A meta de déficit primário do setor público consolidado em 2017 de R$ 143 bilhões (R$ 139 bilhões do governo central) tranquilizou os que temiam um número próximo à meta de R$ 170,5 bilhões deste ano, e representou uma vitória da área econômica do governo em relação a demandas por mais largueza fiscal da ala política. Ainda assim, a meta de 2017 não dissipa as nuvens de preocupação sobre a política fiscal, com mais um ano de grande déficit primário e crescimento veloz da dívida pública.
Segundo Alexandre Póvoa, sócio e economista-chefe da gestora Canepa, no Rio, "embora haja redução em relação à meta de 2016, não é um número para ser comemorado". Para o gestor, "fica claro que, sem aumento da carga tributária, nós avançaremos muito lentamente no processo de melhorar o resultado primário".
Póvoa observa que, no front da política monetária, o discurso mais duro do novo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, já provocou um início de recuo das expectativas de inflação. Ele acha, porém, que a meta anunciada de déficit primário para 2017 não contribui muito para o trabalho do BC, e pode afetar inclusive o timing do ciclo de redução da Selic, a taxa básica de juros.
"O mercado continua otimista demais em relação à queda do juro - há dois meses, era inimaginável um cenário em que o juro não caísse este ano, mas eu já não considero isso impossível", diz Póvoa. Para uma parte considerável dos analistas, o discurso de Ilan aponta para o início do ciclo de afrouxamento monetário em outubro.
Póvoa acha que a continuidade do cenário atual, relativamente benigno em relação à estratégia anunciada pelo governo, ficará dependente da aprovação da PEC do limite dos gastos, da reforma da Previdência e de outras medidas que ancorem a solução do problema fiscal no médio e longo prazo e também sinalizem que os R$ 141 bilhões em 2017 são um "teto".
Outro analista fiscal, ouvido pela coluna, embora ainda não tenha feito a conta detalhada, acha possível que a meta de déficit primário de R$ 141 bilhões para 2017 seja expansionista do ponto de vista da política monetária. Ele observa que a equipe econômica incluiu um "esforço adicional" de arrecadação de R$ 55,4 bilhões, que viria em boa parte de vendas de ativos e privatizações. Operações deste tipo, embora importantes do ponto de vista fiscal, por contribuir para conter o crescimento da dívida pública, não têm impacto na demanda, pois mexem na estrutura patrimonial do setor público e do setor privado, mas não produzem alterações de renda.
De qualquer forma, talvez o canal de impacto mais importante da política fiscal para a política monetária seja o das expectativas, ligado ao risco País e, consequentemente, ao câmbio. Nesta seara, o fundamental é que mercado e investidores confiem na estratégia global do governo, especialmente nas medidas que farão o resultado primário melhorar rapidamente a médio e longo prazo, controlando enfim a trajetória de crescimento da dívida pública. Neste sentido, a aprovação da agenda de reforma fiscal do governo é fundamental, começando pela PEC dos gastos e tendo continuidade com a reforma da Previdência. Derrotas no Congresso, como a do requerimento de urgência para o PL da renegociação da dívida dos Estados, não ajudam. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é jornalista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 8/7/16, sexta-feira.