Nas ruas de Paris, Obama e o Papa surgem de beijinhos com adversários
O apelo a questões globais e relevantes utilizado pela marca italiana Benetton em suas campanhas publicitárias, sem qualquer vínculo com o seu produto além de causar polêmica, funcionou bem na década de 80. Tão bem que os seus executivos resolveram ressuscitá-lo. Mas o cenário mudou muito na era digital e o recurso soa falso e deslocado.
Ao pôr líderes mundiais se beijando na boca como o presidente americano Barack Obama que aparece de lábios colados ao venezuelano Hugo Chávez e também ao do chinês Hu Jintao - detalhe: em fotos manipuladas eletronicamente e sem a devida autorização dos envolvidos, além da desculpa furada de que se trata de mobilização contra o ódio -, a companhia busca a polêmica e a simpatia do consumidor. Sugerir que a paz se sela com afagos entre mandatários políticos em postos chaves é tolo.
O objetivo da ação, que espalhou cartazes por ruas de Paris, Nova York, Roma e Milão seria o de promover "uma mensagem de tolerância e paz", segundo divulgou a empresa. O Vaticano foi o primeiro a protestar e pedir que o cartaz onde o papa Bento XVI aparece beijando Ahmed Mohamed fosse retirado de cena. Reivindicação feita. Reivindicação prontamente aceita. Ou seja, a Benetton não tem mesmo o que defender, a não ser ganhar mídia gratuita com a polêmica inútil que criou.
As cores da Benetton
Quando o Oliviero Toscani lançou, na década de 80, a campanha "United Colors of Benetton", a proposta era mostrar a abundância de cores da linha de roupas em malha da marca, através de belas fotos que expunham a complexidade multirracial do mundo contemporâneo. Mesmo tênue, havia um laço com o produto a ser vendido. Dava vontade de comprar aquelas peças multicoloridas vestidas por crianças e lindos jovens das mais variadas procedências.
O impacto atingindo pela campanha, que foi imitada e reproduzida à exaustão em reportagens de moda, deu gás para que a fabricante italiana voltasse ao recurso dez anos depois, mais aí com fotos mais picantes sobre temas como o drama da Aids e as baixas na Guerra do golfo. Apesar de densas e tensas, o efeito de marketing foi bem menor. A tática perdia força.
Profusão de paz e amor
Agora, a associação a beijos imaginários de dirigentes políticos, além milhares de trocas de beijos exibidas no site da empresa, a nova campanha parece ridícula. Não mereceu destaque nem entre a turma do Twitter.
Diante da crise econômica em cartaz na Europa, talvez o grito para o mundo parar de se odiar na campanha Unhate, seja apenas um grito de sobrevivência da própria Benetton. Com um faturamento em torno de US$ 3 bilhões ao ano, a empresa perde mercado para fabricantes de roupas mais agéis e sintonizados com a demanda atual do mercado, como a espanhola Zara, que já atingiu receita de quase US$ 14 bilhões.
No site do jornal americano Wall Street Journal, uma matéria crítica menciona que a atual campanha é a base de um plano não só de "relançamento da marca", que anda meio esquecida, mas também de "recuperação da sua rede varejista". Para melhorar a qualidade do produto que vem perdendo clientes nos últimos dez anos, a empresa contratou um executivo do staff da Levi's.
A tentativa de gerar polêmica com a Unhate pode ser apenas falta de caixa para campanhas publicitárias de maior folêgo. A tática foi apostar na movimentação das redes sociais e sua capacidade de gerar burburinho com sua mensagem "pare de odiar". Pelo visto, não colou. Talvez falte conteúdo convincente.
ATUALIZAÇÃO:
Depois de o Vaticano entrar com processo na Justiça contra a campanha da Benetton, e do governo chinês reprovar a iniciativa da empresa, chegou a vez do governo americado. Soltaram um comunicado oficial hoje (18/11/2011). Nele ressaltam que: "A Casa Branca tem uma política de longa data de desaprovar a utilização do nome do presidente e de sua imagem para fins comerciais".
Até o momento, em matéria de obtenção de exposição gratuita na mídia global, o quadro está três a zero para a Benetton. Seus marqueteiros estão conseguindo o que queriam: muito barulho por nada. Lógico, o Vaticano pode até levar a companhia a ter gastos com processo na Justiça italiana. Entretanto, se entraram em acordo, pode ficar bem mais barato do que gastariam para chamar tanta a atenção com mídia paga.