'Tenho ajudado a trazer Deus para a Terra', diz fundador da Cyrela


Empresário de sucesso, Elie Horn faz da ajuda aos pobres uma 'missão de vida' e avisa: a educação 'é a salvação da ignorância'

Por Sonia Racy

Ele começou praticamente do zero e conseguiu se tornar um nome de peso na construção de prédios no País – onde somou, durante seis décadas, fortuna avaliada pela Forbes em algo em torno de US$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, ele é destaque na filantropia do empresariado brasileiro. Esses dois universos andam juntos no dia a dia de Elie Horn*, fundador da Cyrela, hoje presidente de seu conselho, que decidiu doar a causas de apoio social 60% de seu patrimônio. Primeiro brasileiro a integrar o The Giving Pledge, grupo que reúne bilionários doadores como Bill Gates e Warren Buffet, Horn dedica-se, ainda, a convencer outros bilionários brasileiros a aderirem à cruzada. 

“Só estamos aqui no mundo para ajudar o pobre. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana”, diz nesta entrevista à série Cenários, em que relata sua história, típica de um “self-made man”. Nascido na Síria, ele veio ainda criança para o Brasil e abriu caminho batendo perna por todo lado. Seguiu a tradição de família. O avô foi um filantropo na Síria, o pai repetiu esse gesto, e ele manteve a escrita. Tudo isso comprando e vendendo casas, depois terrenos, por fim construindo prédios, num ritmo puxado. “Se fosse mole, seria um inferno.”

continua após a publicidade

Ao longo da vida, o empresário foi criando as próprias lições: “Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo”. Outra, “o País tem que ter menos regras e mais liberdade”. E põe o dedo numa questão central: “O que precisa é mais educação para o povo. Enquanto não houver educação maciça, não teremos voto consciente”. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

'Obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção', diz Elie Horn. Foto: Hélvio Romero/Estadão

O Brasil foi muito atingido pela pandemia mas parece que o setor imobiliário resistiu e está em evolução. Como vê a situação dessa área, onde o sr. tem atuado fortemente?

continua após a publicidade

Começamos com um pouco de crise em março, abril, até julho de 2020. De agosto em diante, a coisa deslanchou e está indo muito bem. Até quando, não sei, mas até aqui está indo bem.

De que modo vê o financiamento de imóveis no País? Ele consegue incentivar as pessoas?

Tem muito dinheiro disponível para financiar tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas. Nunca teve tanto dinheiro quanto agora. O que é muito bom, permite que cada um tenha condição de comprar sua casa. Acho que nunca foi tão bom quanto agora. 

continua após a publicidade

É porque os juros estão baixos?

É porque tem dinheiro de sobra. A meu ver o Banco Central vem atuando bem, o ministro da Economia também. A construção de prédios aumentou muito em relação ao ano passado, por causa do boom do setor. Os empresários queriam um pouco mais de liberdade, se a tivessem eles teriam feito melhor. O País precisa ter menos regras e mais liberdade para que haja mais exportação, mais importação, mais livre-comércio e assim por diante. Avançamos muito, mas falta muito ainda.

No seu caso, isso tudo tem uma longa história, que é a história da Cyrela. Como foi que o sr. começou, lá atrás, e chegou até aqui? 

continua após a publicidade

Eu tinha 19 anos e comecei a comprar e vender apartamentos sem dinheiro. Um exemplo: o apartamento valia US$ 10 mil, eu dava US$ 1 mil de sinal, US$ 3 mil em 90 dias e US$ 6 mil em 36 meses, com juros sem correção. Assim dava folga para eu vender o imóvel e pagar a dívida. Ah, o sinal era emprestado. Deu certo, e passamos a comprar terrenos, fizemos mais de 100 transações nesse sistema. 

Alguma vez não conseguiu vender e ficou devendo?

Que eu saiba, não. Sempre vendemos a tempo. Aí, de comprador e vendedor de terreno passamos para a construtora. Começou na crise do petróleo e até hoje não parou. A Cyrela faz hoje construções residenciais, temos um pouco de setor hospitalar e temos o setor financeiro com aval imobiliário.

continua após a publicidade

Voltando agora a 2021, com tanta liquidez pelo mundo inteiro, o sr. não teme uma bolha imobiliária, como já ocorreu no passado? 

Se eu soubesse, seria profeta. Como não sei, o que posso fazer é prevenir o problema. Ou seja, tem um crédito novo? Cadê? Quando que, antigamente, você terminava tudo o que começou sem precisar recorrer a bancos? Se você tem um crédito positivo e sólido, não corre tanto perigo.

E de que modo o sr. se protege na atual situação de pandemia?

continua após a publicidade

Com o cash flow devido. Nosso cash flow prevê pagamentos até quatro anos, sem vender nada e sem prorrogar papéis em banco.

O sr. enfrenta riscos? Como vê os desafios, hoje, para um empreendedor?

O medo existe sempre, sem medo não tem vida. O que é preciso é dominá-lo. Ou seja, você faz um balanço do contra e a favor e escolhe a decisão a tomar, no seu nível de ambição e nível de risco. Mas tem de entender que o risco é limitado, você não pode quebrar. Se alguém quebra, é no mínimo estúpido.

O sr. entrou, com vigor, no mundo da filantropia e tem atuado bastante na área. Como tem sido essa sua experiência?

A vida é o palco do bem, é o teste do bem. Só estamos aqui vivos pra fazer o bem, ou para nos omitirmos. Não vejo outra explicação, essa é a única válida.

Acha que as outras pessoas compartilham dessa ideia?

Se não compartilham agora, vão compartilhar depois. O mundo é um “trailer”, tem muitas reencarnações, no fim todos vão concordar. A verdade é uma só. 

O sr. ajuda pessoas há muitos anos e decidiu doar boa parte de sua fortuna já em vida. Poderia falar um pouco a respeito disso?

Meu avô levantou recursos em 1914, na Inglaterra, para ajudar 3 mil órfãos que viviam na Síria. Meu pai, aos 40 anos, doou tudo o que tinha para caridade, embora não tivesse muito. Mas o que vale é o princípio. Achei que a lição era boa, eu não podia ficar longe disso. Aí decidimos, em família, doar 60% do patrimônio, não do lucro. 

Que tipo de projetos tem ajudado? 

Tenho ajudado a trazer Deus para a Terra. E procuro também ajudar os pobres, providenciar comida, dar apoio a meninas abusadas, também em saúde e educação, a erradicar favelas, uma orquestra filarmônica em favela, apoiar bailarinas cegas a estudar balé e assim por diante.

Contratou gente para ajudar? 

No começo participei, do meio para frente não controlo. E tem coisas bonitas. Uns três anos atrás, fui no Norte, na Amigos do Bem, da Alcione Albanesi. Milhares de crianças me deram beijos na ida e na volta. Foi o dia mais beijoqueiro da minha vida. 

E quanto à economia brasileira? Vê chance de sairmos do buraco atual?

O problema do mundo é a mentalidade. Precisa mudar a política, fazer o Congresso ajudar o empresariado a ir melhor. Mas no todo as empresas avançam. O que precisa fazer é mais educação para o povo. A educação é a salvação da ignorância. Enquanto não houver educação maciça, nunca teremos voto consciente.

A que atribui o seu sucesso?

Deus me provoca no bom sentido. Ele não me deixa perder muito dinheiro, quando quero fazer alguma besteira Ele me proíbe. E Ele tem uma vantagem, eu sou sócio d’Ele. Ele tem 60%, eu 40%. Ele não quer que eu perca dinheiro, então me dá bênção. 

Como é essa bênção?

Bênção é trazer o fluxo de Deus para a pessoa. Quando você faz o bem, Deus te ajuda. Dou um exemplo. Em 2005 eu fiz um IPO da Cyrela, a ação subiu 30 vezes naquele ano. Isso é inteligência? Não. Sabedoria? Tampouco. É pura sorte. E por quê? Em função de Ele me dar um lucro adicional para ver se eu ia me comportar direito ou não. Eu cumpri o compromisso, com um patrimônio muito maior.

Que pensa do nosso empresariado?

O empresariado é inteligente, lutador, precisamos deixar ele um pouco em paz. A política tem de ser de um jeito que não embrulhe o País, que já paga muito entre Executivo, Legislativo e Judiciário, isso custa muito caro ao Brasil. Quem paga o pato são os pobres. 

O sr. é privatista? Apoia a privatização das empresas públicas?

Totalmente. Sou capitalista de centro. Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo. Sem privatização o país não funciona. 

Mas se fala muito na desigualdade social, que não existe só no Brasil, é no mundo todo. Como vê isso?

Vejo que a obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção. Aliás, o rico existe para ajudar o pobre. O dinheiro que vem a mais é para ajudar o terceiro, não para ficar na gaveta. Se eu fosse presidente, chamaria as 20 pessoas de mais competência na economia, e lotearia 20 partes do governo: cada um se vira, de maneira empresarial. Quem teve sucesso empresarial vai ter sucesso no governo. 

Mas existem leis, o sr. sabe disso.

Quem dá dinheiro não precisa de lei para dar. Se tiver uma lei, ajuda. Se não tiver, ajuda do mesmo jeito. Esse é o segredo, abrir mão de si. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana. 

Diria que os empresários estão aprendendo a doar?

Dou o exemplo do maior benemérito brasileiro, que foi o Amador Aguiar. Ele fez uma escola que educou 60 mil pessoas pobres, deu dignidade, profissão. Melhor que isso não existe. Aguiar é o número 1, inconteste. Nos Estados Unidos tem o casal (ex-casal Bill e Belinda) Gates. Eles doaram 90% da fortuna, um exemplo raríssimo. O que fiz é pouco diante deles. 

Por que o sr. não comanda um movimento para os empresários daqui doarem mais?

Por que você não ajuda também? Conhece todo mundo. Temos trabalhado nesse sentido. E contamos com sócios novos, todos boas pessoas. Alguns falando em doar metade do patrimônio. Quem não tiver tempo para isso é porque não tem planejamento e está fadado a levar uma vida oca e se perder no tempo.

E como lida, pessoalmente, com dinheiro? Reinveste na Cyrela?

A gente não reinveste, ela está dando dividendos. Investimos em setores novos, hospitais, fundos e outras organizações. No setor imobiliário quase não invisto dinheiro, a empresa é autossuficiente. 

Tem algum setor em especial onde poderia investir?

A tecnologia é o futuro do mundo. Meu filho menor, o Jonathan, está aprendendo nessa área. Aí vamos investir mais. 

Qual a mensagem que deixaria, neste final de conversa? 

Que cada um faça um exame de consciência, medite sobre sua vida e tente fazer o bem ao seu redor. Se cada um fizer isso, o mundo fica um pouquinho melhor.

*SÍRIO DE ALEPO, NO BRASIL DESDE MENINO, CRIOU A CYRELA BRAZIL REALTY, QUE COMANDOU ATÉ 2014. INTEGRANTE DO THE GIVING PLEDGE, DOOU 60% DE SEU PATRIMÔNIO A AÇÕES DE APOIO SOCIAL.

Ele começou praticamente do zero e conseguiu se tornar um nome de peso na construção de prédios no País – onde somou, durante seis décadas, fortuna avaliada pela Forbes em algo em torno de US$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, ele é destaque na filantropia do empresariado brasileiro. Esses dois universos andam juntos no dia a dia de Elie Horn*, fundador da Cyrela, hoje presidente de seu conselho, que decidiu doar a causas de apoio social 60% de seu patrimônio. Primeiro brasileiro a integrar o The Giving Pledge, grupo que reúne bilionários doadores como Bill Gates e Warren Buffet, Horn dedica-se, ainda, a convencer outros bilionários brasileiros a aderirem à cruzada. 

“Só estamos aqui no mundo para ajudar o pobre. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana”, diz nesta entrevista à série Cenários, em que relata sua história, típica de um “self-made man”. Nascido na Síria, ele veio ainda criança para o Brasil e abriu caminho batendo perna por todo lado. Seguiu a tradição de família. O avô foi um filantropo na Síria, o pai repetiu esse gesto, e ele manteve a escrita. Tudo isso comprando e vendendo casas, depois terrenos, por fim construindo prédios, num ritmo puxado. “Se fosse mole, seria um inferno.”

Ao longo da vida, o empresário foi criando as próprias lições: “Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo”. Outra, “o País tem que ter menos regras e mais liberdade”. E põe o dedo numa questão central: “O que precisa é mais educação para o povo. Enquanto não houver educação maciça, não teremos voto consciente”. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

'Obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção', diz Elie Horn. Foto: Hélvio Romero/Estadão

O Brasil foi muito atingido pela pandemia mas parece que o setor imobiliário resistiu e está em evolução. Como vê a situação dessa área, onde o sr. tem atuado fortemente?

Começamos com um pouco de crise em março, abril, até julho de 2020. De agosto em diante, a coisa deslanchou e está indo muito bem. Até quando, não sei, mas até aqui está indo bem.

De que modo vê o financiamento de imóveis no País? Ele consegue incentivar as pessoas?

Tem muito dinheiro disponível para financiar tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas. Nunca teve tanto dinheiro quanto agora. O que é muito bom, permite que cada um tenha condição de comprar sua casa. Acho que nunca foi tão bom quanto agora. 

É porque os juros estão baixos?

É porque tem dinheiro de sobra. A meu ver o Banco Central vem atuando bem, o ministro da Economia também. A construção de prédios aumentou muito em relação ao ano passado, por causa do boom do setor. Os empresários queriam um pouco mais de liberdade, se a tivessem eles teriam feito melhor. O País precisa ter menos regras e mais liberdade para que haja mais exportação, mais importação, mais livre-comércio e assim por diante. Avançamos muito, mas falta muito ainda.

No seu caso, isso tudo tem uma longa história, que é a história da Cyrela. Como foi que o sr. começou, lá atrás, e chegou até aqui? 

Eu tinha 19 anos e comecei a comprar e vender apartamentos sem dinheiro. Um exemplo: o apartamento valia US$ 10 mil, eu dava US$ 1 mil de sinal, US$ 3 mil em 90 dias e US$ 6 mil em 36 meses, com juros sem correção. Assim dava folga para eu vender o imóvel e pagar a dívida. Ah, o sinal era emprestado. Deu certo, e passamos a comprar terrenos, fizemos mais de 100 transações nesse sistema. 

Alguma vez não conseguiu vender e ficou devendo?

Que eu saiba, não. Sempre vendemos a tempo. Aí, de comprador e vendedor de terreno passamos para a construtora. Começou na crise do petróleo e até hoje não parou. A Cyrela faz hoje construções residenciais, temos um pouco de setor hospitalar e temos o setor financeiro com aval imobiliário.

Voltando agora a 2021, com tanta liquidez pelo mundo inteiro, o sr. não teme uma bolha imobiliária, como já ocorreu no passado? 

Se eu soubesse, seria profeta. Como não sei, o que posso fazer é prevenir o problema. Ou seja, tem um crédito novo? Cadê? Quando que, antigamente, você terminava tudo o que começou sem precisar recorrer a bancos? Se você tem um crédito positivo e sólido, não corre tanto perigo.

E de que modo o sr. se protege na atual situação de pandemia?

Com o cash flow devido. Nosso cash flow prevê pagamentos até quatro anos, sem vender nada e sem prorrogar papéis em banco.

O sr. enfrenta riscos? Como vê os desafios, hoje, para um empreendedor?

O medo existe sempre, sem medo não tem vida. O que é preciso é dominá-lo. Ou seja, você faz um balanço do contra e a favor e escolhe a decisão a tomar, no seu nível de ambição e nível de risco. Mas tem de entender que o risco é limitado, você não pode quebrar. Se alguém quebra, é no mínimo estúpido.

O sr. entrou, com vigor, no mundo da filantropia e tem atuado bastante na área. Como tem sido essa sua experiência?

A vida é o palco do bem, é o teste do bem. Só estamos aqui vivos pra fazer o bem, ou para nos omitirmos. Não vejo outra explicação, essa é a única válida.

Acha que as outras pessoas compartilham dessa ideia?

Se não compartilham agora, vão compartilhar depois. O mundo é um “trailer”, tem muitas reencarnações, no fim todos vão concordar. A verdade é uma só. 

O sr. ajuda pessoas há muitos anos e decidiu doar boa parte de sua fortuna já em vida. Poderia falar um pouco a respeito disso?

Meu avô levantou recursos em 1914, na Inglaterra, para ajudar 3 mil órfãos que viviam na Síria. Meu pai, aos 40 anos, doou tudo o que tinha para caridade, embora não tivesse muito. Mas o que vale é o princípio. Achei que a lição era boa, eu não podia ficar longe disso. Aí decidimos, em família, doar 60% do patrimônio, não do lucro. 

Que tipo de projetos tem ajudado? 

Tenho ajudado a trazer Deus para a Terra. E procuro também ajudar os pobres, providenciar comida, dar apoio a meninas abusadas, também em saúde e educação, a erradicar favelas, uma orquestra filarmônica em favela, apoiar bailarinas cegas a estudar balé e assim por diante.

Contratou gente para ajudar? 

No começo participei, do meio para frente não controlo. E tem coisas bonitas. Uns três anos atrás, fui no Norte, na Amigos do Bem, da Alcione Albanesi. Milhares de crianças me deram beijos na ida e na volta. Foi o dia mais beijoqueiro da minha vida. 

E quanto à economia brasileira? Vê chance de sairmos do buraco atual?

O problema do mundo é a mentalidade. Precisa mudar a política, fazer o Congresso ajudar o empresariado a ir melhor. Mas no todo as empresas avançam. O que precisa fazer é mais educação para o povo. A educação é a salvação da ignorância. Enquanto não houver educação maciça, nunca teremos voto consciente.

A que atribui o seu sucesso?

Deus me provoca no bom sentido. Ele não me deixa perder muito dinheiro, quando quero fazer alguma besteira Ele me proíbe. E Ele tem uma vantagem, eu sou sócio d’Ele. Ele tem 60%, eu 40%. Ele não quer que eu perca dinheiro, então me dá bênção. 

Como é essa bênção?

Bênção é trazer o fluxo de Deus para a pessoa. Quando você faz o bem, Deus te ajuda. Dou um exemplo. Em 2005 eu fiz um IPO da Cyrela, a ação subiu 30 vezes naquele ano. Isso é inteligência? Não. Sabedoria? Tampouco. É pura sorte. E por quê? Em função de Ele me dar um lucro adicional para ver se eu ia me comportar direito ou não. Eu cumpri o compromisso, com um patrimônio muito maior.

Que pensa do nosso empresariado?

O empresariado é inteligente, lutador, precisamos deixar ele um pouco em paz. A política tem de ser de um jeito que não embrulhe o País, que já paga muito entre Executivo, Legislativo e Judiciário, isso custa muito caro ao Brasil. Quem paga o pato são os pobres. 

O sr. é privatista? Apoia a privatização das empresas públicas?

Totalmente. Sou capitalista de centro. Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo. Sem privatização o país não funciona. 

Mas se fala muito na desigualdade social, que não existe só no Brasil, é no mundo todo. Como vê isso?

Vejo que a obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção. Aliás, o rico existe para ajudar o pobre. O dinheiro que vem a mais é para ajudar o terceiro, não para ficar na gaveta. Se eu fosse presidente, chamaria as 20 pessoas de mais competência na economia, e lotearia 20 partes do governo: cada um se vira, de maneira empresarial. Quem teve sucesso empresarial vai ter sucesso no governo. 

Mas existem leis, o sr. sabe disso.

Quem dá dinheiro não precisa de lei para dar. Se tiver uma lei, ajuda. Se não tiver, ajuda do mesmo jeito. Esse é o segredo, abrir mão de si. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana. 

Diria que os empresários estão aprendendo a doar?

Dou o exemplo do maior benemérito brasileiro, que foi o Amador Aguiar. Ele fez uma escola que educou 60 mil pessoas pobres, deu dignidade, profissão. Melhor que isso não existe. Aguiar é o número 1, inconteste. Nos Estados Unidos tem o casal (ex-casal Bill e Belinda) Gates. Eles doaram 90% da fortuna, um exemplo raríssimo. O que fiz é pouco diante deles. 

Por que o sr. não comanda um movimento para os empresários daqui doarem mais?

Por que você não ajuda também? Conhece todo mundo. Temos trabalhado nesse sentido. E contamos com sócios novos, todos boas pessoas. Alguns falando em doar metade do patrimônio. Quem não tiver tempo para isso é porque não tem planejamento e está fadado a levar uma vida oca e se perder no tempo.

E como lida, pessoalmente, com dinheiro? Reinveste na Cyrela?

A gente não reinveste, ela está dando dividendos. Investimos em setores novos, hospitais, fundos e outras organizações. No setor imobiliário quase não invisto dinheiro, a empresa é autossuficiente. 

Tem algum setor em especial onde poderia investir?

A tecnologia é o futuro do mundo. Meu filho menor, o Jonathan, está aprendendo nessa área. Aí vamos investir mais. 

Qual a mensagem que deixaria, neste final de conversa? 

Que cada um faça um exame de consciência, medite sobre sua vida e tente fazer o bem ao seu redor. Se cada um fizer isso, o mundo fica um pouquinho melhor.

*SÍRIO DE ALEPO, NO BRASIL DESDE MENINO, CRIOU A CYRELA BRAZIL REALTY, QUE COMANDOU ATÉ 2014. INTEGRANTE DO THE GIVING PLEDGE, DOOU 60% DE SEU PATRIMÔNIO A AÇÕES DE APOIO SOCIAL.

Ele começou praticamente do zero e conseguiu se tornar um nome de peso na construção de prédios no País – onde somou, durante seis décadas, fortuna avaliada pela Forbes em algo em torno de US$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, ele é destaque na filantropia do empresariado brasileiro. Esses dois universos andam juntos no dia a dia de Elie Horn*, fundador da Cyrela, hoje presidente de seu conselho, que decidiu doar a causas de apoio social 60% de seu patrimônio. Primeiro brasileiro a integrar o The Giving Pledge, grupo que reúne bilionários doadores como Bill Gates e Warren Buffet, Horn dedica-se, ainda, a convencer outros bilionários brasileiros a aderirem à cruzada. 

“Só estamos aqui no mundo para ajudar o pobre. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana”, diz nesta entrevista à série Cenários, em que relata sua história, típica de um “self-made man”. Nascido na Síria, ele veio ainda criança para o Brasil e abriu caminho batendo perna por todo lado. Seguiu a tradição de família. O avô foi um filantropo na Síria, o pai repetiu esse gesto, e ele manteve a escrita. Tudo isso comprando e vendendo casas, depois terrenos, por fim construindo prédios, num ritmo puxado. “Se fosse mole, seria um inferno.”

Ao longo da vida, o empresário foi criando as próprias lições: “Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo”. Outra, “o País tem que ter menos regras e mais liberdade”. E põe o dedo numa questão central: “O que precisa é mais educação para o povo. Enquanto não houver educação maciça, não teremos voto consciente”. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

'Obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção', diz Elie Horn. Foto: Hélvio Romero/Estadão

O Brasil foi muito atingido pela pandemia mas parece que o setor imobiliário resistiu e está em evolução. Como vê a situação dessa área, onde o sr. tem atuado fortemente?

Começamos com um pouco de crise em março, abril, até julho de 2020. De agosto em diante, a coisa deslanchou e está indo muito bem. Até quando, não sei, mas até aqui está indo bem.

De que modo vê o financiamento de imóveis no País? Ele consegue incentivar as pessoas?

Tem muito dinheiro disponível para financiar tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas. Nunca teve tanto dinheiro quanto agora. O que é muito bom, permite que cada um tenha condição de comprar sua casa. Acho que nunca foi tão bom quanto agora. 

É porque os juros estão baixos?

É porque tem dinheiro de sobra. A meu ver o Banco Central vem atuando bem, o ministro da Economia também. A construção de prédios aumentou muito em relação ao ano passado, por causa do boom do setor. Os empresários queriam um pouco mais de liberdade, se a tivessem eles teriam feito melhor. O País precisa ter menos regras e mais liberdade para que haja mais exportação, mais importação, mais livre-comércio e assim por diante. Avançamos muito, mas falta muito ainda.

No seu caso, isso tudo tem uma longa história, que é a história da Cyrela. Como foi que o sr. começou, lá atrás, e chegou até aqui? 

Eu tinha 19 anos e comecei a comprar e vender apartamentos sem dinheiro. Um exemplo: o apartamento valia US$ 10 mil, eu dava US$ 1 mil de sinal, US$ 3 mil em 90 dias e US$ 6 mil em 36 meses, com juros sem correção. Assim dava folga para eu vender o imóvel e pagar a dívida. Ah, o sinal era emprestado. Deu certo, e passamos a comprar terrenos, fizemos mais de 100 transações nesse sistema. 

Alguma vez não conseguiu vender e ficou devendo?

Que eu saiba, não. Sempre vendemos a tempo. Aí, de comprador e vendedor de terreno passamos para a construtora. Começou na crise do petróleo e até hoje não parou. A Cyrela faz hoje construções residenciais, temos um pouco de setor hospitalar e temos o setor financeiro com aval imobiliário.

Voltando agora a 2021, com tanta liquidez pelo mundo inteiro, o sr. não teme uma bolha imobiliária, como já ocorreu no passado? 

Se eu soubesse, seria profeta. Como não sei, o que posso fazer é prevenir o problema. Ou seja, tem um crédito novo? Cadê? Quando que, antigamente, você terminava tudo o que começou sem precisar recorrer a bancos? Se você tem um crédito positivo e sólido, não corre tanto perigo.

E de que modo o sr. se protege na atual situação de pandemia?

Com o cash flow devido. Nosso cash flow prevê pagamentos até quatro anos, sem vender nada e sem prorrogar papéis em banco.

O sr. enfrenta riscos? Como vê os desafios, hoje, para um empreendedor?

O medo existe sempre, sem medo não tem vida. O que é preciso é dominá-lo. Ou seja, você faz um balanço do contra e a favor e escolhe a decisão a tomar, no seu nível de ambição e nível de risco. Mas tem de entender que o risco é limitado, você não pode quebrar. Se alguém quebra, é no mínimo estúpido.

O sr. entrou, com vigor, no mundo da filantropia e tem atuado bastante na área. Como tem sido essa sua experiência?

A vida é o palco do bem, é o teste do bem. Só estamos aqui vivos pra fazer o bem, ou para nos omitirmos. Não vejo outra explicação, essa é a única válida.

Acha que as outras pessoas compartilham dessa ideia?

Se não compartilham agora, vão compartilhar depois. O mundo é um “trailer”, tem muitas reencarnações, no fim todos vão concordar. A verdade é uma só. 

O sr. ajuda pessoas há muitos anos e decidiu doar boa parte de sua fortuna já em vida. Poderia falar um pouco a respeito disso?

Meu avô levantou recursos em 1914, na Inglaterra, para ajudar 3 mil órfãos que viviam na Síria. Meu pai, aos 40 anos, doou tudo o que tinha para caridade, embora não tivesse muito. Mas o que vale é o princípio. Achei que a lição era boa, eu não podia ficar longe disso. Aí decidimos, em família, doar 60% do patrimônio, não do lucro. 

Que tipo de projetos tem ajudado? 

Tenho ajudado a trazer Deus para a Terra. E procuro também ajudar os pobres, providenciar comida, dar apoio a meninas abusadas, também em saúde e educação, a erradicar favelas, uma orquestra filarmônica em favela, apoiar bailarinas cegas a estudar balé e assim por diante.

Contratou gente para ajudar? 

No começo participei, do meio para frente não controlo. E tem coisas bonitas. Uns três anos atrás, fui no Norte, na Amigos do Bem, da Alcione Albanesi. Milhares de crianças me deram beijos na ida e na volta. Foi o dia mais beijoqueiro da minha vida. 

E quanto à economia brasileira? Vê chance de sairmos do buraco atual?

O problema do mundo é a mentalidade. Precisa mudar a política, fazer o Congresso ajudar o empresariado a ir melhor. Mas no todo as empresas avançam. O que precisa fazer é mais educação para o povo. A educação é a salvação da ignorância. Enquanto não houver educação maciça, nunca teremos voto consciente.

A que atribui o seu sucesso?

Deus me provoca no bom sentido. Ele não me deixa perder muito dinheiro, quando quero fazer alguma besteira Ele me proíbe. E Ele tem uma vantagem, eu sou sócio d’Ele. Ele tem 60%, eu 40%. Ele não quer que eu perca dinheiro, então me dá bênção. 

Como é essa bênção?

Bênção é trazer o fluxo de Deus para a pessoa. Quando você faz o bem, Deus te ajuda. Dou um exemplo. Em 2005 eu fiz um IPO da Cyrela, a ação subiu 30 vezes naquele ano. Isso é inteligência? Não. Sabedoria? Tampouco. É pura sorte. E por quê? Em função de Ele me dar um lucro adicional para ver se eu ia me comportar direito ou não. Eu cumpri o compromisso, com um patrimônio muito maior.

Que pensa do nosso empresariado?

O empresariado é inteligente, lutador, precisamos deixar ele um pouco em paz. A política tem de ser de um jeito que não embrulhe o País, que já paga muito entre Executivo, Legislativo e Judiciário, isso custa muito caro ao Brasil. Quem paga o pato são os pobres. 

O sr. é privatista? Apoia a privatização das empresas públicas?

Totalmente. Sou capitalista de centro. Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo. Sem privatização o país não funciona. 

Mas se fala muito na desigualdade social, que não existe só no Brasil, é no mundo todo. Como vê isso?

Vejo que a obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção. Aliás, o rico existe para ajudar o pobre. O dinheiro que vem a mais é para ajudar o terceiro, não para ficar na gaveta. Se eu fosse presidente, chamaria as 20 pessoas de mais competência na economia, e lotearia 20 partes do governo: cada um se vira, de maneira empresarial. Quem teve sucesso empresarial vai ter sucesso no governo. 

Mas existem leis, o sr. sabe disso.

Quem dá dinheiro não precisa de lei para dar. Se tiver uma lei, ajuda. Se não tiver, ajuda do mesmo jeito. Esse é o segredo, abrir mão de si. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana. 

Diria que os empresários estão aprendendo a doar?

Dou o exemplo do maior benemérito brasileiro, que foi o Amador Aguiar. Ele fez uma escola que educou 60 mil pessoas pobres, deu dignidade, profissão. Melhor que isso não existe. Aguiar é o número 1, inconteste. Nos Estados Unidos tem o casal (ex-casal Bill e Belinda) Gates. Eles doaram 90% da fortuna, um exemplo raríssimo. O que fiz é pouco diante deles. 

Por que o sr. não comanda um movimento para os empresários daqui doarem mais?

Por que você não ajuda também? Conhece todo mundo. Temos trabalhado nesse sentido. E contamos com sócios novos, todos boas pessoas. Alguns falando em doar metade do patrimônio. Quem não tiver tempo para isso é porque não tem planejamento e está fadado a levar uma vida oca e se perder no tempo.

E como lida, pessoalmente, com dinheiro? Reinveste na Cyrela?

A gente não reinveste, ela está dando dividendos. Investimos em setores novos, hospitais, fundos e outras organizações. No setor imobiliário quase não invisto dinheiro, a empresa é autossuficiente. 

Tem algum setor em especial onde poderia investir?

A tecnologia é o futuro do mundo. Meu filho menor, o Jonathan, está aprendendo nessa área. Aí vamos investir mais. 

Qual a mensagem que deixaria, neste final de conversa? 

Que cada um faça um exame de consciência, medite sobre sua vida e tente fazer o bem ao seu redor. Se cada um fizer isso, o mundo fica um pouquinho melhor.

*SÍRIO DE ALEPO, NO BRASIL DESDE MENINO, CRIOU A CYRELA BRAZIL REALTY, QUE COMANDOU ATÉ 2014. INTEGRANTE DO THE GIVING PLEDGE, DOOU 60% DE SEU PATRIMÔNIO A AÇÕES DE APOIO SOCIAL.

Ele começou praticamente do zero e conseguiu se tornar um nome de peso na construção de prédios no País – onde somou, durante seis décadas, fortuna avaliada pela Forbes em algo em torno de US$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, ele é destaque na filantropia do empresariado brasileiro. Esses dois universos andam juntos no dia a dia de Elie Horn*, fundador da Cyrela, hoje presidente de seu conselho, que decidiu doar a causas de apoio social 60% de seu patrimônio. Primeiro brasileiro a integrar o The Giving Pledge, grupo que reúne bilionários doadores como Bill Gates e Warren Buffet, Horn dedica-se, ainda, a convencer outros bilionários brasileiros a aderirem à cruzada. 

“Só estamos aqui no mundo para ajudar o pobre. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana”, diz nesta entrevista à série Cenários, em que relata sua história, típica de um “self-made man”. Nascido na Síria, ele veio ainda criança para o Brasil e abriu caminho batendo perna por todo lado. Seguiu a tradição de família. O avô foi um filantropo na Síria, o pai repetiu esse gesto, e ele manteve a escrita. Tudo isso comprando e vendendo casas, depois terrenos, por fim construindo prédios, num ritmo puxado. “Se fosse mole, seria um inferno.”

Ao longo da vida, o empresário foi criando as próprias lições: “Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo”. Outra, “o País tem que ter menos regras e mais liberdade”. E põe o dedo numa questão central: “O que precisa é mais educação para o povo. Enquanto não houver educação maciça, não teremos voto consciente”. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

'Obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção', diz Elie Horn. Foto: Hélvio Romero/Estadão

O Brasil foi muito atingido pela pandemia mas parece que o setor imobiliário resistiu e está em evolução. Como vê a situação dessa área, onde o sr. tem atuado fortemente?

Começamos com um pouco de crise em março, abril, até julho de 2020. De agosto em diante, a coisa deslanchou e está indo muito bem. Até quando, não sei, mas até aqui está indo bem.

De que modo vê o financiamento de imóveis no País? Ele consegue incentivar as pessoas?

Tem muito dinheiro disponível para financiar tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas. Nunca teve tanto dinheiro quanto agora. O que é muito bom, permite que cada um tenha condição de comprar sua casa. Acho que nunca foi tão bom quanto agora. 

É porque os juros estão baixos?

É porque tem dinheiro de sobra. A meu ver o Banco Central vem atuando bem, o ministro da Economia também. A construção de prédios aumentou muito em relação ao ano passado, por causa do boom do setor. Os empresários queriam um pouco mais de liberdade, se a tivessem eles teriam feito melhor. O País precisa ter menos regras e mais liberdade para que haja mais exportação, mais importação, mais livre-comércio e assim por diante. Avançamos muito, mas falta muito ainda.

No seu caso, isso tudo tem uma longa história, que é a história da Cyrela. Como foi que o sr. começou, lá atrás, e chegou até aqui? 

Eu tinha 19 anos e comecei a comprar e vender apartamentos sem dinheiro. Um exemplo: o apartamento valia US$ 10 mil, eu dava US$ 1 mil de sinal, US$ 3 mil em 90 dias e US$ 6 mil em 36 meses, com juros sem correção. Assim dava folga para eu vender o imóvel e pagar a dívida. Ah, o sinal era emprestado. Deu certo, e passamos a comprar terrenos, fizemos mais de 100 transações nesse sistema. 

Alguma vez não conseguiu vender e ficou devendo?

Que eu saiba, não. Sempre vendemos a tempo. Aí, de comprador e vendedor de terreno passamos para a construtora. Começou na crise do petróleo e até hoje não parou. A Cyrela faz hoje construções residenciais, temos um pouco de setor hospitalar e temos o setor financeiro com aval imobiliário.

Voltando agora a 2021, com tanta liquidez pelo mundo inteiro, o sr. não teme uma bolha imobiliária, como já ocorreu no passado? 

Se eu soubesse, seria profeta. Como não sei, o que posso fazer é prevenir o problema. Ou seja, tem um crédito novo? Cadê? Quando que, antigamente, você terminava tudo o que começou sem precisar recorrer a bancos? Se você tem um crédito positivo e sólido, não corre tanto perigo.

E de que modo o sr. se protege na atual situação de pandemia?

Com o cash flow devido. Nosso cash flow prevê pagamentos até quatro anos, sem vender nada e sem prorrogar papéis em banco.

O sr. enfrenta riscos? Como vê os desafios, hoje, para um empreendedor?

O medo existe sempre, sem medo não tem vida. O que é preciso é dominá-lo. Ou seja, você faz um balanço do contra e a favor e escolhe a decisão a tomar, no seu nível de ambição e nível de risco. Mas tem de entender que o risco é limitado, você não pode quebrar. Se alguém quebra, é no mínimo estúpido.

O sr. entrou, com vigor, no mundo da filantropia e tem atuado bastante na área. Como tem sido essa sua experiência?

A vida é o palco do bem, é o teste do bem. Só estamos aqui vivos pra fazer o bem, ou para nos omitirmos. Não vejo outra explicação, essa é a única válida.

Acha que as outras pessoas compartilham dessa ideia?

Se não compartilham agora, vão compartilhar depois. O mundo é um “trailer”, tem muitas reencarnações, no fim todos vão concordar. A verdade é uma só. 

O sr. ajuda pessoas há muitos anos e decidiu doar boa parte de sua fortuna já em vida. Poderia falar um pouco a respeito disso?

Meu avô levantou recursos em 1914, na Inglaterra, para ajudar 3 mil órfãos que viviam na Síria. Meu pai, aos 40 anos, doou tudo o que tinha para caridade, embora não tivesse muito. Mas o que vale é o princípio. Achei que a lição era boa, eu não podia ficar longe disso. Aí decidimos, em família, doar 60% do patrimônio, não do lucro. 

Que tipo de projetos tem ajudado? 

Tenho ajudado a trazer Deus para a Terra. E procuro também ajudar os pobres, providenciar comida, dar apoio a meninas abusadas, também em saúde e educação, a erradicar favelas, uma orquestra filarmônica em favela, apoiar bailarinas cegas a estudar balé e assim por diante.

Contratou gente para ajudar? 

No começo participei, do meio para frente não controlo. E tem coisas bonitas. Uns três anos atrás, fui no Norte, na Amigos do Bem, da Alcione Albanesi. Milhares de crianças me deram beijos na ida e na volta. Foi o dia mais beijoqueiro da minha vida. 

E quanto à economia brasileira? Vê chance de sairmos do buraco atual?

O problema do mundo é a mentalidade. Precisa mudar a política, fazer o Congresso ajudar o empresariado a ir melhor. Mas no todo as empresas avançam. O que precisa fazer é mais educação para o povo. A educação é a salvação da ignorância. Enquanto não houver educação maciça, nunca teremos voto consciente.

A que atribui o seu sucesso?

Deus me provoca no bom sentido. Ele não me deixa perder muito dinheiro, quando quero fazer alguma besteira Ele me proíbe. E Ele tem uma vantagem, eu sou sócio d’Ele. Ele tem 60%, eu 40%. Ele não quer que eu perca dinheiro, então me dá bênção. 

Como é essa bênção?

Bênção é trazer o fluxo de Deus para a pessoa. Quando você faz o bem, Deus te ajuda. Dou um exemplo. Em 2005 eu fiz um IPO da Cyrela, a ação subiu 30 vezes naquele ano. Isso é inteligência? Não. Sabedoria? Tampouco. É pura sorte. E por quê? Em função de Ele me dar um lucro adicional para ver se eu ia me comportar direito ou não. Eu cumpri o compromisso, com um patrimônio muito maior.

Que pensa do nosso empresariado?

O empresariado é inteligente, lutador, precisamos deixar ele um pouco em paz. A política tem de ser de um jeito que não embrulhe o País, que já paga muito entre Executivo, Legislativo e Judiciário, isso custa muito caro ao Brasil. Quem paga o pato são os pobres. 

O sr. é privatista? Apoia a privatização das empresas públicas?

Totalmente. Sou capitalista de centro. Para ganhar dinheiro tem de ter capitalismo, para distribuir tem de ter socialismo. Sem privatização o país não funciona. 

Mas se fala muito na desigualdade social, que não existe só no Brasil, é no mundo todo. Como vê isso?

Vejo que a obrigação do rico é ajudar o pobre, não tem outra opção. Aliás, o rico existe para ajudar o pobre. O dinheiro que vem a mais é para ajudar o terceiro, não para ficar na gaveta. Se eu fosse presidente, chamaria as 20 pessoas de mais competência na economia, e lotearia 20 partes do governo: cada um se vira, de maneira empresarial. Quem teve sucesso empresarial vai ter sucesso no governo. 

Mas existem leis, o sr. sabe disso.

Quem dá dinheiro não precisa de lei para dar. Se tiver uma lei, ajuda. Se não tiver, ajuda do mesmo jeito. Esse é o segredo, abrir mão de si. Ajudar terceiros é a maior obrigação humana. 

Diria que os empresários estão aprendendo a doar?

Dou o exemplo do maior benemérito brasileiro, que foi o Amador Aguiar. Ele fez uma escola que educou 60 mil pessoas pobres, deu dignidade, profissão. Melhor que isso não existe. Aguiar é o número 1, inconteste. Nos Estados Unidos tem o casal (ex-casal Bill e Belinda) Gates. Eles doaram 90% da fortuna, um exemplo raríssimo. O que fiz é pouco diante deles. 

Por que o sr. não comanda um movimento para os empresários daqui doarem mais?

Por que você não ajuda também? Conhece todo mundo. Temos trabalhado nesse sentido. E contamos com sócios novos, todos boas pessoas. Alguns falando em doar metade do patrimônio. Quem não tiver tempo para isso é porque não tem planejamento e está fadado a levar uma vida oca e se perder no tempo.

E como lida, pessoalmente, com dinheiro? Reinveste na Cyrela?

A gente não reinveste, ela está dando dividendos. Investimos em setores novos, hospitais, fundos e outras organizações. No setor imobiliário quase não invisto dinheiro, a empresa é autossuficiente. 

Tem algum setor em especial onde poderia investir?

A tecnologia é o futuro do mundo. Meu filho menor, o Jonathan, está aprendendo nessa área. Aí vamos investir mais. 

Qual a mensagem que deixaria, neste final de conversa? 

Que cada um faça um exame de consciência, medite sobre sua vida e tente fazer o bem ao seu redor. Se cada um fizer isso, o mundo fica um pouquinho melhor.

*SÍRIO DE ALEPO, NO BRASIL DESDE MENINO, CRIOU A CYRELA BRAZIL REALTY, QUE COMANDOU ATÉ 2014. INTEGRANTE DO THE GIVING PLEDGE, DOOU 60% DE SEU PATRIMÔNIO A AÇÕES DE APOIO SOCIAL.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.