No mesmo dia em que a enésima surpresa negativa em indicadores de atividade foi divulgada - no caso, a queda de 1,2% na PMS, abaixo do piso do Projeções Broadcast, de -1,1% - o Copom, na ata, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reforçaram o discurso "hawkish" do comunicado da última reunião.
O endurecimento do discurso do BC foi muito bem recebido por parte significativa do mercado, preocupada com a disparada da inflação e das expectativas inflacionárias, levando inclusive a revisões para cima do pico da Selic no atual ciclo de elevação da taxa básica de juros.
Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da gestora JGP, no Rio, nota que, apesar do discurso hawkish da autoridade monetária, a curva de juros vem desinclinando.
Para ele, a razão desse comportamento é a atividade muito fraca e a inflação dando alguns sinais de virada para baixo - a partir, claro, do altíssimo patamar atual. Rocha menciona os IGPs em queda, o recuo das commodities, uma melhora nos combustíveis e a surpresa positiva do IPCA de novembro (0,95%).
Um segundo gestor vê na inversão da curva de juros (a partir de prazos de pouco mais de um ano as taxas começam a cair e se estabilizam num prazo mais longo) a precificação pelo mercado de uma recessão em 2022.
Alguns analistas, possivelmente uma corrente minoritária do mercado, estão muito assustados com a intensidade da desaceleração da economia.
Por conta dessa percepção, que inclui a noção convencional de que a freada da demanda já contratada vai contribuir para segurar a inflação, só precisando haver um pouco de paciência, esses analistas criticam o discurso hawkish e o plano de voo percebido do BC.
Um exemplo dessa visão é Andrei Spacov, economista-chefe e sócio da gestora Exploritas Investimentos.
Em sua conta do Twitter, Spacov vem destacando dados que enfatizam a intensidade da desaceleração em curso na economia brasileira.
Hoje, por exemplo, em relação à PMS, o economista escreveu que "Só lembrando que esse dado de serviços não é tão volátil como indústria e comércio. Está mais para transatlântico mesmo e é o setor mais pesado na economia".
Sobre o comunicado surpreendentemente hawkish do Copom após a reunião de dezembro, o economista da Exploritas foi irônico: "Copom duro, sinalizou mais uma alta de 150, quer garantir que as expectativas inflacionárias de 2023 se reancorem. Ao fazê-lo, aceitou correr o risco de ficar famoso por errar dos dois lados, espero que seja só risco".
Em relação à ata de hoje, Spacov também alfinetou: "Sai: convergência da inflação em 22. Entra: Selic mais alta por mais tempo. Me lembrou o Forward Guidance".
A menção ao forward guidance provavelmente remete ao fato de que a política foi anunciada com pompa e circunstância em agosto do no ano passado, mas foi revertida seis meses depois (o que harmoniza mal com um tipo de instrumento voltado a guiar expectativas de médio prazo). Só que na época o "compromisso" era manter a Selic baixa, e agora é o contrário.
Mas dentro do mundo de artes e artimanhas da política monetária há também uma terceira via, de analistas que não compartilham nem da visão hawkish externada recentemente pelo BC nem do grau de alarme de Spacov com a probabilidade de recessão forte.
Para esses, o BC não tem nada a perder com o discurso durão de agora, que efetivamente contribui no esforço de reancorar as expectativas de inflação de longo prazo.
Nessa visão, caso mais adiante a autoridade monetária se decida que o sacrifício de atividade econômica embutido no atual plano de voo oficial será demasiado, e/ou que o castigo de juros já terá sido suficiente para fazer a inflação rumar em tempo decente para a meta, o custo de dizer que as circunstâncias mudaram - e, portanto, o plano de voo mudou - será menor que o benefício dessa estratégia.
Ainda mais considerando que essa hipotética mudança na direção de pegar mais leve com o juro ocorreria em pleno ano eleitoral.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@grupoestado.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 14/12/2021, terça-feira.