piora na percepção de risco do País se não cumprir a meta?

Tem de partir do princípio de onde está posicionado o mercado. Se eu pego a última divulgação da pesquisa Focus, do Banco Central, tem uma previsão negativa de 0,7% (do PIB) do primário no ano que vem. Não é muito diferente da nossa projeção. Então, a maior parte dos analistas já está trabalhando com o não cumprimento da meta. Não cumprir a meta não significa que não vá estressar o mercado. Pode estressar, sim, dependendo da magnitude e da comunicação que se faz. Não cumprir a meta porque acontece alguma coisa séria no meio do caminho, legitimamente justificável, é uma coisa. Não cumprir a meta, por reconhecimento de que foi perdulário, é pior.

Entrevista por Luiz Guilherme Gerbelli

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