'Sacrificar o Bolsa Família não é a solução para as contas públicas'


Segundo o economista, o programa custa 0,6% do PIB e cobre 25% da população e, sem ele, problemas sociais podem se agravar

Por Idiana Tomazelli
Atualização:
Marcelo Neri foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência Foto: Fabio Mptta/Estadão

RIO - Sacrificar políticas sociais como o Bolsa Família não é solução para tentar melhorar a situação das contas públicas do País, pelo contrário, pode até agravar problemas sociais, defende o economista Marcelo Neri, que atuou como ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e o início de 2015 e hoje é pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a reforma da Previdência deve ser prioridade. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

Um eventual novo governo deve mudar o rumo das políticas sociais?

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Apesar dos problemas claros na macroeconomia e na política, a gente demorou a ter o que podemos chamar de crise social. Há uma grande resiliência. A gente não está mais no fundo do vale da pobreza, nem no topo do bem-estar social, mas estamos próximos a essa situação (topo) surpreendentemente. Desemprego explode, inflação está muito alta, mas a pobreza não se deteriorou. O Brasil dispõe de um conjunto de instrumentos bastante efetivos em termos de relação custo fiscal e impacto social. O Bolsa Família talvez seja o maior exemplo: tem um custo de 0,6% do PIB e cobre 25% da população. Daí não vão vir as receitas necessárias para o ajuste fiscal. Acho que vão vir da reforma da Previdência, da reforma tributária, das mudanças de gastos e arrecadação. O Bolsa Família não deveria ser visto como ajuste, apesar de ter sido até o reajuste anunciado em 1º de maio, com que concordo totalmente.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que o reajuste foi uma "irresponsabilidade fiscal".

Disso eu não poderia discordar mais. Você está recompondo o valor de um ano atrás. Os benefícios previdenciários seguem o salário mínimo, que segue a inflação e mais a variação do PIB. E tudo sobe. Além disso, é um reajuste parcial. O Bolsa Família foi reajustado em maio de 2014, estamos em maio de 2016, são dois anos. A inflação já está em dois dígitos, o reajuste foi de 9%. Isso é uma coisa totalmente imprecisa da parte dele.

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Caso o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assuma a Presidência, como ficariam as políticas sociais?

As políticas sociais verdadeiramente voltadas para os mais pobres fazem parte da solução, não parte do problema. Buscar um ajuste fiscal nessas políticas, e o maior exemplo é o Bolsa Família, é não solucionar o problema fiscal e aprofundar os problemas sociais que ainda existem no País. Eu acredito que o Brasil ainda continue essa busca pela redução da pobreza e desigualdade, espero que continue. Não cabe muito especular se vai ser A ou B, se A vai fazer isso, se B vai fazer aquilo. Acho que estamos próximos de uma definição, então é aguardar e ver. Mas a população brasileira teve resiliência grande em relação à crise. A gente fala de crise econômica e crise política e não fala de crise social. É sinal de que alguma coisa está funcionando. Pode funcionar melhor? Pode, não tenho a menor dúvida disso.

O IBGE divulgou recentemente que o País tem 11 milhões e desempregados, e a taxa de desocupação ainda está acelerando...

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Desocupação é visto como o principal problema do País, mas não é. É um problema sério como foi no final dos anos 90. O IBGE mostrou que a primeira queda na renda foi no terceiro trimestre de 2015, não antes disso na Pnad Contínua. Isso é uma prova de resiliência. Caiu, mas caiu bem menos que o PIB. A desigualdade começou a aumentar, o que é preocupante. Tem uma virada, mas eu diria que a imagem ainda é que estamos muito próximo ao topo.

Mas a queda na renda e a dificuldade fiscal podem desencadear uma crise social?

A restrição fiscal bateu, é uma restrição de longo prazo, então é realmente preocupante. Vai depender de uma certa sabedoria. Programas como Bolsa Família, que custam pouco e atendem muito aqueles que mais precisam têm não só efeito de redução de pobreza imediata, mas também efeito multiplicador. O multiplicador do Bolsa Família é de 1,78 no PIB, enquanto o de aposentadorias, públicas ou privadas, é de 0,6 no PIB. Ou seja, cada real que você distribui de Bolsa Família faz a economia brasileira girar três vezes mais do que cada real que eu transfiro para a Previdência, pública ou privada. Vamos ter de contar os tostões e fazer a boa aplicação. Sempre se deve procurar fazer isso, mas hoje em dia que a restrição fiscal e o mercado de trabalho dão sinais de complicações, de limites, isso vai se tornar mais importante.

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Por que o sr. avalia que a restrição fiscal é de longo prazo?

A gente vai precisar fazer a reforma da Previdência, além de um ajuste nas contas públicas de maneira mais geral. Não fazer isso é simplesmente ficar à mercê. Bolsa Família não tem ajuste automático, e eu já havia feito a crítica de que é um absurdo deixar o Bolsa Família parado em termos nominais. A sabedoria que tivemos para avançar é um pouco a ignorância que estávamos tendo de retrair, e é um caminho que não vai ajudar no ajuste fiscal. Estamos precisando um pouco de sensibilidade nesse sentido. A necessidade de reforma da Previdência vem do fato de que as pessoas estão vivendo mais, eu diria melhor, e agora isso impõe novos ajustes. Estender idade mínima de aposentadoria, isso deve acontecer, senão você vai buscar paliativos como não reajustar o Bolsa Família.

Muitos especialistas discutem a política de reajuste real do salário mínimo, propondo revisões. Qual deveria ser o rumo?

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Acho que é uma política que tem os seus tabus, assim como o Bolsa Família. É preciso ter mais evidência, porque o salário mínimo faz muitas coisas, e isso é uma parte da limitação. Ele é o piso do mercado de trabalho, como é em todas as partes do mundo, e é o numerário da política social, fora o Bolsa Família. É natural que esse instrumento não consiga fazer o melhor das várias coisas que ele tenta fazer, porque é um instrumento só. Acho que temos que estudar muito, saber quais são os limites, mas o debate deveria estar muito mais em torno de reforma da Previdência.

O sr. falou também de reforma tributária. O que é preciso mudar?

A carga tributária no brasil é alta, de baixa qualidade, não só em regressividade mas também nos incentivos que ela confere. Ela é complexa, porque tem uma lei de ICMS para cada estado. Então tem muito espaço para avançar. Agora, isso vai precisar de um certo consenso político para acontecer. Depende disso e das reais intenções de quem vai estar no comando, se vai querer de fato.

Marcelo Neri foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência Foto: Fabio Mptta/Estadão

RIO - Sacrificar políticas sociais como o Bolsa Família não é solução para tentar melhorar a situação das contas públicas do País, pelo contrário, pode até agravar problemas sociais, defende o economista Marcelo Neri, que atuou como ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e o início de 2015 e hoje é pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a reforma da Previdência deve ser prioridade. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

Um eventual novo governo deve mudar o rumo das políticas sociais?

Apesar dos problemas claros na macroeconomia e na política, a gente demorou a ter o que podemos chamar de crise social. Há uma grande resiliência. A gente não está mais no fundo do vale da pobreza, nem no topo do bem-estar social, mas estamos próximos a essa situação (topo) surpreendentemente. Desemprego explode, inflação está muito alta, mas a pobreza não se deteriorou. O Brasil dispõe de um conjunto de instrumentos bastante efetivos em termos de relação custo fiscal e impacto social. O Bolsa Família talvez seja o maior exemplo: tem um custo de 0,6% do PIB e cobre 25% da população. Daí não vão vir as receitas necessárias para o ajuste fiscal. Acho que vão vir da reforma da Previdência, da reforma tributária, das mudanças de gastos e arrecadação. O Bolsa Família não deveria ser visto como ajuste, apesar de ter sido até o reajuste anunciado em 1º de maio, com que concordo totalmente.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que o reajuste foi uma "irresponsabilidade fiscal".

Disso eu não poderia discordar mais. Você está recompondo o valor de um ano atrás. Os benefícios previdenciários seguem o salário mínimo, que segue a inflação e mais a variação do PIB. E tudo sobe. Além disso, é um reajuste parcial. O Bolsa Família foi reajustado em maio de 2014, estamos em maio de 2016, são dois anos. A inflação já está em dois dígitos, o reajuste foi de 9%. Isso é uma coisa totalmente imprecisa da parte dele.

Caso o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assuma a Presidência, como ficariam as políticas sociais?

As políticas sociais verdadeiramente voltadas para os mais pobres fazem parte da solução, não parte do problema. Buscar um ajuste fiscal nessas políticas, e o maior exemplo é o Bolsa Família, é não solucionar o problema fiscal e aprofundar os problemas sociais que ainda existem no País. Eu acredito que o Brasil ainda continue essa busca pela redução da pobreza e desigualdade, espero que continue. Não cabe muito especular se vai ser A ou B, se A vai fazer isso, se B vai fazer aquilo. Acho que estamos próximos de uma definição, então é aguardar e ver. Mas a população brasileira teve resiliência grande em relação à crise. A gente fala de crise econômica e crise política e não fala de crise social. É sinal de que alguma coisa está funcionando. Pode funcionar melhor? Pode, não tenho a menor dúvida disso.

O IBGE divulgou recentemente que o País tem 11 milhões e desempregados, e a taxa de desocupação ainda está acelerando...

Desocupação é visto como o principal problema do País, mas não é. É um problema sério como foi no final dos anos 90. O IBGE mostrou que a primeira queda na renda foi no terceiro trimestre de 2015, não antes disso na Pnad Contínua. Isso é uma prova de resiliência. Caiu, mas caiu bem menos que o PIB. A desigualdade começou a aumentar, o que é preocupante. Tem uma virada, mas eu diria que a imagem ainda é que estamos muito próximo ao topo.

Mas a queda na renda e a dificuldade fiscal podem desencadear uma crise social?

A restrição fiscal bateu, é uma restrição de longo prazo, então é realmente preocupante. Vai depender de uma certa sabedoria. Programas como Bolsa Família, que custam pouco e atendem muito aqueles que mais precisam têm não só efeito de redução de pobreza imediata, mas também efeito multiplicador. O multiplicador do Bolsa Família é de 1,78 no PIB, enquanto o de aposentadorias, públicas ou privadas, é de 0,6 no PIB. Ou seja, cada real que você distribui de Bolsa Família faz a economia brasileira girar três vezes mais do que cada real que eu transfiro para a Previdência, pública ou privada. Vamos ter de contar os tostões e fazer a boa aplicação. Sempre se deve procurar fazer isso, mas hoje em dia que a restrição fiscal e o mercado de trabalho dão sinais de complicações, de limites, isso vai se tornar mais importante.

Por que o sr. avalia que a restrição fiscal é de longo prazo?

A gente vai precisar fazer a reforma da Previdência, além de um ajuste nas contas públicas de maneira mais geral. Não fazer isso é simplesmente ficar à mercê. Bolsa Família não tem ajuste automático, e eu já havia feito a crítica de que é um absurdo deixar o Bolsa Família parado em termos nominais. A sabedoria que tivemos para avançar é um pouco a ignorância que estávamos tendo de retrair, e é um caminho que não vai ajudar no ajuste fiscal. Estamos precisando um pouco de sensibilidade nesse sentido. A necessidade de reforma da Previdência vem do fato de que as pessoas estão vivendo mais, eu diria melhor, e agora isso impõe novos ajustes. Estender idade mínima de aposentadoria, isso deve acontecer, senão você vai buscar paliativos como não reajustar o Bolsa Família.

Muitos especialistas discutem a política de reajuste real do salário mínimo, propondo revisões. Qual deveria ser o rumo?

Acho que é uma política que tem os seus tabus, assim como o Bolsa Família. É preciso ter mais evidência, porque o salário mínimo faz muitas coisas, e isso é uma parte da limitação. Ele é o piso do mercado de trabalho, como é em todas as partes do mundo, e é o numerário da política social, fora o Bolsa Família. É natural que esse instrumento não consiga fazer o melhor das várias coisas que ele tenta fazer, porque é um instrumento só. Acho que temos que estudar muito, saber quais são os limites, mas o debate deveria estar muito mais em torno de reforma da Previdência.

O sr. falou também de reforma tributária. O que é preciso mudar?

A carga tributária no brasil é alta, de baixa qualidade, não só em regressividade mas também nos incentivos que ela confere. Ela é complexa, porque tem uma lei de ICMS para cada estado. Então tem muito espaço para avançar. Agora, isso vai precisar de um certo consenso político para acontecer. Depende disso e das reais intenções de quem vai estar no comando, se vai querer de fato.

Marcelo Neri foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência Foto: Fabio Mptta/Estadão

RIO - Sacrificar políticas sociais como o Bolsa Família não é solução para tentar melhorar a situação das contas públicas do País, pelo contrário, pode até agravar problemas sociais, defende o economista Marcelo Neri, que atuou como ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e o início de 2015 e hoje é pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a reforma da Previdência deve ser prioridade. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

Um eventual novo governo deve mudar o rumo das políticas sociais?

Apesar dos problemas claros na macroeconomia e na política, a gente demorou a ter o que podemos chamar de crise social. Há uma grande resiliência. A gente não está mais no fundo do vale da pobreza, nem no topo do bem-estar social, mas estamos próximos a essa situação (topo) surpreendentemente. Desemprego explode, inflação está muito alta, mas a pobreza não se deteriorou. O Brasil dispõe de um conjunto de instrumentos bastante efetivos em termos de relação custo fiscal e impacto social. O Bolsa Família talvez seja o maior exemplo: tem um custo de 0,6% do PIB e cobre 25% da população. Daí não vão vir as receitas necessárias para o ajuste fiscal. Acho que vão vir da reforma da Previdência, da reforma tributária, das mudanças de gastos e arrecadação. O Bolsa Família não deveria ser visto como ajuste, apesar de ter sido até o reajuste anunciado em 1º de maio, com que concordo totalmente.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que o reajuste foi uma "irresponsabilidade fiscal".

Disso eu não poderia discordar mais. Você está recompondo o valor de um ano atrás. Os benefícios previdenciários seguem o salário mínimo, que segue a inflação e mais a variação do PIB. E tudo sobe. Além disso, é um reajuste parcial. O Bolsa Família foi reajustado em maio de 2014, estamos em maio de 2016, são dois anos. A inflação já está em dois dígitos, o reajuste foi de 9%. Isso é uma coisa totalmente imprecisa da parte dele.

Caso o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assuma a Presidência, como ficariam as políticas sociais?

As políticas sociais verdadeiramente voltadas para os mais pobres fazem parte da solução, não parte do problema. Buscar um ajuste fiscal nessas políticas, e o maior exemplo é o Bolsa Família, é não solucionar o problema fiscal e aprofundar os problemas sociais que ainda existem no País. Eu acredito que o Brasil ainda continue essa busca pela redução da pobreza e desigualdade, espero que continue. Não cabe muito especular se vai ser A ou B, se A vai fazer isso, se B vai fazer aquilo. Acho que estamos próximos de uma definição, então é aguardar e ver. Mas a população brasileira teve resiliência grande em relação à crise. A gente fala de crise econômica e crise política e não fala de crise social. É sinal de que alguma coisa está funcionando. Pode funcionar melhor? Pode, não tenho a menor dúvida disso.

O IBGE divulgou recentemente que o País tem 11 milhões e desempregados, e a taxa de desocupação ainda está acelerando...

Desocupação é visto como o principal problema do País, mas não é. É um problema sério como foi no final dos anos 90. O IBGE mostrou que a primeira queda na renda foi no terceiro trimestre de 2015, não antes disso na Pnad Contínua. Isso é uma prova de resiliência. Caiu, mas caiu bem menos que o PIB. A desigualdade começou a aumentar, o que é preocupante. Tem uma virada, mas eu diria que a imagem ainda é que estamos muito próximo ao topo.

Mas a queda na renda e a dificuldade fiscal podem desencadear uma crise social?

A restrição fiscal bateu, é uma restrição de longo prazo, então é realmente preocupante. Vai depender de uma certa sabedoria. Programas como Bolsa Família, que custam pouco e atendem muito aqueles que mais precisam têm não só efeito de redução de pobreza imediata, mas também efeito multiplicador. O multiplicador do Bolsa Família é de 1,78 no PIB, enquanto o de aposentadorias, públicas ou privadas, é de 0,6 no PIB. Ou seja, cada real que você distribui de Bolsa Família faz a economia brasileira girar três vezes mais do que cada real que eu transfiro para a Previdência, pública ou privada. Vamos ter de contar os tostões e fazer a boa aplicação. Sempre se deve procurar fazer isso, mas hoje em dia que a restrição fiscal e o mercado de trabalho dão sinais de complicações, de limites, isso vai se tornar mais importante.

Por que o sr. avalia que a restrição fiscal é de longo prazo?

A gente vai precisar fazer a reforma da Previdência, além de um ajuste nas contas públicas de maneira mais geral. Não fazer isso é simplesmente ficar à mercê. Bolsa Família não tem ajuste automático, e eu já havia feito a crítica de que é um absurdo deixar o Bolsa Família parado em termos nominais. A sabedoria que tivemos para avançar é um pouco a ignorância que estávamos tendo de retrair, e é um caminho que não vai ajudar no ajuste fiscal. Estamos precisando um pouco de sensibilidade nesse sentido. A necessidade de reforma da Previdência vem do fato de que as pessoas estão vivendo mais, eu diria melhor, e agora isso impõe novos ajustes. Estender idade mínima de aposentadoria, isso deve acontecer, senão você vai buscar paliativos como não reajustar o Bolsa Família.

Muitos especialistas discutem a política de reajuste real do salário mínimo, propondo revisões. Qual deveria ser o rumo?

Acho que é uma política que tem os seus tabus, assim como o Bolsa Família. É preciso ter mais evidência, porque o salário mínimo faz muitas coisas, e isso é uma parte da limitação. Ele é o piso do mercado de trabalho, como é em todas as partes do mundo, e é o numerário da política social, fora o Bolsa Família. É natural que esse instrumento não consiga fazer o melhor das várias coisas que ele tenta fazer, porque é um instrumento só. Acho que temos que estudar muito, saber quais são os limites, mas o debate deveria estar muito mais em torno de reforma da Previdência.

O sr. falou também de reforma tributária. O que é preciso mudar?

A carga tributária no brasil é alta, de baixa qualidade, não só em regressividade mas também nos incentivos que ela confere. Ela é complexa, porque tem uma lei de ICMS para cada estado. Então tem muito espaço para avançar. Agora, isso vai precisar de um certo consenso político para acontecer. Depende disso e das reais intenções de quem vai estar no comando, se vai querer de fato.

Marcelo Neri foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência Foto: Fabio Mptta/Estadão

RIO - Sacrificar políticas sociais como o Bolsa Família não é solução para tentar melhorar a situação das contas públicas do País, pelo contrário, pode até agravar problemas sociais, defende o economista Marcelo Neri, que atuou como ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e o início de 2015 e hoje é pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a reforma da Previdência deve ser prioridade. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

Um eventual novo governo deve mudar o rumo das políticas sociais?

Apesar dos problemas claros na macroeconomia e na política, a gente demorou a ter o que podemos chamar de crise social. Há uma grande resiliência. A gente não está mais no fundo do vale da pobreza, nem no topo do bem-estar social, mas estamos próximos a essa situação (topo) surpreendentemente. Desemprego explode, inflação está muito alta, mas a pobreza não se deteriorou. O Brasil dispõe de um conjunto de instrumentos bastante efetivos em termos de relação custo fiscal e impacto social. O Bolsa Família talvez seja o maior exemplo: tem um custo de 0,6% do PIB e cobre 25% da população. Daí não vão vir as receitas necessárias para o ajuste fiscal. Acho que vão vir da reforma da Previdência, da reforma tributária, das mudanças de gastos e arrecadação. O Bolsa Família não deveria ser visto como ajuste, apesar de ter sido até o reajuste anunciado em 1º de maio, com que concordo totalmente.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que o reajuste foi uma "irresponsabilidade fiscal".

Disso eu não poderia discordar mais. Você está recompondo o valor de um ano atrás. Os benefícios previdenciários seguem o salário mínimo, que segue a inflação e mais a variação do PIB. E tudo sobe. Além disso, é um reajuste parcial. O Bolsa Família foi reajustado em maio de 2014, estamos em maio de 2016, são dois anos. A inflação já está em dois dígitos, o reajuste foi de 9%. Isso é uma coisa totalmente imprecisa da parte dele.

Caso o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assuma a Presidência, como ficariam as políticas sociais?

As políticas sociais verdadeiramente voltadas para os mais pobres fazem parte da solução, não parte do problema. Buscar um ajuste fiscal nessas políticas, e o maior exemplo é o Bolsa Família, é não solucionar o problema fiscal e aprofundar os problemas sociais que ainda existem no País. Eu acredito que o Brasil ainda continue essa busca pela redução da pobreza e desigualdade, espero que continue. Não cabe muito especular se vai ser A ou B, se A vai fazer isso, se B vai fazer aquilo. Acho que estamos próximos de uma definição, então é aguardar e ver. Mas a população brasileira teve resiliência grande em relação à crise. A gente fala de crise econômica e crise política e não fala de crise social. É sinal de que alguma coisa está funcionando. Pode funcionar melhor? Pode, não tenho a menor dúvida disso.

O IBGE divulgou recentemente que o País tem 11 milhões e desempregados, e a taxa de desocupação ainda está acelerando...

Desocupação é visto como o principal problema do País, mas não é. É um problema sério como foi no final dos anos 90. O IBGE mostrou que a primeira queda na renda foi no terceiro trimestre de 2015, não antes disso na Pnad Contínua. Isso é uma prova de resiliência. Caiu, mas caiu bem menos que o PIB. A desigualdade começou a aumentar, o que é preocupante. Tem uma virada, mas eu diria que a imagem ainda é que estamos muito próximo ao topo.

Mas a queda na renda e a dificuldade fiscal podem desencadear uma crise social?

A restrição fiscal bateu, é uma restrição de longo prazo, então é realmente preocupante. Vai depender de uma certa sabedoria. Programas como Bolsa Família, que custam pouco e atendem muito aqueles que mais precisam têm não só efeito de redução de pobreza imediata, mas também efeito multiplicador. O multiplicador do Bolsa Família é de 1,78 no PIB, enquanto o de aposentadorias, públicas ou privadas, é de 0,6 no PIB. Ou seja, cada real que você distribui de Bolsa Família faz a economia brasileira girar três vezes mais do que cada real que eu transfiro para a Previdência, pública ou privada. Vamos ter de contar os tostões e fazer a boa aplicação. Sempre se deve procurar fazer isso, mas hoje em dia que a restrição fiscal e o mercado de trabalho dão sinais de complicações, de limites, isso vai se tornar mais importante.

Por que o sr. avalia que a restrição fiscal é de longo prazo?

A gente vai precisar fazer a reforma da Previdência, além de um ajuste nas contas públicas de maneira mais geral. Não fazer isso é simplesmente ficar à mercê. Bolsa Família não tem ajuste automático, e eu já havia feito a crítica de que é um absurdo deixar o Bolsa Família parado em termos nominais. A sabedoria que tivemos para avançar é um pouco a ignorância que estávamos tendo de retrair, e é um caminho que não vai ajudar no ajuste fiscal. Estamos precisando um pouco de sensibilidade nesse sentido. A necessidade de reforma da Previdência vem do fato de que as pessoas estão vivendo mais, eu diria melhor, e agora isso impõe novos ajustes. Estender idade mínima de aposentadoria, isso deve acontecer, senão você vai buscar paliativos como não reajustar o Bolsa Família.

Muitos especialistas discutem a política de reajuste real do salário mínimo, propondo revisões. Qual deveria ser o rumo?

Acho que é uma política que tem os seus tabus, assim como o Bolsa Família. É preciso ter mais evidência, porque o salário mínimo faz muitas coisas, e isso é uma parte da limitação. Ele é o piso do mercado de trabalho, como é em todas as partes do mundo, e é o numerário da política social, fora o Bolsa Família. É natural que esse instrumento não consiga fazer o melhor das várias coisas que ele tenta fazer, porque é um instrumento só. Acho que temos que estudar muito, saber quais são os limites, mas o debate deveria estar muito mais em torno de reforma da Previdência.

O sr. falou também de reforma tributária. O que é preciso mudar?

A carga tributária no brasil é alta, de baixa qualidade, não só em regressividade mas também nos incentivos que ela confere. Ela é complexa, porque tem uma lei de ICMS para cada estado. Então tem muito espaço para avançar. Agora, isso vai precisar de um certo consenso político para acontecer. Depende disso e das reais intenções de quem vai estar no comando, se vai querer de fato.

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