Mas tudo mudou. A crise europeia está se transformando em crônica, e os preços caíram simplesmente porque não há demanda - as pessoas temem perder o emprego e estão poupando - e os governos e, principalmente, os bancos centrais, não ousam aumentar ainda mais a liquidez com receio de mais inflação.
Tudo isso pode parecer meio estranho, esquisito, fere as normas mais sagradas da economia - que não é, atentem, uma ciência exata - mas já começa a ser aceito no exterior. Por que? Parece não haver outra saída, que seria mais investimentos. Transformar a Europa, o Japão e os Estados Unidos em um canteiro de obras para criar empregos e crescimento está sendo afastada - e porque não dizer, rejeitada - pelos governos dos países que pesam realmente no PIB mundial. Portanto, afirma o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, só mais injeção de liquidez, mais inflação, pode atenuar esse cenário e evitar que a economia mundial volte à beira da recessão.
Mas é isso mesmo? A inflação estaria mesmo recuando e apontando para a deflação? É sim. Krugman não se baseia em projeções ou estimativas, mas em números oficiais, dos governos, bancos centrais que a revista britânica The Economist publica semanalmente
E o que dizem esses números?
1 - O índice de preços nos Estados Unidos, medidos pelo Fed, recuou de 2% para 1,7% este ano.
2 - O Japão vivia uma deflação há dez anos. No mês passado, o PIB ainda era 0,2% negativo e somente agora chega a mais 0,2%.
3 - Na zona do euro está em 2,3%, com recuo na Alemanha, de 1,9%, e na França, de 2,2% para 1,9% agora.
4 - Até na China, a inflação caiu de 3,6% para 2,2%. Há alguns meses, ela estava em mais de 5%. Isso está levando o governo a retomar forte estímulo ao investimento e à demanda interna.
Uma sondagem feita pela The Economist com os principais bancos e financeiras internacionais prevê recessão de 0,8% na zona do euro e apenas mais 0,7% no próximo ano. Estados Unidos, 1,8% agora e 1,6% em seguida. E todos, absolutamente todos, estimam que a inflação nas principais economias mundiais vai ficar em torno de 2% este ano e no próximo. (A coluna recomenda muito aos mais interessados que acompanhem essas estatísticas altamente confiáveis que a The Economist divulga toda semana e as atualiza todos os dias em seu site de amplo acesso).
Mais de 3%, por favor. Como o desemprego só aumenta, 8,2% nos Estados Unidos, 10,1% na França, e 11,2% na zona do euro (onde só a Alemanha destoa com 2%), não há a sinal de qualquer recuperação nos próximos semestres. Foi com base nesses números oficiais que Krugman se transformou em um iconoclasta ao declarar que a zona do euro só sai da crise se aceitar uma inflação acima de 3% por mais de cinco anos. Outros vencedores do Prêmio Nobel falam em década perdida. E Krugman afirmou isso em Berlim, onde também está sendo execrado porque condenou com veemência a política de austeridade que a Alemanha vem impondo à Eurozona. "Estão fazendo isso há dois anos e meio e o resultado é um desemprego de 11,1% provocando um estrago cumulativo. As vidas das pessoas estão sendo destruídas." Nada de aumentar os juros ao menor sinal de inflação (como fez o ex-presidente Jean-Claude Trichet no ano passado). Uma inflação que deveria ser bem-vinda."
"Emprestem abertamente para governos e bancos", recomendou ele não só ao Banco Central Europeu mas também ao Federal Reserve dos Estados Unidos que continua hesitando enquanto o desemprego de 8,2% persiste e a economia recua. Curioso é que as análises do próprio Fed, registrando isso, contradizem a sua inação. Ainda ontem, Krugman citou Keynes: "É na expansão e não na desaceleração que se deve adotar políticas de austeridade." O que está havendo hoje no mundo desenvolvido "é a morte da esperança", ou, para não ser pessimista, a espera de uma esperança que sempre se adia.
E o Brasil? Antes que o colunista seja estigmatizado e alguns leitores o acusem de herege, vamos deixar claro que o Brasil é um caso à parte. Sua inflação ainda alta, de 5%, está sob controle, administrada há um ano. Ninguém está contente com ela, mas pior seria trazê-la para 2% com uma política de aumento dos juros, corte do crédito e desincentivo à demanda interna. A forte desaceleração econômica está aí e já reflete na criação de empregos. Não há por enquanto no Brasil o dilema crescimento ou inflação. Como não deveria haver na Europa e nos Estados Unidos, onde as economias afundam.