'Manteria juro alto até afundar economia e ancorar expectativa', diz ex-diretor do BC


Economista-chefe da Asa Investments considera que o mais recente comunicado do Copom foi pouco informativo

Por Francisco Carlos de Assis
Atualização:
Foto: Asa Investments/Divulgação
Entrevista comFabio KanczukEx-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo.

“A impressão que tive foi a de que, como as projeções (de inflação) deles subiram um pouquinho, se fossem explicá-las, significaria que não poderiam cortar juros tanto quanto as pessoas estão querendo”, afirmou em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Ele admite estar alinhado ao mercado em relação ao nível da taxa Selic ao fim do ciclo, falando em 9% ao ano, conforme a pesquisa Focus. Mas diverge quanto à inflação em 2024 que, nas suas contas, deverá ficar entre 4,5% e 5%, enquanto as estimativas do mercado indicam 3,86% (Focus). “Eu manteria os juros altos até afundar a economia e poder reancorar as expectativas.”

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Kanczuk considera que a redução do diferencial de juro interno e externo, à medida que as taxas nos Estados Unidos apontam para cima e a Selic cai, deve retirar recursos do País, desvalorizar o real e provocar mais inflação. Ele projeta um déficit de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo Foto: Asa Investments/Divulgação

O que o sr. achou do comunicado do Copom?

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O mercado reagiu ao comunicado um pouco diferente do que eu esperava. Veio com poucas informações e não foi claro. Tem umas frases aqui e acolá. É difícil de ler o que exatamente eles estão querendo explicar. Imagino que expliquem melhor na ata.

Por quê?

O comunicado ficou meio misterioso. A impressão que tive é que as projeções do BC subiram e, se fossem explicar estas altas, teriam que admitir que não poderiam estar cortando os juros tanto quanto as pessoas estão querendo. Mas eles não falaram nada. Só colocaram as projeções e ficaram quietos. Eu não sei se as pessoas entenderam a implicação disso. Em geral não entendem.

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Depois de retirar do comunicado anterior a citação sobre o cenário fiscal, o BC voltou a mencioná-lo. Como o sr. vê?

Essa é outra coisa que não ficou clara. Tentaram dizer que o governo precisará entregar um déficit primário perto de zero no ano que vem para não desancorar as expectativas, mas não disseram qual a importância disso para a política monetária. Não sei se escreveram isso para ajudar o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad, para que o ministro possa dizer o BC está preocupado com isso. Ficou meio largado. É um comunicado que lemos e ficamos com dúvida. Não entendi o que eles estão querendo dizer com fiscal. Tem alguma implicação ou é só para ajudar Haddad?

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad  Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
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Será que não foi intenção do BC, de não dar pistas do que vai fazer?

É papel do BC explicar sua função de reação. É importante isso como parte da política monetária. Você toma decisão de juro e fala como vai agir no futuro, dependendo do que está acontecendo. Pode até não saber o que vai fazer, mas explique as condicionais.

O sr. acha que houve um retrocesso na comunicação do BC?

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Não acho que chega a ser retrocesso. Às vezes é sucinto, como um comunicado tem que ser, e deixa para a ata expandir.

De volta ao fiscal, o sr. acha que o BC está preocupado?

Chama atenção para o fiscal não por estar preocupado, mas porque o presidente do BC, Roberto Campos Neto está ligando o fiscal à desancoragem das expectativas no ano que vem.

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Houve uma piora na visão do mercado em relação ao fiscal?

O mercado nunca acreditou nessa conversa de déficit primário zero. Trabalhava com déficit de 0,8% do PIB e quando o governo soltou o arcabouço falando em déficit zero o mercado ignorou.

Qual a projeção da Asa Investments para o primário em 2024?

Esperamos um déficit primário de 1,2% do PIB.

Então não dá para esperar aceleração do ritmo de corte da Selic, correto?

Que os cortes seriam de 0,50 ponto porcentual por reunião já se sabia. Mas a ata da reunião passada explica as restrições à aceleração dos cortes para 0,75 ponto. Ora, se ele coloca estas condições para acelerar o passo, eu posso entender que ele está em dúvida entre acelerar e manter.

O presidente do BC tem afirmado que o PIB está crescendo acima do esperado. A Asa Investment vê desta forma?

A atividade está mais forte e aí desconfiamos se é o potencial que subiu ou não. Tanto o BC quanto nós vemos o hiato negativo. Estamos vendo ociosidade na economia. Mas como está havendo ociosidade com o Brasil crescendo tanto? O potencial parece estar mais alto mesmo.

Neste caso, a comunicação do BC em manter o ritmo de corte da Selic em 0,50 ponto não está correta?

Em parte eles estão olhando isso. Estão dizendo que a atividade está forte, que os juros nos Estados Unidos e o petróleo estão subindo.

O então secretário de Política Econômica, Fabio Kanczuk, participa de coletiva de imprensa com o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles  Foto: Dida Sampaio/Estadão

O BC reconhece que as expectativas de inflação estão acima da meta para 2024 e 2025. É falta de capacidade do BC para ancorar na meta?

A ancoragem das expectativas de 2025 e 2026, que estão em 3,5%, é uma questão mais pura e dá para falar. O BC optou por reduzir os juros mesmo com as expectativas desancoradas, acreditando que mantendo a política monetária restritiva irá conseguir ancorar as expectativas. Muito difícil acreditar que vai reancorar as expectativas se ele está reduzindo os juros. Então ele fez uma opção de não se preocupar com a ancoragem das expectativas. Pessoalmente, eu não gosto disso.

O que o sr. faria neste caso?

Preferiria ancorar as expectativas para começar a reduzir os juros. Esse BC preferiu não esperar e resolveu cortar juro mesmo com as expectativas desancoradas. E você pode me perguntar se as expectativas estão desancoradas porque o fiscal está ruim.

O fiscal está ruim?

O BC tem a liberdade de ficar subindo ou manter o juro alto por tempo suficiente até a economia afundar e daí a expectativa ancorar. Essa é uma liberdade que o BC tem e decidiu não ir por este caminho. Então essa é uma opinião e a minha é diferente daquilo que o Comitê decidiu. A minha opção seria segurar o juro até a economia afundar e a expectativa reancorar.

Pode-se inferir que, em sua opinião, lá no primeiro movimento, não cortaria nada, nem 0,25 ponto?

Por mim era zero. Pela desancoragem das expectativas eu iria até o fim.

O BC teria condições de fazer isso com toda aquela pressão sobre ele para cortar o juro?

Eu acho que sim. Mas não foi por pressão política que reduziram a taxa. Foi por uma questão de economia mesmo. Os diretores que não são da casa não têm nenhuma razão para se submeterem à pressão política.

O Federal Reserve manteve o juro nos EUA enquanto reduzimos aqui. O diferencial de juro pode causar problemas ao Brasil?

Eu diria que sim porque o fato dos juros americanos serem altos é um problema para o Brasil. Saem recursos, deprecia a moeda e afeta a inflação. Minha impressão é que o Fed, diferente do Copom, foi um evento relevante. Não mexeu no juro, mas sinalizou com juro alto para este e o próximo ano. Foi uma sinalização de política monetária mais alta nos EUA.

Quando e em quanto o senhor acha que o BC vai parar de cortar juro?

Kanczuk: Meu chute é que ele vai cortar o juro até o patamar de 9%, como o mercado espera. Minha diferença em relação ao mercado está na inflação, porque a vejo entre 4,5% e 5% no ano que vem. Por isso eu não teria reduzido juro.

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo.

“A impressão que tive foi a de que, como as projeções (de inflação) deles subiram um pouquinho, se fossem explicá-las, significaria que não poderiam cortar juros tanto quanto as pessoas estão querendo”, afirmou em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Ele admite estar alinhado ao mercado em relação ao nível da taxa Selic ao fim do ciclo, falando em 9% ao ano, conforme a pesquisa Focus. Mas diverge quanto à inflação em 2024 que, nas suas contas, deverá ficar entre 4,5% e 5%, enquanto as estimativas do mercado indicam 3,86% (Focus). “Eu manteria os juros altos até afundar a economia e poder reancorar as expectativas.”

Kanczuk considera que a redução do diferencial de juro interno e externo, à medida que as taxas nos Estados Unidos apontam para cima e a Selic cai, deve retirar recursos do País, desvalorizar o real e provocar mais inflação. Ele projeta um déficit de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo Foto: Asa Investments/Divulgação

O que o sr. achou do comunicado do Copom?

O mercado reagiu ao comunicado um pouco diferente do que eu esperava. Veio com poucas informações e não foi claro. Tem umas frases aqui e acolá. É difícil de ler o que exatamente eles estão querendo explicar. Imagino que expliquem melhor na ata.

Por quê?

O comunicado ficou meio misterioso. A impressão que tive é que as projeções do BC subiram e, se fossem explicar estas altas, teriam que admitir que não poderiam estar cortando os juros tanto quanto as pessoas estão querendo. Mas eles não falaram nada. Só colocaram as projeções e ficaram quietos. Eu não sei se as pessoas entenderam a implicação disso. Em geral não entendem.

Depois de retirar do comunicado anterior a citação sobre o cenário fiscal, o BC voltou a mencioná-lo. Como o sr. vê?

Essa é outra coisa que não ficou clara. Tentaram dizer que o governo precisará entregar um déficit primário perto de zero no ano que vem para não desancorar as expectativas, mas não disseram qual a importância disso para a política monetária. Não sei se escreveram isso para ajudar o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad, para que o ministro possa dizer o BC está preocupado com isso. Ficou meio largado. É um comunicado que lemos e ficamos com dúvida. Não entendi o que eles estão querendo dizer com fiscal. Tem alguma implicação ou é só para ajudar Haddad?

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad  Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Será que não foi intenção do BC, de não dar pistas do que vai fazer?

É papel do BC explicar sua função de reação. É importante isso como parte da política monetária. Você toma decisão de juro e fala como vai agir no futuro, dependendo do que está acontecendo. Pode até não saber o que vai fazer, mas explique as condicionais.

O sr. acha que houve um retrocesso na comunicação do BC?

Não acho que chega a ser retrocesso. Às vezes é sucinto, como um comunicado tem que ser, e deixa para a ata expandir.

De volta ao fiscal, o sr. acha que o BC está preocupado?

Chama atenção para o fiscal não por estar preocupado, mas porque o presidente do BC, Roberto Campos Neto está ligando o fiscal à desancoragem das expectativas no ano que vem.

Houve uma piora na visão do mercado em relação ao fiscal?

O mercado nunca acreditou nessa conversa de déficit primário zero. Trabalhava com déficit de 0,8% do PIB e quando o governo soltou o arcabouço falando em déficit zero o mercado ignorou.

Qual a projeção da Asa Investments para o primário em 2024?

Esperamos um déficit primário de 1,2% do PIB.

Então não dá para esperar aceleração do ritmo de corte da Selic, correto?

Que os cortes seriam de 0,50 ponto porcentual por reunião já se sabia. Mas a ata da reunião passada explica as restrições à aceleração dos cortes para 0,75 ponto. Ora, se ele coloca estas condições para acelerar o passo, eu posso entender que ele está em dúvida entre acelerar e manter.

O presidente do BC tem afirmado que o PIB está crescendo acima do esperado. A Asa Investment vê desta forma?

A atividade está mais forte e aí desconfiamos se é o potencial que subiu ou não. Tanto o BC quanto nós vemos o hiato negativo. Estamos vendo ociosidade na economia. Mas como está havendo ociosidade com o Brasil crescendo tanto? O potencial parece estar mais alto mesmo.

Neste caso, a comunicação do BC em manter o ritmo de corte da Selic em 0,50 ponto não está correta?

Em parte eles estão olhando isso. Estão dizendo que a atividade está forte, que os juros nos Estados Unidos e o petróleo estão subindo.

O então secretário de Política Econômica, Fabio Kanczuk, participa de coletiva de imprensa com o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles  Foto: Dida Sampaio/Estadão

O BC reconhece que as expectativas de inflação estão acima da meta para 2024 e 2025. É falta de capacidade do BC para ancorar na meta?

A ancoragem das expectativas de 2025 e 2026, que estão em 3,5%, é uma questão mais pura e dá para falar. O BC optou por reduzir os juros mesmo com as expectativas desancoradas, acreditando que mantendo a política monetária restritiva irá conseguir ancorar as expectativas. Muito difícil acreditar que vai reancorar as expectativas se ele está reduzindo os juros. Então ele fez uma opção de não se preocupar com a ancoragem das expectativas. Pessoalmente, eu não gosto disso.

O que o sr. faria neste caso?

Preferiria ancorar as expectativas para começar a reduzir os juros. Esse BC preferiu não esperar e resolveu cortar juro mesmo com as expectativas desancoradas. E você pode me perguntar se as expectativas estão desancoradas porque o fiscal está ruim.

O fiscal está ruim?

O BC tem a liberdade de ficar subindo ou manter o juro alto por tempo suficiente até a economia afundar e daí a expectativa ancorar. Essa é uma liberdade que o BC tem e decidiu não ir por este caminho. Então essa é uma opinião e a minha é diferente daquilo que o Comitê decidiu. A minha opção seria segurar o juro até a economia afundar e a expectativa reancorar.

Pode-se inferir que, em sua opinião, lá no primeiro movimento, não cortaria nada, nem 0,25 ponto?

Por mim era zero. Pela desancoragem das expectativas eu iria até o fim.

O BC teria condições de fazer isso com toda aquela pressão sobre ele para cortar o juro?

Eu acho que sim. Mas não foi por pressão política que reduziram a taxa. Foi por uma questão de economia mesmo. Os diretores que não são da casa não têm nenhuma razão para se submeterem à pressão política.

O Federal Reserve manteve o juro nos EUA enquanto reduzimos aqui. O diferencial de juro pode causar problemas ao Brasil?

Eu diria que sim porque o fato dos juros americanos serem altos é um problema para o Brasil. Saem recursos, deprecia a moeda e afeta a inflação. Minha impressão é que o Fed, diferente do Copom, foi um evento relevante. Não mexeu no juro, mas sinalizou com juro alto para este e o próximo ano. Foi uma sinalização de política monetária mais alta nos EUA.

Quando e em quanto o senhor acha que o BC vai parar de cortar juro?

Kanczuk: Meu chute é que ele vai cortar o juro até o patamar de 9%, como o mercado espera. Minha diferença em relação ao mercado está na inflação, porque a vejo entre 4,5% e 5% no ano que vem. Por isso eu não teria reduzido juro.

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo.

“A impressão que tive foi a de que, como as projeções (de inflação) deles subiram um pouquinho, se fossem explicá-las, significaria que não poderiam cortar juros tanto quanto as pessoas estão querendo”, afirmou em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Ele admite estar alinhado ao mercado em relação ao nível da taxa Selic ao fim do ciclo, falando em 9% ao ano, conforme a pesquisa Focus. Mas diverge quanto à inflação em 2024 que, nas suas contas, deverá ficar entre 4,5% e 5%, enquanto as estimativas do mercado indicam 3,86% (Focus). “Eu manteria os juros altos até afundar a economia e poder reancorar as expectativas.”

Kanczuk considera que a redução do diferencial de juro interno e externo, à medida que as taxas nos Estados Unidos apontam para cima e a Selic cai, deve retirar recursos do País, desvalorizar o real e provocar mais inflação. Ele projeta um déficit de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo Foto: Asa Investments/Divulgação

O que o sr. achou do comunicado do Copom?

O mercado reagiu ao comunicado um pouco diferente do que eu esperava. Veio com poucas informações e não foi claro. Tem umas frases aqui e acolá. É difícil de ler o que exatamente eles estão querendo explicar. Imagino que expliquem melhor na ata.

Por quê?

O comunicado ficou meio misterioso. A impressão que tive é que as projeções do BC subiram e, se fossem explicar estas altas, teriam que admitir que não poderiam estar cortando os juros tanto quanto as pessoas estão querendo. Mas eles não falaram nada. Só colocaram as projeções e ficaram quietos. Eu não sei se as pessoas entenderam a implicação disso. Em geral não entendem.

Depois de retirar do comunicado anterior a citação sobre o cenário fiscal, o BC voltou a mencioná-lo. Como o sr. vê?

Essa é outra coisa que não ficou clara. Tentaram dizer que o governo precisará entregar um déficit primário perto de zero no ano que vem para não desancorar as expectativas, mas não disseram qual a importância disso para a política monetária. Não sei se escreveram isso para ajudar o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad, para que o ministro possa dizer o BC está preocupado com isso. Ficou meio largado. É um comunicado que lemos e ficamos com dúvida. Não entendi o que eles estão querendo dizer com fiscal. Tem alguma implicação ou é só para ajudar Haddad?

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad  Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Será que não foi intenção do BC, de não dar pistas do que vai fazer?

É papel do BC explicar sua função de reação. É importante isso como parte da política monetária. Você toma decisão de juro e fala como vai agir no futuro, dependendo do que está acontecendo. Pode até não saber o que vai fazer, mas explique as condicionais.

O sr. acha que houve um retrocesso na comunicação do BC?

Não acho que chega a ser retrocesso. Às vezes é sucinto, como um comunicado tem que ser, e deixa para a ata expandir.

De volta ao fiscal, o sr. acha que o BC está preocupado?

Chama atenção para o fiscal não por estar preocupado, mas porque o presidente do BC, Roberto Campos Neto está ligando o fiscal à desancoragem das expectativas no ano que vem.

Houve uma piora na visão do mercado em relação ao fiscal?

O mercado nunca acreditou nessa conversa de déficit primário zero. Trabalhava com déficit de 0,8% do PIB e quando o governo soltou o arcabouço falando em déficit zero o mercado ignorou.

Qual a projeção da Asa Investments para o primário em 2024?

Esperamos um déficit primário de 1,2% do PIB.

Então não dá para esperar aceleração do ritmo de corte da Selic, correto?

Que os cortes seriam de 0,50 ponto porcentual por reunião já se sabia. Mas a ata da reunião passada explica as restrições à aceleração dos cortes para 0,75 ponto. Ora, se ele coloca estas condições para acelerar o passo, eu posso entender que ele está em dúvida entre acelerar e manter.

O presidente do BC tem afirmado que o PIB está crescendo acima do esperado. A Asa Investment vê desta forma?

A atividade está mais forte e aí desconfiamos se é o potencial que subiu ou não. Tanto o BC quanto nós vemos o hiato negativo. Estamos vendo ociosidade na economia. Mas como está havendo ociosidade com o Brasil crescendo tanto? O potencial parece estar mais alto mesmo.

Neste caso, a comunicação do BC em manter o ritmo de corte da Selic em 0,50 ponto não está correta?

Em parte eles estão olhando isso. Estão dizendo que a atividade está forte, que os juros nos Estados Unidos e o petróleo estão subindo.

O então secretário de Política Econômica, Fabio Kanczuk, participa de coletiva de imprensa com o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles  Foto: Dida Sampaio/Estadão

O BC reconhece que as expectativas de inflação estão acima da meta para 2024 e 2025. É falta de capacidade do BC para ancorar na meta?

A ancoragem das expectativas de 2025 e 2026, que estão em 3,5%, é uma questão mais pura e dá para falar. O BC optou por reduzir os juros mesmo com as expectativas desancoradas, acreditando que mantendo a política monetária restritiva irá conseguir ancorar as expectativas. Muito difícil acreditar que vai reancorar as expectativas se ele está reduzindo os juros. Então ele fez uma opção de não se preocupar com a ancoragem das expectativas. Pessoalmente, eu não gosto disso.

O que o sr. faria neste caso?

Preferiria ancorar as expectativas para começar a reduzir os juros. Esse BC preferiu não esperar e resolveu cortar juro mesmo com as expectativas desancoradas. E você pode me perguntar se as expectativas estão desancoradas porque o fiscal está ruim.

O fiscal está ruim?

O BC tem a liberdade de ficar subindo ou manter o juro alto por tempo suficiente até a economia afundar e daí a expectativa ancorar. Essa é uma liberdade que o BC tem e decidiu não ir por este caminho. Então essa é uma opinião e a minha é diferente daquilo que o Comitê decidiu. A minha opção seria segurar o juro até a economia afundar e a expectativa reancorar.

Pode-se inferir que, em sua opinião, lá no primeiro movimento, não cortaria nada, nem 0,25 ponto?

Por mim era zero. Pela desancoragem das expectativas eu iria até o fim.

O BC teria condições de fazer isso com toda aquela pressão sobre ele para cortar o juro?

Eu acho que sim. Mas não foi por pressão política que reduziram a taxa. Foi por uma questão de economia mesmo. Os diretores que não são da casa não têm nenhuma razão para se submeterem à pressão política.

O Federal Reserve manteve o juro nos EUA enquanto reduzimos aqui. O diferencial de juro pode causar problemas ao Brasil?

Eu diria que sim porque o fato dos juros americanos serem altos é um problema para o Brasil. Saem recursos, deprecia a moeda e afeta a inflação. Minha impressão é que o Fed, diferente do Copom, foi um evento relevante. Não mexeu no juro, mas sinalizou com juro alto para este e o próximo ano. Foi uma sinalização de política monetária mais alta nos EUA.

Quando e em quanto o senhor acha que o BC vai parar de cortar juro?

Kanczuk: Meu chute é que ele vai cortar o juro até o patamar de 9%, como o mercado espera. Minha diferença em relação ao mercado está na inflação, porque a vejo entre 4,5% e 5% no ano que vem. Por isso eu não teria reduzido juro.

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo.

“A impressão que tive foi a de que, como as projeções (de inflação) deles subiram um pouquinho, se fossem explicá-las, significaria que não poderiam cortar juros tanto quanto as pessoas estão querendo”, afirmou em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Ele admite estar alinhado ao mercado em relação ao nível da taxa Selic ao fim do ciclo, falando em 9% ao ano, conforme a pesquisa Focus. Mas diverge quanto à inflação em 2024 que, nas suas contas, deverá ficar entre 4,5% e 5%, enquanto as estimativas do mercado indicam 3,86% (Focus). “Eu manteria os juros altos até afundar a economia e poder reancorar as expectativas.”

Kanczuk considera que a redução do diferencial de juro interno e externo, à medida que as taxas nos Estados Unidos apontam para cima e a Selic cai, deve retirar recursos do País, desvalorizar o real e provocar mais inflação. Ele projeta um déficit de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) e economista-chefe da Asa Investments, Fabio Kanczuk avalia o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) da última quarta-feira, 20, como pouco informativo Foto: Asa Investments/Divulgação

O que o sr. achou do comunicado do Copom?

O mercado reagiu ao comunicado um pouco diferente do que eu esperava. Veio com poucas informações e não foi claro. Tem umas frases aqui e acolá. É difícil de ler o que exatamente eles estão querendo explicar. Imagino que expliquem melhor na ata.

Por quê?

O comunicado ficou meio misterioso. A impressão que tive é que as projeções do BC subiram e, se fossem explicar estas altas, teriam que admitir que não poderiam estar cortando os juros tanto quanto as pessoas estão querendo. Mas eles não falaram nada. Só colocaram as projeções e ficaram quietos. Eu não sei se as pessoas entenderam a implicação disso. Em geral não entendem.

Depois de retirar do comunicado anterior a citação sobre o cenário fiscal, o BC voltou a mencioná-lo. Como o sr. vê?

Essa é outra coisa que não ficou clara. Tentaram dizer que o governo precisará entregar um déficit primário perto de zero no ano que vem para não desancorar as expectativas, mas não disseram qual a importância disso para a política monetária. Não sei se escreveram isso para ajudar o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad, para que o ministro possa dizer o BC está preocupado com isso. Ficou meio largado. É um comunicado que lemos e ficamos com dúvida. Não entendi o que eles estão querendo dizer com fiscal. Tem alguma implicação ou é só para ajudar Haddad?

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad  Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Será que não foi intenção do BC, de não dar pistas do que vai fazer?

É papel do BC explicar sua função de reação. É importante isso como parte da política monetária. Você toma decisão de juro e fala como vai agir no futuro, dependendo do que está acontecendo. Pode até não saber o que vai fazer, mas explique as condicionais.

O sr. acha que houve um retrocesso na comunicação do BC?

Não acho que chega a ser retrocesso. Às vezes é sucinto, como um comunicado tem que ser, e deixa para a ata expandir.

De volta ao fiscal, o sr. acha que o BC está preocupado?

Chama atenção para o fiscal não por estar preocupado, mas porque o presidente do BC, Roberto Campos Neto está ligando o fiscal à desancoragem das expectativas no ano que vem.

Houve uma piora na visão do mercado em relação ao fiscal?

O mercado nunca acreditou nessa conversa de déficit primário zero. Trabalhava com déficit de 0,8% do PIB e quando o governo soltou o arcabouço falando em déficit zero o mercado ignorou.

Qual a projeção da Asa Investments para o primário em 2024?

Esperamos um déficit primário de 1,2% do PIB.

Então não dá para esperar aceleração do ritmo de corte da Selic, correto?

Que os cortes seriam de 0,50 ponto porcentual por reunião já se sabia. Mas a ata da reunião passada explica as restrições à aceleração dos cortes para 0,75 ponto. Ora, se ele coloca estas condições para acelerar o passo, eu posso entender que ele está em dúvida entre acelerar e manter.

O presidente do BC tem afirmado que o PIB está crescendo acima do esperado. A Asa Investment vê desta forma?

A atividade está mais forte e aí desconfiamos se é o potencial que subiu ou não. Tanto o BC quanto nós vemos o hiato negativo. Estamos vendo ociosidade na economia. Mas como está havendo ociosidade com o Brasil crescendo tanto? O potencial parece estar mais alto mesmo.

Neste caso, a comunicação do BC em manter o ritmo de corte da Selic em 0,50 ponto não está correta?

Em parte eles estão olhando isso. Estão dizendo que a atividade está forte, que os juros nos Estados Unidos e o petróleo estão subindo.

O então secretário de Política Econômica, Fabio Kanczuk, participa de coletiva de imprensa com o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles  Foto: Dida Sampaio/Estadão

O BC reconhece que as expectativas de inflação estão acima da meta para 2024 e 2025. É falta de capacidade do BC para ancorar na meta?

A ancoragem das expectativas de 2025 e 2026, que estão em 3,5%, é uma questão mais pura e dá para falar. O BC optou por reduzir os juros mesmo com as expectativas desancoradas, acreditando que mantendo a política monetária restritiva irá conseguir ancorar as expectativas. Muito difícil acreditar que vai reancorar as expectativas se ele está reduzindo os juros. Então ele fez uma opção de não se preocupar com a ancoragem das expectativas. Pessoalmente, eu não gosto disso.

O que o sr. faria neste caso?

Preferiria ancorar as expectativas para começar a reduzir os juros. Esse BC preferiu não esperar e resolveu cortar juro mesmo com as expectativas desancoradas. E você pode me perguntar se as expectativas estão desancoradas porque o fiscal está ruim.

O fiscal está ruim?

O BC tem a liberdade de ficar subindo ou manter o juro alto por tempo suficiente até a economia afundar e daí a expectativa ancorar. Essa é uma liberdade que o BC tem e decidiu não ir por este caminho. Então essa é uma opinião e a minha é diferente daquilo que o Comitê decidiu. A minha opção seria segurar o juro até a economia afundar e a expectativa reancorar.

Pode-se inferir que, em sua opinião, lá no primeiro movimento, não cortaria nada, nem 0,25 ponto?

Por mim era zero. Pela desancoragem das expectativas eu iria até o fim.

O BC teria condições de fazer isso com toda aquela pressão sobre ele para cortar o juro?

Eu acho que sim. Mas não foi por pressão política que reduziram a taxa. Foi por uma questão de economia mesmo. Os diretores que não são da casa não têm nenhuma razão para se submeterem à pressão política.

O Federal Reserve manteve o juro nos EUA enquanto reduzimos aqui. O diferencial de juro pode causar problemas ao Brasil?

Eu diria que sim porque o fato dos juros americanos serem altos é um problema para o Brasil. Saem recursos, deprecia a moeda e afeta a inflação. Minha impressão é que o Fed, diferente do Copom, foi um evento relevante. Não mexeu no juro, mas sinalizou com juro alto para este e o próximo ano. Foi uma sinalização de política monetária mais alta nos EUA.

Quando e em quanto o senhor acha que o BC vai parar de cortar juro?

Kanczuk: Meu chute é que ele vai cortar o juro até o patamar de 9%, como o mercado espera. Minha diferença em relação ao mercado está na inflação, porque a vejo entre 4,5% e 5% no ano que vem. Por isso eu não teria reduzido juro.

Entrevista por Francisco Carlos de Assis

Francisco Carlos de Assis é repórter

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