'Sem repor aposentadorias, IBGE terá de cortar pesquisas', diz ex-presidente do instituto


Atualmente pesquisador associado do Ibre/FGV, Olinto criticou forma como está sendo preparado o Censo Demográfico 2020 e disse que luta por recursos e reposição de servidores no instituto é frequente; total de funcionários do órgão recuou 36% em dez anos

Por Daniela Amorim

RIO - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) precisa ter orçamento e corpo técnico recompostos no prazo máximo de cinco anos, ou a produção das pesquisas conjunturais será afetada, afirmou o ex-presidente do órgão Roberto Olinto. Em pouco mais de uma década, o total de servidores recuou 36%, de 7.346 em janeiro de 2008 para 4.726 em maio deste ano. Quase um terço dos remanescentes (27%, ou 1.296 servidores que ainda estão trabalhando) já está em condições de se aposentar, informou o sindicato de servidores do IBGE.

O ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, funcionário de carreira do instituto. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Olinto, funcionário de carreira do órgão desde 1980, foi substituído no fim de fevereiro por Susana Cordeiro Guerra, indicada pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Desde então, atuava como conselheiro da presidência do instituto, mas optou pela aposentadoria em meio a discordâncias sobre os rumos da nova direção. Também já foi diretor de Pesquisas e coordenador de Contas Nacionais no IBGE.

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Agora trabalha como pesquisador associado no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na FGV, atuará na área de pesquisa sobre Contas Nacionais, a especialidade que o levou a integrar um grupo de trabalho na Comissão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas para discutir o futuro das estatísticas econômicas. O relatório será apresentado na reunião da comissão na ONU em 2021.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Olinto criticou a forma como vem sendo conduzida a preparação para o Censo Demográfico 2020 e lembrou que a luta por recursos e reposição de servidores no órgão não se restringe ao levantamento censitário. É uma batalha anual, que já inviabilizou a realização da última contagem populacional e fez a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) ir a campo com defasagem de cinco anos. Veja a seguir os principais pontos da entrevista

O sr. deixou a presidência do IBGE em um momento desafiador, de corte orçamentário, de redução do corpo técnico via aposentadorias e de coleta em campo do mais importante levantamento do País, o Censo Demográfico. Apesar de ter ficado acertado com o ministro Paulo Guedes que permaneceria como conselheiro da presidência, preferiu a aposentadoria. O que pesou nessa decisão?

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Quando tem discordância, o mais saudável é se afastar. Se não posso usar minha experiência de tantos anos e tantos cargos no IBGE pra ajudar, não tem sentido eu ficar apenas discordando. Me dedicarei a outros projetos que acho mais interessantes nesse momento.

O sr. sempre defendeu que o Censo fosse a campo conforme formulado pelo corpo técnico, se posicionando reiteradamente contra o corte orçamentário e enxugamento do levantamento. É possível mensurar as perdas decorrentes da redução do questionário já anunciada? Existe alguma chance de o Censo ir a campo conforme recomendado pelo corpo técnico?

Olhando a última declaração da presidente, é não (não existe chance). Mas vai ser bem feito, não tenho a menor dúvida, o corpo técnico do IBGE é extremamente capacitado. O que tem hoje não garante a qualidade do sentindo amplo que se gostaria de ter. 

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Seria melhor levar o Censo mais completo a campo em 2021 ou fazer em 2020 do que do jeito que foi apresentado agora?

Melhor agora, temos que fazer em 2020.

O País tem registros administrativos em qualidade e quantidade para substituir o que ficou de fora do Censo?

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Estou falando como alguém que trabalha brigando por registros administrativos há pelo menos 25 anos. Estão falando de registro administrativo de forma muito simplória e talvez leviana. No mundo todo, o uso de registro administrativo é fundamental para o avanço das estatísticas. Isso é discutido em todos os seminários. O uso de registro administrativo não é uma solução que você vai tirar da cartola. É um processo, que começa primeiro com o convencimento das instituições para os registros serem compartilhados, tem que ter acesso ao microdado, tem que analisar esse registro, tem que preparar para gerar uma informação e essa informação ser oficial. O IBGE tem experiência de uso do registro, não venha dizer que é novidade. O que está se colocando é ter um projeto de complementação. Ter o registro agora não garante que o registro é adequado. Tem que discutir como interferir no registro para mudar o tipo de coleta ou de questionário. Um sistema integrado é um plano para 10 ou 15 anos. Cortar agora dizendo que vai substituir é ilusório. Tem que manter a coleta agora e trabalhar para substituir em 2030, e passar dez anos construindo um sistema de estatística demográfica, discutindo com governo, discutindo com produtores de registros. É assim que funciona.

Questionário básico do Censo Demográfico 2020 foi reduzido de 37 para 25 perguntas. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Mas os registros existem em quantidade e qualidade suficiente para suprir as necessidades do Censo?

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Registro administrativo está prioritariamente associado à formalização. Ninguém sabe exatamente. É necessário um estudo para fazer um inventário dos registros, da qualidade dos registros. Além disso, num País como o Brasil, tem toda uma parte não registrada muito grande. Por isso tem a complementação de pesquisas domiciliares, para ter a visão do domicílio e das famílias. Registro administrativo é complemento sim, é o caminho, facilita, mas não é aquilo tudo, particularmente na área social. Na área de empresa nós podemos sim pegar registro da Receita Federal e substituir um questionário que pergunta a mesma coisa. Isso o IBGE está fazendo, está lutando para ter. Cada sistema desse tem que ser pensado e planejado.

O IBGE informou que parte das perguntas retiradas do Censo seria suprida no futuro pela Pnad Contínua, como as questões referentes às características do domicílio. Transferir uma coleta decenal para mensal não sobrecarrega de qualquer maneira o instituto?

Todos os nossos projetos de expansão têm um pré-requisito básico: a estrutura do IBGE tem que ser ampliada. A estrutura é a rede de coleta, que hoje está deficiente, com pessoas se aposentando. A POF Contínua é um exemplo, ela não foi a campo porque a rede não tem condições de incorporar uma pesquisa que seria de coleta mensal, sobrecarregando o que já tem da Pnad Contínua. A Pnad é uma pesquisa que já faz 70 mil entrevistas por mês. Claro que é possível colocar mais variáveis lá dentro, um ponto ou outro, que ela sustenta. Mas qual o limite? Isso que tem que ser pensado. Há uma série de outros projetos, o sistema de estáticas brasileiro não é um sistema que se reduz ao Censo. Esse sistema pode se desintegrar se algumas medidas não foram feitas. Tenho dito desde o fim do ano passado que se não tivesse concurso várias pesquisas estariam comprometidas, inclusive o Censo. O IBGE tinha 8 mil funcionários, caiu para algo como 5 mil. Todos os nossos projetos têm que ter orçamento, têm que ter reposição.

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Pode afetar as pesquisas conjunturais?

Pode afetar tudo. No curto prazo não, mas no médio prazo, cinco anos. Cinco anos ou menos.

O IBGE tem que brigar todo ano pelo orçamento?

Todo ano, pelo orçamento básico.

Mas os projetos aumentam, a população aumenta.

Como chega a um ponto de não ter uma agenda estatística, de encarar a agenda estatística como um ativo de conhecimento que permita governar melhor esse País? Não é monopólio brasileiro ter uma crise. A necessidade de informação é crescente. Tem que aumentar a granularidade, que é investir mais em conhecimento. O IBGE tem essa agenda, o País não tem. Mas o Brasil tem que ter uma agenda também. Não pode discutir só em 2019 o orçamento para um Censo que tem coleta em 2020.

Na sua gestão, o IBGE pediu liberação de um concurso para preenchimento de 1.800 vagas definitivas para substituição dos 1.800 servidores que se aposentaram nos últimos oito anos. Até o ano passado, 60% das 536 agências pelo País tinham pessoas aposentadas com abono de permanência. Diante da resistência do governo a novos concursos, o órgão conseguiria continuar a funcionar com essa dinâmica de perda de funcionários concursados?

O IBGE tem um projeto imenso. Essa agenda necessita de apoio, gente, tecnologia. Não tem dinheiro para comprar software, equipamento. Tem que ter planejamento de médio prazo. Se o IBGE baixa dos 5 mil funcionários que tem agora para 3 mil, não vai dar, vai ter que cortar pesquisa. Não tem como não cortar.

RIO - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) precisa ter orçamento e corpo técnico recompostos no prazo máximo de cinco anos, ou a produção das pesquisas conjunturais será afetada, afirmou o ex-presidente do órgão Roberto Olinto. Em pouco mais de uma década, o total de servidores recuou 36%, de 7.346 em janeiro de 2008 para 4.726 em maio deste ano. Quase um terço dos remanescentes (27%, ou 1.296 servidores que ainda estão trabalhando) já está em condições de se aposentar, informou o sindicato de servidores do IBGE.

O ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, funcionário de carreira do instituto. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Olinto, funcionário de carreira do órgão desde 1980, foi substituído no fim de fevereiro por Susana Cordeiro Guerra, indicada pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Desde então, atuava como conselheiro da presidência do instituto, mas optou pela aposentadoria em meio a discordâncias sobre os rumos da nova direção. Também já foi diretor de Pesquisas e coordenador de Contas Nacionais no IBGE.

Agora trabalha como pesquisador associado no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na FGV, atuará na área de pesquisa sobre Contas Nacionais, a especialidade que o levou a integrar um grupo de trabalho na Comissão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas para discutir o futuro das estatísticas econômicas. O relatório será apresentado na reunião da comissão na ONU em 2021.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Olinto criticou a forma como vem sendo conduzida a preparação para o Censo Demográfico 2020 e lembrou que a luta por recursos e reposição de servidores no órgão não se restringe ao levantamento censitário. É uma batalha anual, que já inviabilizou a realização da última contagem populacional e fez a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) ir a campo com defasagem de cinco anos. Veja a seguir os principais pontos da entrevista

O sr. deixou a presidência do IBGE em um momento desafiador, de corte orçamentário, de redução do corpo técnico via aposentadorias e de coleta em campo do mais importante levantamento do País, o Censo Demográfico. Apesar de ter ficado acertado com o ministro Paulo Guedes que permaneceria como conselheiro da presidência, preferiu a aposentadoria. O que pesou nessa decisão?

Quando tem discordância, o mais saudável é se afastar. Se não posso usar minha experiência de tantos anos e tantos cargos no IBGE pra ajudar, não tem sentido eu ficar apenas discordando. Me dedicarei a outros projetos que acho mais interessantes nesse momento.

O sr. sempre defendeu que o Censo fosse a campo conforme formulado pelo corpo técnico, se posicionando reiteradamente contra o corte orçamentário e enxugamento do levantamento. É possível mensurar as perdas decorrentes da redução do questionário já anunciada? Existe alguma chance de o Censo ir a campo conforme recomendado pelo corpo técnico?

Olhando a última declaração da presidente, é não (não existe chance). Mas vai ser bem feito, não tenho a menor dúvida, o corpo técnico do IBGE é extremamente capacitado. O que tem hoje não garante a qualidade do sentindo amplo que se gostaria de ter. 

Seria melhor levar o Censo mais completo a campo em 2021 ou fazer em 2020 do que do jeito que foi apresentado agora?

Melhor agora, temos que fazer em 2020.

O País tem registros administrativos em qualidade e quantidade para substituir o que ficou de fora do Censo?

Estou falando como alguém que trabalha brigando por registros administrativos há pelo menos 25 anos. Estão falando de registro administrativo de forma muito simplória e talvez leviana. No mundo todo, o uso de registro administrativo é fundamental para o avanço das estatísticas. Isso é discutido em todos os seminários. O uso de registro administrativo não é uma solução que você vai tirar da cartola. É um processo, que começa primeiro com o convencimento das instituições para os registros serem compartilhados, tem que ter acesso ao microdado, tem que analisar esse registro, tem que preparar para gerar uma informação e essa informação ser oficial. O IBGE tem experiência de uso do registro, não venha dizer que é novidade. O que está se colocando é ter um projeto de complementação. Ter o registro agora não garante que o registro é adequado. Tem que discutir como interferir no registro para mudar o tipo de coleta ou de questionário. Um sistema integrado é um plano para 10 ou 15 anos. Cortar agora dizendo que vai substituir é ilusório. Tem que manter a coleta agora e trabalhar para substituir em 2030, e passar dez anos construindo um sistema de estatística demográfica, discutindo com governo, discutindo com produtores de registros. É assim que funciona.

Questionário básico do Censo Demográfico 2020 foi reduzido de 37 para 25 perguntas. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Mas os registros existem em quantidade e qualidade suficiente para suprir as necessidades do Censo?

Registro administrativo está prioritariamente associado à formalização. Ninguém sabe exatamente. É necessário um estudo para fazer um inventário dos registros, da qualidade dos registros. Além disso, num País como o Brasil, tem toda uma parte não registrada muito grande. Por isso tem a complementação de pesquisas domiciliares, para ter a visão do domicílio e das famílias. Registro administrativo é complemento sim, é o caminho, facilita, mas não é aquilo tudo, particularmente na área social. Na área de empresa nós podemos sim pegar registro da Receita Federal e substituir um questionário que pergunta a mesma coisa. Isso o IBGE está fazendo, está lutando para ter. Cada sistema desse tem que ser pensado e planejado.

O IBGE informou que parte das perguntas retiradas do Censo seria suprida no futuro pela Pnad Contínua, como as questões referentes às características do domicílio. Transferir uma coleta decenal para mensal não sobrecarrega de qualquer maneira o instituto?

Todos os nossos projetos de expansão têm um pré-requisito básico: a estrutura do IBGE tem que ser ampliada. A estrutura é a rede de coleta, que hoje está deficiente, com pessoas se aposentando. A POF Contínua é um exemplo, ela não foi a campo porque a rede não tem condições de incorporar uma pesquisa que seria de coleta mensal, sobrecarregando o que já tem da Pnad Contínua. A Pnad é uma pesquisa que já faz 70 mil entrevistas por mês. Claro que é possível colocar mais variáveis lá dentro, um ponto ou outro, que ela sustenta. Mas qual o limite? Isso que tem que ser pensado. Há uma série de outros projetos, o sistema de estáticas brasileiro não é um sistema que se reduz ao Censo. Esse sistema pode se desintegrar se algumas medidas não foram feitas. Tenho dito desde o fim do ano passado que se não tivesse concurso várias pesquisas estariam comprometidas, inclusive o Censo. O IBGE tinha 8 mil funcionários, caiu para algo como 5 mil. Todos os nossos projetos têm que ter orçamento, têm que ter reposição.

Pode afetar as pesquisas conjunturais?

Pode afetar tudo. No curto prazo não, mas no médio prazo, cinco anos. Cinco anos ou menos.

O IBGE tem que brigar todo ano pelo orçamento?

Todo ano, pelo orçamento básico.

Mas os projetos aumentam, a população aumenta.

Como chega a um ponto de não ter uma agenda estatística, de encarar a agenda estatística como um ativo de conhecimento que permita governar melhor esse País? Não é monopólio brasileiro ter uma crise. A necessidade de informação é crescente. Tem que aumentar a granularidade, que é investir mais em conhecimento. O IBGE tem essa agenda, o País não tem. Mas o Brasil tem que ter uma agenda também. Não pode discutir só em 2019 o orçamento para um Censo que tem coleta em 2020.

Na sua gestão, o IBGE pediu liberação de um concurso para preenchimento de 1.800 vagas definitivas para substituição dos 1.800 servidores que se aposentaram nos últimos oito anos. Até o ano passado, 60% das 536 agências pelo País tinham pessoas aposentadas com abono de permanência. Diante da resistência do governo a novos concursos, o órgão conseguiria continuar a funcionar com essa dinâmica de perda de funcionários concursados?

O IBGE tem um projeto imenso. Essa agenda necessita de apoio, gente, tecnologia. Não tem dinheiro para comprar software, equipamento. Tem que ter planejamento de médio prazo. Se o IBGE baixa dos 5 mil funcionários que tem agora para 3 mil, não vai dar, vai ter que cortar pesquisa. Não tem como não cortar.

RIO - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) precisa ter orçamento e corpo técnico recompostos no prazo máximo de cinco anos, ou a produção das pesquisas conjunturais será afetada, afirmou o ex-presidente do órgão Roberto Olinto. Em pouco mais de uma década, o total de servidores recuou 36%, de 7.346 em janeiro de 2008 para 4.726 em maio deste ano. Quase um terço dos remanescentes (27%, ou 1.296 servidores que ainda estão trabalhando) já está em condições de se aposentar, informou o sindicato de servidores do IBGE.

O ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, funcionário de carreira do instituto. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Olinto, funcionário de carreira do órgão desde 1980, foi substituído no fim de fevereiro por Susana Cordeiro Guerra, indicada pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Desde então, atuava como conselheiro da presidência do instituto, mas optou pela aposentadoria em meio a discordâncias sobre os rumos da nova direção. Também já foi diretor de Pesquisas e coordenador de Contas Nacionais no IBGE.

Agora trabalha como pesquisador associado no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na FGV, atuará na área de pesquisa sobre Contas Nacionais, a especialidade que o levou a integrar um grupo de trabalho na Comissão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas para discutir o futuro das estatísticas econômicas. O relatório será apresentado na reunião da comissão na ONU em 2021.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Olinto criticou a forma como vem sendo conduzida a preparação para o Censo Demográfico 2020 e lembrou que a luta por recursos e reposição de servidores no órgão não se restringe ao levantamento censitário. É uma batalha anual, que já inviabilizou a realização da última contagem populacional e fez a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) ir a campo com defasagem de cinco anos. Veja a seguir os principais pontos da entrevista

O sr. deixou a presidência do IBGE em um momento desafiador, de corte orçamentário, de redução do corpo técnico via aposentadorias e de coleta em campo do mais importante levantamento do País, o Censo Demográfico. Apesar de ter ficado acertado com o ministro Paulo Guedes que permaneceria como conselheiro da presidência, preferiu a aposentadoria. O que pesou nessa decisão?

Quando tem discordância, o mais saudável é se afastar. Se não posso usar minha experiência de tantos anos e tantos cargos no IBGE pra ajudar, não tem sentido eu ficar apenas discordando. Me dedicarei a outros projetos que acho mais interessantes nesse momento.

O sr. sempre defendeu que o Censo fosse a campo conforme formulado pelo corpo técnico, se posicionando reiteradamente contra o corte orçamentário e enxugamento do levantamento. É possível mensurar as perdas decorrentes da redução do questionário já anunciada? Existe alguma chance de o Censo ir a campo conforme recomendado pelo corpo técnico?

Olhando a última declaração da presidente, é não (não existe chance). Mas vai ser bem feito, não tenho a menor dúvida, o corpo técnico do IBGE é extremamente capacitado. O que tem hoje não garante a qualidade do sentindo amplo que se gostaria de ter. 

Seria melhor levar o Censo mais completo a campo em 2021 ou fazer em 2020 do que do jeito que foi apresentado agora?

Melhor agora, temos que fazer em 2020.

O País tem registros administrativos em qualidade e quantidade para substituir o que ficou de fora do Censo?

Estou falando como alguém que trabalha brigando por registros administrativos há pelo menos 25 anos. Estão falando de registro administrativo de forma muito simplória e talvez leviana. No mundo todo, o uso de registro administrativo é fundamental para o avanço das estatísticas. Isso é discutido em todos os seminários. O uso de registro administrativo não é uma solução que você vai tirar da cartola. É um processo, que começa primeiro com o convencimento das instituições para os registros serem compartilhados, tem que ter acesso ao microdado, tem que analisar esse registro, tem que preparar para gerar uma informação e essa informação ser oficial. O IBGE tem experiência de uso do registro, não venha dizer que é novidade. O que está se colocando é ter um projeto de complementação. Ter o registro agora não garante que o registro é adequado. Tem que discutir como interferir no registro para mudar o tipo de coleta ou de questionário. Um sistema integrado é um plano para 10 ou 15 anos. Cortar agora dizendo que vai substituir é ilusório. Tem que manter a coleta agora e trabalhar para substituir em 2030, e passar dez anos construindo um sistema de estatística demográfica, discutindo com governo, discutindo com produtores de registros. É assim que funciona.

Questionário básico do Censo Demográfico 2020 foi reduzido de 37 para 25 perguntas. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Mas os registros existem em quantidade e qualidade suficiente para suprir as necessidades do Censo?

Registro administrativo está prioritariamente associado à formalização. Ninguém sabe exatamente. É necessário um estudo para fazer um inventário dos registros, da qualidade dos registros. Além disso, num País como o Brasil, tem toda uma parte não registrada muito grande. Por isso tem a complementação de pesquisas domiciliares, para ter a visão do domicílio e das famílias. Registro administrativo é complemento sim, é o caminho, facilita, mas não é aquilo tudo, particularmente na área social. Na área de empresa nós podemos sim pegar registro da Receita Federal e substituir um questionário que pergunta a mesma coisa. Isso o IBGE está fazendo, está lutando para ter. Cada sistema desse tem que ser pensado e planejado.

O IBGE informou que parte das perguntas retiradas do Censo seria suprida no futuro pela Pnad Contínua, como as questões referentes às características do domicílio. Transferir uma coleta decenal para mensal não sobrecarrega de qualquer maneira o instituto?

Todos os nossos projetos de expansão têm um pré-requisito básico: a estrutura do IBGE tem que ser ampliada. A estrutura é a rede de coleta, que hoje está deficiente, com pessoas se aposentando. A POF Contínua é um exemplo, ela não foi a campo porque a rede não tem condições de incorporar uma pesquisa que seria de coleta mensal, sobrecarregando o que já tem da Pnad Contínua. A Pnad é uma pesquisa que já faz 70 mil entrevistas por mês. Claro que é possível colocar mais variáveis lá dentro, um ponto ou outro, que ela sustenta. Mas qual o limite? Isso que tem que ser pensado. Há uma série de outros projetos, o sistema de estáticas brasileiro não é um sistema que se reduz ao Censo. Esse sistema pode se desintegrar se algumas medidas não foram feitas. Tenho dito desde o fim do ano passado que se não tivesse concurso várias pesquisas estariam comprometidas, inclusive o Censo. O IBGE tinha 8 mil funcionários, caiu para algo como 5 mil. Todos os nossos projetos têm que ter orçamento, têm que ter reposição.

Pode afetar as pesquisas conjunturais?

Pode afetar tudo. No curto prazo não, mas no médio prazo, cinco anos. Cinco anos ou menos.

O IBGE tem que brigar todo ano pelo orçamento?

Todo ano, pelo orçamento básico.

Mas os projetos aumentam, a população aumenta.

Como chega a um ponto de não ter uma agenda estatística, de encarar a agenda estatística como um ativo de conhecimento que permita governar melhor esse País? Não é monopólio brasileiro ter uma crise. A necessidade de informação é crescente. Tem que aumentar a granularidade, que é investir mais em conhecimento. O IBGE tem essa agenda, o País não tem. Mas o Brasil tem que ter uma agenda também. Não pode discutir só em 2019 o orçamento para um Censo que tem coleta em 2020.

Na sua gestão, o IBGE pediu liberação de um concurso para preenchimento de 1.800 vagas definitivas para substituição dos 1.800 servidores que se aposentaram nos últimos oito anos. Até o ano passado, 60% das 536 agências pelo País tinham pessoas aposentadas com abono de permanência. Diante da resistência do governo a novos concursos, o órgão conseguiria continuar a funcionar com essa dinâmica de perda de funcionários concursados?

O IBGE tem um projeto imenso. Essa agenda necessita de apoio, gente, tecnologia. Não tem dinheiro para comprar software, equipamento. Tem que ter planejamento de médio prazo. Se o IBGE baixa dos 5 mil funcionários que tem agora para 3 mil, não vai dar, vai ter que cortar pesquisa. Não tem como não cortar.

RIO - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) precisa ter orçamento e corpo técnico recompostos no prazo máximo de cinco anos, ou a produção das pesquisas conjunturais será afetada, afirmou o ex-presidente do órgão Roberto Olinto. Em pouco mais de uma década, o total de servidores recuou 36%, de 7.346 em janeiro de 2008 para 4.726 em maio deste ano. Quase um terço dos remanescentes (27%, ou 1.296 servidores que ainda estão trabalhando) já está em condições de se aposentar, informou o sindicato de servidores do IBGE.

O ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, funcionário de carreira do instituto. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Olinto, funcionário de carreira do órgão desde 1980, foi substituído no fim de fevereiro por Susana Cordeiro Guerra, indicada pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Desde então, atuava como conselheiro da presidência do instituto, mas optou pela aposentadoria em meio a discordâncias sobre os rumos da nova direção. Também já foi diretor de Pesquisas e coordenador de Contas Nacionais no IBGE.

Agora trabalha como pesquisador associado no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Na FGV, atuará na área de pesquisa sobre Contas Nacionais, a especialidade que o levou a integrar um grupo de trabalho na Comissão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas para discutir o futuro das estatísticas econômicas. O relatório será apresentado na reunião da comissão na ONU em 2021.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Olinto criticou a forma como vem sendo conduzida a preparação para o Censo Demográfico 2020 e lembrou que a luta por recursos e reposição de servidores no órgão não se restringe ao levantamento censitário. É uma batalha anual, que já inviabilizou a realização da última contagem populacional e fez a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) ir a campo com defasagem de cinco anos. Veja a seguir os principais pontos da entrevista

O sr. deixou a presidência do IBGE em um momento desafiador, de corte orçamentário, de redução do corpo técnico via aposentadorias e de coleta em campo do mais importante levantamento do País, o Censo Demográfico. Apesar de ter ficado acertado com o ministro Paulo Guedes que permaneceria como conselheiro da presidência, preferiu a aposentadoria. O que pesou nessa decisão?

Quando tem discordância, o mais saudável é se afastar. Se não posso usar minha experiência de tantos anos e tantos cargos no IBGE pra ajudar, não tem sentido eu ficar apenas discordando. Me dedicarei a outros projetos que acho mais interessantes nesse momento.

O sr. sempre defendeu que o Censo fosse a campo conforme formulado pelo corpo técnico, se posicionando reiteradamente contra o corte orçamentário e enxugamento do levantamento. É possível mensurar as perdas decorrentes da redução do questionário já anunciada? Existe alguma chance de o Censo ir a campo conforme recomendado pelo corpo técnico?

Olhando a última declaração da presidente, é não (não existe chance). Mas vai ser bem feito, não tenho a menor dúvida, o corpo técnico do IBGE é extremamente capacitado. O que tem hoje não garante a qualidade do sentindo amplo que se gostaria de ter. 

Seria melhor levar o Censo mais completo a campo em 2021 ou fazer em 2020 do que do jeito que foi apresentado agora?

Melhor agora, temos que fazer em 2020.

O País tem registros administrativos em qualidade e quantidade para substituir o que ficou de fora do Censo?

Estou falando como alguém que trabalha brigando por registros administrativos há pelo menos 25 anos. Estão falando de registro administrativo de forma muito simplória e talvez leviana. No mundo todo, o uso de registro administrativo é fundamental para o avanço das estatísticas. Isso é discutido em todos os seminários. O uso de registro administrativo não é uma solução que você vai tirar da cartola. É um processo, que começa primeiro com o convencimento das instituições para os registros serem compartilhados, tem que ter acesso ao microdado, tem que analisar esse registro, tem que preparar para gerar uma informação e essa informação ser oficial. O IBGE tem experiência de uso do registro, não venha dizer que é novidade. O que está se colocando é ter um projeto de complementação. Ter o registro agora não garante que o registro é adequado. Tem que discutir como interferir no registro para mudar o tipo de coleta ou de questionário. Um sistema integrado é um plano para 10 ou 15 anos. Cortar agora dizendo que vai substituir é ilusório. Tem que manter a coleta agora e trabalhar para substituir em 2030, e passar dez anos construindo um sistema de estatística demográfica, discutindo com governo, discutindo com produtores de registros. É assim que funciona.

Questionário básico do Censo Demográfico 2020 foi reduzido de 37 para 25 perguntas. Foto: Fabio Motta/Estadão - 22/2/2019

Mas os registros existem em quantidade e qualidade suficiente para suprir as necessidades do Censo?

Registro administrativo está prioritariamente associado à formalização. Ninguém sabe exatamente. É necessário um estudo para fazer um inventário dos registros, da qualidade dos registros. Além disso, num País como o Brasil, tem toda uma parte não registrada muito grande. Por isso tem a complementação de pesquisas domiciliares, para ter a visão do domicílio e das famílias. Registro administrativo é complemento sim, é o caminho, facilita, mas não é aquilo tudo, particularmente na área social. Na área de empresa nós podemos sim pegar registro da Receita Federal e substituir um questionário que pergunta a mesma coisa. Isso o IBGE está fazendo, está lutando para ter. Cada sistema desse tem que ser pensado e planejado.

O IBGE informou que parte das perguntas retiradas do Censo seria suprida no futuro pela Pnad Contínua, como as questões referentes às características do domicílio. Transferir uma coleta decenal para mensal não sobrecarrega de qualquer maneira o instituto?

Todos os nossos projetos de expansão têm um pré-requisito básico: a estrutura do IBGE tem que ser ampliada. A estrutura é a rede de coleta, que hoje está deficiente, com pessoas se aposentando. A POF Contínua é um exemplo, ela não foi a campo porque a rede não tem condições de incorporar uma pesquisa que seria de coleta mensal, sobrecarregando o que já tem da Pnad Contínua. A Pnad é uma pesquisa que já faz 70 mil entrevistas por mês. Claro que é possível colocar mais variáveis lá dentro, um ponto ou outro, que ela sustenta. Mas qual o limite? Isso que tem que ser pensado. Há uma série de outros projetos, o sistema de estáticas brasileiro não é um sistema que se reduz ao Censo. Esse sistema pode se desintegrar se algumas medidas não foram feitas. Tenho dito desde o fim do ano passado que se não tivesse concurso várias pesquisas estariam comprometidas, inclusive o Censo. O IBGE tinha 8 mil funcionários, caiu para algo como 5 mil. Todos os nossos projetos têm que ter orçamento, têm que ter reposição.

Pode afetar as pesquisas conjunturais?

Pode afetar tudo. No curto prazo não, mas no médio prazo, cinco anos. Cinco anos ou menos.

O IBGE tem que brigar todo ano pelo orçamento?

Todo ano, pelo orçamento básico.

Mas os projetos aumentam, a população aumenta.

Como chega a um ponto de não ter uma agenda estatística, de encarar a agenda estatística como um ativo de conhecimento que permita governar melhor esse País? Não é monopólio brasileiro ter uma crise. A necessidade de informação é crescente. Tem que aumentar a granularidade, que é investir mais em conhecimento. O IBGE tem essa agenda, o País não tem. Mas o Brasil tem que ter uma agenda também. Não pode discutir só em 2019 o orçamento para um Censo que tem coleta em 2020.

Na sua gestão, o IBGE pediu liberação de um concurso para preenchimento de 1.800 vagas definitivas para substituição dos 1.800 servidores que se aposentaram nos últimos oito anos. Até o ano passado, 60% das 536 agências pelo País tinham pessoas aposentadas com abono de permanência. Diante da resistência do governo a novos concursos, o órgão conseguiria continuar a funcionar com essa dinâmica de perda de funcionários concursados?

O IBGE tem um projeto imenso. Essa agenda necessita de apoio, gente, tecnologia. Não tem dinheiro para comprar software, equipamento. Tem que ter planejamento de médio prazo. Se o IBGE baixa dos 5 mil funcionários que tem agora para 3 mil, não vai dar, vai ter que cortar pesquisa. Não tem como não cortar.

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