Você conhece Manjiro?


Manjiro talvez tenha sido o primeiro japonês a visitar e a viver nos Estados Unidos. Vale a pena conhecer sua história.

Por Ethevaldo Siqueira

Descobri esta história na Universidade de Quioto, em 1976, ano do segundo centenário da independência dos Estados Unidos. Os jornalistas japoneses e norte-americanos pesquisavam os primeiros fatos sobre as relações entre seus países. De repente, alguém gritou: a melhor história é a de Manjiro!

E era mesmo. Quem é Manjiro? Aliás, é Nakahama Manjiro (pronuncia-se Mândjiro). É um jovem pescador japonês, de 14 anos. Sua história começa em 1841. Naquele ano, seu pequeno barco naufragou quando ele pescava em alto mar, a cerca de 100 quilômetros de Yokohama. Ele nada desesperadamente, na tentativa de salvar-se. Quando está prestes a perder suas forças, avista um navio baleeiro norte-americano, que o recolhe e, em lugar de levá-lo de volta ao Japão, leva-o para os Estados Unidos.

Historicamente, tudo indica que Manjiro é o primeiro japonês a por os pés nos Estados Unidos. Seu país vive o regime do xogunato Tokugawa, no final do período de 200 anos em que o Japão esteve fechado para o mundo. O navio leva o jovem para São Francisco. Com apoio do comandante William Whitfield, do barco baleeiro que o recolheu, aprende inglês em tempo recorde, adota o nome de John Manjiro, cruza os Estados Unidos e vai viver nas proximidades de Boston, em New Bedford.

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Muito inteligente, Manjiro chega à universidade, estuda matemática, geografia e história, ganha cidadania americana, dá uma volta ao mundo em navio pesqueiro e, aos 24 anos, resolve voltar ao Japão, para tentar abrir o país ao comércio e ao contato com o mundo.

A viagem de volta é quase clandestina e, ainda por cima, lhe rende um processo por violar as leis de isolamento japonês. Volta à casa paterna em Nakanohama, depois de quase 12 anos de ausência. Imaginem a festa dos pais, que supunham estar ele morto. Passa dois anos sem poder viajar. Enquanto isso faz palestras e dá aulas em universidades, mostrando às platéias o que eram os Estados Unidos, sua democracia, sua cultura, ciência e sua tecnologia. Em breve, acaba se aproximando do xogum.

Três objetos

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Em suas palestras, Manjiro exibia e demonstrava a utilidade dos três únicos objetos que conseguira trazer dos Estados Unidos: um dicionário de inglês Webster, um microscópio e uma máquina de costura. Até então, 1852, os japoneses não conheciam nenhum desses três produtos.

No ano seguinte, John Manjiro se transforma no grande intérprete das negociações sobre o tratado que conduz à abertura dos portos japoneses ao comércio americano, quando o almirante Matthew Perry estaciona os navios negros da esquadra americana no porto de Uraga, próximo de Edo (nome anterior de Tóquio), e aponta dezenas de canhões para o palácio do xogum Tokugawa - exigindo que o soberano recebesse uma carta do presidente Millard Fillmore, dos Estados Unidos.

Com inteligência e habilidade, Manjiro faz a ponte entre Perry e o governo japonês, auxiliando-os até na preparação do texto do Tratado de Amizade de 1854, que conduz o país às profundas reformas da Restauração Meiji, em 1868.

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Sob diversos aspectos, Manjiro significa para o Japão e os Estados Unidos do século 19 algo parecido com o que Marco Polo significou para a Europa dos séculos 13 e 14. Com uma diferença: o japonês não mentia tanto quanto o viajante italiano.

Globalização

Relendo a biografia de Manjiro, lembrei-me de minha professora de Antropologia Cultural, Gioconda Mussolini, nos anos 1960, em meu curso de Ciências Sociais, da Universidade de São Paulo, que sempre nos sugeria: "Reflitam sobre a importância dos processos de comunicação, contato e difusão entre povos e culturas, ao longo da história. De onde vieram os alimentos, os produtos, as palavras, as máquinas e tecnologias que utilizamos?"

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Todos sabem que o café é originário da Abissínia. A batata, dos Andes peruanos. O milho, do México. O fumo, da Amazônia. A pólvora, inventada na China, mas lá só utilizada inicialmente em fogos de artifício.

De onde vieram as palavras que usamos? Para mim, a grande surpresa, em 1976, na Universidade de Quioto, foi descobrir a extensão da influência da língua portuguesa no Extremo Oriente. Você sabia que existem na língua japonesa, arcaica e moderna, cerca de 800 palavras derivadas do português? Eis alguns exemplos: arigatô (imitando o som de obrigado); tempura (de tempero); banco (assento); vidorô, hoje grasso, (de vidro e glass); botáo (de botão); pôrvora (pólvora); boratcha (borracha), espingarda (a própria).

Modernamente, como se poderia esperar, o número de palavras estrangeiras (especialmente, as de origem inglesa) na língua japonesa é imenso: chocoreto (chocolate), biro (cerveja, beer), aici-crimo (sorvete, ice cream), tranzistorô (transistor), passocom (personal computer), hoto dogo (cachorro quente) e centenas mais.

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Imagine, leitor, que, no período de ocupação do Japão pelas forças norte-americanas, de 1945 a 1952, sob o comando do general Mac Arthur, a imprensa estava sob censura e, assim, os japoneses não puderam tomar conhecimento imediato da invenção do transístor em julho de 1948. Os jornais foram proibidos de publicar a notícia durante seis meses, já que os Estados Unidos achavam a informação estratégica. Trinta anos depois, o Japão se tornava líder na produção de chips e memórias. Boa vingança, não?

No passado, o processo de comunicação global era muito mais lento. A carta de Pero Vaz de Caminha só chegou às mãos de D. Manuel mais de 60 dias depois da descoberta do Brasil. A notícia da morte de Lincoln em 1865, viajando de navio, levou 12 dias para chegar aos jornais ingleses. Hoje tudo é instantâneo. Hoje, a internet aproxima quase dois bilhões de seres humanos, de todos os continentes, em tempo real.

Descobri esta história na Universidade de Quioto, em 1976, ano do segundo centenário da independência dos Estados Unidos. Os jornalistas japoneses e norte-americanos pesquisavam os primeiros fatos sobre as relações entre seus países. De repente, alguém gritou: a melhor história é a de Manjiro!

E era mesmo. Quem é Manjiro? Aliás, é Nakahama Manjiro (pronuncia-se Mândjiro). É um jovem pescador japonês, de 14 anos. Sua história começa em 1841. Naquele ano, seu pequeno barco naufragou quando ele pescava em alto mar, a cerca de 100 quilômetros de Yokohama. Ele nada desesperadamente, na tentativa de salvar-se. Quando está prestes a perder suas forças, avista um navio baleeiro norte-americano, que o recolhe e, em lugar de levá-lo de volta ao Japão, leva-o para os Estados Unidos.

Historicamente, tudo indica que Manjiro é o primeiro japonês a por os pés nos Estados Unidos. Seu país vive o regime do xogunato Tokugawa, no final do período de 200 anos em que o Japão esteve fechado para o mundo. O navio leva o jovem para São Francisco. Com apoio do comandante William Whitfield, do barco baleeiro que o recolheu, aprende inglês em tempo recorde, adota o nome de John Manjiro, cruza os Estados Unidos e vai viver nas proximidades de Boston, em New Bedford.

Muito inteligente, Manjiro chega à universidade, estuda matemática, geografia e história, ganha cidadania americana, dá uma volta ao mundo em navio pesqueiro e, aos 24 anos, resolve voltar ao Japão, para tentar abrir o país ao comércio e ao contato com o mundo.

A viagem de volta é quase clandestina e, ainda por cima, lhe rende um processo por violar as leis de isolamento japonês. Volta à casa paterna em Nakanohama, depois de quase 12 anos de ausência. Imaginem a festa dos pais, que supunham estar ele morto. Passa dois anos sem poder viajar. Enquanto isso faz palestras e dá aulas em universidades, mostrando às platéias o que eram os Estados Unidos, sua democracia, sua cultura, ciência e sua tecnologia. Em breve, acaba se aproximando do xogum.

Três objetos

Em suas palestras, Manjiro exibia e demonstrava a utilidade dos três únicos objetos que conseguira trazer dos Estados Unidos: um dicionário de inglês Webster, um microscópio e uma máquina de costura. Até então, 1852, os japoneses não conheciam nenhum desses três produtos.

No ano seguinte, John Manjiro se transforma no grande intérprete das negociações sobre o tratado que conduz à abertura dos portos japoneses ao comércio americano, quando o almirante Matthew Perry estaciona os navios negros da esquadra americana no porto de Uraga, próximo de Edo (nome anterior de Tóquio), e aponta dezenas de canhões para o palácio do xogum Tokugawa - exigindo que o soberano recebesse uma carta do presidente Millard Fillmore, dos Estados Unidos.

Com inteligência e habilidade, Manjiro faz a ponte entre Perry e o governo japonês, auxiliando-os até na preparação do texto do Tratado de Amizade de 1854, que conduz o país às profundas reformas da Restauração Meiji, em 1868.

Sob diversos aspectos, Manjiro significa para o Japão e os Estados Unidos do século 19 algo parecido com o que Marco Polo significou para a Europa dos séculos 13 e 14. Com uma diferença: o japonês não mentia tanto quanto o viajante italiano.

Globalização

Relendo a biografia de Manjiro, lembrei-me de minha professora de Antropologia Cultural, Gioconda Mussolini, nos anos 1960, em meu curso de Ciências Sociais, da Universidade de São Paulo, que sempre nos sugeria: "Reflitam sobre a importância dos processos de comunicação, contato e difusão entre povos e culturas, ao longo da história. De onde vieram os alimentos, os produtos, as palavras, as máquinas e tecnologias que utilizamos?"

Todos sabem que o café é originário da Abissínia. A batata, dos Andes peruanos. O milho, do México. O fumo, da Amazônia. A pólvora, inventada na China, mas lá só utilizada inicialmente em fogos de artifício.

De onde vieram as palavras que usamos? Para mim, a grande surpresa, em 1976, na Universidade de Quioto, foi descobrir a extensão da influência da língua portuguesa no Extremo Oriente. Você sabia que existem na língua japonesa, arcaica e moderna, cerca de 800 palavras derivadas do português? Eis alguns exemplos: arigatô (imitando o som de obrigado); tempura (de tempero); banco (assento); vidorô, hoje grasso, (de vidro e glass); botáo (de botão); pôrvora (pólvora); boratcha (borracha), espingarda (a própria).

Modernamente, como se poderia esperar, o número de palavras estrangeiras (especialmente, as de origem inglesa) na língua japonesa é imenso: chocoreto (chocolate), biro (cerveja, beer), aici-crimo (sorvete, ice cream), tranzistorô (transistor), passocom (personal computer), hoto dogo (cachorro quente) e centenas mais.

Imagine, leitor, que, no período de ocupação do Japão pelas forças norte-americanas, de 1945 a 1952, sob o comando do general Mac Arthur, a imprensa estava sob censura e, assim, os japoneses não puderam tomar conhecimento imediato da invenção do transístor em julho de 1948. Os jornais foram proibidos de publicar a notícia durante seis meses, já que os Estados Unidos achavam a informação estratégica. Trinta anos depois, o Japão se tornava líder na produção de chips e memórias. Boa vingança, não?

No passado, o processo de comunicação global era muito mais lento. A carta de Pero Vaz de Caminha só chegou às mãos de D. Manuel mais de 60 dias depois da descoberta do Brasil. A notícia da morte de Lincoln em 1865, viajando de navio, levou 12 dias para chegar aos jornais ingleses. Hoje tudo é instantâneo. Hoje, a internet aproxima quase dois bilhões de seres humanos, de todos os continentes, em tempo real.

Descobri esta história na Universidade de Quioto, em 1976, ano do segundo centenário da independência dos Estados Unidos. Os jornalistas japoneses e norte-americanos pesquisavam os primeiros fatos sobre as relações entre seus países. De repente, alguém gritou: a melhor história é a de Manjiro!

E era mesmo. Quem é Manjiro? Aliás, é Nakahama Manjiro (pronuncia-se Mândjiro). É um jovem pescador japonês, de 14 anos. Sua história começa em 1841. Naquele ano, seu pequeno barco naufragou quando ele pescava em alto mar, a cerca de 100 quilômetros de Yokohama. Ele nada desesperadamente, na tentativa de salvar-se. Quando está prestes a perder suas forças, avista um navio baleeiro norte-americano, que o recolhe e, em lugar de levá-lo de volta ao Japão, leva-o para os Estados Unidos.

Historicamente, tudo indica que Manjiro é o primeiro japonês a por os pés nos Estados Unidos. Seu país vive o regime do xogunato Tokugawa, no final do período de 200 anos em que o Japão esteve fechado para o mundo. O navio leva o jovem para São Francisco. Com apoio do comandante William Whitfield, do barco baleeiro que o recolheu, aprende inglês em tempo recorde, adota o nome de John Manjiro, cruza os Estados Unidos e vai viver nas proximidades de Boston, em New Bedford.

Muito inteligente, Manjiro chega à universidade, estuda matemática, geografia e história, ganha cidadania americana, dá uma volta ao mundo em navio pesqueiro e, aos 24 anos, resolve voltar ao Japão, para tentar abrir o país ao comércio e ao contato com o mundo.

A viagem de volta é quase clandestina e, ainda por cima, lhe rende um processo por violar as leis de isolamento japonês. Volta à casa paterna em Nakanohama, depois de quase 12 anos de ausência. Imaginem a festa dos pais, que supunham estar ele morto. Passa dois anos sem poder viajar. Enquanto isso faz palestras e dá aulas em universidades, mostrando às platéias o que eram os Estados Unidos, sua democracia, sua cultura, ciência e sua tecnologia. Em breve, acaba se aproximando do xogum.

Três objetos

Em suas palestras, Manjiro exibia e demonstrava a utilidade dos três únicos objetos que conseguira trazer dos Estados Unidos: um dicionário de inglês Webster, um microscópio e uma máquina de costura. Até então, 1852, os japoneses não conheciam nenhum desses três produtos.

No ano seguinte, John Manjiro se transforma no grande intérprete das negociações sobre o tratado que conduz à abertura dos portos japoneses ao comércio americano, quando o almirante Matthew Perry estaciona os navios negros da esquadra americana no porto de Uraga, próximo de Edo (nome anterior de Tóquio), e aponta dezenas de canhões para o palácio do xogum Tokugawa - exigindo que o soberano recebesse uma carta do presidente Millard Fillmore, dos Estados Unidos.

Com inteligência e habilidade, Manjiro faz a ponte entre Perry e o governo japonês, auxiliando-os até na preparação do texto do Tratado de Amizade de 1854, que conduz o país às profundas reformas da Restauração Meiji, em 1868.

Sob diversos aspectos, Manjiro significa para o Japão e os Estados Unidos do século 19 algo parecido com o que Marco Polo significou para a Europa dos séculos 13 e 14. Com uma diferença: o japonês não mentia tanto quanto o viajante italiano.

Globalização

Relendo a biografia de Manjiro, lembrei-me de minha professora de Antropologia Cultural, Gioconda Mussolini, nos anos 1960, em meu curso de Ciências Sociais, da Universidade de São Paulo, que sempre nos sugeria: "Reflitam sobre a importância dos processos de comunicação, contato e difusão entre povos e culturas, ao longo da história. De onde vieram os alimentos, os produtos, as palavras, as máquinas e tecnologias que utilizamos?"

Todos sabem que o café é originário da Abissínia. A batata, dos Andes peruanos. O milho, do México. O fumo, da Amazônia. A pólvora, inventada na China, mas lá só utilizada inicialmente em fogos de artifício.

De onde vieram as palavras que usamos? Para mim, a grande surpresa, em 1976, na Universidade de Quioto, foi descobrir a extensão da influência da língua portuguesa no Extremo Oriente. Você sabia que existem na língua japonesa, arcaica e moderna, cerca de 800 palavras derivadas do português? Eis alguns exemplos: arigatô (imitando o som de obrigado); tempura (de tempero); banco (assento); vidorô, hoje grasso, (de vidro e glass); botáo (de botão); pôrvora (pólvora); boratcha (borracha), espingarda (a própria).

Modernamente, como se poderia esperar, o número de palavras estrangeiras (especialmente, as de origem inglesa) na língua japonesa é imenso: chocoreto (chocolate), biro (cerveja, beer), aici-crimo (sorvete, ice cream), tranzistorô (transistor), passocom (personal computer), hoto dogo (cachorro quente) e centenas mais.

Imagine, leitor, que, no período de ocupação do Japão pelas forças norte-americanas, de 1945 a 1952, sob o comando do general Mac Arthur, a imprensa estava sob censura e, assim, os japoneses não puderam tomar conhecimento imediato da invenção do transístor em julho de 1948. Os jornais foram proibidos de publicar a notícia durante seis meses, já que os Estados Unidos achavam a informação estratégica. Trinta anos depois, o Japão se tornava líder na produção de chips e memórias. Boa vingança, não?

No passado, o processo de comunicação global era muito mais lento. A carta de Pero Vaz de Caminha só chegou às mãos de D. Manuel mais de 60 dias depois da descoberta do Brasil. A notícia da morte de Lincoln em 1865, viajando de navio, levou 12 dias para chegar aos jornais ingleses. Hoje tudo é instantâneo. Hoje, a internet aproxima quase dois bilhões de seres humanos, de todos os continentes, em tempo real.

Descobri esta história na Universidade de Quioto, em 1976, ano do segundo centenário da independência dos Estados Unidos. Os jornalistas japoneses e norte-americanos pesquisavam os primeiros fatos sobre as relações entre seus países. De repente, alguém gritou: a melhor história é a de Manjiro!

E era mesmo. Quem é Manjiro? Aliás, é Nakahama Manjiro (pronuncia-se Mândjiro). É um jovem pescador japonês, de 14 anos. Sua história começa em 1841. Naquele ano, seu pequeno barco naufragou quando ele pescava em alto mar, a cerca de 100 quilômetros de Yokohama. Ele nada desesperadamente, na tentativa de salvar-se. Quando está prestes a perder suas forças, avista um navio baleeiro norte-americano, que o recolhe e, em lugar de levá-lo de volta ao Japão, leva-o para os Estados Unidos.

Historicamente, tudo indica que Manjiro é o primeiro japonês a por os pés nos Estados Unidos. Seu país vive o regime do xogunato Tokugawa, no final do período de 200 anos em que o Japão esteve fechado para o mundo. O navio leva o jovem para São Francisco. Com apoio do comandante William Whitfield, do barco baleeiro que o recolheu, aprende inglês em tempo recorde, adota o nome de John Manjiro, cruza os Estados Unidos e vai viver nas proximidades de Boston, em New Bedford.

Muito inteligente, Manjiro chega à universidade, estuda matemática, geografia e história, ganha cidadania americana, dá uma volta ao mundo em navio pesqueiro e, aos 24 anos, resolve voltar ao Japão, para tentar abrir o país ao comércio e ao contato com o mundo.

A viagem de volta é quase clandestina e, ainda por cima, lhe rende um processo por violar as leis de isolamento japonês. Volta à casa paterna em Nakanohama, depois de quase 12 anos de ausência. Imaginem a festa dos pais, que supunham estar ele morto. Passa dois anos sem poder viajar. Enquanto isso faz palestras e dá aulas em universidades, mostrando às platéias o que eram os Estados Unidos, sua democracia, sua cultura, ciência e sua tecnologia. Em breve, acaba se aproximando do xogum.

Três objetos

Em suas palestras, Manjiro exibia e demonstrava a utilidade dos três únicos objetos que conseguira trazer dos Estados Unidos: um dicionário de inglês Webster, um microscópio e uma máquina de costura. Até então, 1852, os japoneses não conheciam nenhum desses três produtos.

No ano seguinte, John Manjiro se transforma no grande intérprete das negociações sobre o tratado que conduz à abertura dos portos japoneses ao comércio americano, quando o almirante Matthew Perry estaciona os navios negros da esquadra americana no porto de Uraga, próximo de Edo (nome anterior de Tóquio), e aponta dezenas de canhões para o palácio do xogum Tokugawa - exigindo que o soberano recebesse uma carta do presidente Millard Fillmore, dos Estados Unidos.

Com inteligência e habilidade, Manjiro faz a ponte entre Perry e o governo japonês, auxiliando-os até na preparação do texto do Tratado de Amizade de 1854, que conduz o país às profundas reformas da Restauração Meiji, em 1868.

Sob diversos aspectos, Manjiro significa para o Japão e os Estados Unidos do século 19 algo parecido com o que Marco Polo significou para a Europa dos séculos 13 e 14. Com uma diferença: o japonês não mentia tanto quanto o viajante italiano.

Globalização

Relendo a biografia de Manjiro, lembrei-me de minha professora de Antropologia Cultural, Gioconda Mussolini, nos anos 1960, em meu curso de Ciências Sociais, da Universidade de São Paulo, que sempre nos sugeria: "Reflitam sobre a importância dos processos de comunicação, contato e difusão entre povos e culturas, ao longo da história. De onde vieram os alimentos, os produtos, as palavras, as máquinas e tecnologias que utilizamos?"

Todos sabem que o café é originário da Abissínia. A batata, dos Andes peruanos. O milho, do México. O fumo, da Amazônia. A pólvora, inventada na China, mas lá só utilizada inicialmente em fogos de artifício.

De onde vieram as palavras que usamos? Para mim, a grande surpresa, em 1976, na Universidade de Quioto, foi descobrir a extensão da influência da língua portuguesa no Extremo Oriente. Você sabia que existem na língua japonesa, arcaica e moderna, cerca de 800 palavras derivadas do português? Eis alguns exemplos: arigatô (imitando o som de obrigado); tempura (de tempero); banco (assento); vidorô, hoje grasso, (de vidro e glass); botáo (de botão); pôrvora (pólvora); boratcha (borracha), espingarda (a própria).

Modernamente, como se poderia esperar, o número de palavras estrangeiras (especialmente, as de origem inglesa) na língua japonesa é imenso: chocoreto (chocolate), biro (cerveja, beer), aici-crimo (sorvete, ice cream), tranzistorô (transistor), passocom (personal computer), hoto dogo (cachorro quente) e centenas mais.

Imagine, leitor, que, no período de ocupação do Japão pelas forças norte-americanas, de 1945 a 1952, sob o comando do general Mac Arthur, a imprensa estava sob censura e, assim, os japoneses não puderam tomar conhecimento imediato da invenção do transístor em julho de 1948. Os jornais foram proibidos de publicar a notícia durante seis meses, já que os Estados Unidos achavam a informação estratégica. Trinta anos depois, o Japão se tornava líder na produção de chips e memórias. Boa vingança, não?

No passado, o processo de comunicação global era muito mais lento. A carta de Pero Vaz de Caminha só chegou às mãos de D. Manuel mais de 60 dias depois da descoberta do Brasil. A notícia da morte de Lincoln em 1865, viajando de navio, levou 12 dias para chegar aos jornais ingleses. Hoje tudo é instantâneo. Hoje, a internet aproxima quase dois bilhões de seres humanos, de todos os continentes, em tempo real.

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