A crise gerada pelo coronavírus colocou vários setores de atividade contra as cordas. O presidente da multinacional Whirlpool, João Carlos Brega, afirma que, apesar das dificuldades sem precedentes, o governo federal precisa ser cirúrgico ao liberar recursos. "Todo mundo está tendo dificuldade – e há algumas situações extremas, como a das companhias aéreas", disse o executivo, durante a série de entrevistas ao vivo "Economia na Quarentena", do Estadão. "(Mas a liberação) não pode ser a fundo perdido, pois é o dinheiro do contribuinte."
O executivo também criticou a falta de sintonia entre as várias esferas do governo no que se refere ao combate à pandemia de covid-19. "A proridade deve ser a crise sanitária, que gerou a crise econômica. Sem se resolver a crise sanitária, vai ser como vender geladeira para esquimó." A Whirlpool fabrica e distribui as marcas de eletrodomésticos Brastemp, Consul e Kitchen Aid no Brasil.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual é o impacto da crise do coronavírus no setor de linha branca?
A gente responde à demanda, que foi muito impactada. O mercado de loja física praticamente desapareceu depois da metade de março. Hoje, esse mercado está ao redor de 50% (das vendas totais). Algumas categorias de produto, como micro-ondas e lava-louças, têm um aumento de participação, mas sem compensar a queda do volume total.
Como a queda de demanda afetou a produção da companhia?
A crise sanitária começou na China. Aprendemos com as afiliadas da Whirlpool os padrões sanitários de produção. Desenvolvemos protocolos e conversamos com as secretarias de saúde municipais e estaduais. Com a implantação, tivemos uma redução de 35% da produção. Hoje, por conta da demanda, rodamos a 55% por causa da queda da demanda.
Com as lojas fechadas, a Whirlpool buscou formas criativas de chegar ao consumidor?
O consumidor está muito mais preocupado com a crise sanitária. Sem se resolver a crise sanitária, vai ser como vender geladeira para esquimó. Nosso mercado é caracterizado por duas demandas. A primeira é a de reposição: se quebrou, você precisa substituir os produtos essenciais. E a segunda alavanca é a planejada, de reforma ou casamento, por exemplo. Essa segunda deixou de existir. Hoje vivemos da reposição.
Quais aprendizados a operação brasileira trouxe da Whirlpool global?
A Whirlpool definiu quatro parâmetros para se guiar durante esse período. Primeiro, o foco na saúde do colaborador. O segundo é o respeito às leis, caso a legislação seja mais rígida do que os nossos critérios globais de produção. O terceiro é o consumidor e suas necessidades: os nossos produtos são essenciais para lavagem de lençóis de hospitais e para a conservação de medicamentos. E, por último, sustentabilidade do negócio. Não podemos esquecer que temos um negócio para gerir.
Como está a relação da Whirpool com os trabalhadores? Houve redução de salários e suspensão de contratos?
No Brasil, estamos tomando todas as medidas para preservar o emprego. O governo federal foi muito feliz na edição da medida provisória que flexibilizou a lei trabalhista. Na Whirlpool, usamos as férias coletivas no primeiro mês. Na parte administrativa, parte dos funcionários está em home office e outra parte que está com contrato suspenso. Na manufatura, não houve suspensão, mas houve redução de jornada (e de salário). E isso descontando as pessoas do grupo de risco, que estão afastadas desde o início de março.
Como o sr. acredita que será a recuperação da linha branca?
É uma crise sanitária que gerou uma crise econômica. Sem resolver a crise sanitária, você não resolve a crise econômica. Vai ser uma recuperação mais lenta, porque a gente ainda não chegou à solução sanitária. Vamos atravessar o segundo semestre com um período de recessão muito forte. A gente ainda não tocou o fundo. Vamos ter um período difícil pela frente, em particular no Brasil.
A Whirlpool reviu algum plano por causa do covid-19?
Antes do coronavírus, a indústria tinha uma capacidade ociosa grande. Então, já não se falava em expansão. Mas vamos continuar a investir em lançamentos de novos produtos e serviços. Até porque o consumidor vai ficar mais em casa e vai precisar de eletrodomésticos de melhor qualidade. No Brasil, especificamente, há um espaço grande para as lava-louças, que ainda estão presentes em menos de 2% dos lares.
Por que o sr. acha que a recuperação econômica será especialmente difícil no Brasil?
O Brasil e a América Latina sentiram os efeitos do vírus mais tarde do que outras regiões do mundo. E o segundo ponto é o desconhecimento de como lidar com isso, assim como a discussão de fecha ou abre (a economia). O que eu pessoalmente lamento no Brasil é o desalinhamento entre os governantes para termos uma solução mais adequada na parte sanitária.
Muitas empresas, como as aéreas e as montadoras, estão pedindo ajuda ao governo. O seu setor também vai buscar auxílio?
Eu sou contra, por princípio, a ajuda específica. Mas é importante considerar que um setor como o aéreo, onde a demanda acabou, o governo sentar e, com direitos e obrigações, determinar um auxílio específico. É uma situação extrema. Mas todo mundo foi impactado – e todo mundo pode querer pedir ajuda. No nosso caso, temos de andar com nossos esforços. Temos de entender que o coronavírus é temporário. A Whirlpool existe há mais de cem anos e há mais de 60 anos no Brasil. E a parceria é de longo prazo.
O governo, se for ajudar algum setor, deve ser duro nas contrapartidas?
A primeira coisa que a gente precisa entender é que o governo trabalha com o nosso dinheiro, o dinheiro dos nossos impostos. É como se fosse uma operação (bancária) normal, baseada no fluxo de recebimentos. É preciso entender que o tempo é importante, não pode querer receber em três meses. A única coisa é que não pode ser a fundo perdido, pois é o dinheiro do contribuinte.