Após sucessivos adiamentos ― o último deles na segunda-feira, 13 ―, a Americanas entregou nesta quinta-feira, 16, o balanço de 2022, com um prejuízo do R$ 12,9 bilhões e uma dívida de R$ 26 bilhões. É um passo fundamental para a finalização do acordo com os credores da empresa, que pediu recuperação judicial após a divulgação, em janeiro, de fraudes contábeis que provocaram um rombo bilionário nas contas da varejista.
A confusão nos números é tamanha que o grupo teve de usar um expediente inusitado para tentar fechar o balanço. Segundo pessoas ligadas à empresa que acompanham o caso e que falaram sob condição de anonimato, ela recorreu aos ex-executivos Marcelo Nunes e Flávia Carneiro, demitidos entre os suspeitos de participação na fraude que levou a varejista à crise atual.
Há cerca de um mês, quando o prazo de entrega dos balanços se aproximava, eles estiveram na sede da empresa, no Rio de Janeiro, em reunião com o presidente da varejista, Leonardo Coelho, e desde então vêm participando dos trabalhos de fechamento dos números, por meio de interações por vídeo.
Eles ocupavam, respectivamente, os cargos de diretor financeiro e superintendente de controladoria da Americanas quando a fraude foi revelada, em janeiro. Procurada e perguntada sobre a presença dos ex-executivos no trabalho e se eles teriam sido recontratados, a Americanas preferiu não se manifestar. A defesa dos executivos não respondeu à reportagem.
Sequência de adiamentos
As informações de pessoas ligadas à companhia a par da situação são de que o novo departamento financeiro da Americanas — com uma equipe reformulada e liderada desde fevereiro pela diretora financeira e de relações com investidores, Camille Loyo Faria, ex-executiva da Oi — encontrou muitas dificuldades em tratar com os números do passado.
O primeiro adiamento da apresentação do balanço aconteceu em 24 de março, cinco dias antes da data agendada para que os números do quarto trimestre fossem apresentados. Na ocasião, não foi divulgada uma nova data.
Em 4 de maio, foi a vez de a apresentação dos dados do primeiro trimestre deste ano ser adiada, também sem o estabelecimento de nova data. Em 3 de agosto, a revelação do balanço do segundo trimestre foi atrasada.
Outra previsão foi estabelecida no dia 30 de agosto, quando a Americanas apresentou comunicado ao mercado estabelecendo a data de 31 de outubro para divulgar os dados revistos de 2021 e 2022, e que os balanços dos trimestres de 2023 ficariam prontos, na “melhor estimativa”, até 29 de dezembro de 2023.
A decisão de trazer os ex-executivos de volta para ajudar a fechar os números foi feita nesse contexto de atrasos seguidos.
Nunes e Carneiro haviam sido citados em documento ao mercado do dia 13 de junho, mesma data em que o atual presidente da empresa, Leonardo Coelho, deu depoimento à CPI da Americanas, em Brasília, colocando a culpa das fraudes na diretoria anterior.
O documento citava que, no dia anterior, um relatório, baseado em documentos entregues pelo comitê de investigação independente e outros analisados pela nova diretoria, tinha sido apresentado ao conselho de administração.
Ele trazia a conclusão preliminar de que a fraude contábil teria o envolvimento do ex-CEO Miguel Gutierrez, dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
Todos os que ainda permaneciam contratados pela empresa, ainda que afastados de suas funções desde fevereiro, acabaram, então, demitidos. Nunes e Carneiro estavam nessa condição. Meses depois, em 15 de agosto, os dois ex-executivos tiveram homologada uma delação premiada no Ministério Público Federal, no Rio.
Durante depoimento à CPI da Americanas, em 29 de agosto, Nunes respondeu que a sua demissão não havia sido feita por justa causa, diferentemente do que havia acontecido com outros executivos.
A pergunta foi feita pelo deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que disse que o MP deveria avaliar como se deram as demissões de executivos que buscavam fazer delação premiada. Segundo ele, ao pagar os direitos trabalhistas e manter uma relação amigável com quem faz a delação, a empresa poderia induzir a delação aos seus interesses do momento.
Acusações
Após o depoimento do presidente da Americanas, Leonardo Coelho, à CPI acusando a diretoria anterior, foi a vez de vir a público uma declaração do ex-presidente Gutierrez, encaminhada por seus advogados e protocolada no dia 10 de setembro, como parte do processo que o Bradesco movia pedindo a antecipação de provas do caso.
Gutierrez afirmou, na declaração, que “a ingerência dos controladores da Americanas nas finanças das companhias de seu portfólio é, de mais a mais, fato notório, mencionado, inclusive, no famoso livro que conta sua trajetória empresarial. Para dar um exemplo específico referente às Americanas, as vendas da companhia eram acompanhadas diariamente pelo sr. Carlos Alberto Sicupira (um dos principais acionistas da empresa ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles)”.
Em 11 de setembro, a Americanas divulgou comunicado à imprensa refutando as declarações de Gutierrez e afirmando que ele nunca apresentou contraprovas aos documentos e fatos que a empresa revelou à CPI.
A nota termina dizendo que “confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, à frente das conduções de delações homologadas já em segredo de Justiça, que devem trazer ainda mais robustez às já contundentes provas apresentadas”.
O comunicado levou o Banco Safra, um dos credores, a encaminhar dois dias depois à Justiça uma notificação pedindo que a diretora de relações com investidores da varejista, Camille Loyo Faria, respondesse se a Americanas teve algum acesso às delações de seus ex-executivos, que estavam sob sigilo, ou se baseava a sua defesa, feita no comunicado, apenas nas notícias jornalísticas.
“Chega-se à fundada suspeita de que ou bem a Americanas teve acesso aos acordos de delação premiada celebrados pelos ex-executivos da companhia com o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, e conhece de forma íntima seu conteúdo, ou transmitiu informação incompleta”, escreveu os representantes do Safra no documento, citando ainda que isso apontaria para “potencialmente um ato ilícito”, e que “demanda maiores elucidações”. Esse questionamento do banco não foi respondido.